Imagens, Sons E Sentimentos escrita por Mayumi Sato, kaori-senpai, Bastet, Blue Dammerung, Bell the Kitsune, Bell the Kitsune, Nekoclair, Ace, IsaWonka


Capítulo 3
Clair de Lune - por: Bell


Notas iniciais do capítulo

"'Desnecessário', foi o que se passou na minha cabeça. Qual a necessidade de me torturar dessa forma? Mas não devo pôr a culpa sobre seus ombros, uma vez que esse tolo não sabe o que se passa pela minha cabeça, e creio que se soubesse... Não, não, ele não precisa saber!"



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http://www.youtube.com/watch?v=vG-vmVrHOGE - Clair de Lune(Debussy)

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Clair de Lune

Ao ouvir notas desgarradas e completamente fora do tom, quase me arrependo de ensinar o piano a essa criaturinha loira a minha frente. Ludwig é, de fato, uma criança inteligente, mas sem qualquer habilidade artística para a música.  Entretanto, comprometi-me a ajudá-lo e não poderia faltar com minha palavra.

- Seu resultado ainda não está bom. - “E não vai ficar”, acrescentei mentalmente, enquanto retirava meus óculos e esfregava minhas têmporas. Tenho absoluta certeza que terei fortes dores de cabeça essa noite.

-Isso é muito complicado. – ele disse. Para alguém sem uma única dose de talento, imagino que sim. Talvez não tenha sido uma boa ideia ensinar-lhe a tocar afinal. – Podemos parar?

Pergunto-me se alguma vez, desde que me mudei para essa casa, ou até mesmo antes, pude resistir a esses orbes azuis tão... Fofos.

-Tudo bem, vamos parar. Ainda tenho de preparar o jantar, antes que seu irmão idiota chegue. - ele me lançou um sorriso e saltou do banco, subindo as escadas em disparada, quase como se fugisse de uma tortura. Não pude evitar uma leve risada.

Eram poucas as vezes que eu sorria e, quando o fazia, meu sorriso era direcionado a essa criaturinha pequena de fios loiros. Conheço seu irmão desde... Desde sempre, acredito. Gilbert Beilschmidt, o alemão de cabelos prateados e olhos vermelhos com uma personalidade impossível de se aturar e que há muito tempo jogou-me no inferno completo. O simples fato de estar ao seu lado é um sofrimento para mim, entretanto, não há outro lugar em que eu deseje estar, pois é por esse idiota egocêntrico que estou apaixonado, desde que nos tornamos vizinhos, há muitos anos atrás. Torturante, de fato, uma vez que Gilbert é tudo menos o que se pode chamar de “santo”.

Levantei-me vagarosamente, saindo da sala e indo em direção à cozinha. Meu perfeito e branco santuário, o único lugar que eu verdadeiramente poderia chamar de “meu”, naquela casa. Meu santuário, que apenas era maculado pelo conteúdo da geladeira. Maldita geladeira entupida de tanta cerveja que mal havia espaço para a comida de verdade. Não houve uma forma de fazer Gilbert se livrar dessas latas, ou comprar um frigobar para ele. Eu apenas a abria, pois não desejava que ninguém morresse de fome. Ainda assim, minha raiva não diminuía quando eu o fazia. Às vezes, pergunto-me como consigo gostar dele, mesmo me irritando tão facilmente com suas ações.

Peguei o avental amarelo que ficava pendurado ao lado da porta e o vesti. Não que goste de usá-lo, entretanto, não desejo sujar minhas roupas de comida. Não estava com muita paciência de fazer alguma coisa trabalhosa, então decidi fazer uma simples torta de frango. As práticas com Ludwig me desgastavam mais do que deveriam. Eu deveria pensar em outra atividade para ele ou acabaria sem energias para fazer qualquer outra tarefa da casa e todos nós morreríamos de fome e moraríamos numa bagunça extrema, pois, obviamente, nenhum dos dois irmãos iria fazer algo a respeito disso. Apesar de Ludwig ter adquirido o desejo por limpeza, seu tamanho o impedia de fazer qualquer trabalho doméstico que envolvesse limpar algo maior que meio metro.

A torta já estava no forno e eu estava concentrado em fazer uma mousse de limão para a sobremesa do dia seguinte, quando escuto a porta da frente se abrir. O silêncio iria se dissipar em menos de cinco segundos.

- ROOOOOOOD!?- a voz estridente e inadequadamente alta chamou pelo meu nome. Gilbert estava de volta do trabalho e a paz, na casa e na minha mente, estavam finalmente destruídas. - Comiiiiiiiiida!

