Angel Of Mine escrita por ZackSun


Capítulo 2
Capítulo 2 de 5




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Quando se está morto, se espera que a luz que incomoda seus olhos seja do sol divino e sempre radiante do paraíso. Nunca fui muito religioso, mas acho que lá, faz sol o dia inteiro, aquele sol de primavera, que emana um calor confortável em uma manhã fria. Mas não foi a luz do sol que me acordou, foi à luz da lanterninha de um médico examinando a minha retina.

— Pupilas normais, não ele não estava drogado.

É claro que não! Drogas, álcool, cigarros nunca fui fã disso. Principalmente depois que minha avó morreu de cirrose e meu pai quase que vai também, por causa de um enfisema. Mas o que diabos eu estava fazendo naquele lugar? Era pra estar na fria sala de autópsia, onde um legista sinistro me abriria e me fecharia para constatar que rachei meu crânio em 15 cm de concreto, acelerado por uma queda de 20 andares de altura. Ou no mínimo em uma sala de embasalmamento onde juntariam os pedacinhos da minha cabeça e me deixariam com um sorriso bonito e sereno para um velório vazio.

— Não houve testemunhas do acidente, mas a pessoa que trouxe ele aqui disse que ele caiu de um prédio.

— Deve ter sido uma queda baixa, os ferimentos dele são leves.

Duas costelas quebradas, luxação em uma das pernas, torção em um dos braços e dois grandes hematomas na região do peito.  Será que eu caí em um caminhão de isopor? Eu mesmo não vi porque fechei os olhos na hora do impacto, mas tenho certeza que cai os vinte andares. Como isso é possível? Não poderia estar vivo!

—Sabe onde está, garoto? Sabe por que está aqui?

Sei, eu falhei em me matar e agora estou internado em um hospital.

—Eu caí de um prédio... Me apoiava na sacada, desequilibrei e cai.

Já era um saco eu ter falhado em algo simples, seria mais chato ainda passar por sessões com um psicólogo para ele me dizer coisas que já cansei de ouvir: como é importante que eu me dê valor, que minha vida é valiosa, blá, blá, blá. Se ninguém tinha visto o que realmente havia ocorrido, seria melhor que não soubessem.

— Só isso mesmo?

— Sim eu senti uma vertigem e cai.

—É seu exame de sangue deu positivo pra anemia. Você tem se alimentado mal?

E como! Depressão faz isso com a gente, é a melhor dieta que você pode querer. A comida desce como papelão molhado, até a droga da sua comida predileta você não consegue comer. Tudo parece sem sal e o apetite vai embora com um simples pensamento.  E por falar em pensamento, até então ela não tinha me vindo à cabeça, e agora lá estava ela, a maldita serpente de espinhos, aninhando-se em meu coração novamente. Shinji, seu incompetente, seu burro e idiota, cara você é tão fracassado que nem se matar direito você consegue, pelo amor de Deus! 

—Mas o senhor realmente não quer falar do que aconteceu?

NÃO! Que droga, por que a insistência... Oh droga! A carta, eles devem ter achado a carta de despedida no meu bolso.

—Onde estão os meus pertences?

—Guardados no depósito, nós olhamos sua carteira e achamos o numero do celular de um conhecido seu, ele virá te pegar em breve.

—Só a carteira?

— Sim, Por quê?

— Não nada, não, acho que meu celular se quebrou com a queda, então fiquei preocupado. Foi só isso que aconteceu doutor, eu caí de desastrado que sou. Ninguém me empurrou.

Eu havia entendido, ele conversava com outra pessoa quando acordei, era um detetive. Ele deveria estar achando que haviam tentado me matar. Fiquei aliviado, a última coisa que quero é a pena dos outros. Mas eu fiquei intrigado, como eu sobrevivi a uma queda letal?

— Doutor, como me acharam?

— Eu não sei. Você deu entrada ontem à noite com uma moça que te carregava nos ombros. Ela dizia que você havia caído de um prédio em cima dela. Sorte sua, afinal ela aparou a maior parte da queda.

— Quem?

—Essa moça aí, do seu lado.

