Aurora Azul escrita por Dauntless


Capítulo 35
Capítulo 34 - A dor da fome e da perda.


Notas iniciais do capítulo

Oi,
desculpe pela demora, mas é a mesma coisa de sempre, não tive o tempo necessário pra escrever e sinto muito, muito mesmo, eu tento ao máximo.



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Quando terminei a carta, entrei em estado de choque.

Meu coração começou a palpitar velozmente e senti ondas de dor pelo corpo inteiro. Eu estava confusa e tudo o que eu conseguia ouvir, era o som do vento que soprava nas frestas das janelas. Esqueci por um momento onde estava e me concentrei nos sussurros constantes dentre de minha mente.

Isso não pode ser verdade... George não pode ser o meu pai...

Eu estava negando a verdade e me recusava a acreditar que George era o meu pai. A reação da primeira vez que nos encontramos, quando Will me levou para a sua casa me apresentando como sua namorada... O olhar de George naquele momento foi de puro ódio, que foi confundido totalmente com a desaprovação por Crystal estar lá no momento. Pois agora fazia sentido. Rogers não me acolheria por solidariedade nem a Eric. Foi pelos dez milhões de dólares, e outra vez, eu tinha mais algumas coisas para acrescentar na lista dos motivos pelo qual eu odeio tanto George Palmer e Zachary Hill.

Tudo fazia sentido porque a minha mãe dizia coisas sem sentido antes de falecer. Todos esses sonhos... sonhos tão reais de avisos, das desculpas, dos perdões pelos pecados que ela cometeu e por me colocar em posições difíceis como essa, como se a meu cérebro soubesse disso tudo antes da minha consciência.

Danna Palmer. Sussurrou uma voz dentro da minha cabeça e logo substituí ele por outros pensamentos aleatórios.

E quanto a Will?

Rogers está enganado... George não pode ser o meu pai...

–Eu não acredito nele. - de repente, estava de volta em Columbia Heights, na casa onde Rogers havia morado. - Will... - Pela primeira vez, levantei o olhar para encará-lo. Sua expressão era séria e seu rosto estava pálido, toquei na sua mão, que se transformou em um punho, e senti o frio que ele transmitia.

Ele não me olhou de volta, nem sequer se moveu.

–Todo esse tempo... - Will passou a mão pelos cabelos e virou de costas para mim. - eles tem nos enganado...

–Essa carta está confusa.

–Não. - ele se virou de volta e seus olhos, suas pupilas, queimavam de ódio. - Rogers não escreveria calúnias sobre coisas tão sérias assim.

–Will, não podemos ser irmãos, simplesmente... - apertei a carta entre os dedos e ergui as mãos até a minha cabeça. Mordi os lábios e dei alguns passos para trás. - Não está certo, isso não está certo.

–Precisamos fazer um teste de DNA.

–E se você não for... filho de George? - perguntei, com a voz fraca.

–Então terei um prazer maior em matá-lo. - Will estava distante.

–Temos que mostrar isso á Eric. Eu... - de repente, a minha clavícula começou a doer e caí no chão com os ombros encolhidos.

Will me segurou a tempo de evitar uma colisão maior.

–Você está bem? Está doendo?

Fiz que sim com a cabeça e minha respiração começou a acelerar.

Will ainda estava em seu estado distante e não mostrou a mesma segurança de antes ao me segurar.

Ele estava com medo de me tocar.

–//-

–Estou farto! - gritou Zachary, socando a madeira cara da mesa de seu escritório. - Ele está brincando conosco há vinte anos! Estamos fracassando por todos esses anos, como isso pode acontecer?

–Não levante a voz para falar comigo, Zachary e também não ouse mudar de assunto! Eu concordei em sequestrar a minha própria filha para satisfazer a sua pressa, e você a tortura daquele jeito? Isso é traição!

–Eu fiz o que foi preciso. - Zachary clareou a garganta e se dirigiu até o outro lado do escritório, onde jorrou um pouco de uísque no seu copo e o engoliu de uma vez só. -Não banque o pai preocupado agora, George, você nunca deu a mínima para aquela menina.

Os dois estavam se confrontando naquele lugar há horas, as brigas eram consecutivas.

–Como é?

Zachary encheu novamente o copo e voltou a se sentar na sua cadeira de couro. Os dois estavam brigando há um tempo, passando a discordar e a desconfiar um do outro como nunca antes.

