Always Attract escrita por Lena Portela


Capítulo 9
Capítulo 6 - E se eu soubesse... que você não é bom para mim?


Notas iniciais do capítulo

Olá, meninas! Tempão, né?
Bem, provavelmente vocês estão por dentro do que eu estou fazendo e o porque de eu ter passado tanto tempo sem postar. Mas, só para não deixar de cumprir a tradição das desculpas: eu estava ocupada com a universidade e os inúuuuumeros trabalhos (só fica pior). Além de tudo, meu notebook pifou e teve essa manutenção do Nyah!... Só queria agradecer a quem tem me acompanhado e mandando mensagens de apoio e me aporrinhado no twitter e talz. Esse aqui é para compensar por tudo.
Quero saber o que está acontecendo com vocês também. Não deixem de comentar! Até a próxima!

Ps: para quem acompanha Rehab, eu gostaria de informar que as postagens podem demorar um pouco mais para sair porque eu perdi o arquivo que eu tinha com a história quando meu notebook pifou. Por sorte, eu havia salvo IDL. É isso. Desculpem pela demora.



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Capitulo VI

E se eu soubesse... que você não é bom para mim?

O seu passado te segura com uma coleira/ mas pelo que me disseram, você bem que mereceu/ faço um blefe, diga o que quiser/ estou te observando de lá de cima/ eu imploro por atenção em pequenas doses/ deixo a cena com cheiro de rosas mortas” Loverboy, You At Me Six.



Segurei a porta aberta, uma mão aparando o peso da madeira escura e a outra segurando com desleixo a alça da minha mochila. Olhei para a grande sombra cruzando os braços acima de mim. As palavras haviam saído dos lábios do meu irmão, mas eu apenas não conseguia compreender. Para crédito meu, as coisas que ele disse não faziam o menor sentido.

Franzi as sobrancelhas e inclinei um pouco a cabeça para o lado. Apontando meu ouvido para ele. Talvez assim eu pudesse ouvir o que ele realmente disse e não uma projeção causada pela minha propensão a mais do que muito sono pela manhã. – O que você disse?

Ele nem suspirou, seus olhos permaneceram em mim. Dois orbes escuros enfeitados por uma infinidade de cílios castanhos mais escuros ainda. – Eu vou te levar para a escola hoje.

Ri um pouco, me virando para sair logo em seguida. – Tá certo. – eu disse a ele.

Sua voz era desconcertantemente séria quando ele falou novamente. – Eu vou te levar para a escola hoje, Suzanna.

Por algum motivo, que eu não queria pensar muito sobre, eu tinha recebido ligações do meu pai e ordens murmuradas da minha mãe sobre como eu não poderia colocar os pés para fora de casa até que as aulas retornassem. A única solução para essa reação atípica estava no fato de que meu irmão tinha conversado com meus pais. Ele tinha estado assustadoramente próximo a mim durante as semanas que se seguiram, acompanhando de perto os meus passos e ligações. Sobretudo as que eram marcadas com o nome de Kaio.

Meu irmão estava agindo como um psicopata desde aquela noite estranha em que Dafne esteve aqui.

Suspirei; ao contrario dele eu não tinha problema algum em demonstrar meu aborrecimento. – Eu não preciso de carona. – estreitei os olhos para a sua atitude antipática. – Ou de uma babá.

– Sei que você pensa que vai encontrar uma saída segura ou uma válvula de escape em Kaio. – ele passou as mãos grandes por seus cachos macios. – Sei que você pensa que ele te entende, que vocês tem essa coisa juntos, a partilha de algo que ninguém mais no mundo consegue entender. Mas não funciona dessa forma, Suzanna. O processo de se apaixonar já é muito mais complicado sem a interferência de coisas ruins na bagagem. Acredite em mim, eu sei que tudo parece uma boa escolha agora, mas não é. Não é. Eu não quero que você só perceba isso no fim. Você não está perdida, Suzanna. Você nunca esteve. Confie em mim sobre isso.

Olhei em seus olhos. – Isso é sobre a sua coisa com a Dafne? Porque se for...

– Não há muito coisa sobrando entre Dafne e eu. Ou melhor, - meu irmão riu amargamente. – não há muita coisa sobrando de Dafne e eu.

Todas as conversas e ameaças dos meus pais e o castigo incluso... Nada disso me fez vacilar ou temer. Mas, as palavras do meu irmão, ou a dor... sim, sim, eu senti medo.

Depois de um silêncio tenso, meu irmão puxou uma mochila, que eu ainda não tinha notado, para as suas costas e pousou a mão morena na minha cabeça. Seu olhar fraternal me fez voltar aos cinco anos outra vez. – Você me importunou para que eu voltasse a agir como um ser humano normal. Eu estou indo para aquele inferno de qualquer maneira. Agora, você pode aproveitar a carona. É meu último oferecimento.

Mesmo que eu soubesse que aquela sua presença marcada no Lemoine tivesse muito mais ligação com o fato de ele estar querendo me proteger do que por ele querer se formar, eu não esperei que ele desistisse da oferta.

...

Sabe, voltar para a escola sempre é um processo interessante. Ver seus amigos novamente, comentar o que há de novo nas matérias, “onde você passou as férias?”, “sabe quem está grávida?”, “o professor tal foi demitido”, “olhem o novo casalzinho”, “sabem aquela garota estranha de cabelo vermelho?”, o de sempre. Mas, dessa vez, parecia que alguma coisa havia mudado. Se era em mim ou no ambiente em que me encontrava, eu não poderia dizer.

