Crescer escrita por Mariana


Capítulo 4
Capítulo 4




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Durante quatro anos essa foi minha vida. Eu cuidava de Clara, brincava com ela, colocava ela para dormir, estava sempre ali para a minha menina. Fui mais presente do que a maioria das mães sonharam ser. Nesse meio tempo descobri tantas coisas sobre o mundo e sobre mim mesmo e tomei uma decisão.

― Medicina? Tem certeza? É muito caro, não? – Joana reagiu meio sem graça logo que eu disse o meu plano.

― Pensei que dinheiro não seria problema...

― É, na verdade, pensando bem não é. Mas acho que é sempre a primeira coisa que a gente fala numa situação dessas, não?

― Se você fosse minha mãe, sim. 

Ela olhou para mim séria, virou para o lado, olhou de novo e não conseguiu, começou a rir. 

― E a Clara? 

― Está na hora dela ir para escola de qualquer forma. Podemos escolher uma escola perto da faculdade e eu a levo comigo. Andei estudando bastante, acho que tenho condições de passar em uma faculdade particular.

― Bem, se você tem um sonho, quem sou eu para impedi-lo? Vai lá, eu te ajudo no que precisar. No mais, serão pelo menos mais seis anos com você aqui cuidando da Clara e nós dois sabemos o quanto ela gosta de você, não é, Clarinha?  ― ela terminou a frase olhando para pequenina que sorria olhando para nós dois. 

* * *

Sabe aquilo que falam sobre as crianças crescerem depressa? A maioria dos adultos que repete isso de forma saudosista sofre de um descompasso de tempo em relação à criança. Em geral os pais já “cresceram” tudo o que precisavam quando têm um filho, então, o tempo passa para quem cresce de forma diferente do que para quem está crescendo.

Percebi isso com Clara e Joana. 

Na verdade, apesar de ser pai de Clara, ser mais velho que ela, em um certo sentido, eu estava crescendo junto com ela. Joana já tinha passado por isso e apenas nos acompanhava; então, para ela, os anos seguintes foram muito diferentes. Como qualquer criança, tenho memórias esparsas do meu crescimento com Clara, daqueles anos na faculdade, na residência médica logo em seguida. Lembro de muitas coisas legais, momentos maravilhosos, músicas divertidas, filmes que assistimos todos juntos.

Lembro de vários pequenos bons momentos, uma ou outra decepção ou problema. Mas no geral, foram anos ótimos. O único problema nessa história era o formato do nosso arranjo familiar. No começo eu era praticamente a babá de Clara. Quando ela cresceu e passou a entender um pouco mais as coisas, Joana quis que eu me mudasse de quarto para que Clara tivesse a “ilusão” de uma família normal.

É claro que ela se esqueceu que o normal hoje não é o pai e a mãe casadinhos bonitinhos, mas, tudo bem.

A questão no fundo é que, não importava onde eu dormia, mas que nós estávamos em pontos diferentes de nossas vidas. Eu sabia disso, Joana sabia disso e bem, desconfio que até Clara soubesse, porque era muito óbvio que não éramos um casal. Dormíamos na mesma cama e eu até acompanhava-a em alguns eventos sociais (depois de entrar na faculdade de medicina ela passou a me achar “exibível” para o círculo social dela, e... bem, como ela pagava as contas e essas ocasiões eram tão raras, acabava entrando na dança, algumas vezes literalmente). 

No meio disso surgia toda uma questão do relacionamento sexual. Nenhum de nós tinha outras pessoas, nunca houve essa necessidade, talvez. Em todos esses anos acabamos algumas vezes fazendo sexo, principalmente depois que passamos a dormir juntos, mas sempre foi algo estranho. Nós éramos mais amigos do que outra coisa e tudo ficava muito estranho depois. De alguma forma parecia errado, como se estivéssemos traindo alguém. 

Enfim, o fato é que esses anos não passaram rápido pra mim e para Clara. Eles foram o tempo ideal para eu curtir a infância da minha filha, para eu me construir como pessoa, para eu estar pronto para o mundo. E eu estava. Estava com quase trinta anos, um diploma, boas recomendações, boas referências e uma proposta irrecusável para conhecer o mundo. 

Durante a residência me inscrevi para um projeto ligado para uma bolsa de estudos que garantiria estágio em três clínicas de muito prestígio, uma nos EUA, uma na Inglaterra e outra Austrália, por dois anos em cada uma delas. E eu tinha sido selecionado para poder viver a vida que eu passei esse tempo todo me preparando para viver.

Só tinha de contar para Joana.


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