–Seu desgraçado, você mais do que ninguém sabe que eu não podia. - George estava fervendo de raiva, vestido com roupas sociais, alguns botões da camisa começaram a se soltar por causa de toda a exaltação, e seus dedos cravaram na cadeira de couro em frente á mesa. Ele nunca vira Zachary daquela maneira, tão provocador e sombrio. - Você quase a matou. Não sei como ela sobreviveu todo aquele tempo.

–Me parece que a sua filha é menos covarde do que você.

–Se está tentando me intimidar, você está falhando. - sua mandíbula estava rígida.

–Você deixou a mulher que amava para ficar com outra, Dora tinha tanto medo de você que se casou com um animal para se esconder e proteger a filha e tivera que abandonar o outro filho para o proteger também. Um homem de verdade não permitiria esse tipo de coisa.

–Você está certo, eu sou covarde. Porém, você é um filho da puta pior do que eu. Na verdade, você se apoiou nas minhas costas todo esse tempo porque tem medo da morte. Covardes tem medo da morte, sabe por que? Porque todos nós vamos morrer um dia, é a única certeza que temos.

George pensou em uma maneira de provocar Zachary também e notou que a cadeira em que estava sentado, não era tão confortável assim. Então ele tocou em uma pequena ferida arrebatadora.

–Você matou a sua esposa Zachary.

George podia ver as veias saltando ao longo de seu pescoço, linhas grossas, o cabelo grisalho cobria algumas partes e então continuou:

–Ela era linda, não era? Desejada por todos os homens da alta elite, possuía os cabelos mais louros e macios de toda Manhattan e só você conseguiu encantá-la, não é mesmo? - Zachary olhava furioso para George, como um touro bem irritado. - Seu nome era Christina, certo?

–Você está passando dos limites!

–Mas ela morreu.

Zachary pegou uma arma de calibre 38 da dentro da gaveta e apontou para o seu velho amigo. Eles ficaram em silêncio, se encarando, olho com olho. A ponte de décadas de amizade estava quase se rompendo, mas George não parou. Ele queria ver o amigo se ferir.

–Christina morreu após dar a luz á uma bela menina de olhos tão azuis quanto os dela. E a culpa é sua, porque foi você quem a engravidou.

Zachary deu o primeiro tiro, para o alto.

–Cale-se!

–Eu não sei o que aconteceu Zachary, éramos tão unidos, em tudo.

–Sua filha aconteceu! Ela destruiu sessenta por cento de nossas bases e é a nossa chave para pegar o Protocolo D. Você nutriu algum sentimento que não tinha por ela e não quer matá-la, enquanto você está sentado, eu faço todo o trabalho sujo.

Ele atirou mais uma vez, e dessa vez, o tiro passou pelo braço de George raspando o tecido e a sua pele.

–Seu filho de uma...

–Acabou George, acabou. Farei as coisas do meu jeito agora.

–//-

Acordei me sentindo em movimento.

Estava melhor, minha clavícula não doía mais.

Minha visão estava turva, mas eu sabia que estava no banco de trás de um carro, o som estava baixo e demorei um pouco para me acostumar com a claridade. Enquanto o carro se movimentava, as árvores da rua faziam sobram de dois em dois segundos. Me ajeitei, deitando de lado e senti um edredom em cima de mim. Para onde estava indo?

Me levantei de repente para falar com Will.

–Onde... - não consegui terminar a frase.

–Desculpe te decepcionar princesa adormecida, mas Will não está. - ele sorriu com os olhos vidrados no para-brisa.

–O que você está fazendo aqui, Hayden? - olhei ao redor e percebi que estava em Manhatthan.

–Nova York princesa é a minha cidade natal e é dia de ação de graças.

–Onde está Will? - Senti uma ponta de decepção ao não vê-lo do meu lado.

–Ele me ligou e disse que tinha uma coisa para resolver. Eu e você estamos voltando do médico.

–Médico?

–Sim, você desmaiou. Como está se sentindo agora?

Empurrei o edredom branco para o lado e estiquei os braços para me espreguiçar.

Nenhuma dor.

Estiquei mais.

E novamente não senti as pontadas de dor. O chip estava voltando ao trabalho.

