Imagens, Sons E Sentimentos escrita por Mayumi Sato, kaori-senpai, Bastet, Blue Dammerung, Bell the Kitsune, Bell the Kitsune, Nekoclair, Ace, IsaWonka


Capítulo 4
Blauen Donau - por: Double Side


Notas iniciais do capítulo

"Gilbert apenas parou de caminhar quando chegaram ao centro do salão. Os olhares não tardaram a cair sobre os dois jovens e logo Roderich sentiu-se enlaçado pela cintura."



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"Tal qual Danúbio, dançavam harmoniosos em sua volubilidade."

http://www.youtube.com/watch?v=foQpms3L9gU– Danúbio Azul(Johann Strauss II) 

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Blauen Donau

Roderich encarava com certa desconfiança o envelope que segurava com a mão esquerda. Possuía uma tonalidade sutilmente amarelada, feito de um papel grosso e de toque áspero, porém apresentava uma aparência refinada, soberba. Continuava fechado, um selo pessoal em carmesim unindo a aba ao corpo do envelope, a letra K dourada disposta em seu centro, destacando-se belamente em conjunto com o vermelho.

O austríaco exprimiu um sutil e involuntário suspiro, sentando-se em seu velho e confortável sofá com a mesma maneira disciplinada e madura de sempre. Girou seu pulso, podendo visualizar o remetente na parte traseira do objeto em suas mãos – embora soubesse de quem o recebera. A assinatura, A. Kirkland, fora escrita com uma caligrafia impecável ao pé direito da folha. Após outro suspiro, voltou seu pulso à posição original, desfazendo, com o polegar e indicador direitos, o selo, abrindo o envelope e revelando seu conteúdo. Milimetricamente dobrada, uma folha fora puxada e um pequeno e singelo recado foi lido. Oh, mas não era um recado qualquer. Era um convite. Um convite para um baile que Arthur, o representante da classe de Literatura, estava para realizar.

Para a nota final do semestre, cada turma – a de Literatura, a de Música, a de Culinária... – era responsável por apresentar um projeto de ação solidária criado pelos próprios alunos, e sem ajuda nenhuma da Instituição onde estudavam. O carismático representante da turma de Artes, Feliciano Vargas, por exemplo, criara uma exposição seguida de um leilão com as obras criadas por seus colegas. Dentro de duas semanas seria a vez da turma de Roderich – a de Música, claro – apresentar seu projeto, um recital de Chopin. O dinheiro adquirido nos projetos seria, posteriormente, doado a Instituições de caridade que as turmas escolhessem.

Roderich levou os mesmos dedos que abriram o envelope até suas pálpebras, esfregando-as. A ação ergueu minimamente seus óculos, que caíram sobre seu nariz assim que os dígitos foram afastados e voltaram a segurar o convite. Leu-o e releu-o mais algumas vezes, incerto se deveria aceitá-lo ou não. A presença dos alunos de outras turmas além da responsável pelo projeto não era obrigatória, mas Arthur lhe era próximo.

Bem. Um pouco.

– Que cara de velório é essa, jovem mestre?

Roderich piscou os olhos claros, e de tonalidade incomum, exatas duas vezes antes de girar em câmera lenta seu tronco para trás e desviar o olhar do convite em mãos até ele.

Ao pesquisar as palavras “incômodo”, “chateação”, “inconveniência” e “narcisismo”, uma simples foto seria o suficiente para explicar seu significado: a de Gilbert Beilschmidt.

O aluno de Teatro era um verdadeiro estorvo, uma pedra... Não, não! Uma montanha no sapato do jovem austríaco. Um vizinho que, na infância, decidira tornar o gosto de atormentar a vida de Roderich seu mais deleitoso hobby. Gilbert era um rapaz belo, talentoso e extremamente popular onde estudavam. Entretanto, era egocêntrico, malicioso, irritante e tinha a rara capacidade de conseguir esgotar a colossal paciência do músico.

– Gilbert? O que faz em minha casa? Como--

Gilbert riu, sua risada característica e estranha ecoando espalhafatosamente pela singela e cômoda casa.

Ksesese! Elementar, meu caro Rod! – outra peculiaridade a ser adicionada sobre a personalidade do alemão: sua irritante e desnecessária mania de interpretar personagens nos momentos mais inoportunos – Usei a chave! – e, como se fosse algo tão óbvio quanto dois mais dois são quatro, balançou uma única chave em frente aos olhos violetas de Roderich ao segurá-la por um fio índigo.