Amarrei meus cachos avermelhados em um rabo-de-cavalo apertado, ajeitei os óculos escuros e a mochila em um dos ombros. Minhas botas de combate roçaram a pele abaixo do meu joelho, e senti o vento frio vindo do litoral em minhas pernas parcialmente cobertas pela saia que eu usava naquele dia. Continuei a manter o padrão das camisas estampadas, mas a de hoje era cinza e puxada para um decote em “v” desleixado, deixando à amostra meu recém-adquirido bronzeado. Lancei um olhar divertido para o meu irmão e seu braço em meus ombros. Eu não sei se sua intenção ia além da possibilidade de me proteger só de Kaio ou dos garotos em geral, mas eu estava notando os olhares e as conversinhas. Até que descobrissem que éramos apenas irmãos, eu suspeitava que eu estaria sendo o alvo de fofocas de começo das aulas.

Fiquei decepcionada ao saber que isso ainda me incomodava no fim das contas.

Chegamos até o ponto onde Douglas deveria seguir para o lado oposto ao meu, levantei-me nas pontas dos pés e plantei um beijo em sua bochecha. Afastei-me rapidamente, não dando a chance para que ele tivesse a ideia de me escoltar até a porta da sala de aula. - Te vejo mais tarde! – Gritei sobre o ombro.

Caminhei mais rápido que o normal, só para o caso de ele ter decidido vir atrás de mim. Quando já estava virando o corredor, olhei para trás uma ou duas vezes até confirmar que ele não me seguia, relaxei desde então.

Distrai-me em meus pensamentos bagunçados desde que eu podia me lembrar, não prestando atenção aos cochichos, mesmo porque eles estavam ficando mais escassos a medida que eu me aproximava da sala de aula. Comecei um debate silencioso dentro de minha mente sobre o significado dos beijos de Kaio, os arrepios que ele arrancava de mim, os meus e os seus sorrisos. Sobretudo aquele sentimento compartilhado – homem, eu sabia que sim. – que pairava no ar toda vez que nos olhávamos, a vibração na pele quando a dele tocava a minha e aquele intenso desejo de me perder dentro da tentação que tudo nele oferecia.

Tentei ser racional, voltar ao meu isolamento, ao mundo fora do mundo em que eu vivia, porém não consegui. O portão foi fechado na minha cara e eu fui taxada de traidora pelo meu próprio eu introspectivo, calmo, ciente dos perigos e medroso por machucados. Ele me sussurrou coisas horríveis sobre o meu futuro, embora o que eu posso dizer? Eu estava além da beira do precipício.

Enfim Kaio havia conseguido me tirar do meu lugar seguro.

Eu não podia me importar menos.

...

Durante todo o primeiro dia de aula eu não tive um vislumbre de Kaio. É claro que se falava dele muito mais do que qualquer pessoa poderia aturar, mas não consegui qualquer tipo de interação com o garoto que esteve em minha mente durante o restante das férias. Parei de procurar por ele com a sensação amarga no fundo do estômago de que ninguém poderia desaparecer assim a menos que quisesse isso.

Kaio nunca veio até mim, mas os problemas com ele me encontraram facilmente.

Ele se aproximou de mim com uma confiança que eu queria esmagar a socos, embora não fosse do tipo violenta e nem tivesse qualquer razão mais profunda para acertá-lo a não ser minha antipatia por seu rosto de mauricinho, a conversa suja e a atitude nauseante. Nem me dei ao trabalho de responder quando ele insinuou que sabia quem eu era. Continuei caminhando, mas desliguei a música em meus fones de ouvidos, tentando antecipar qualquer aproximação sua.

Ele me puxou tão forte para próximo de seu corpo que eu precisei de toda minha concentração para não cair e levá-lo junto comigo diretamente para o chão. Oliver era do tipo que estava no topo da cadeia alimentar do Lemoine, ainda que não fosse simpático o bastante para ser popular. Ele era zagueiro do time de futebol da escola e da universidade. Diziam por ai que o cara era bom, mas nada disso encobria a canalhisse que vinha junto com o talento. Ou o fato de que ele sabotava seus adversários. Eu sabia disso porque ele tinha feito isso com algumas pessoas as quais eu conheci.

– O que você quer? – perguntei entre dentes, porque sabia que pedir para que ele me soltasse não resolveria. O cara simplesmente não conhecia educação.

Ele sorriu cheio de dentes perfeitos, perguntei quanto custou as idas ao especialista. Um trabalho de mestre, eu admitia. – Um minuto da sua atenção apenas, minha querida.

Não caí nessa. – Você precisa mesmo me molestar enquanto isso?

O sorriso em seu rosto ficou maior, embora mais torto, sujo, cheio de segundas intenções. – Essa é a parte divertida. – disse com a voz suave. Segurou-me mais apertado quando me contorci para me libertar do seu aperto que só me aproximava mais de seu corpo. Eu não era cega e nem insensível quanto ao seu físico. Ele era do tipo forte, de altura mediana e pernas musculosas. Não fazia o meu tipo, apesar disso. Ele era muito duro, muito forte e muito nojento. – Ouvi coisas sobre você, sabe... – Segurou um cacho meu entre os dedos.

– Isso significa que você não é surdo. Meus parabéns.

Ele riu, parecia se divertir um bocado. – Você tem uma boca rápida, minha querida. Gosto disso. Mantém meu interesse. Não sei por que está desperdiçando seu tempo com um idiota como o Skyker.

– Deve ser porque ele tem um cérebro. – Eu comentei desistindo de gastar energia me contorcendo quando ele era obviamente mais forte.

Ele olhou meu rosto, baixando as pálpebras sobre os olhos azuis bebê. Olhos bonitos, mas a alma era podre. – Tenho algo melhor que cérebro para te oferecer, neném.

Contorci os lábios em sinal de desgosto. – Não estou interessada.

