Lorem escrita por The Klown


Capítulo 2
Capítulo 1 - Quer queira ou não




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/23733/chapter/2

 

   O despertador tocou, fazendo soar aquele conhecido timbre agudo. O homem na cama fez um movimento com as mãos, e o despertador saiu voando pela janela lateral, para o mundo afora. O quarto era, no mínimo, bagunçado. Roupas e outras bugigangas estavam penduradas na escrivaninha doméstica e a sua cadeira giratória, encostadas ao lado da porta. Do outro lado, um guarda-roupa comum, não muito grande, de madeira. A enorme cama onde o homem do despertador estava deitado era igualmente bagunçada. A mesa-de-cabeceira aonde o despertador outrora estava apinhado dos mais diversos documentos e papelada.

   O homem deitado na cama em meio a bagunça, levantou vagarosamente o seu tronco, os olhos entreabertos. Seus cabelos pretos, comumente espetados, estavam bagunçados e despenteados. Os olhos verdes abriram, revelando o seu brilho, Seu pijama azul estava rasgado, assim como as suas meias escuras. E seu nome era Stewart M. Kennedy.

   “Stu” era como os seus melhores amigos, Johnny e Martin, o chamavam. Era mais prático do que seu nome inteiro. Do trio, ele normalmente era o palhaço. Não aquele tipo de palhaço sem graça que ninguém gosta, mas aquele que adora aprontar algumas confusões vez ou outra. Com “vez ou outra”, leia-se “quase sempre”. Stewart quase fora preso diversas vezes, entretanto as suas habilidades, combinadas com as de seus amigos, lhe faziam escapar por pouco de ser levado em cana. Stu confiava muito em seus amigos, afinal, vinte anos de amizade não é coisa de se desprezar.

   As suas habilidades especiais, na verdade, eram só uma. Geralmente chamada pelos outros de “telecinese”, a famosa habilidade envolvia mover objetos ou pessoas com apenas usando o seu cérebro, e, canalizando-o pela sua mão. Telecinéticos mais experientes podem dispensar o uso das mãos. Acredite, era um poder deveras útil.

   Martin, o seu amigo com quem possuía maior afinidade, corria bem rápido. Ele podia atingir velocidades muito grandes, enormes, apenas com os seus pés, cuja maior velocidade que já atingiram foi dez mil quilômetros por hora. Em resumo, podia dar uma volta em torno de Clare em apenas segundos, e isso também tinha muita utilidade, embora o seu emprego não use dela.

   Já Johnny, o último integrante do trio, tinha o poder de voar. Ele poderia alcançar grandes altitudes, embora nunca passasse da estratosfera por questões de oxigênio.

   Voltando a Stewart, o tal lentamente se virou para a sua direita e levantou-se de sua cama. Bocejou alto, tentando abafar sem sucesso com as suas mãos. Com um movimento das mãos, o guarda-roupa no canto do quarto se abriu, e uma camiseta azul e uma calça preta saíram e, voando pelo quarto, pararam suavemente na mão de seu dono.

   Foi nessa hora que ele percebeu o calor que fazia em Cite naquele dia. Achou as roupas não-apropriadas, iria morrer de calor se vestisse aquilo. Outro movimento das mãos deu conta do recado, guardando as roupas calorosas e saindo do mesmo guarda-roupa, roupas mais frescas.

   Então Stewart despiu seu pijama. Estava sentindo calor, e muito. Apenas com as suas roupas íntimas, deitou-se em sua cama e aproveitou o frescor de estar sem roupas por alguns minutos, até que quase cochilou. Era melhor se levantar, antes que caísse de vez no sono, afinal, precisava ir ao trabalho.

   Levantou-se e vestiu as suas roupas. Após a simples tarefa estar terminada, caminhou até a porta e tocou o seu polegar em um painel sensível ao lado da porta. Um leve estalido foi ouvido. A porta se destrancou. Então, deslizou-se para o lado com um chiado baixo e agudo. Se espreguiçando, achatou o cabelo com as mãos e saiu para o corredor, sem sequer escovar os dentes.

   O chão do corredor era coberto por azulejos brancos levemente encardidos, assim como as suas paredes. Enquanto caminhava, de mãos nos bolsos, foi contando os números inscritos nas portas.

   No final, pegou um elevador. A porta se abriu e ele apertou o reluzente botão com um “T”. Os elevadores em Clare não eram mais sustentados por um sistema de cabos, mas por campos de repulsão eletromagnéticos. O elevador parou lentamente, e Stewart saiu para o saguão do térreo, onde cumprimentou o porteiro e saiu para as ruas, descendo a soleira de seu prédio.

   O sol brilhou com intensidade nos olhos de Stu, ofuscando a sua vista momentaneamente. Recuperando a visão, uma lembrança tomou conta dele: Ele não tinha para onde ir. Fora demitido na noite anterior.