– Como você--

Novamente, seu adorado vizinho o interrompeu.

– Ora, Rod! Convenhamos que esconder a chave extra no vaso de flores que você deixa ao lado da porta é algo extremamente óbvio! – implicou risonho, apertando os lábios numa linha fina e trêmula. Do fundo de garganta do albino, Roderich pode ouvir um ganido característico que indicava que Gilbert segurava-se para não gargalhar à custa de si.

Roderich franziu suas sobrancelhas, imitando o gesto do alemão em comprimir seus lábios rosados, censurando-se para não despejar palavras rudes ao jovem atrás de seu sofá. Gilbert mantinha um sorriso debochado, os olhos rubros fitavam o moreno com uma malícia costumeira, os dedos apertando o encosto claro do sofá.

Para evitar comentários desnecessários sobre a grosseria do mais jovem, o músico proferiu, com um tom de voz mais autoritário do que desejava:

– Suas mãos estão imundas de terra! Trate de desencostá-las do meu estofado!

– Oh?! – o sorriso de Gilbert alargou-se, matreiro, porém ele afastou suas mãos ao visualizar o envelope que Roderich ainda segurava, os braços do austríaco semi-flexionados, as mãos na altura do peito – O que seria isso, jovem mestre?

Pardon?

Roderich apenas conseguiu visualizar aquele sorriso maldoso de Gilbert antes do alemão projetar o corpo ao seu encontro. Sentiu sua bochecha direita roçar rápida e sutilmente na esquerda do alemão quando os rostos se cruzaram, e o moreno levou alguns milésimos de segundo até voltar a piscar os olhos e perceber que o convite que outrora segurava em mãos agora estava com o mais jovem.

Como se a ação que Gilbert acabara de realizar fosse tão ou mais horrível que um brutal assassinato – ou, no caso de Roderich, um desalmado rompimento de e mi em seu violino –, o semblante do austríaco transmutou-se, e Roderich empalideceu, perdendo o tom rosado de sua pele segundo a segundo, suas pupilas contraindo-se quase que completamente, os lábios entreabrindo-se involuntariamente, balbuciando coisas sem sentido.

Era aquela expressão, tão esperada e desejava, que deleitava Gilbert.

– D-devolva-me! – seu tom de voz falhava, e o sorriso do alemão tornava-se ainda mais sacana.

– Não seja grosseiro, Rod. – disse desdenhoso – Deixe-me ler sua cartinha de amor! – riu espalhafatosamente, enquanto Roderich apoiava-se em seus próprios joelhos sobre o sofá, inclinando seu tronco sobre o encosto do móvel e se impulsionava para frente, tentando alcançar o convite. Gilbert, sempre mais veloz e instintivo, dera dois passos para trás, o impedindo de realizar sua missão.

As maçãs de Roderich, então, adornavam-se com um sutil rubor, e Gilbert não tinha certeza de sua razão: se era por sua implicância costumeira ou porque aquela realmente era uma carta apaixonada e cheia de besteiras escritas por uma admiradora. Então, ele riu de si mesmo. Como se alguém fosse capaz de se apaixonar por um neurótico aristocrata. Certo?

– Isso, definitivamente, não é uma carta de amor, seu tolo!

– Então pare de resmungar igual a uma velhota. Só vou dar uma lidinha.

Roderich até tentou, mas novamente falhara em tomar o convite das mãos imundas de terra de Gilbert. Irritadiço, cruzou seus braços.

– Deixe de ser desagradável, Gilbert! Devolva-me meu envelope! – insistiu, vendo-se prontamente ignorado pelo alemão, que ria escandalosamente pela pequena sala.

– Já disse para deixar de resmungar, Rod. Se estressar por um envelope feio e mal dobrado só vai lhe causar rugas. – disse desdenhoso, sendo seguido pelo mais velho enquanto caminhava pelo cômodo.

Você irá me causar rugas. – resmungou – Gilbert, eu estou lhe pedindo! – outra vez falhava em tomar-lhe o envelope – Gilbert!