Oliver pareceu ficar irritado com minha recusa de me jogar aos seus pés e me tornar sua escrava. Eu queria que ele morresse, só isso. – Se você pensa que Kaio é melhor que eu, então provavelmente você só é mais uma dessas garotas bobas apaixonadas que a gente deixa no caminho. – ele comentou com a voz suave, mas seu tom era arisco. – Kaio e eu? – apontou para o peito. – Em alguns aspectos, nós somos do mesmo time. Farinha do mesmo saco. Mesmo material aqui, gatinha.

Respirei fundo, balançando a minha cabeça em uma negativa porque eu o conhecia melhor. Eu sabia que ele era mais. Não podia ser uma ilusão, coisas tecidas em minha mente. Apenas... não era aquela a imagem que eu tinha de Kaio. Diferente do que todo mundo pensava e por trás de todo aquele charme idiota que mascarava as cicatrizes atrozes em seu coração... ele era um bom garoto. – Eu conheço Kaio, tudo bem? Não preciso da sua visão do que você pensa que ele é. Eu sei muito bem quem ele é. – Falei encarando os olhos azuis bebê que zombavam de mim de um modo que me deixou desconcertada.

Ele sorriu desdenhoso. – Deixe-me te dizer uma coisa. – segurou as minhas mãos que tentavam empurrar (sem sucesso) seu peito até ainda pouco. – Algumas pessoas vão te dizer, - deu de ombros – e fazer coisas para que você acredite no que eles querem te fazer acreditar. É a vida, - riu um pouco. – ou o ensino médio, o que seja.

Cerrei os dentes, teimosa. – Eu não acredito em você.

Oliver não pareceu nem um pouco surpreso por minha fé cega na boa alma de Kaio, apenas levemente decepcionado por eu não ter comprado nada da sua conversa afinal. Suspirou, libertando-me de sua proximidade e puxando uma caneta transparente de seu bolso. – Você conhece o Black Jack? – ele perguntou. Eu iria dizer que já tinha ouvido falar. Pelo que eu sabia, Black Jack era um lugarzinho escondido na cidade onde só alguns tinham acesso. Diziam por ai que o BJ era onde as corridas, tanto legais quanto ilegais, aconteciam. Diziam por ai que você tinha quer fazer parte de um círculo restrito para estar assiduamente lá, porque era onde toda a diversão da cidade se escondia. Oliver não esperou que eu soubesse por que pegou uma de minhas mãos e começou a escrever palavras. – Você deveria dar uma passada lá hoje. Eu acho que você é uma daquelas que gostam de ver para crer. – e piscou para mim. Dando-me um beijo no rosto que eu não fui muito rápida para evitar. Sorriu cínico e jogou mais beijos enquanto fazia seu caminho até onde quer que ele estivesse indo antes de me encurralar. – Pense sobre a possibilidade de um encontro comigo depois disso, gatinha.

Muito depois de Oliver estar longe, eu ainda estava analisando sua caligrafia marcando a palma da minha mão. O endereço que ele escreveu era curto e incrivelmente fácil de encontrar. Ele ficou marcado em meus pensamentos até que eu admiti pensar sobre o contexto que o envolvia. Eu fiquei com todos os “e se’s” que enfraqueciam o conhecimento que tinha sobre Kaio. Sabia que podia muito bem ser uma estratégia de Oliver para entrar nas minhas calças quando ele já tinha dado sinais de querer isso, mas eu não acreditava que ele se daria a tanto trabalho.

Ele obviamente sabia algo sobre Kaio que eu não sabia, e eu estava cansada de todos os malditos segredos que envolviam o garoto de quem eu roubei beijos não muito tempo atrás.

Estava cansada de ser a ingênua escondida detrás de sua nuvem de anonimato.

O Black Jack era minha passagem de ida para dentro desse mundo.

O mundo de Kaio.

...

Escapar sorrateiramente do seu quarto a noite parece muito mais fácil nos filmes.

Pensei nisso assim que pisei no chão do lado de fora da minha janela. Meu coração batendo desesperadamente por conta da emoção de estar infringindo regras; as dos meus pais e as minhas, já que, de modo algum, eu estaria fazendo isso antes de surtar e começar a caçar coisas perigosas. Certifiquei-me de tirar os cachos marcantes do meu cabelo com uma escova bem feita e vestir roupas que não denunciassem meu perfil de perdedora. Minha maquiagem marcava meus olhos e eu preferi manter meus pés no chão, embora evolvidos por uma bota negra sem salto que não combinava em absoluto para aquela estação. Todavia, por sorte, eu sabia como as noites em uma cidade balneária podiam ser frias.

O relógio em meu pulso marcava doze horas e vinte minutos de uma noite de quarta feira. E eu estaria certamente ferrada se Douglas olhasse pela janela de seu quarto, em direção a avenida. Ele me confundiria com uma ladra, ou descobriria meu plano de escapar no meio noite.

No entanto, eu tinha que ficar ali, pois estava esperando alguém.

Enxuguei o suor das palmas nas meias calças rendadas que envolviam as minhas pernas expostas por baixo da saia feita de um tecido que imitava perfeitamente couro negro. O único ponto tingido por cor clara do meu disfarce era a camisa fina de mangas compridas com um delicado decote em “V” que mostrava partes demais da minha pele para o meu gosto, mas eu mantive em mente a ideia de que eu não era a Suzanna certinha que eu fui hoje pela manhã nos corredores do Lemoine.

Meu nervosismo só aumentou quando eu ouvi o som característico de um carro deslizando pelas ruas desertas do meu bairro. Olhei para a janela pela qual fugi esperando ver meu irmão ou minha mãe – ceeerto, como se ela fosse se dar ao trabalho de perceber que ainda estava viva – erguendo-se na noite e descobrindo-me sendo estúpida e impulsiva, para a decepção de ambos.