   Naquela noite, ele estava trabalhando como barman no bar do bairro mais movimentado de toda a Cite, o Clark’s.  Martin e Johnny o fizeram uma visita surpresa. Tudo havia começado inocentemente. Um cumprimento, bebida por conta da casa, uma conversa descontraída...

   Martin, que não era muito bom em bebidas, caiu desmaiado. Johnny então, muito bêbado, começou a se insinuar para uma jovem freguesa do bar.

   Ela, cujo nome era Joan, não correspondia a Johnny, e o rejeitou educadamente, e ele ficou irritadiço. Depois de Joan continuar a resistir as suas investidas, ele pegou-a em seus braços, usando a força, e saiu do bar. Stu tentou impedi-lo, chegando a ameaçá-lo. Johnny ignorou-o e, ao ser quase puxado por ele, jogou-o contra uma parede. Ainda com uma Joan relutante em seus braços, ele saiu voando. Ameaçou-a de largar ela nos céus se ela continuasse a resistir a ele.  Johnny iria estuprá-la em pleno céu.

   Mas Joan usou sua habilidade. Deu um grito super-sônico ao ouvido do seu quase-estuprador. Ele, com um grito, soltou-a rapidamente. Acordou de seu “transe” que a bebida causou, recuperando a sanidade.

   Stewart, por pouco, conseguiu segurar a jovem. Após uma conversa que demorou algum tempo, ela concordou em não abrir um boletim de ocorrência contra Johnny. Mas Stewart, responsável pelos seus amigos, fora demitido.

   Com um suspiro, voltando ao presente, Stewart sentou-se na soleira de seu prédio, desanimado. Adorara trabalhar no Clark’s. Bem, precisava se animar. Decidiu então, do nada, ir visitar Martin em seu emprego. Ficava a algumas quadras de lá.

   A pé, atravessou as movimentadas ruas de Cite, vagarosamente, olhando para o céu. Devido ao Sol, diferente nessa parte da galáxia, o céu era de um tom avermelhado durante o dia inteiro. As ruas de lá eram limpas, desde que o povo que saiu da Terra adquiriu o hábito de preservar a sua moradia, hábito que fora passado de pai para filho. Afinal, o mesmo erro não deve-se cometer duas vezes. Isso era burrice.

   Continuando a caminhar, mirando os prédios pelos quais passava, o jovem se dirigiu até a corporação onde trabalhava Martin. Ele esquecera o nome, porém sabia que tinha algo a ver com construção de naves espaciais, algo comum. Mas não sabia que fora tal empresa que produziu as naves que evacuaram a Terra em 2026. Obviamente, a tecnologia espacial evoluiu, e a velocidade da luz era atingida por tais naves.

   Ele adentrou o edifício. O saguão era enorme, iluminado pela luz solar e construído a moldes antigos que, por ironia, eram mais avançados do que os terráqueos.

   Stewart foi até o balcão onde a recepcionista estava. A tal tinha cabelos loiros, curtos e encaracolados. Um batom vermelho em sua boca contrastava com o seu rosto pálido. Ele não sabia, mas ela não estava de bom humor no dia. Seu namorado a havia deixado na noite anterior, ela perdeu o ônibus para o trabalho, teve que ir a pé, e chegou atrasada, levando uma bronca de seu chefe. E adicionando uma TPM.

   Mas, como citado, ele não fazia idéia disso.

   -Bom dia, senhorita – disse ele, com um sorriso sedutor não correspondido.

   -O que quer? – retrucou rispidamente a atendente. Ele se assustou com a sua rispidez, então procurou ser mais sutil

   -Er... procuro por Martin Johnson

   -Quarto andar, segundo corredor – respondeu sem olhar no rosto de Stu, mirando suas unhas esmaltadas.

   Ele agradeceu brevemente e se dirigiu ao elevador, onde apertou o “4”, escrito em uma letra chique. Enquanto subia, ficou mirando a sua imagem no espelho ao fundo. Lambeu sua mão e passou por seu cabelo, alisando-o.

   Olhando para o resto do seu corpo, notou que não estava vestido apropriadamente para aquele lugar, onde todos estavam engravatados e chiques. Mas que eles se danassem, ele não iria passar muito tempo ali.

   A porta abriu-se, e Martin veio recebê-lo pessoalmente. A recepcionista devia ter-lhe avisado de sua chegada.

   -Marty! – exclamou Stu, sorridente

   -Bom dia, Stu... – disse ele, meio que envergonhado. Esse era o velho Martin.

   Após cumprimentados devidamente, Stewart explicou que a sua visita tinha sido apenas para passar o tempo e não tinha lugar para ir.

