Hoje faz cinco dias que Ângelo me demitiu do posto de sua namorada. Cinco dias desde aquela segunda-feira em que ele me olhou como se olhasse para um par de sapatos velhos no canto da sala.

Não tenho muito em que pensar, a não ser revisitar nossa história através de fotos, e-mails antigos e mensagens no celular — confesso que o resto da vida pouco me agrada. Encontrei há pouco uma revista que trouxe, sem querer, do consultório dermatológico que acompanhei Ângelo certa vez.

Folheando, parei numa matéria sobre competição de motos em trilhas. Um ponto interessante diz que, se você avistar um buraco adiante, deve obrigatoriamente desviar o olhar dele para não cair; senão, é queda em cheio. Uma espécie de ímã para o desastre.

Não tenho pendor para aventuras e dispenso passeios de motos, mas começo a crer que temos mesmo uma fascinação pela catástrofe.

Ângelo e eu vimos nosso destino traçado naquela cama, um beijo que terminaria cinco anos depois com um retrogosto amargo na boca. E por olharmos atentamente o buraco, não conseguimos desviar dele. Não percebemos os desvios que nos salvariam.

Nós dois sempre fomos grandes amigos: de confidências, de telefonemas, de momentos singelos. Éramos amigos de cinema, de literatura, de música. Quando estávamos juntos, as outras pessoas desapareciam ao nosso redor. Ângelo e eu conversávamos como se só existíssemos nós dois no mundo. Cantávamos nossa música olhando nos olhos, fixamente, até intimidarmos quem nos observava. Até que um dia nos beijamos longamente naquela cama, numa sexta-feira à noite. E, no silêncio daquele beijo, nós desafinamos, sumimos um no outro.

Hoje, Tom Jobim diria que esse desafino causa imensa dor. E a nossa música perdeu todo o sentindo.