–Novinha em folha, eu acho. - toquei em alguns arranhões e feridas tentando provocar dor, mas não senti nada. Estava normal. - Para que tipo de médico ele me levou?

–Daqueles que tem um diploma - franzi o cenho e me ajeitei no banco, ficando de frente para o câmbio. Hayden soltou uma risadinha - Fomos para o médico da A.A.S.S., ele te examinou e disse que estava praticamente recuperada. Will foi embora assim que recebeu o diagnóstico. - Ele virou para a quinta avenida - Disse para te levar sã e salva até o apartamento.

–Ele disse quando irá voltar?

–Logo. - ele entrou na garagem e estacionou. - Posso saber o que está acontecendo?

Então breves impulsos de recordações vieram até a minha consciência.

Will e eu podíamos ser irmãos.

Me lembrei do seu olhar ao descobrir e ao me tocar. Fiquei em silêncio olhando para o câmbio, procurando por alguma coisa especial nele. O R estava brilhando como nunca, mas eu sabia que não queria dizer aquilo, de sermos irmãos, em voz alta e sabia também, que cedo ou tarde, teria que enfrentar aquele pesadelo. E se fosse tudo mentira? Mas Rogers não mentiria.

Hayden saiu do carro subitamente e fechou a porta. Ele não parecia irritado, apenas impaciente.

–Acho melhor subirmos. - disse ao abrir a porta do passageiro - O clima está estranho demais.

Desci sentindo a dormência nas pernas e Hayden agarrou o meu braço com medo de uma perda de equilíbrio.

–Estou bem. - as palavras saíram em um tom de grosseria, o que não foi a minha intenção. - Obrigado. - Sua expressão se suavizou e ele me largou.

Entramos no apartamento cinco minutos depois e fui em direção á cozinha pra pegar algo para beber, apalpando o meu bolso de trás do jeans para checar se meu celular ainda estava ali. Como eu iria dizer aquilo para Eric? Esse leve pensamente me fez lembrar de que eu deveria estar com eles, na casa de Tereza, para a grande refeição do dia. Porém, temi ir para lá. Estava com raiva, de George, Zachary, Robert e de mim mesma, principalmente de mim. Eu queria socar alguma coisa, como faço todas as vezes quando estou prestes a explodir. Eu precisava de alguma coisa para me distrair, para me ocupar dos pensamentos odiosos e evitar quebrar o apartamento de Will.

Abri a geladeira e destampei um vidro de licor.

–Você quer um?

Hayden estava encostado na janela, que era do chão ao teto, observando a corrente de carros passar para o Central Park. Ele se virou e sorriu.

–Bebida grátis? Sem dúvida.

–//-

Hayden Holbrook estava olhando atráves dos carros que circulavam pela quinta avenina.

Sua mente viajava por um rápido segundo para o seu passado, que o atormentava de vez em quando, toda vez que ficava sozinho.

É como se sentiu quando chegou nos Estados Unidos quando era uma criança de cinco anos, completamente sozinho e perturbado. Hayden ainda sentia a escuridão do container quando foi posto naquele cubículo de lugar, junto com mais algumas dezenas de pessoas. As lembranças eram abstrusas, ele apenas se recordava de estar feliz ao lado de uma mulher, com a mesma cabeleira loura que a dele, com os olhos da cor de uma pedra de esmeralda.

Hayden Holbrook foi sequestrado enquanto brincava na rua em frente a casa onde morava, com a mãe. Até hoje, se lembra perfeitamente do rosto dos dois homens que o levou, que o cobriu com um saco, deixando Hayden sem ar. Foi a primeira vez que sentiu a profunda e desesperada escuridão. Hayden foi levado em direção á mais escuridão, e chorou. Quando foi liberto do saco, pensou estar livre, pensou que era uma brincadeira de mal gosto. Mas não era. O menino gritou pela mãe, mas os dois homens fizeram maldades para deixar ele quieto. E ele ficou quieto.

Ele também viu mais pessoas ao redor dele, de pé em fileira mal formada, elas não estavam tristes, mas também não estavam sorrindo. Haviam outras crianças também e ele quis perguntar para elas o que estava acontecendo, se tudo não era apenas uma brincadeira de adulto. Mais homens chegaram para dar ordens e eles encararam Hayden por um momento. Os homens pareciam satisfeitos e em suas mãos, estavam maços de dinheiro. Eram tantas notas que Hayden ficou surpreso por ver tanto dinheiro junto. Sua mãe não tinha todo esse dinheiro, talvez nunca terá. O menino estava com muitas saudades da mãe e se perguntou se ela não iria chegar e pegar ele no colo, se não ia tirá-lo dali e protegê-lo, como sempre fez. Ela não apareceu e nunca apareceu. Ele nunca mais viu a mãe.