Ao olhar eu me choquei com duas coisas. Primeiro, com uma beleza que realmente não deveria existir nesse mundo, havia uma menina de talvez uns 16, 17 anos, deitada na cama, ela havia quebrado uma perna e estava enfaixada até o pescoço. Seus cabelos eram dourados, de uma maneira que tintura nenhuma poderia imitar, também eram cacheados e iam além da cintura. A pele era alva e corada, e o rosto parecia uma moldura de tão lindo, com certeza era estrangeira.  Segundo, era a idéia daquela criança ter aparado uma queda de vinte andares com um corpo que parecia tão frágil e ainda me carregar até o hospital com todos aqueles ferimentos.

—Meu Deus! Ela está bem?

— Está sim, só está dormindo. Aliás, é até espantoso que ela se recupere tão rápido, a metade das feridas dela se fechou.

Quando pensei em me matar não queria que pessoa alguma se envolvesse. Tanto para evitar complicações legais quanto físicas. A idéia de que eu havia machucado outro ser humano me fez sentir um assassino, a visão daquela menina me provocou um arrependimento inviável e eu comecei a chorar sem controle. Era a primeira vez que havia tido alguma noção do que eu realmente havia feito.

— Shinji-kun, não precisa chorar. Eu não me machuquei.

Foi como ouvir um acorde de um violino afinado. Uma voz tão pura e tão doce que era impossível escutar e continuar indiferente. Com os olhos embaçados pelas lágrimas e vi o único par de olhos dos quais não vou esquecer jamais. Um azul límpido e brilhante como se emanasse luz própria. Quando me encararam, a culpa, os problemas, a vontade de pular pela janela, até mesmo a lembrança dela, tudo se dissipou.

— Quem é você?

— Meu nome é Mena...

Ela hesitou como se pensasse direito no que ia dizer. Talvez tivesse batido a cabeça.

— Mena, Meu nome é Mena.

Mesmo parecendo estrangeira seu japonês era perfeito.

— Mena-sama, eu gostaria de pedir desculpas pelos ferimentos que causei.

Também deveria falar que devia a ela a minha vida, mas não estava contente com essa parte. Em vez disso, conversamos a tarde inteira e acabei descobrindo que ela era muito parecida comigo, era estrangeira, mas não sabia me dizer o país de origem.

No fim da noite,  Eiji-kun apareceu para me levar pra casa, o doutor me deu alta mais cedo mas eu queria esperar Mena melhorar.

— Quem é essa, Shinji?

— A garota em quem eu caí.

—E porque não me apresentou ela ainda?

—Eiji-kun, larga mão de ser pedófilo.

—Oe... Isso é injustiça, são elas que vão lá em casa vestidas de Lolita, eu nem chamo.

 Eiji Satoshi e meu amigo desde o maternal.  Eu sou filho único e ele é o irmão do meio de uma família de cinco. Sempre odiou os irmãos que o consideravam um imprestável, ele provou o contrário quando foi trabalhar em uma empresa de informática e agora, ganhava mais que todos eles juntos. Eu moro de favor na casa dele enquanto faço faculdade, ele quase nunca para em casa então eu cuido praticamente de tudo, faço isso por ele, já que não me cobra pela estadia.

—Vamos logo que eu estou com saudade da sua comida, faz três dias que como só tofu e fast-food, não agüento mais!Você vai me preparar um arroz com curry da fazenda como só você sabe fazer.

— Eiji-kun, nós vamos levá-la.

A garota havia me dito que só havia comido no hospital, só tinha uma peça de roupa que mais parecia um lençol com mangas e que não tinha parentes no Japão.

—Shinji você bateu a cabeça na queda? Como vamos levar uma garota para um apartamento de solteiros!

— É o mínimo que eu posso fazer, é só até encontrarmos alguém da família dela.

Eiji cedeu, eu sabia que ele só rejeitou para parecer que não tinha nenhum interesse pela garota.

 E assim fomos pra casa, eu havia sido salvo de maneira inexplicável por uma garota mais inexplicável ainda. Aquele era o primeiro dia de um milagre que viria a mudar toda minha vida.


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Notas finais do capítulo

Zack-Senpai também é cultura:

Karê é a pronúncia japonesa de curry, um alimento de origem indiana que, depois de introduzido, adaptado e difundido no Japão, tornou-se um dos pratos mais apreciados no país com o passar do tempo. Ele consiste de um ensopado encorpado de carnes e legumes, como cebola, cenoura, batata e outros, temperado com curry e servido com arroz branco.