-Estou na cozinha. - elevei minha voz, para que ele me escutasse.

-HÁ! Aí está a minha dona de casa predileta!- ele disse, adentrando em meu santuário, e se pondo a investigar o que eu estava a fazer. – O que é isso?

- Estou fazendo sobremesa para o almoço de amanhã, e já lhe pedi que não me chamasse dessa forma. - parei de misturar o liquido pastoso e verde que seria meu mousse e o olhei tentando expressar meu desgosto. Não gosto quando ele me chama de dona de casa, ou esposa ou qualquer coisa que insinue que somos casados, não que me irrite... Só dói. - Se não for pedir demais, permita-me cozinhar em paz.

-Kesesese, está nervosinha hoje, não é, querida? Sentiu falta do seu incrível marido? Não se preocupe, não estou tendo um caso com a secretária. – “Desnecessário”, foi o que se passou na minha cabeça. Qual a necessidade de me torturar dessa forma? Mas não devo pôr a culpa sobre seus ombros, uma vez que esse tolo não sabe o que se passa pela minha cabeça, e creio que se soubesse... Não, não, ele não precisa saber!

Eu iria replicar, diria que ele deveria parar de agir como uma criança e diminuir seu ego, e que sua vida sexual não me importava. O que não era, em absoluto, uma verdade. Entretanto me calei, quando a diminuta pessoa adentrou na cozinha se jogando sobre Gilbert. Não gosto de brigar com esse albino desprovido de senso comum, na frente de Ludwig, pois imagino que não seja bom para seu crescimento.

- Você demorou a chegar. - Ludwig que, agora, era carregado pelo irmão mais velho, falava com uma voz manhosa, enquanto reclamava com o mesmo.

- Seu incrível irmão estava ocupado! Aqueles idiotas não podem fazer nada sem minha incrível pessoa. Sem mim, eles estariam perdidos! Kesesesese!

Olhando assim, eles até parecem uma família normal.

Não há, no mundo, alguém com um ego maior que o de Gilbert Beilschmidt. Entretanto, por mais que eu deteste admitir, ele é bom no que faz. Esse ser egocêntrico e narcisista que largou a faculdade e nem ao menos sabe dar um nó em seus sapatos sem mim, assumiu a empresa de marketing de seu finado pai há dois anos, quando ele e sua esposa tiveram um acidente e partiram desse mundo. Desde então, ela só tem crescido. E claro, eu sempre estive ao seu lado. Não acredito que exista outra pessoa que pudesse fazer isso como eu faço, pois duvido que exista algum que o ame como eu. Creio ser um tolo masoquista.

Logo depois do acidente, eu me ofereci de bom grado para cuidar dos afazeres domésticos e cuidar de Ludwig que, na época, tinha apenas cinco anos.  Naquele momento, há dois anos, eu vi, pela primeira vez, Gilbert precisar de um encosto para se manter de pé. Pela primeira vez na vida, eu poderia ser útil a ele, não o contrario. E mesmo que doesse estar com ele, sem realmente ser algo a mais, eu precisava fazê-lo. Acho que o que não me deixava enlouquecer era a presença de Ludwig. Ele precisava de um exemplo e, por mais que eu goste de Gilbert, ele não é um exemplo muito bom. Certo, ele não é exemplo.

-HEY! Rod! A comida!- a voz de Gilbert me despertou da introspecção ao passado, com sua voz ligeiramente alterada.

-Hã?- fitei-o, confuso.

- A comida vai queimar. - ele me respondeu de forma tão despreocupada que chegou a ser engraçado.

Apressei-me em pegar a torta do fogão, antes que fosse completamente carbonizada. Francamente. Ele poderia ter feito ao menos isso. Se a torta queimasse, iríamos acabar tendo que comer pizza. Coloquei a torta na bancada, para esfriar, e me dirigi a ele.

- Seja mais útil, de vez em quando. – falei, ríspido. Acho que quanto mais convivo com ele, menos me permito ser gentil. Acredito que assim não haverá forma de me machucar. De novo.

- Mas eu estou com o Lud no colo! Não poderia pegar a sua deliciosa comida, querida. - uma veia saltou em minha testa.  Eu, definitivamente, teria fortes dores de cabeça essa noite.

Peguei Ludwig do colo de Gilbert, ele parecia estar se divertindo com a situação. Fui em direção à sala, mais especificamente a mesa onde iríamos comer.