O menino observou mais ao redor e viu o mar. Eles estavam perto da água, e ela estava suja. Depois que a conversa dos homens chegou ao fim, as pessoas foram enxotadas para dentro de um lugar feito de ferro verde, parecido com uma caixa. Os homens que o sequestraram o empurraram para dentro e lá, estava bem escuro. Depois a porta se fechou e ficou mais escuro ainda. O menino ouviu seu coração bater de medo em meio ao silêncio. Ele estava com tanto medo que pensou que poderia morrer. Hayden se encolheu, tinha uma pessoa do seu lado e todos estavam espremidos.

Ele ficou lá incontáveis dias, não comeu e estava começando a feder.

Ele chorou, ninguém o consolou.

Depois de alguns dias, todas as pessoas foram transferidas em um navio para um novo container, e ele comeu, deram metade de um pão dormido para ele e um copo de água nada potável, mas Hayden estava com tanta sede que bebeu mesmo assim e apreciou o pão como apreciava a sua comida predileta, que de longe era pão. Então novamente eles estavam dentro de uma escuridão, ele teve dificuldades para se acostumar com a luz e agora tinha dificuldades em voltar a olhar para o vazio. Durante dias, sua barriga não roncava. Pior, sua barriga doía. A dor da fome é pior do que a dor de quando você perde alguém, pelo menos para ele, essa era a dor maior. Quando você perde alguém, você sofre emocionalmente, mas você não morre com esse sofrimento, você até sente que pode morrer, mas nunca morre. Com a fome, você não pode ignorá-la porque ela está ali para te perturbar, até que coloque algo no estômago. Mas e quando você não tem nada nas mãos para acalmar essa dor? E quando o que você mais quer é ter algo pra comer, nem que seja algo ruim, para não morrer de fome?

Hayden quase morreu de fome durante a viajem. Por algum milagre, ele sobreviveu os dias dentro daquele container, dentro da escuridão, algo que o aterrorizou até começar a ser treinado. Quando chegou em solo americano, estava muito magro e esquelético. O menino foi levado para um local, e tudo só piorou. Hayden sentia muito a falta de sua mãe e se beliscava toda hora para acordar do pesadelo. Mas seu braço sempre doía. Os homens o obrigou a fazer um trabalho e ele se lembra de não ter conseguido fazer nada, mas ficou menos infeliz por não estar dentro daquele container fedido e escuro. Pelo menos, ele podia ver a luz, que nunca foi tão bonita.

Ele também tinha espaço. Hayden dormia num quarto junto com outros meninos e meninas de sua idade, mas não fedia. Quantas vezes não apanhou por ter brincado durante o trabalho? E assim, a inocência do menino e sua ingenuidade, foram tiradas. Ele não se lembra de quanto tempo passou, até que homens de capacetes os encontraram. Hayden considerou-os heróis.

E então o acolheram, homens bons o acolheram. Naquele tempo, ele não conseguia distinguir o homem bom do homem ruim, porque todos eram homens e todos tinham pele. carne e sangue. Os homens de capacete o levaram para um lugar limpo e foram legais com ele, até o pegaram no colo. Hayden foi acolhido pelos homens bons e começou a ser treinado pelos homens bons, até recebeu bastante comida deles. Ele ficou feliz, por um instante. E então lembrou da escuridão e chorou. Levou um tempo até começar a aprender o inglês e a agir de acordo com os homens bons.

Stephen Holbrook o acolheu. Ele era agente da A.A.S.S. e como estava velho, decidiu criar o menino. Aos cinco anos já sabia o seu nome, mas ele não quis continuar com ele, pois era feio. Seu pai o nomeou de Hayden para homenagear um de seus ancestrais. Dali para frente, Hayden cresceu como uma criança saudável, foi a escola, fez coisas que crianças faziam na escola, ele se viu em um mundo onde nunca imaginou que estaria. Ele ganhou coisas, coisas legais, mas nada podia apagar as suas memórias. Nem mesmo um video game.