Entretanto, nada disso aconteceu. A noite continuou silenciosa, exceto pelo som dos pneus suavemente trazendo o carro, e seu motorista, até mim, e o vento soprando as folhas das árvores que cercavam minha casa. Os faróis me iluminaram uma só vez antes de eu correr para dentro do carro prateado que acabara de parar na minha direção.

Fechei as portas com um pouco de força demais. — Desculpe. - eu respirei fundo. — Você poderia nos tirar daqui? Sinto como se estivesse matando alguém.

A risada masculina encheu o espaço limitado do carro, fazendo com que eu tomasse uma outra respiração profunda. Embora eu tenha me sentido muito agradecida quando ele acelerou, ganhando a noite silenciosa e nos levando para longe dali, estar tão próxima dele assim ainda me causava calafrios.

Não dos bons.

Um silencio desconfortável se instalou entre a gente. Eu me sentia corajosa e um pouco mais atrevida do que de costume, por isso virei meu corpo em direção a ele, esticando o cinto de segurança preso ao redor do meu tronco. Seus olhos de menta se desviaram para mim uma vez. Três ou quatro segundos de análise, e ele tinha um ponto por conta do arrepio gelado que me subiu pela espinha. — Porque diabos você está me ajudando? Pensei que tinha me avisado para ficar longe do seu irmão.

Os lábios cheios de Kaíque Skyker se contraíram minimamente, divertidos. — Não posso lutar contra mim mesmo quanto meu alter ego salvador de donzelas assume. Ele é mais forte que eu.

Apertei os punhos minimamente, por um momento esquecendo de dissimular a irritação. — Eu não sou idiota, Kaíque.

O homem tirou os olhos da estrada uma vez mais e me lançou um olhar de desprezo. O cabelo fazendo um carinho ligeiro em seu testa de tez bronzeada; os fios tão negros que refletiam as luzes passando rápido a medida que o nosso carro corria. — Mas não parece muito esperta, embora.

Endureci. — O que você quer dizer?

Ele suspirou, concentrado-se na estrada, o jeito que dirigia me fazia querer compará-lo com o irmão. Kaíque era, ao contrário de Kaio, um piloto metódico, regrado, quase não tirava os olhos da estrada. Kaio, no entanto, fazia a coisa de dirigir parecer natural, tranquila, fácil, como tudo que ele fazia parecia. Perguntei-me se o que os faziam parecer tão opostos, além da anatomia, tinha algo a ver com o que tiveram que passar ao longo da vida. Fazendo-os se fecharem cada um em sua própria concha e deixar do lado de fora tudo que envolvesse um ao outro.

— Não parece uma atitude muito sensata sair no meio da noite para ir a um lugar onde não acontecem muitas coisas permitidas por lei, só para tentar entender um garoto que você nunca vai conseguir consertar. – Disse, e mesmo depois de colocar para fora parte de seu discurso raivoso, ainda era visível sua frustração no pulsar de sua mandíbula cerrada. — Ele está perdido, eu te disse. Se há uma coisa que demonstra a sua falta de sensatez é a forma como está correndo atrás daquilo que vai justamente te machucar, - suspirou – e não sem antes ter sido avisada.

— O que nos trás de volta à minha primeira pergunta. - retruquei – Se é tão contrário a minha “corrida maluca” atrás do desastre, porque, justo você, está me ajudando a encontrá-lo?

Não devem ter se passado mais que trinta segundos de silêncio dentro do carro, embora tenham parecido trinta minutos para mim. Quando Kaíque me encarou uma terceira vez naquela noite com aqueles olhos verdes matadores, nada neles demonstrava qualquer vestígio dos sentimentos que eu esperava encontrar para desvendar o enígma que vinha me atormentando desde que o irmão de Kaio se ofereceu para me levar até o Black Jack; – e eu não recusei – seu olhar estava límpido, tranquilo e divertido. Sua boca charmosa se curvou enrolando o mistério em seus traços, fazendo-me perceber o contraste ambulante que ele era. Por fim, a resposta foi verbalizada por sua voz:

— Piedade.

Não me deu tempo algum para retrucar, pois logo após sua resposta inesperada, Kaíque estendeu o braço bronzeado e apertou o batão “play” do som de seu carro. Um bufo ofendido foi tudo que eu consegui esboçar enquanto Rihanna fazia sua voz se deslocar através das batidas do pop perguntando what am I supposed to do with this heart?

O sorriso sujo de Kaíque era uma afronta a teoria de que alguém tão bonito não poderia ser tão mau.

Quem inventou isso deveria estar apaixonada por um dos irmãos.

Ou por ambos.

Paramos em uma espécie de estacionamento improvisado. Se me perguntassem, eu não saberia dizer de onde haviam saído todos aqueles carros e os donos deles, obviamente. Era mais que o universo do Lemoine; pareciam que as estaduais e as duas outras escolas particulares de renome estavam sendo representadas aqui hoje por seus alunos. Ao longe eu já podia ouvir a batida do pop e as interrupções artísticas do rap, seguido pelos rugidos dos motores e os risos e gritos das pessoas.

Juro que parecia outra cidade dentro da minha própria.

Dentro do carro fazia silêncio, dessa vez não incomodo, mas abismado por minha parte e espectante por parte de Kaíque. Ele destravou as portas uma vez e isso parecia fazer a pergunta que ele não verbalizou: está pronta?

