Diary Of A Journalist escrita por Shorty Kate


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Quem gosta de John Lennon a ser John Lennon deve ler este capítulo!



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(…) O caderno ficou já comigo pois sabia que só me levantaria das espreguiçadeiras para ir jantar. E para quê a máquina, perguntam vocês? Ah, quem sabe a fortuna que um dia poderei fazer com umas fotografias dos Beatles só em calções de banho?

O jantar foi uma total diversão. Pouco consegui comer por tanto me rir, mas devo dizer que não fiquei com fome. O Brian não parava de nos chamar de garotada presa no corpo de jovens, mas eu fiz de conta que não era nada comigo Na verdade, eles é que se estavam a divertir-se imenso a trocar os copos e os talheres, a puxar a toalha e os guardanapos.

–Estes rapazes foram puxados de uma juventude que não podem gozar por causa de ser músicos em ascensão, e sendo um dos principais ‘culpados’ disso agora tenho a minha paga. Não só sou manager mas sou também como pai deles, mais como babá! – Eu concordei numa gargalhada. Quando na piscina, aproveitando os raios de sol grandiosos que poucas vezes assolam o nosso país (e ainda para mais nestes finais de Outono…), eles se atiravam para a água, projetando-a para fora e salpicando-me.

Depois da refeição, eles foram mais lá ao fundo, atarracando-se no sofá. O George estava entretido com a sua guitarra, fazendo umas melodias que o John e o Ringo iam acompanhando, um com a uns murmúrios e a harmónica, o outro a bater com as baquetas na beira da mesa de madeira ou na sola do sapato. O Paul estava muito sério, riscando e rabiscando numa folha; ele estava tão concentrado quanto eu quando escrevo. Após uns momentos eles estudavam os acordes que o George usava, a melodia que a voz e a harmónica podiam ter, as batidas que a bateria podia tomar e então começamos a ouvir as vozes do Paul e do John a fundirem-se numa pequena amostra de uma música ali mesma criada, que seria usada no próximo álbum.

I should have known better with a girl like you
That I would love everything that you do
And I do, hey, hey, hey, and I do.

E depois de tanto ter explorado melodias e notas, o George começou a esboçar um pequeno solo. A voz do Brian rompeu o silêncio que estava entre nós à mesa. -Parece bem simples aquele solo, não parece?- Eu acenei. Realmente aquilo era demasiado simples e contudo tão perfeito. -Eles são génios ao ponto de serem estúpidos.- Eu franzi o cenho e olhei-o de lado.- Eles usam aquilo que acharíamos tão elementar e inútil e fazem magia. É por isso que eles são bons.- Brian suspirou fundo enquanto os observava e comentou. - No dia em que eu morra, eles separam-se.

Aquilo que ele disse causou-me um arrepio. – Credo, Brian, vira a boca para outro lado!

–Sinto-me velho para a idade que tenho. – Dizendo isto, bebeu o resto do conhaque num gole. – E aqueles quatro não se vão entender. Cada um vai puxar para o seu lado e eles vão acabar longe.

–Brian, - Eu tirei-lhe o copo da mão e puxei-o para mim. – és tão sério como um enfarte! Tenta não o ser e talvez te sintas menos velho e deixes de dizer asneiras. – Levantei-me e levei para fora do alcance dele a garrafa de brandy que o empregado tinha deixado na nossa mesa. – Boa noite, rapazes. – Eu disse-lhes, chegando-me perto deles.

–Já vais para cima? – O Paul segurava-me o braço, puxando-me para me sentar. – Fica mais um pouco.

–Ah, não. Vou subindo, dar um arranjo nestes textos-

Não consegui acabar a frase porque ele puxou-me e eu caí sentada sobre as pernas dele. – Tu não largas esse caderno, não?

Eu peguei nas folhas que ele tinha amassado. -Não és o melhor exemplo para falares agora, Paul.

–Ok, - Ele tirou o braço que tinha envolto na minha cintura. – vai lá!

–Boa noite, rapaziada. – Eu voltei a repetir e agora subindo para o meu quarto. Só quando lá cheguei é que reparei que tinha levado comigo a garrafa, mas agora não estava para ir para baixo.

Levei a cadeira para a pequena varanda e fiquei a organizar tudo o que tinha apontado até agora. E por fim cheguei aquele ponto de exaustão onde só quero dormir, mas não tenho sono. Arrastei-me para a cama, completamente esgotada, e fiquei de os olhos abertos a fitar o teto. Eventualmente adormeci, mas por pouco tempo. Lembro-me de acordar várias vezes, a última por causa do frio. Tinha deixado a porta de correr aberta e um vento frio entrava por lá. Quando me levantei para a fechar ouvi um barulho do aldo de fora. Espreitei e encontrei o John na varanda do lado a fumar e a apanhar o cinzeiro que tinha tombado.

–Desculpa se te acordei. – Ele disse em tom baixo.

–Não há mal. Não consigo dormir mesmo. – Caminhei para mais perto da ponta da minha varanda para o poder ver melhor. – Insónias ou nervosismo?

Ele deu de ombros e depois balbuciou. – Um bocadinho de ambos. E tu?

–Insónias. E ainda por cima esqueci-me dos comprimidos…Nervoso para o concerto de amanhã?

–Não.- O concerto do dia seguinte não o afetava, mas o que ele me ia dizer a seguir, isso sim era a razão do seu nervosismo e aquilo que lhe tirava o sono. - Sabes porquê que o Brian veio connosco, não sabes? – Eu acenei; como haveria eu de saber. Ele talvez estivesse à espera que o Paul já me tivesse contado, não sei. – Ele quer que eu e o Paul escrevamos mais músicas. Ele quer lançar outro álbum para o meio do próximo ano e eu e o Paul estamos sem material.