Aos quinze anos, ele começou a ser treinado e não parou mais. Ele era forçado a enfrentar o escuro e quase desistiu, mas se superou. O escuro ainda o incomoda, mas não o apavora. O adolescente cresceu e todos os dias, se tornava mais belo, estava esbelto e tinha um corpo musculoso invejado até pelos companheiros de treinamento. Hayden começou a chamar a atenção de meninas da escola e até de mulheres com o passar dos anos. Ele se tornou um homem desejável, com o qual todas tinham sonhos. Hayden também era rebelde. A cada semana, estava com uma garota diferente, ele não podia deixar de tirar proveito de sua beleza. Scarlett foi a que durou mais.

Por tanto, Hayden também fez as suas investigações e descobriu que na época em que o sequestraram, o Líbano sofria guerras civis e políticas. Porém, o pior, foi descobrir que sua mãe ordenou o seu sequestro. Líbano estava em guerra e a única forma de deixar o filho a salvo, era o mandando para outro país, onde não se tinha guerras tão devastadoras. Hayden procurou pela sua mãe, mas ela morrera antes mesmo de a guerra acabar. Ele descobrira também que sua mãe era irlandesa e que apenas se mudou para o Líbano por causa de seu pai, que era um diplomata, mas que morreu antes mesmo dele nascer.

Seu pai adotivo morreu quando Hayden completou vinte anos. Há cinco anos atrás. A única pessoa viva que sabia de suas origens era Robert Walker, ele sempre evitava falar sobre o assunto e quando se encontrava encurralado, mentia.

Ele nunca, nunca contou a sua história verdadeira para alguém.

–//-

–Esse licor de cereja está me dando calafrios, de tão bom que está. - falei, apreciando o seu gosto e levantando o copo para admirar a sua cor avermelhada.

Nós estávamos sentados de frente um para o outro, em bancos altos com o balcão da cozinha de Will nos sustentando.

–Will sabe apreciar uma boa bebida. Ele nasceu dentro de uma sociedade onde um vinho custa cinquenta mil dólares. - Hayden virou o copo para engolir as últimas gotas e bateu com ele na bancada de mármore, soltando um ar de satisfação.

–Com cinquenta mil dólares eu viajo para Paris e nunca mais volto.

Acabamos com a garrafa de licor, que estava pela metade, e chequei o celular. Era sete da noite e Will ainda não apareceu. Tereza ligou milhares de vezes para o meu celular, mas não consegui atender, o que fez Hayden perceber que eu a estava ignorando.

–Vocês brigaram? - perguntou, girando o copo distraído.

–Não. Nós... É só que... - suspirei - Lembra da carta que Rogers mencionou? Antes de...

–Sei.

–Eu e Will achamos a carta.

Procurei nos meus bolsos para ver se encontrava a carta, mas eles estavam vazios. Will devia estar com ela.

Contei tudo pra Hayden, sem muitos detalhes e ele ouviu de cabeça abaixa, sem demonstrar nenhum tipo de emoção, parecia distraído também. Quando cheguei na parte de George possivelmente ser meu pai, ele ergueu o olhar e me fitou.

–Meu Deus, você e Will... que incesto! - ele arregalou os olhos e continuei.

–Então mais uma vez, a minha vida é baseada em mentiras.

O meu celular tocou e em um segundo já puxei-o do bolso conferindo o remetente. Era Will.

–Will? - minha voz falhou e meu coração acelerou - Onde você está? - Estava com medo de ouvir a sua voz. A voz do meu possível meio irmão...

–Na minha casa. - ouvi a sua respiração acelerou no outro lado da linha.

–O que você está fazendo aí? Aconteceu alguma coisa? - De repente, senti que alguma coisa estava errada. Sua respiração estava irregular.

–Minha mãe e Zoey foram sequestradas.

–Como assim elas foram sequestradas? - saltei para fora do banco e coloquei a mão na cabeça, jogando as minhas mechas loiras para trás. Hayden olhava para mim em alerta.

Silêncio.

–Liguei para George e ele não atendia, então resolvi vir pra cá já que eles comemoram todo dia de ação de graças em casa. - Will nunca ligava para George, e quando ligava, era para brigar. - A casa está bagunçada. - Não foi preciso dizer mais nada para que eu tivesse certeza de que elas foram realmente sequestradas. Uma casa nunca se bagunça sozinha.