Com um suspiro de resignação, eu fui a primeira a sair. Minhas botas machucaram vestígios da “festa” assim que me firmei no chão. Kaíque já estava ao meu lado então, alto e imponente, vestido de negro e verde-escuro, destacando os olhos. Se de longe ele já parecia irreal com esses malditos jeans negros que se adequavam aos músculos fluídos de seu corpo, e a camisa com a sua cor, de perto ele parecia fazer parte da noite. Os cabelos cor de azeviche brilhavam mesmo na luz tênue e ele tinha feito a barba, fazendo com que a boca carnuda fosse todo um espetáculo.

Ele liderou o caminho sem nenhuma palavra a mais do que ocasionais “vire a esquerda”, “cuidado com isso na sua frente”, a mão na base da minha coluna, guiando-me junto a ele. Quanto mais nos aproximávamos, mais o barulho se intensificava e as luzes brilhavam em nossos olhos. Agora eu já podia ver as pessoas ao redor da grande pista, que se encurvava ao fim da noite, veículos de todos os tipos e tamanhos, parecendo poder voar por ela sem nenhum esforço. Eu vi, especialmente, motos do tipo mortíferas como as de Kaio, soltando os rugidos que eu ouvira. Seus pilotos com sorrisos lentos e as garotas escassamente vestidas sorrindo sonhadoramente nas garupas, os cabelos e unhas coloridas, dentes mordendo os lábios e borrando os batons vermelhos quando os garotos se inclinavam para beijá-las.

Das grandes caixas de som embutidas em porta-malas de vários carros, a mesma música soava: Timber. Com Ke$ha puxando o pop e o Pitbull se vangloriando enquanto soava as batidas.

Tossi uma vez quando senti a inacreditável nuvem de fumaça dos cigarros sendo acessos e tragados pelos integrantes do Black Jack. Kaíque deve ter confundido meu desgosto por tabaco com sede, porque senti quando seus lábios se aproximaram dos meus ouvidos. — Dois minutos. Vou comprar um refrigerante para você.

— Nenhuma chance de substituir isso por tequila? – eu perguntei com uma voz que transparecia meu intuito brincalhão. Kaíque inclinou o rosto novamente para o meu ouvido, assumindo o papel de falante que antes ele havia cedido a mim.

— Essas suas pernas e esse decote só te dão um número limitado de vantagens, e elas não incluem bebidas alcoólicas, desculpe. - ele disse antes tomar seu caminho.

Segundos após Kaíque me deixar ali, percebi a variedade de olhares sugestivos que eu recebi. O que me deixou desconfortável e me fez odiar não ter colocado uns jeans que combinassem com a ocasião. Eu não estava acostumada com aquele tipo de olhar tão direto, sempre havia sido a velha e inocente paquera para mim. Agora, eu não sabia se os homens que frequentavam o Black Jack conheciam o significado do termo paquera, muito menos a ordem de uso.

Enquanto sentia os olhares sugestivos percorrerem minhas costas também, percebi que a estranha sincronização de sons ainda continuava e agora a doida da Miley Cyrus cantava Do My Thang e os gritos de apreciação me diziam que o pessoal aqui gostava muito mais da Hanna Montana que xingava. Lembrei-me do meu reflexo no espelho hoje quando escolhi meu disfarce e cheguei a conclusão de que eu realmente parecia fazer parte disso aqui; mais velha, mais ousada, sexy, muito mais bonita.

Voltei a reparar no lugar onde me encontrava e notei a aproximação de um dos encaradores anônimos. Praguejei silenciosamente. Despistar admiradores era a última coisa pela qual eu me preocupei quando saí de casa hoje. Preparando-me para ser a mais desagradável possível, não percebi a aproximação às minhas costas. Só congelei quando senti as mãos masculinas segurarem meus quadris com possessão, em seguida o corpo que superava o meu em tamanho e calor encostou-se a minhas costas de um modo íntimo que me causou pânico antes de ouvir o sussurro da voz conhecida em meus ouvidos.

– Não me chute, eu só estou te deixando livre de perturbação masculina pelo resto da noite. Seja receptiva. – Kaíque disse enquanto seus braços me rodeavam também e uma de suas mãos empurravam uma lata geladíssima de refrigerante dentro do meu punho. – Preciso marcar o território ou todos pensarão que você está disponível, entende? É como funciona aqui, não tem nada a ver comigo.

— Não estou dizendo nada. - respondi, achando seu comentário defensivo muito engraçado.

— Mas tenho certeza que você pensou.

Eu sorri e ele sorriu, no entanto, estava certa de que, assim como eu, Kaíque se preocupava mais com o movimento das mãos que ele havia depositado em meus quadris e que agora me guiavam no ritmo da música. Seu corpo tão colado ao meu que eu podia sentir o frio da fivela de seu cinto transpassando o tecido de minha blusa e esfriando a pele das minhas costas. Os lábios dele roçaram muito levemente meu pescoço e seus indicadores levantaram ligeiramente minha saia, fazendo-me congelar nos movimentos da música. Eu podia sentir o rítmo de sua respiração quente em meus ouvidos agora. —Relaxe – ele sussurrou. – Você não está convencendo nossa plateia.

Levantei meus olhos para observar ao nosso redor. Kaíque tinha razão; estávamos sendo observados. E não só pelos homens que antes me secavam, mas por mulheres também. Suas bocas avermelhadas contorcidas em desgosto por ver o que era, muito possivelmente, o cara mais bonito da noite tão envolvido em uma dança com uma garota que não era uma delas.

Relaxei desde então e Kaíque me levou muito facilmente, guiando-me naqueles movimentos lentos, íntimos até que a música terminou e ninguém mais nos encarava.

Eu fui a que me afastei primeiro.