   -Stu – disse o amigo em tom de reprovação – Você não pode chegar do nada em meu trabalho apenas por companhia. Olhe, na sala de espera tem umas revistas interessantes, quando meu expediente acabar eu me junto à você.

   Ele concordou, e passou o tempo em uma sala com sofás macios lendo revistas esportivas. Após o relógio apontar meio-dia, Martin saiu de sua sala, e ambos foram embora. Stewart furtou a revista que estava lendo, achou-a interessante.

 

--

 

   Aquele lugar se chamava “Lorem”. Era um pequeno planeta, deserto, quase que inabitado, extremamente árido. Ele se encontrava no braço da Via Láctea, um planeta insignificante em uma galáxia insignificante.

   Um sol branco e brilhante iluminava o céu que era levemente alaranjado. Aquele planeta tinha pequenas reservas de água, e uma desertificação assombrosa.

   Quando digo “quase inabitado”, é verdade. Apenas algumas criaturas desconhecidas pelos clarenses habitavam o planeta. Elas não tinham nome, mas eram bestas disformes e humanóides, palidamente cinzentas e com olhos sem íris.

   Fora isso, apenas mais uma espécie vivia ali: humanos. Vindos de Clare, eles se refugiaram para Lorem após o E.V.O.L. ser inventado. Apesar de terem o EVOL em suas veias, não gostaram de tal coisa, e saíram do planeta em um auto-exílio. Não eram mais de duas centenas, e construíram um pequeno vilarejo perto de um pequeno rio. De todo o vilarejo, a maior coisa que se podia enxergar era um prédio. Um edifício enorme e cinzento que alcançava o céu. Acima de seus portões frontais, um “H.A.N.K. Corp.” podia ser lido. A HANK trabalhava para poder extrair o EVOL das pessoas de Lorem.

   A hierarquia da H.A.N.K. era assim: Presidente –> Vice Presidente -> Executivos Seniores de Administração -> Cientistas -> Operários.

   Os Executivos Seniores de Administração, abreviado apenas para “Seniores” pelo resto dos funcionários, era como a elite de Lorem. Eram compostos apenas por quatro pessoas. E, naquele exato momento, estavam a ponto de começar uma reunião.

 

   A sala de reuniões estava escura. Mal iluminada, apenas uma mesa enfeitava a sala. De fato, era uma salinha pobre. A mesa era redonda e de madeira gasta, com cinco cadeiras distribuídas igualmente. Era parecida com a “Távola Redonda”. E apenas uma das cadeiras estava vazia.

Em três das cinco cadeiras, homens de terno preto e bem arrumados estavam sentados. Um dele era Jonathan Hawk, cujo poder envolvia se transmutar em outras aparências, chegando a imitar animais ou alienígenas. Tinha no momento cabelos castanhos claros e espetados, olhos verdes e uma pele clara e lisa. Fumava um cigarro.

   Outro era um homem equivalente a asiático na terra, chamado Fou J. Tong. Olhos puxados, usava óculos e cabelos lisos e “lambidos”. Ele podia se teleportar para outros lugares, bem útil.

   O último engravatado podia adquirir a consistência do metal, e se tornar muito mais forte. Olhos frios, cabelos loiros e bagunçados, era deveras alto. Era Aron Smith.

   Agora, um dos seniores falta ser apresentado. Sentado na direção oposta a porta, contrastava com seus colegas bem arrumados. Era completamente bizarro. Usava roupas quase que medievais, um chapéu de bufão bem longo e uma máscara branca com dois círculos pretos que eram olhos e uma boca aberta e sorridente vermelha. Nenhum dos outros seniores jamais havia visto por baixo dessa máscara. Seu nome era Scott Hartman, mas era conhecido por todos como “Klown”, devido a máscara e ao chapéu. Sua habilidade era copiar o poder dos outros. Ele podia usar a habilidade de qualquer um, desde que tenha entrado em contato pelo toque nessa pessoa.

   Ele já tinha copiado o poder de todos na empresa, exceto o de duas pessoas: o do vice-presidente e o do presidente da corporação, e isso o enchia de rancor. Diziam as más línguas que ele era mentalmente desequilibrado, fato que se comprovava com o seu senso de moda.

   A porta se abriu sem barulho, e o vice-presidente entrou. Ele era baixo, ruivo com cabelos curtos, e seu poder era controlar os movimentos de alguém, literalmente falando. Seu nome era Ted.

   -Bem, comecemos. – ele tomou a palavra – Bem, nosso projeto está quase que finalizado, e o presidente está muito feliz com isso.

   Todos balançaram a cabeça em sinal de aprovação.

   -Finalmente, poderemos tomar a parte final do plano: Precisaremos de uma cobaia, voluntária ou não. Claro que essa cobaia não será um de nós, escolheremos alguém do povão.

   E com um sorriso malicioso acrescentou: “Quer ela queira ou não”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!