–Estou indo para aí. -disse, já chegando quase na porta.

–Espera, Danna... Você está bem?

–Estou ótima, estou me sentindo muito bem na verdade, até essa notícia.

–Não precisa vir pra cá, já chequei o local e abri as imagens das câmeras de seguranças, mas todas elas foram deletadas.

–Eu posso te ajudar.

–Eu sei que pode. Mas você precisa descansar e tem um banquete de feriado te esperando. Eric já me ligou umas dezenas de vezes, você precisa ir pra lá. - ele parecia cansado e ao mesmo tempo irritado.

–Sua irmã e sua mãe foram sequestradas, eu não vou para nenhum banquete, tenho certeza que eles vão entender. - Olhei para Hayden e ele me encarava com preocupação.

Outro silêncio. Will estava mexendo em alguma coisa no outro lado que fez um barulho estrondoso, de alguma coisa quebrando. Pareciam pratos, ou copos, ou até mesmo um vaso de flores. .

–Will? - Ele suspirou

–Me desculpe, eu... - outro suspiro - me encontre na base da cabana, você ainda se lembra onde é? Hayden ainda está aí?

–Sim, ele está aqui.

–Há uma outra entrada pelo campo, ele sabe onde fica, estarei lá em vinte minutos. - Will parecia mais confiante agora.

–Tudo bem, estamos indo. - desliguei e automaticamente entramos no elevador.

Hayden conduziu o carro em alta velocidade até a estrada e seguiu acompanhando a linha de árvores da lateral até entrar em uma estrada de terra camuflada por folhas e sem nenhum tronco de árvores no caminho. Haviam três caminhos depois de se dirigir por cerca de cinco minutos, e ele foi pelo primeiro. Quando chegamos no final, um casebre com uma porta de garagem se abriu e descemos por uma rampa de asfalto, iluminada por algumas luzes azuladas, estilo tochas de paredes.

O fim da rampa nos levava até a uma extensa garagem subterrânea. O teto era composto por algo branco, parecido com o piso, o ambiente era bastante iluminado, com uma cor tão branca e limpa que fazia com que as minhas roupas se destacassem, assim como as de Hayden. O estacionamento era exatamente como os outros da A.A.S.S. em que estive, do tamanho de um campo de futebol. Alguns carros pretos estavam estacionados ao longo da fileira perto do elevador, a maioria dos agentes estavam em missões fora do país.

–Vamos. - disse e corremos para o elevador.

Só então percebi que toda essa construção, era minha, até o elevador.

Ao subir e me deparar com o tanto de gente circulando na sala de operações, me senti pequena. Uma breve recordação me fez lembrar da primeira vez em que estive aqui. Quando conheci Xavier, quando tudo começou.

O telão mostrava imagens de segurança de toda a área que rodeava a casa de Will e percebi que um aglomerado de pessoas se reunia em frente a dos computadores. Todos pareciam prestar bastante atenção no que viam na tela e todos pareciam ter parado para trabalhar em conjunto por uma missão. Encontrar Zoey e Brittany.

Eu e Hayden nos aproximamos da multidão e encontrei Will de pé ao lado de um homem que teclava rapidamente. Poucos pareciam nos notar, o que era bom.

–Cheque as placas e as últimas movimentações bancárias de Zachary Hill e George Palmer. - A pronúncia do nome de George saiu com amargura. - Eu quero que descubram onde os dois estão. Encontrem pistas, qualquer coisa, o mais rápido possível.

–Nada ainda? - Will se virou para mim, surpreso. Porém, a sua expressão se tornou dura novamente. Eu queria tocá-lo, mas não sabia como ele iria reagir. Ao invés disso, ele veio até a mim e me beijou. Will estava com um gosto salgado e seus lábios me pressionaram com ternura, e senti uma onda de alívio sair de seu corpo, que relaxou. Ele se afastou tão rápido quanto se aproximou e segurou o meu rosto pra me encarar.

–Não somos irmãos, não temos nenhum alelo em comum.

Senti a onde de alívio sair do meu corpo também. Ele deve ter feito o teste de DNA quando eu estava inconsciente. Mas se George não era pai de Will, quem era?