Virei-me para encará-lo, os olhos de Kaíque estavam mais escuros que anteriormente. Apoiei-me nele por aquele momento e sua mão foi, automaticamente, para a base da minha coluna. Tomei meu refrigerante – não mais tão gelado assim – calmamente enquanto analisava meu próximo passo.

Kaíque pareceu ler minha mente, embora, por alguma razão, sua voz soasse emburrada. — Ele sempre fica perto da garagem porque é bem mais calmo lá, se é que você me entende.

Eu não entendia.

Como não tinha nenhuma remota ideia de como chegar na garagem desse lugar, olhei para a única pessoa que eu queria que me ajudasse. —Você pode me levar lá?

Kaíque franziu as sobrancelhas. —Você vai realmente fazer isso, não vai?

Assenti.

O irmão de Kaio sorriu, paciente. Segurou minha mão e me puxou ao redor do Black Jack.

— Você deveria ter escutado meu conselho – ele disse.

Eu deveria.

...

Inicialmente percebo apenas duas coisas: a primeira é forma como meus dedos se movem acima da pintura ainda quente na moto estacionada ao meu lado, quando minha pele toca a superfície metálica das chaves ainda colocadas em seu devido lugar, sinto o frio. A segunda, é, como o usual, Kaio.

Vejo-o com os braços cruzados sobre o peito, cabelos de fios castanhos cor de caramelo. Parecia não estar muito cômodo com a atenção que a garota ao seu lado lhe oferecia, embora não se opusesse a ela. Olhando ao longe, consegui notar a frieza costumeira que percebera nele há algum tempo, que eu havia esquecido quando ele me apresentou uma outra versão de si mesmo, reinventando-se para mim. Seus olhos permanecem distantes, perdidos em sua própria mente, quando ela o toca. A imagem me faz lembrar as borboletas que voam muito próximas a luz.

Não estou acostumada a perceber – e por consequência admitir para mim mesma – que ele é o que é ou que ele pode ser justamente o que parece. É perturbador demais pensar que eu posso facilmente ter comprado uma imagem que ele queria vender. E de fato, apesar do desconforto com os toques confiantes da menina parecer não afetá-lo em absoluto, ele não luta contra isso.

Não luta para mudar o que os outros o julgam ser.

Há esse momento decisivo em minha mente, que só noto flutuando no tempo quanto tatuo a imagem de Kaio debaixo das pálpebras, relembrando o que ele não mostrava para mim intencionalmente. Sinto-me imune a tudo; à rebeldia, à raiva que me motivou a chegar até aqui e ver o que eu não queria ver, à crença cega em alguém que nunca, nunca compartilharia do meu mundo, e eu do dele.

Acima de tudo, estava cansada de bancar a sofredora cheia de uma droga de autopiedade que não condizia em absoluto com a minha personalidade.

Fechei os olhos por dois segundos, respirei fundo. Dei meia volta e caminhei para longe dali sem uma segunda olhada para trás.

— Eu te levo. - calafrios assaltaram a parte traseira do meu pescoço quando senti sua presença silenciosa as minhas costas alguns segundos depois de eu ter caminhado para ir embora. Tomei ar, cerrei os punhos, fechei os olhos. Nada disso diminuiu aquela intensidade, a energia queimando dele e voltando para mim. Meus olhos esquentaram e eu olhei para cima, tentando estancar o fluxo de sentimento escorrendo por meus olhos. Vi as estrelas por trás das lágrimas. O céu estava azul-escuro e estrelado, infintos pontos de luz em um infinito maior ainda, justo como quando eu o beijei.

— Eu não quero atrapalhar nada, - eu disse baixo.

Ouvi-o soltar o ar entrecortadamente, sua voz era extremamente suave na noite quieta daquele ponto onde estávamos. Eu ouvia apenas ecos pequenos dos motores e batidas proibidas. — Você nunca atrapalharia.

— Acho melhor...

Kaio me interrompeu. — Só me deixe te tirar daqui, tudo bem?

Finalmente virei para encará-lo. Lindo, como era de costume, mas de olhos tristes e apagados. Como se quem tivesse se decepcionado fosse ele. Franzi as sobrancelhas e dei de ombros; Kaíque, minha carona, já havia ido embora afinal. — Por que isso agora?

Sutilmente, Kaio fecha os olhos uma única vez. Um breve piscar, mas eu estava atenta a tudo que ele fazia. Bebendo de sua presença como se fosse água. - Você veio aqui por mim, e não deveria. Isso não é lugar para você. Eu vou te levar para casa.

Assenti porque, afinal, o que eu ainda tinha para falar? Palavras tolas, ou as cobranças que eu estava criando dentro da minha mente confusa? Não mudaria o que não se podia mudar, ou essa palavra impactante chamada realidade. Nós nunca pertenceríamos ao mesmo mundo, do mesmo modo que nossas oposições não se converteriam em igualdades. Ele era ele e eu continuava sendo só eu.

Eu sempre suspeitei que essa insistência dele em nos tornamos parte do mundo um do outro acabaria nos trazendo a um ponto onde ambos nos machucaríamos.

Acabou de acontecer.

Assim que Kaio parou sua moto na frente da minha casa, afastei meus braços que antes estavam enrolados ao redor dele. O contraste com o vento frio daquela noite e o calor da pele de Kaio eram impressionantes, para não dizer desanimador. Desci da moto, o amargo da sensação iminente de despedida subiu por minha garganta, preenchendo minha língua até que tudo que eu podia sentir era esse gosto.

