Angel Of Mine escrita por ZackSun


Capítulo 3
Capítulo 3 de 5




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As semanas que se seguiram foram de longe as mais bizarras da minha vida. Eu vivi dois anos com minha namorada, mas nunca convivi com mulher nenhuma dentro de uma casa. Nem mesmo minha mãe, ela abandonou eu e meu pai quando tinha cinco anos. Ainda me lembro do rosto sorridente dela me prometendo que voltaria ate o natal... Faz 15 anos que espero esse dia.

Mas mudando de assunto, Mena era uma garota especial e sem dúvida nenhuma sua presença preenchia a casa de alegria.  Não era só beleza que ela possuía, ela tinha um intelecto que eu nunca vi igual nas meninas da idade dela, enquanto elas pensavam em romances Shoujo, ela discutia assuntos como política, religião, e atualidades mundiais. 

—A culpa é sua Eiji-kun eu disse pra não deixá-la assistir TV o dia inteiro.

—Eu não, ela coloca na CNN e eu durmo em seguida, nem vejo isso.

Eu tinha conversas parcas com minha namorada, mas nada tão profundo.  A cada dia que se passava mais eu me impressionava com aquela alva garota loira.

—Parece que está se apaixonando Shinji?

— Não brinca, Eiji-kun.

—Você não sai mais do lado dela. Cada dia me conta uma descoberta nova sobre ela.

—Ah, hoje eu descobri que ela é um fenômeno lingüístico! Fala todos os idiomas conhecidos!

—Viu só... Caidinho.

Eiji-kun tinha razão, eu não saia do lado dela e isso criou uma ligação muito forte entre nós. Mas não estava apaixonado por ela e ainda me lembrava da “outra”, e também daquela maldita serpente que ela colocou no meu peito. Na verdade era quase que diariamente, enquanto acordava e verificava a minha disposição em levantar, vinha na minha cabeça todas as memórias que o sono me poupava. Quando via algo familiar, nas vezes em que saiamos, a memória atacava novamente. E toda noite eu chorava bem baixinho, antes de dormir e rezava para que os Deuses a protegessem.

— Shinji-kun, eu sei da dor que sente. Eu também sinto uma dor muito grande quanto te vejo assim...

Mena disse isso uma noite enquanto eu me afogava em culpa. Ela se deitou aninhada em meus braços e senti algo molhado em seu rosto. Ela também chorava por algo fazendo eu me comover ainda mais. Começamos os dois a chorar até que o sono chegasse, já no meio da madrugada. No outro dia, senti meu corpo quente e notei que ela havia adormecido sobre o meu peito. A luxúria me atacou de súbito, mas fiquei horrorizado com as idéias que não paravam de me subir a cabeça, entrando pelas frestas da minha moral.

Ela acordou e me olhou nos olhos, me senti como se tivesse mostrando todos os meus pensamentos maliciosos e enrubesci quase que totalmente.

—Shinji, você tão belo. Tão gentil...

Aqui, exatamente nessa hora eu deveria tomá-la em meus braços e beijá-la, casaria com ela em seguida e teríamos uma vida perfeita, onde ela seria uma esposa invejada e eu um marido mais que satisfeito. Mas a vida infelizmente não é como queremos, a vida nunca é da maneira que a gente sonha ser, na verdade acho que só sonhamos porque se víssemos a verdade nesse mundo de merda, enlouqueceríamos até os fios de cabelo.

Aquele jeito de olhar, aquelas palavras, precisamente igual à primeira vez em que eu e minha namorada dormimos juntos.

— Mena-chan, por favor, não durma mais comigo. Eu não...

Ela mais uma vez me olhou como se me compreendesse, aquele olhar fixo, como se as palavras que saíssem da minha boca fossem desnecessárias, pois ela sabia o que eu pensava.

Naquela noite eu ganhei uma panela cheia do melhor strogonoff de frango que já comi na vida, minha comida predileta, e uma conversa.

—Shinji-kun, poderíamos conversar?

—Claro Mena-chan, estou sempre disposto a conversar com você.

—Shinji-kun, você ainda gosta da...

Direta como uma flecha! Bem parecida comigo. Ela entendia a dor que aquele nome me causava e não se atrevia a repeti-lo. A simples menção daquele nome me jogava na cabeça memórias dolorosas do dia mais penoso na minha vida.

—Foi no finalzinho do verão, iríamos completar dois anos de namoro e eu estava tão contente. Eu havia preparado tudo antecipadamente. Haveria um jantar, um sarau particular de uma coletânea que iria escrevi só para ela e depois haveria uma suíte em um caro hotel que havia me custado uns bons meses de trabalho duro em dois empregos, onde passaríamos a noite.