-Agora que está com as mãos livres, bote a mesa, por favor.

-Sabe Rod, você, com o Lud no colo e com esse avental, só faz a sua imagem de esposa dedicada aumentar. – ele disse, apoiando o queixo sobre meus ombros. Corei instantaneamente. Esse tipo de comentário estava ficando cada vez mais frequente. Ele gosta de me torturar, só pode ser isso.

Afastei-me dele, rapidamente, e fiz Ludwig sentar-se a mesa. Meu rosto ainda estava escarlate e eu somente piorava ao ouvir sua risada. Livrei-me do avental e encarei os olhos rubros que demonstravam uma alegria quase infantil. Ele só poderia gostar de me torturar, não há outra opção!

-Fiquei quieto e ponha mesa. – interpelei-o e fui para a cozinha. Meu rosto ainda ardia em chamas rubras e meu coração rodopiava pelo peito tal como de uma garota apaixonada. Esses breves contatos que tanto o divertem são os momentos mais conflitantes para mim. Sinto-me feliz por estar com ele e decepcionado por saber que tudo não passa de uma brincadeira.

Ouvi, na sala, Gilbert colocando os pratos à mesa, enquanto conversava com o irmão mais novo. Retornei a esse espaço, encontrando os dois irmãos sentados, esperando-me. Apesar da convivência dolorosa e difícil, momentos assim até me fazem pensar que somos uma bela família.

-Ei, Rod, só essa torta? Onde estão os magníficos jantares que você costuma fazer, querida?

-Se não deseja comer, pode se retirar.

Ele tinha que destruir minha ilusão com seus comentários?

-Ah, mas seu eu ficar com fome terei de ir ao seu quarto-

-NÃO SE ATREVA A TERMINAR!- meu rosto ardia. Depois de tanto tempo, eu deveria ter me acostumado com isso, mas parece ser impossível. Sua risada descontrolada não auxiliava em nada. – Por favor, coma logo.

Obviamente, conheço a opção sexual de Gilbert: tudo que se mova e seja humano. Cresci junto a ele e presenciei cada momento de sua vida, dos melhores aos piores. Em sua adolescência, por exemplo, não havia uma noite em que ele não estivesse desacompanhado. Já conheci inúmeros parceiros dele, tanto mulheres quanto homens. Não gostei de nenhum. No fundo, odiava a todos. A verdade é que não gostava de dividi-lo, mas, obviamente, nunca poderei o chamar de meu. Quando saiu do colégio, seu comportamento melhorou um pouco, mas ainda não se distanciava do que fora na sua vida acadêmica. Houve, de fato, um tempo em que tentei fazê-lo me notar, mas, no final, minhas tentativas mostraram-se inúteis servindo apenas para que eu saísse com o coração partido em tantos pedaços que nem o campeão de puzzles poderia remontar. A ideia de eu e Gilbert estarmos juntos seria mais do que abstrata.

- Roderich, pode cortar para mim? Meus braços doem por terem tocado tanto, hoje à tarde. – novamente, a carinha fofa de Ludwig. Se me lembro bem, graças ao sorriso dessa criança, meu coração pôde se remontar. A inocência dele era tamanha que acabou por me lembrar dos velhos tempos quando eu e Gilbert éramos crianças. Não sei se amava seu irmão mais velho, naquela época, mas eu era feliz por poder rir ao seu lado.

-Sem problemas, Ludwig. - ele me lançou um sorriso tão sereno e infantil que, inconscientemente, o retribuí.

Ao voltar para meu lugar, tive um vislumbre de Gilbert. Diferente do normal, ele não estava comendo como um animal selvagem, nem rindo feito um tolo. Ele olhava para mim com um sorriso forçado e um olhar opaco. Aquele sorriso me acertou como uma flechada, aquilo não combinava com o rosto dele de forma alguma.

Tão logo ele acabou de comer, correu para o sofá, ligando a TV e por lá ficando. Ludwig e eu terminamos, posteriormente, ele seguiu os passos do irmão e eu fui lavar a louça. Ambos se concentravam em ver uma espécie de luta, e devo dizer que desconheço a graça de ver dois homens suados se agarrando num ringue.

 Enquanto esfregava os pratos, ponderava sobre o que havia visto, hoje, na mesa. Aquele olhar opaco. Infelizmente, não era a primeira vez que o via. Inúmeras vezes, ele já me lançara aquele olhar e, em todas elas, meu peito doeu. Não gosto de vê-lo daquela forma. Mesmo ele sendo um tolo egocêntrico, eu não desejo que seu sorriso suma.  Seu sorriso foi um dos motivos pelo qual eu me apaixonei por ele.