Respirei fundo pela centésima vez naquela noite. Kaio já estava de pé a minha frente. O que se passava na mente dele? Esses olhos cor de uísque não me garantiam um passeio pela sua alma. Não agora, pelo menos. Me fez lembrar uma das vezes em que fui a praia com meus pais; encontrei uma concha fechada enterrada na areia branca e resolvi que queria muito abri-la. Tentativas frustradas eram todas aquelas. A maldita concha nunca abriu para fazer minha vontade, até hoje me pergunto se havia algum tesouro dentro dela ou isso se revelaria só mais um dos infinitos devaneios meus.

De todo jeito, fui eu a primeira a quebrar o silêncio amargo entre nós. – Então, - esclareci a garganta porque a palavra saiu rouca como era anormal a mim. - acho que já vou indo. Obrigada pela carona e boa...

— Não olhe para mim assim. – Interrompeu-me.

Franzi as sobrancelhas, não o compreendendo. Não olhe para mim assim. — Assim como?

Um segundo se passou para que a cortina de frieza que Kaio vinha sustentando toda a noite caísse totalmente por terra. Calor começou a encher suas pupilas, escurecendo-as a um ponto onde seus olhos se tornavam verdes e castanhos, tocados por aquele cinza sutil que quase não era visível. — Como se não me conhecesse.

Ri sem humor algum, apenas sons saídos da minha garganta. — E eu conheço? Aliás, quem conhece?

A boca de Kaio se fez uma linha fina e ele se aproximou de mim. Procurando meus olhos como se eu já não estivesse encarando. Quando estávamos cara a cara, literalmente, ele se deu por satisfeito, parando. Tive que levantar o pescoço para encará-lo, mas de modo algum abaixei os olhos para ele.

—Você não pareceu ter essas dúvidas quando me beijou na outra noite. — Kaio disse, fazendo meu rosto esquentar. As malditas borboletas idiotas dançaram tango dentro do meu estômago, porque a lembrança dos lábios dele beijando os meus ainda era fresca na minha mente e atrás dos meus olhos. O quão doce aquilo havia sido. O quão aquecida eu me senti nos braços dele quando eu já havia esquecido a sensação de estar feliz só por estar feliz. Senti tantas saudades disso que quis fazê-lo outra vez e nunca mais parar, só para me conservar nesse estado eternamente. Foi então que eu me lembrei das horas antes, no hoje. - Aliás, você pareceu me conhecer muitíssimo bem naquele dia.

Suspirei, com raiva de mim, dele, dos beijos e de Platão porque inventou essa droga de amor platônico que estava acabando com a minha sanidade neste mesmo momento. - Olha, Kaio... Aquilo foi um engano.

— Não diga isso. - Kaio segurou meu rosto entre as palmas de suas mãos abertas. Passeando com os dedos em minhas bochechas. Acertando minha alma com seus olhos de anjo caído. — Como você pode dizer isso?

— Da mesma forma que você pode mentir para todo mundo sobre quem verdadeiramente você é. Da mesma forma como você pode deixar que as pessoas te amem sem que você tenha a intenção retornar o favor. – Minha voz quebrou na última palavra, fazendo-me perceber o quão abalada eu estava. Fazendo-me perceber que já fazia um tempo desde que eu não me importava se esse garoto presenciaria meu sofrimento. Os polegares de Kaio afastaram minhas lágrimas para longe. — Da mesma forma que você pode mentir para mim e me fazer acreditar como uma boba. Você é realmente tudo o que dizem por ai. Parabéns.

— Eu nunca menti para você.

Tentei me afastar, embora ele não quisesse e estivesse segurando-me pelos pulsos. Obrigando-me a ser adulta e ouvi-lo explicar o inexplicável. — Você é um idiota, como todos eles.

— Não, não, não eu de verdade. — Disse Kaio.

Estreitei os olhos. Como ele podia? — Nem consigo dizer se você não está mentindo agora mesmo. Deus, nem saberia dizer quem é você!

Kaio deslizou sua mão de meus braços para encaixar suas palmas nas minhas, em seguida ele beijou as palmas que antes tinham estado nas suas. — Sou seu amigo. O homem que você beijou. O que viu as estrelas e dançou com você. Que te contou como perdeu o mundo quando sua mãe morreu. Que acariciou os teus cabelos e que conheceu sua história através do seu sorriso. Finjo que não me dei conta e que nunca soube disso. Finjo que não gosto de estar com você. – Riu silenciosamente. — Na verdade, eu não gostava de estar com ninguém em absoluto antes de você. Finjo há muito mais por trás de tudo, mas não há; sempre lembro de você sem nenhum esforço. Finjo que posso pisar por cima de tudo e todos e não sentir absolutamente nada, mas eu ainda sinto você. Finjo que não morro de vontade de te dizer que, se você me afastar da sua vida, sentirei saudades suas.

Kaio não era o tipo de pessoa que a gente poderia descrever como emotivo. Como eu já já sabia mesmo antes de conhecê-lo, esse garoto era quem era. E antes de tudo isso começar, dessa reviravolta maluca no universo onde eu o conhecia melhor do que as pessoas que o rodeavam a anos, já tinha consciência de que ele era um desses tipos de garotos que perderam muito para se importar com qualquer coisa além da própria luta diária pelo direito de acordar e viver. Ele era aquele cercado por sombras, com um lindo sorriso, mas, dificilmente verdadeiro. Sabia lidar com as pessoas porque, como um bom sofredor, já vira mais do que qualquer olho deveria enxergar. Kaio era quem as pessoas queriam ser porque nada o tocava, nada tinha o poder para tirar o olhar desafiador do seu rosto, a curva de demoníaca no canto dos seus lábios, e aqueles olhos de anjo caído; seu ar de quem se perdeu a muito tempo e não conseguia mais chegar aos céus.

Dizer que eu havia conseguido ver sua alma por trás daqueles olhos cor de topázio seria estar mentindo. Eu vi, sim, indício de que algo estava errado. De sua eterna queda. No entanto, nada além disso. Nada que ele não me permitisse ver.