–Isso é muito estranho, porque eles iriam sequestrar a sua irmã e sua mãe? - Olhei para o telão, observando as informações. - Por que George faria isso?

–George é capaz de tudo. - suas palavras vieram com um duplo sentido.

–Zachary também.

–Tenho quase certeza de que sim. Antes de me desesperar, tentei ligar para as duas e procurei na agenda colada na geladeira por algum compromisso, mas não tinha nada. E quando fui analisar as câmeras, tudo havia sumido, não tinha nada.

Olhei para trás e vi Hayden mexendo em um dos computadores.

–Você já tentou falar com Crystal? - essa pergunta o pegou de surpresa.

–Ela não saberia, ela nunca sabe.

–Senhor, verificamos as câmeras e não há nenhum registro de anormalidade. - disse o homem sentado no computador.

Os agentes, aos poucos, foram se afastando.

Will enrubeceu.

–Cheque as atividades aéreas. - ordenou - Se eles não saíram de carro, então foi por uma via aérea.

–Sim, senhor. - disse o homem com ''Harrison'' escrito na blusa. - De acordo com os registros via satélite, uma atividade aconteceu em um raio de oito quilômetros ás treze horas da tarde, e voou cerca de trinta quilômetros até uma das bases aérea da agência.

–Procure pela outra atividade.

Enquanto observava-os, pensei em uma razão pra tudo aquilo estar acontecendo. Por que duas pessoas inocentes seriam sequestradas?

–Já estou procurando, senhor.

–Meu palpite? - nos viramos para ouvir a opinião de Hayden. - Eles ainda estão nos Estados Unidos. A base aérea de Nova Iorque deles, não tem jatinhos particulares ou aviões de grande porte, todos foram transferidos para o Arizona.

–Ele está certo senhor, a outra atividade foi para o lado Oeste e parou exatamente em cima do Arizona.

–Eles estão em Phoenix? Por que diabos estariam em Phoenix? - falei, me lembrando de Peter.

–Não sei... Isso tudo não faz sentido. - Will hesitou, olhando para baixo, depois para mim. - Só espero que elas estejam bem... Vou fazer eles pagarem bem caro...

De repente, os computadores começaram a piscar, como uma tela de televisão sem sinal. Todos olharam confusos, para nós dois.

–Senhor, alguém invadiu o nosso siste...

As telas de todos os aparelhos eletrônicos ficaram negros de repente. Os agentes murmuravam uns com os outros em procura de uma explicação, enquanto Harrison tentava restaurar o sinal.

–Isso não é nada legal. - falei, olhando ao redor.

Harrison pegou o tablet de se colo e tentou ligá-lo, sem sucesso.

–Senhor, nenhuma rede móvel está disponível, suponho que quem quer que esteja atrás disso, tenha usado um esquema muito poderoso para travar os aparelhos.

Will estava com uma expressão ruborizada e mexia em alguns aparelhos ao seu lado. Outros agentes fizeram o mesmo.

Um luz se acendeu no telão, seguido por em outras telas. Meu celular no bolso de trás da calça vibrou e eu o peguei. As pessoas se exaltaram, e senti o punho de Will ficar rígido com as juntas brancas. A raiva também se acendeu dentro mim, invocando a pior das minhas fúrias. Brittany e Zoey eram o foco da câmera, que transmitia as imagens. Elas estavam sentadas em cadeiras com os olhos vendados e os braços amarrados, agitadas tentando se livrar das amarras. O local parecia escuro e a única iluminação vinha de uma lanterna alta, posicionada ao lado da câmera, para que o telespectador as vissem melhor.

–Essas são as duas primeiras peças do jogo que vocês compraram. - a voz era aterrorizante, era uma voz grossa e rígida. Era a voz de Zachary. - Entregue o Protocolo D, o verdadeiro, em quarenta e oito horas ou a cada minuto, hora e dia que passar, mais peças serão postas no tabuleiro. Todas as pessoas que você, Danna Walker, ama, e no final, darei o xeque mate. Vocês sabem onde estou.

E a mensagem desapareceu.

O salão entrou num intenso silêncio, até que tudo voltou a funcionar. Will, com a mandíbula rígida e com uma postura pronta para atacar qualquer um que chegasse perto, apertou os olhos em uma linha fina e caminhou até o deque debaixo de telão, para falar com todos. Ele não olhou para mim, nem desviou por nenhum segundo o seu olhar possuído pela escuridão.