A face dela ia mudando de alegre para triste. Seus olhos iam baixando e eu mal percebia que nós dois fazíamos isso da mesma maneira, mas eu continuei, na verdade era a primeira vez que me abria daquele jeito.

—Depois do natal, tive que ficar um mês longe dela cuidado do meu pai na minha cidade natal. Ele está doente por causa da bebida e eu havia descoberto que ele estava usando o dinheiro do tratamento para sustentar seu vício. Fui lá e resolvi as coisas, mas tudo isso levou um mês, tudo isso levara um maldito mês.

Antes disso eu havia elegido o mês de passado como o melhor mês para nós dois naquele ano. Sentia-me tão sintonizado com ela, nunca acreditei muito no futuro, mas eu tinha muitos planos para nós dois.

—Faltando dois dias para voltar eu recebi um e-mail dela, coisa rara de se acontecer, por que geralmente só eu que telefonava ou mandava e-mails. Havia apenas uma frase no e-mail que me chamou a atenção: “Precisamos ter uma conversa séria”.

Eu não dormi por dois dias, torrei o resto das minhas economias pagando uma passagem de avião na primeira classe só para não esperar pelo trem.  Eu não comia, não bebia, não respirava direito. Meu coração mantinha um desconfortável e acelerado ritmo, meu estômago dava voltas.

— Fui à casa dela no mesmo dia. Sentamos no sofá, ela estava linda e usava o perfume que eu tanto amava. Ela sabia que eu gostava de ser direto em tudo que eu fazia então começou a me explicar que ela estava muito confusa com nosso relacionamento, que precisava de um tempo e o que mais foi doloroso de ouvir: “Eu já nãos gosto mais de você como antigamente”.

Eu fiquei vermelho, parei a narrativa no meio pra limpar algumas lágrimas que me escapavam pelo canto do rosto. Ela chegou mais perto de mim e me abraçou, a dor amenizou e eu continuei com uma voz contida.

—Tentei argumentar, insisti, implorei e cheguei a me humilhar perante aos pés dela. Mas ao ver que ela me fuzilava com um olhar de pena eu compreendi que nem se eu estive incrustado de diamantes adiantaria de alguma coisa. Cansado, confuso, e profundamente triste eu fui para casa e chorei, chorei tudo aquilo que eu podia. Um rio de lágrimas que ela não merecia.

Mena me abraçou de novo, e demorou no abraço. Ficava alisando o meu cabelo e aquilo me acalmava de uma maneira quase que milagrosa. Ao poucos o pranto foi cedendo, a tristeza foi abrandando, ela segurou minhas mãos e olhou-me com aquelas safiras azuis cintilantes.

—Talvez ela volte.

Eu levei um susto, um tremendo susto com aquela curta frase.

—Como?

—Pelo que observei, e pelo que me contou, ela não lhe deu um real motivo para ter terminado. O que pode indicar que ela estava com medo da seriedade que o relacionamento de vocês estava começando a atingir.

—Você acha? Mas ela parecia tão convicta.

—Ela falou com você depois disso.

—Sim, ela me ligou umas duas vezes para saber como eu estava.

—Ligue para ela e marque um encontro, mostre para ela que você a ama e que ela não precisa sentir medo por que você é o homem certo para estar do lado dela.

—Você acha?

—Cega seria a garota que não percebesse isso, Shinji-kun.

Talvez ela estivesse certa. Meu coração havia já havia ganhado asas e minha cabeça começava a planejar um encontro. Mas parei de pensar assim ao olhar para o rosto dela novamente.

—Mas e você?

—Se Shinji-kun estiver feliz, eu serei feliz.

A sinceridade daquelas palavras e o calor de um singelo sorriso, mais uma vez tocaram fundo no meu coração. Mas eu liguei e marquei o encontro para o fim de semana, com o coração cheio de esperança e dúvida.

 


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Notas finais do capítulo

Zack-Senpai tambem é cultura:
O Strogonoff é um prato de origem russa; na verdade, chamava-se Strogonov. Tudo começou no século XVI através da alimentação dos soldados russos, os quais comiam rações de carne cortadas em barris com sal grosso e aguardente para preservar o alimento.

Por meio de um cozinheiro do Czar russo Pedro, o Grande, a comida foi melhorada e refinada. O general que protegia o cozinheiro se chamava Strogonov; daí surgiu a idéia de colocar esse nome ao prato. Posteriormente, com a Revolução de 1917 e a imigração dos russos para a Europa, a receita chegou à França, onde foi refinada mais ainda, chegando à forma que conhecemos o prato atualmente.