Gilbert, contente por sua implicância estar surtindo efeito naquele almofadinha, alargou seu sorriso malicioso, seus caninos destacando-se por entre os lábios que se afastavam, a ponta da língua tocando o canino direito num tique característico do albino. Os olhos rubros, de brilho intenso, focaram-se no austríaco no exato momento em que seu corpo foi girado para trás, os dedos sujos de terra apossando-se do queixo alvo e delicado de Roderich, que agora corava acanhado.

Aquele tolo e sua insistência... Ou melhor dizendo: necessidade de contatos físicos entre eles!

– Ora, Rod... É apenas o convite do Arthie, não precisa parecer uma adolescente na TPM só porque eu resolvi brincar um pouquinho com você.

Roderich sentiu o polegar de Gilbert deslizar por seu queixo da esquerda para a direita. A ponta do dígito pousou sobre seu lábio inferior, afastando-o do superior enquanto os olhos rubros do alemão lhe fitavam curiosos e infantis, o que fez Roderich piscar diversas vezes, confuso. Aquele toque era estranhamente singelo, porém extremamente desnecessário, e logo o austríaco levou as mãos até o braço semi-flexionado de Gilbert, como se estivesse se defendendo de um estrangulamento, e não recebendo um carinho gentil de um jovem egocêntrico e irritante.

– Me... solte, Gilbert. – a voz dele tornava-se baixa, um tanto falha. Roderich achava contatos físicos desnecessários, e uma completa invasão de espaço alheio.

O sorriso matreiro intensificava-se até o limite físico de Gilbert. O alemão mantinha seus dedos segurando o queixo pequeno de Roderich, que desviava o olhar para a esquerda, um corar adorável sobre suas as maçãs delicadas e o nariz arrebitado.

Era encantador como Roderich tornava-se indefeso quando aproximava-se dele tão repentinamente.

Gilbert ainda sorria quando passou a diminuir a distância entre eles, sua respiração quente mesclando-se com a do moreno, que apertava os olhos e retraía-se em seus ombros.

– Irmão?

A voz de Ludwig ecoou grave pelo local, e Gilbert prontamente afastou-se de um acanhado Roderich, soltando seu queixo e dando dois passos para trás.

Ksesese, Ludie! O que você faz aqui?

– O que você faz aqui, irmão? – ele retorquiu e seu irmão riu nervoso, caminhando em sua direção enquanto erguia as mãos em sinal de defesa.

– Ora! Só vim saber se o Rod vai ao baile do Arthie.

O olhar cerúleo do alemão mais jovem caiu sobre Roderich, que limpou a garganta num pigarro enquanto ajeitava seus óculos – mais por um tique do que por necessitar. Gilbert, com as mãos nos bolsos do jeans, encarava o mais velho com curiosidade.

– Ainda não me decidi sobre o assunto, mas as chances de meu comparecimento são pequenas. Quase nulas.

– Ah! Não seja assim tão antissocial, Rod! – resmungou como uma criança mimada que tinha um brinquedo negado. Ludwig, ao seu lado, piscou os olhos e enrubesceu, dando-lhe um leve tapa nas costas. O problema era que o loiro era muito mais forte que Gilbert, e o corpo do albino projetou-se para frente devido ao impacto inesperado.

– Irmão! Não há necessidade de tamanha grosseria! – censurou enquanto pedia, por meio de uma pequena vênia, que Roderich desculpasse seu irmão.

Gilbert ergueu o olhar até o mais jovem, que se demonstrava bastante envergonhado por seus modos.

Ja, ja... – ele sorriu.

Nunca gostara de brigar com seu irmãozinho, e apenas por ele deixaria de implicar com Roderich. Ao menos por ora.

– Ludie, espero você no carro. Não se demore com a duquesa das almofadinhas, certo?

– Irmão!

O alemão mais velho passou a rir, abanando teatralmente sua mão direita enquanto saía da casa de Roderich e lhe cantarolava “Até o baile, Rod~”. O moreno bufou de leve, esvoaçando sua franja com o ar expelido voluntariamente, e Ludwig desviou sua atenção da porta que se fechava até o mais velho.

– Você não vai mesmo ao baile?

Roderich atravessou a sala até seu piano de cauda, que ocupava boa parte do já pequeno cômodo, e acomodou-se, seus dedos finos tocando todas as teclas, das mais finas às mais graves.