Quando acabei de lavar tudo, voltei para a sala e encontrei Ludwig adormecido e Gilbert com os olhos vidrados na TV, mas, aparentemente, perdido em seus pensamentos. Aproximei-me do sofá, sem fazer barulho para não acordar o pequeno. Gilbert pareceu não me notar, até eu pegar Ludwig cuidadosamente no colo.

- Ah, Rod, você me assustou.

-Perdoe-me por isso, vou levá-lo para cama. Você deveria fazer o mesmo, parece-me estar cansado.

-Não, tudo bem, vou ficar por aqui mais um tempo. - ele voltou a fitar a tela, mas parecia não estar, de fato, prestando atenção nela.

Subi as escadas, com o menor nos braços.  Coloquei-o na cama, e retirei seus sapatos, em seguida, cobrindo-o. Ele se ajeitou na cama tal como um gato. Não pude deixar de sorrir. Aproximei-me de sua testa e dei um beijo de boa noite.

- Durma bem, Ludwig.

-Boa noite... Mamãe. – não me surpreendi com sua frase, não era a primeira vez que ele me chamava assim. Quando sua mãe se foi, ele era novo, novo demais. Não que eu queira roubar o lugar de sua mãe verdadeira, mas admito que me sinto feliz, ouvindo isso.

-Você não se importa quando ele te chama de mamãe, mas, sim, quando eu o chamo de esposa. - Gilbert estava parado na porta do quarto, encarando-me. - O que tem a dizer em sua defesa?

-Quando ele diz isso, não é para fazer graça com minha cara, Gilbert.

-E eu faço isso?- estava escuro, mas eu ainda podia ver seu rosto. Novamente, ele usava aquela expressão.

Gilbert soltou um longo e pesado suspiro, dando meia volta, e descendo as escadas. Eu o segui, acreditando que precisávamos conversar.

-Gilbert, o que há de errado com você?  

-Não há nada. – ele voltou a se jogar no sofá. Estranhei a falta de piadas.

-Se importa que eu toque?- perguntei. Sei que ele não gosta de ouvir o piano. Sua mãe era uma pianista. Ela me ensinou tudo que sei, na verdade. Creio que seja esse o motivo de Ludwig querer aprender, mas Gilbert não. Acho que ele se sente triste ao ouvi-lo, contudo nunca me impediu de tocar.

- Sem problemas. - ele desligou a TV e se deitou totalmente no sofá. Como queria que ele relaxasse, pelo menos escolhi algo calmo. Clair de lune. As notas leves e meio melancólicas, mas inocentes, lembravam-me daquele tempo, quando éramos pequenos. Lembrou-me dos risos que dávamos. Recordei-me das vezes que fugíamos de casa a noite, para ficar olhando as estrelas, e do modo como eu sempre admirava os fios prateados de Gilbert, iluminados pela lua. Aquele tempo em que dividíamos alguma coisa, um sentimento que não era preciso ser dito, apenas sabíamos que ele estava lá. Pergunto-me quando isso se perdeu.

- Sabe, Rod, você fica bem sorrindo. Devia fazer isso mais vezes.

- Eu sempre sorrio-

- Mas nunca para mim. A única pessoa que ganha seus sorrisos aqui é o Lud. Você sempre ria comigo.

Meu coração instantaneamente se apertou. Como ele poderia dizer uma coisa dessas se quem me ignorou por todos esses anos fora ele? Respirei fundo, sem nenhuma vez parar de tocar ou de olhá-lo. Meu coração doía. Quando tudo mudou? Quando eu deixei de sorrir para ele?

“Ah!” - a memória me atingiu como um tiro e eu senti um gosto amargo na boca.

Um mês antes de Ludwig nascer, eu e seu irmão mais velho estávamos com 18 anos, terminando o colegial. Aquela foi a pior época de Gilbert. Não havia um dia em que ele não estivesse bêbado ou em festas, rodeado de mulheres e homens. Ele estava tendo problemas em casa, os pais dele estava em pânico, pois a gravidez da mãe dele era de risco, Ludwig poderia nascer morto. Haviam tantos problemas que ele preferiu se entregar as bebidas e ao sexo. Foi numa dessas festas em que, a pedido de seu pai, fui buscá-lo. O lugar fedia a álcool e vômito, e o encontrei num sofá com duas mulheres coladas ao seu corpo. Junto a ele estava um homem de cabelos loiros que, se não me engano, era seu amigo. Nunca me dei ao luxo de decorar os nomes dos amigos de Gilbert, pois, a meu ver, nenhum deles prestava.