Até agora.

Desde o começo foi estranho vê-lo tão desprotegido, tão vulnerável, longe do gelo do fingimento. Aquele calor em seus olhos, que eu sentia sempre, estava lá. A intensidade dos movimentos cadenciados de seus dedos e as carícias suaves que eles proporcionavam em minha pele. Sua presença, sempre imponente, tirou-me o ar e o foco, como se ele fosse o único ser humano em toda a terra. Essa perturbadora conexão que nos ligava e mantinha-nos tão perto, a qual eu nunca entenderia, criptava no ar, viva e saudável. Assustadora.

Meu coração acelerou quando revivi todos os sentimentos que envolviam minhas teorias e as minhas verdades até ainda pouco. E eu não pude ignorar todos os avisos e alarmes que soaram em minha mente. Mesmo com o fraquejo de minha vontade se intensificando de tempos em tempos, não perdi a chance de dizer.

Olhei em seus olhos. - Isso não está funcionando para mim. - Disse de uma vez, soltando o ar que estava preso em meus pulmões por uma brecha em meus lábios. Agora que havia começado, as palavras eram como água jorrando para fora dos meus lábios; selvagem e ininterrupta. - Eu gosto de você, até mais do que deveria. Eu gosto da forma que você me entende. E seu sorriso me faz querer rir. Mas acho que a coisa toda do beijo foi meio... precipitado da minha parte. Alias, acho que eu confundi tudo.

Os olhos de Kaio se estreitaram, fazendo a infinidade de cílios escuros se inclinarem contra as pálpebras. O efeito daquele olhar foi imediato, e as borboletas se agitaram voando para todos os lados no meu estômago, transbordando em meus pulmões e me fazendo ficar sem ar. A boca dele se curvou ligeiramente para o lado.

– Você diz que confundiu as coisas... Isso foi antes ou depois de eu sentir o sabor da sua língua?

Arregalei os olhos sentindo meu rosto queimar. — Não complique as coisas.

Ele riu, baixo, quietamente. Olhou para meus lábios por longos segundos, até que o topázio de seus olhos queimassem os meus novamente. Tão perto quanto estávamos, era difícil não perceber o quão quente ele era, o quão cheiroso ele estava e o quão tentadora estava se tornando nossa conexão. Quando sua voz chegou aos meus ouvidos, estava rouca como ela se tornava em momentos assim. — Eu não me sinto nem um pouco confuso, Suzanna. — Ele suspirou, falando por sob sua respiração. — De fato, confuso é a última palavra que eu pensaria para usar sobre meus sentimentos agora.

— Eu quero que sejamos apenas amigos.

Kaio aproximou-me do seu corpo, segurando-me pela cintura com as pontas dos dedos e arrastando-me até que eu estivesse encostada a ele. Não resisti porque sabia que isso acabaria em breve.

— E qual o problema de sermos amigos e algo mais? — Aproxima-se e aproxima-se e aproxima-se. E cada vez que ele toca minha pele sinto-me mais e mais perdida entre as chamas. E longe dele, porque eu acabei de construir um abismo entre ele e o meu coração confuso. E eu certamente sabia o porquê.

Todo mundo sabia.

— Porque você não é bom para mim. – Vejo quando Kaio para de se aproximar; de mim, do meu coração, da minha alma. Vejo quando ele se dá conta do que minhas palavras significam e se afasta, se afasta, se afasta. Para longe de mim. Como se eu tivesse dito alguma mentira. — Eu não sou boa para você.

Kaio controla sua respiração por um momento. Posso ver o gelo em seus olhos outra vez. Dessa vez, dirigido a mim. — Porque você quer sejamos amigos então?

— Porque eu sou egoísta. – Suspiro. — Porque se me afastasse de você eu sentiria saudades. Porque você é a minha sanidade.

— Uma garota que está interessada na minha amizade e não em tirar as minhas calças... - Soltou um suspiro fingido de desapontamento – Uma raridade.

Ignorei o sarcasmo e me aproximei dele a passos hesitantes. Ele se retesou, porém não se afastou. Peguei uma de suas mãos. Amigos fazem isso o tempo todo. — Então, você vai ser meu amigo?

Kaio deu de ombros. Sua atitude “não me imposto” estava de volta. Xinguei-me internamente. — Não tenho oposições. — Olhou-me dentro da alma, como só ele sabia fazer. Eu sabia que o que ele dissesse agora deveria ser tatuado na pele de meu coração. Sua mão direita se enrolou em meu pescoço, trazendo-me para um caminho insanamente próximo a ele. — Apenas lembre-se de uma coisa, Suzanna. – Sussurrou entre minha respiração e a sua. — Eu não sou seu anjo, amor. E eu nunca vou ser. – Aproximou-se dos meus lábios e sua respiração conspirou com as batidas aceleradas do meu coração. Ele iria me beijar. Deus, ele vai me beijar. Ele vai me beijar...

— Boa noite, Suzanna. - ele disse ao invés. Deu-me as costas e subiu naquela coisa mortífera. Dobrando a esquina e pegando a rua que certamente o levaria para a sua casa.

Comecei a sentir a frustração subindo-me o peito quando lembrei que, de fato, eu tinha feito aquilo. Eu tinha que lembrar. De hoje em diante.

Apenas amigos.

Suspirei. — Boa noite, Kaio. – Eu disse para a noite azul escura e as estrelas, porque, afinal, ele já não poderia escutar.




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Notas finais do capítulo

E ai?
Pps: Desculpem-me porque qualquer erro ortográfico. Fui assistir Em Chamas ontem e não terminei de revisá-lo. :)



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