Zachary sequestrou as duas pessoas que ele mais amava, para atingi-lo, e me atingir. Como George deixou uma coisa desas acontecer? Ele não se importava mais com a sua família? Eu sou sua filha e ele tentou me matar, o que o impediria de deixar uma coisas dessas acontecer? Era tudo culpa minha, tudo por causa do maldito Protocolo D, que implantaram dentro de mim e que caso eu tentasse tirá-lo, iria explodir. Mas parecia justo, se eu trocasse uma vida por duas.

O chip está dentro de mim, é a mim que ele quer, e é a mim que ele vai ter.

–Todo mundo, ouça com atenção. - falou Will, meio cansado - Sabemos que estamos com uma maldita guerra interna por anos, e acabamos de ver o que ele é capaz de fazer. Eles sequestraram a minha mãe e a minha irmã e tenho certeza de que é só o começo.

Todas as pessoas que você, Danna Walker, ama... Um desesperou bateu dentro de mim e peguei o celular para ligar para Tereza.

–Preparem-se para enfrentar o inimigo, reúnam-se em grupos, dos mais experientes aos menos experientes, daqueles que tem habilidades com armas e daqueles que tem habilidades tecnológicas, quero que peçam reforços para a base de Los Angeles, Atlanta e Chicago. Se preparem para uma longa viajem até Phoenix.

Meu coração acelerou, e senti a palma da minha mão arder com a força que eu pressionava os dedos. Will estava levando um exército para Phoenix, afim de travar uma guerra. Não é assim que as coisas devem ser. Não é isso o que fazemos, não travamos guerras, nós protegemos pessoas de guerras.

Todos as pessoas vestidas de terno ou com um uniforme de combate, correram como se soubessem o que fazer. Eles eram treinados para isso, o tempo todo. Corri em direção á Will, me esquivando de alguns corpos ambulantes e parei ao seu lado.

–Nós não podemos fazer isso, por mais que eu queira acabar com a raça de Zachary, não podemos travar uma guerra com eles, não agora que estamos vulneráveis. Não estamos preparados, Will.

–Você quer esperar? É isso? - Ele me olhou como se eu fosse uma estranha - Não podemos esperar Danna, já esperamos demais, alguém tem que fazer alguma coisa. Eles estão com a minha mãe e Zoey.

–Há uma solução para tudo isso Will.

–Que solução? - ele parecia irritado, mas sua voz entregava a sua falsa dúvida.

–Você sabe muito bem qual é - encarei seus olhos com sinceridade, aos poucos, ele deixava a sua posição rígida.

–Não vou deixar que ele a tenha. Isso não é uma opção, estaria entregando para ele tudo o que deseja, é isso o que ele quer.

–É a nossa única saída para evitar uma guerra. Escuta, - toquei no seu rosto e o obriguei a olhar diretamente para mim. Seu beleza era deslumbrante, como sempre. - nós temos que pensar, dar os mesmos passos que ele e pensar como ele. Você está com raiva, está exaltado, eu entendo, é como estou também. Mas não podemos colocar essas pessoas em risco por nada. Essa luta é nossa e não deles.

–Essa luta é de todos nós. Enfrentamos mau e ele é o mau. George também. Ainda estou tentando localizá-lo, parece que saiu dos trilhos e sumiu para outra dimensão.

–Nós vamos encontrá-lo, ele não deve estar muito longe. Só não precipite tanto as coisas, precisamos de um plano.

–Temos somente quarenta e oito horas para fazer alguma coisa, ou ele vai capturar ou matar alguém. - sua voz soava nervosa agora, ele estava com medo.

–Então protegeremos aqueles que amamos. - me lembrei do celular na minha mão. - Preciso ligar para Tereza e Eric, preciso contar para eles e pedir para abandonarem o banquete de seu segundo feriado favorito para virem aqui.

Will não se moveu, parecia estar clareando a cabeça e colocando os pensamentos em ordem.

–Eu acho que tenho um plano.

–Você acha? - perguntou.

–Eu acho.


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Notas finais do capítulo

Em relação ao título, eu queria que vocês comentassem sobre qual dor é a pior, a da fome ou a de perder alguém, por favor, eu queria muito ouvir de vcs sobre isso.
Obrigado =D



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