- Gilbert, seu pai mandou-me te buscar. – falei, parado à sua frente.

-Eu não vou para casa só porque alguém metido a aristocrata veio me pegar. Por que não se junta a nós, Rod?- seu tom era demasiado elevado e sua voz saía arrastada, nem imagino a quantidade de álcool que estava em seu organismo.

- Gilbert, eu não vim aqui para isso.

- Ora, quem é esse rapaz moreno aqui, Gil? Estava guardando isso só para você? – disse o homem loiro, passando o braço pelo meu ombro e puxando meu rosto para que eu o encarasse.

-Ele não é ninguém! – vociferou Gilbert, afastando seu amigo de mim. - Acho melhor você sair daqui, Roderich, aqui não é seu lugar.

O tom ríspido e os olhos assustadores que ele me lançou não foram nada, se comparados às suas palavras. “Ele não é ninguém”, as palavras ecoavam na minha cabeça, e foi nesse momento que aquilo dentro do meu peito foi reduzido a apenas poeira. Foi aí que todos os sorrisos que eu dei a ele me pareceram ridículos. O tempo em que sorriamos junto já havia se perdido, há anos atrás, eu fora o único a não notar isso. O Único a achar que realmente havia algo entre nós. O único tolo da história era eu.

As lágrimas desceram dos meus olhos, sem que eu pudesse fazer algo a respeito. Eu não deveria ter lembrado, não deveria! No entanto, mesmo depois daquele dia, mesmo depois de ter desistido dele não houve maneira de parar de amá-lo, não houve como abandoná-lo, quando todos lhe viraram as costas. Mesmo depois de tudo... Eu não o odiava.

- Sim, meus sorrisos são apenas para ele, de fato. Entretanto, há um motivo para isso. - não havia mais como tocar, minhas mãos tremiam e as lágrimas não paravam de cair, era patético. Gilbert pareceu notar meu tom choroso, pois, imediatamente, levantou-se, olhando assustado, para meu rosto. Eu tinha que falar, eu precisava tirar essa dor do meu peito. – Eu desisti de sorrir para você, Gilbert. Houve um tempo em que eu amava sorrir ao seu lado, eu amava estar ao seu lado.

-Rod, cal-

-Quieto, ainda não acabei!- levantei-me do banco, com tanta força, que ele tombou para trás. Apertei minhas mãos, tão intensamente, que os nós de meus dedos ficaram brancos e eu me surpreendi delas não terem sangrado. – Tornou-se insuportável, estar com você, Gilbert. Eu não sei por quanto tempo mais eu irei aguentar. Dói, Gil, dói muito.

Eu já não enxergava, nem ao menos pensava direito. Minhas emoções vinham como um turbilhão e eu, definitivamente, não tinha mais força de vontade para contê-las. Minhas pernas não aguentavam mais meu peso e, em poucos segundos, meus joelhos tocaram o chão. Gilbert correu para me amparar, mas me limitei a dar um tapa em sua mão. Chega dessa tortura.

- É tão ruim estar comigo? – ele perguntou - Eu sei que te fiz passar por péssimas coisas, mas eu nunca achei que você chegaria a me odiar.

 Odiar? Como eu poderia?

-Seu tolo!- eu encarava seus olhos opacos. Aquela situação não poderia ficar pior, ainda que eu colocasse as cartas na mesa. – Como eu poderia te odiar? Você é um idiota egocêntrico, narcisista, bêbado e infantil, mas não há como eu te odiar pelo simples fato de que eu te amo!

Assim que calei minha boca, senti o peso de minhas ações. Ele iria se afastar definitivamente de mim. Esperei suas palavras que não vieram, em seu lugar, senti o peso do corpo de Gilbert e seus lábios sobre os meus. Eram gentis e doces, nada do que eu esperava dos lábios dele, mas tudo que eu sempre desejei.

- O tolo aqui é você Roderich. - ele disse, afastando-se de mim. – Eu achei que fosse óbvio. Eu sempre achei que fosse óbvio...

-Perdoe minha ignorância, mas o que é obvio?

Ele riu, aquele riso que eu amo.

-É óbvio que eu amo você, seu aristocrata certinho. Desde quando éramos pequenos, somente você esteve sempre ao meu lado. Mesmo quando eu era um idiota, só você ficava comigo.

 -M-mas suas namoradas...

