Fantasmas Cinzas escrita por Mariana


Capítulo 2
Fantasmas Cinzas




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As notícias ruins machucam menos quando você as escuta em boa companhia. Se alguém te empurra de uma janela no sexto andar e você bate num toldo, no capô de um carro e num amontoado de sacos plásticos de lixo antes de se esborrachar na calçada, você tem boas chances de sobreviver.

Depois de meses tentando se convencer — o que viria a me esclarecer mais tarde — Ângelo finalmente disse que estava me deixando. E, naquele momento, eu não tinha nenhuma espécie de amortecedor.

Enquanto ele já ensaiava seu grand finale, eu ainda sonhava com o depois de amanhã. Como se fôssemos seres simbióticos, me concentrava em quando descansaríamos das nossas voltas pelo mundo, quando o mundo já nem seria mais o mesmo. Imaginava nós dois grisalhos, num momento em que a nossa vida poderia se resumir a uma tranquilidade quase hospitaleira e que talvez pudéssemos, casualmente, andar de mãos dadas e viver um amor senil de carícias leves e beijos sem língua. Ingenuidade nunca foi uma boa qualidade.

E mesmo envolvida em toda uma atmosfera de cumplicidade que fazemos questão de manter – seja pela rotina, pelo carinho ou por amor — a gente sempre sabe, no fundo, quando a coisa está bem ou não. Ninguém é trouxa o bastante de não perceber quando os olhos perdem o brilho, quando o sorriso pouco se ilumina, quando a presença já não é mais imprescindível.

O limite da paixão se delimita, se transmuta em carinho e diminuem as admirações práticas. Enxergamos a hora de recuar, reconhecemos nossos pretextos e compreendemos uma espécie de rota de fuga. E, ainda assim, tentamos nos enganar.

Contornar uma situação fadada ao fracasso é desejar seu próprio sofrimento. Às vezes a gente se corta, chora de dor e passa remédio na ferida, tentando amenizar aquela sensação desagradável. Mas não adianta: a coisa continua ali, latente, aguardando apenas uma distração para se manifestar nas mentiras que a gente mesmo inventa. Quem não sabe, afinal, quando fonte seca ou quando ainda há água para nossa sede eterna?

Eu já sentia minha sede insaciável.

Eu já não matava a fome de Ângelo. Saber que acabou é fácil. O difícil é dizer: “Giovana, não dá mais para ficarmos juntos assim”. Não, não. O mais difícil, mesmo, é escutar que não dá mais.


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