Levantei, recolhi as garrafas e coloquei debaixo da pia da cozinha. Aproveitei pra lavar os pratos sujos. Enquanto o fazia pensava na minha infância e em como tudo era fácil e das histórias que meus pais me contavam. Eu costumava andar pela pracinha da cidadezinha onde morávamos procurando flores pra levar pra minha mãe que todo dia as recebia com um sorriso imenso e um brilho nos olhos. Suspirei, quanta saudade.

Quando acabei, entrei no banheiro e lavei o rosto. Minha cara estava horrível! Olheiras profundas e cabelo num ninho de ratos. Escovei os dentes e sai. Eu poderia ter tomado um banho, renovado minhas forças e pensar em olhar atrás de algum emprego, mas eu não o fiz. Estava sem paciência para as coisas, para os problemas. Em vez disso, troquei de roupa, passei a mão no cabelo e peguei um dos meus casacos. Catei minha chave e minha carteira com o pouco dinheiro que eu tinha e saí.

Não sabia para onde ir, só sabia que tinha que ir. Precisava pensar, esfriar a cabeça. Realmente andei como alguém sem rumo, as pessoas olhavam-me e nem davam pra minha cara bolorenta de drogado. Bem-vindo a Nova York, pensei suspirando.

Acabei de novo no Central Park. A manhã estava ensolarada, mas o vento era frio. Sentei no mesmo banco de ontem e fechei os olhos, curtindo o sol. Era tão boa a sensação de calor e conforto que relaxei. Meus músculos descontrairam-se e eu me senti em casa. Tão bem que peguei no sono.

Sonhei que estava na minha velha cidade saindo do colégio no 3º ano com meu amigo Ray. A gente ria e eu fazia alguma piada sobre seu cabelo e as discotecas dos anos 70. Viva o poder Fro! Ele gritava. De repente o sonho mudou e tudo ficou escuro. Um vento forte e gelado saia carrendo o que via pela frente e o céu tomava um tom de vermelho bem escuro. Antes que eu pudesse arfar, Ray voltou-se pra mim de uma forma estranha, parecia... um zumbi! Mas agora ele estava com alguém. Era uma mulher-zumbi e de relance, apareceram mais duas criancinhas-zumbi. Mais macabro impossível.

– Você ficou pra trás Frankie – ele ria – ficou sozinho.

Acordei, assustado. Que sonho idiota! Esfreguei os olhos e olhei no relógio, ô-oh, já era meio-dia! O tempo passou rápido... corei ao pensar que eu tinha ficado dormindo com a boca igual a um bobalhão esse tempo todo.

Olhei em volta e pisquei ao ver uma figura sentado embaixo de uma árvore próxima, era um homem. Usava uma camisa preta lisa e uma calça jeans surrada com um par de coturnos. Uma capa preta ia de seu pescoço até os joelhos. Parecia querer se esconder com aquelas roupas e os cabelos pretos e a pele pálida o deixavam com uma aparência sombria. Mas os olhos, aqueles olhos verdes... me estudavam com uma intensidade tão profunda que eu não me atrevia a desviar o olhar, estava hipnotixado.

Ele tinha uma expressão divertida, como se tivesse presenciado meu sonho. Mas é claro que não podia! Aquilo era impossível, não era?