-Eu não sei se pedir desculpas seria o suficiente, mas você sabe eu sou um idiota que não sabe encarar os problemas de frente. Eu realmente achei que depois que deixamos de ser crianças, você não me via mais, como antes, e isso era frustrante. Tanto que teve um momento em que eu realmente esqueci-me como amar alguém de verdade, mas, sabe, você sempre foi o único a não me virar as costas, mesmo eu sendo quem eu sou. - ele me olhava com olhos arrependidos, e um sorriso sincero que me faziam ficar cada vez mais rosa. – Entenda, que se eu te afastei de mim, era porque não desejava te dividir. Eu sou a única pessoa incrível o suficiente para te ter!

Não havia como palavras saírem da minha boca, tudo que eu passei era apenas um mal entendido da minha parte? Ou um mal entendido de ambas as partes? Não importava mais.

- Mas você nunca me disse nada. - minha voz saía num fio quase inaudível.

-Eu já disse, sou um grande idiota! Além do mais, você se tornou distante! Eu pensei que você soubesse sobre como eu me sentia, mas não sentia o mesmo. Você, provavelmente, não sabe da minha alegria, quando disse que moraria comigo... Eu achava que te chamar de esposa era o suficiente. Quando éramos pequenos, nunca precisávamos de palavras, e concluí que ainda seria assim. No entanto, eu devo ter te machucado demais. Desculpe-me, Rod.

-Eu... - ele não me permitiu completar minha frase, seus lábios haviam tomado os meus, com mais necessidade do que tivera no primeiro beijo. Sua língua passou sobre minha boca, pedindo-me uma passagem que eu concedi sem pensar duas vezes. Nós nos beijávamos com urgência, com um desejo reprimido por tantos anos.

-Gil? Roderich?- separamo-nos, rapidamente. Até então, não havia notado que estava deitado no chão e Gilbert sobre mim. Ludwig estava no pé da escada, com os olhos mareados de sono. Oh, meu Deus, o que ele vai pensar agora?- O que vocês estão fazendo?

-Heh, Lud, seu grande irmão aqui acaba de arrumar oficialmente uma esposa! Só estamos nos preparando para a lua de mel!- ele riu, freneticamente, e eu vi o sorriso de Ludwig se alargar.

-Não diga essas coisas na frente dele! O que ele vai pensar?

-Não tem problemas, Roderich. – o pequeno me olhou com um sorriso. - Na escola, disseram que era normal que a mamãe e o papai fizessem esse tipo de coisa.

Ele se virou, e voltou para o quarto, com um sorriso de orelha a orelha. Francamente. O que ensinam para as crianças, hoje em dia? Voltei-me para Gilbert, mas detive minha fala ao ver seus olhos. Eles pareciam me devorar.

-Você ouviu nosso filho, se prepare para sua noite de núpcias!- ele disse, por fim, antes de me beijar novamente. Não seria mais uma ilusão que parecêssemos uma família ao estarmos sentados a mesa. Acho que poderíamos nos chamar assim.

Eu realmente havia me esquecido daquele tempo, no qual o que sentíamos não necessitava ser dito. Nós sabíamos nossos sentimentos e isso bastava. Ele me olhou uma ultima vez, enquanto me carregava para o quarto, e eu vi, naquele olhar, as simples palavras que não precisavam ser ditas. Possivelmente, eu sempre soube que elas estavam ali, por isso, jamais o abandonei. Sempre soube que, dentro daqueles olhos vermelhos, haviam três palavras unicamente direcionadas a mim.

-Rod, antes que você cometa outro mal entendido, eu te amo.

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Notas finais do capítulo

Palavras da organizadora:
Fluff, como é bom encontrá-lo, por aqui!:3
Como vocês puderam ver, caros leitores, nós, dessa vez, tivemos uma one PRUAUS da senhorita Bel, cuja estória é essencialmente uma divertida comédia romântica, com situações domésticas e deleitáveis nuances de drama e de sexy-appeal. A composição que a autora escolheu também me agradou imensamente, pois, além de combinar muito bem com a doce atmosfera da fic, ela pertence a um dos meus compositores preferidos, o meu querido Debussy!
Pelo que vi, ela não tem outras ones no Nyah!, além dessa, e tenho um sincero desejo que essa situação mude, portanto, façam comentários que reconheçam os méritos dela e a estimulem a continuar escrevendo, sim?:)
Muito, muito obrigada por continuarem a acompanhar essa coletânea! Continuem a ler, apreciar e comentar o trabalho dos autores envolvidos nela!