–Então ele anda em cima de vocês, é isso?

–E consta que vamos assinar para fazer um filme. A gente ainda não sabe bem disso ainda, mas basicamente estamos com a corda no pescoço. – Ele levantou o olhar, dizendo. – Queres dar uma subida até ali acima?- Eu olhei também e vi que o que ele se referia a um terraço na cobertura do hotel. Considerando a hipótese de eu negar, ele chantageou-me. – Se fores, pode ser que te dê um ou dois comprimidos para dormires!

–E se eu disser que não?

–Não aceito ‘nãos’ como resposta!

–E em troca de uma garrafa de conhaque?

Ele olhou em redor e apagou o cigarro. – Traz a garrafa também. – E depois disto entrou no quarto sem que eu pudesse dizer mais nada. Ele realmente não tomava ‘nãos’ como resposta.

–Ok, - Eu disse fechando a porta silenciosamente. – estou aqui, trouxe a garrafa, e agora?

–Agora, - Ele abriu a mão, mostrando-me comprimidos e tirando-me a garrafa das mãos. – agora esperamos pelo sono. – John meteu na boca três comprimidos e engoliu-os com brandy.

–Johnny, isso não é das melhores combinações a fazer!

Ele colocou dois comprimidos na minha mão e ofereceu-me a garrafa. – É das melhores combinações que consigo pensar agora! Quando a vida te dá brandy, tu bebes! – Eu fiquei estática enquanto ele se sentou na beirada do prédio, balançando as pernas. – Pensa em algo que não gostes, que queiras esquecer.

Atirei os comprimidos para a boca e empurrei-os garganta abaixo com um grande gole de conhaque e sentei-me ao lado dele, resmungando. – Maldito do Francis!

Ele ficou a olhar atentamente as pernas, balançando-as. – E se eu saltasse?

–Mas será que hoje todos parecem estar virados para a morte? – Ele deitou-me os olhos, mas eu preferi não comentar a vontade muito animadora do Brian há algumas horas atrás. – Bem, se saltasses, perdíamos um grande homem. Já para não falar que punhas em causa a carreira de outras três pessoas. E se fores Cristão, o suicídio é considerado pecado e vais para o Inferno.

–E se eu não for Cristão? – Ele perguntou bem inocente enquanto caminhava de braços abertos na beira do muro. – E se eu simplesmente não for crente em religião alguma?

–Então simplesmente ficas a estorvar lá em baixo no passeio!

John saltou para o terraço e tomou um longo gole da bebida, equilibrando a garrafa na minha cabeça e sentando-se ao meu lado. Agora ambos estávamos de costas para a cidade, tendo os pés bem assentes no cimento do pátio. – Imagina o mundo sem Inferno…só haver sobre nós o céu, – Ele colocou o braço dele em redor dos meus ombros e ambos olhamos o céu. – as estrelas como diamantes. Imagina não haver religiões, nada pelo qual adiante matar ou morrer. Não haver fronteiras nem países…Imagina o mundo livre de ganância, bens matérias e necessidades terrenas. Consegues imaginar?

Fiquei tocada com as palavras dele, realmente fiquei, mas tinha de ser sincera. – Não, John. Não consigo imaginar nada disso.

–Mas é fácil se tentares. – Ele bebeu mais um pouco da garrafa e continuou. – É fácil de imaginar.

–Exato, – Tirei-lhe o frasco e bebi também, afogando umas mágoas. – imaginar. É uma utopia, John. Só é possível como pensamento, como sonho.

–Mas se o mundo se unir podemos ser e viver como um só. E assim eu deixo de ser apenas um sonhador…

–Não te preocupes, Johnny. - Eu beijei-lhe a bochecha e afaguei-lhe o ombro. – Não és o único sonhador.

Ele vasculhou no bolso do casaco e tirou mais comprimidos. Engoliu mais alguns e deu-me outros a mim. – Conta-me lá então quem é esse Francis que te deixa tão zangada.

À medida que ia contando a história íamos bebendo cada vez mais até que não sobrou nem uma gota. Confesso que não me lembro de muito mais a partir de certa altura. Lembro que quando a garrafa ficou vazia o John a atirou contra a porta e ela estilhaçou-se em mil cacos. Recordo-me de nos rirmos muito, de andarmos em cima daquele muro e do John puxar de um cigarro. Ambos já estávamos bem bêbedos, bem dopados de comprimidos para dormir e ainda assim ainda conseguimos partilhar um cigarro antes de tombarmos.

Pela manhã o sol bateu-me bem nos olhos e a agitação citadina acordou-me e fez a minha cabeça quase explodir. Se calhar devia dar graças por estar viva e de não ter morrido de overdose ou coisa do género. Sinceramente, não sei mesmo como estávamos ali depois de tanto abuso na noite anterior. Tentei-me pôr de pé, mas cai outra vez sobre os joelhos. Atrás de mim ouvi o John murmurar umas coisas e ele, ao contrário de mim, conseguiu levantar-se. Baixou-se para me agarrar pela cintura e colocar o meu braço em redor do pescoço dele. Chegámos, cambaleando pelo caminho todo, ao piso dos nossos quartos. Ele deixou-me sobre a minha cama e meio aos tropeços saiu do meu quarto.



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Notas finais do capítulo

Eu prórpia percebi ao escrever este capítulo que a ação se passa por volta de 1963. A música que os rapazes tocavam e cantavam é "I should have know better" que iria fazer parte do álbum de 1964, "A Hard Day's Night".
Agora, quem apanhou as outras subtis referências às músicas deixa comentário!



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