– Não tenho tempo para bailes, Ludwig. – ele iniciou Petit chien – Logo será a vez de minha turma apresentar o projeto, e eu devo dedicar cada minuto livre dos afazeres da Instituição aos ensaios.

Ludwig observou a agilidade natural de Roderich ao piano, as mãos esguias dedilhando perfeitamente as teclas brancas e negras. A rapidez da música e a tentativa de acompanhar o austríaco deixou-o momentaneamente tonto, e o loiro piscou.

– Senhorita Elizabeta confirmou sua presença ao baile.

As mãos de Roderich pesaram, e seus dedos caíram desarmoniosos sobre as teclas, um estrondo ecoando por toda a casa. Ludwig esperou até que o mais velho erguesse lenta e pesadamente os olhos até si, a mudez dele retratando uma cumplicidade entre eles.

– Oh.

Se Elizabeta, sua doce e agressiva amiga de infância, comparecesse ao baile, Roderich poderia – finalmente – tomar coragem e expor seus sinceros sentimentos à moça.

Aquela ideia fez o jovem músico torcer os lábios num sorriso esperançoso. Não havia local mais romântico para uma declaração do que um maravilhoso baile, havia?

Ele iria ao baile!

– Hn... Roderich? – Ludwig chamou e Roderich despertou de seus devaneios – Seu queixo está sujo.

O músico franziu sutilmente o cenho, afastando os dedos esquerdos do piano e os levando até seu queixo. Fez uma careta desgostosa ao ver um pouco de terra escura sujando seus dígitos. Então, suas maçãs tornaram-se rubras novamente ao lembrar-se do porquê de ter o rosto sujo.

Como Gilbert conseguia ser tão irritante e inconveniente?


~※~

A noite do baile chegara.

Uma brisa primaveril fazia-se presente, e o céu limpo, adornado por estrelas brilhantes e a lua cheia, completava aquela noite agradável.

O salão alugado por Arthur era simplesmente esplêndido. Para um evento daquele porte, o britânico preferiu não utilizar qualquer local da Instituição, visando não atrapalhar as atividades desta durante a semana em que a classe de Literatura necessitou para organizar o baile. Levaram três dias em seu preparo, desde a decoração até a alimentação, e o representante da classe sabia que levariam mais três dias para arrumarem o local após a grande noite.

Roderich, entretanto, repensava se havia sido uma boa ideia comparecer à festa.

O jovem músico sentia-se confortável em pouquíssimos lugares além de sua casa, e um baile não fazia parte da lista. Parado em um canto mais privado e longe dos colegas que conversavam em rodinhas, as moças de um lado e os rapazes em outro, ambos os grupos soltando risadinhas desnecessárias enquanto olhavam para o grupo alheio, Roderich mantinha um copo de ponche em mãos, os olhos claros fechados enquanto ele respirava profundamente e tentava lembrar-se do porquê havia saído de casa e deixado de lado uma noite inteira de prática ao piano.

Olhos verdes.

– Boa noite, Roderich.

Roderich abriu os olhos e ergueu o rosto, encarando o anfitrião daquele baile. Embora fosse o projeto de uma turma inteira, Arthur era o único aluno que estava realmente trabalhando naquela noite. Os colegas de Kirkland estavam espalhados pelo salão; alguns jogando conversa fora, outros se entupindo de comida.

– Ah. – o moreno se recompôs – Boa noite, Arthur. Belo baile. – sorriu de canto, tentando ser simpático, incerto se estava a ser bem sucedido.

– Obrigado. – Arthur lhe sorriu de volta, o mesmo sorriso de canto, e levou o copo de ponche aos lábios, dando um gole na bebida – A banda é de seu agrado? – riu.

O austríaco, então, voltou sua atenção à pequenina orquestra que fora contratada para o baile. Como uma turma não poderia ajudar no projeto de outra, Arthur escolhera um pequeno grupo de músicos que representavam uma escola de música qualquer nas redondezas.

Roderich piscou os olhos e em seguida franziu ligeiramente o cenho. Um dos violoncelistas possuía muitas cordas de seu arco arrebentadas, o que fazia o alegre som de Primavera parecer uma briga de hienas; um flautista tinha a braguilha aberta e uma postura incorreta; dois músicos estavam adiantados, outro atrasado; e o pianista errara – assassinara! – as notas mais simples da música.

Aquilo era um ultraje à música clássica e ao bom-senso!

– É uma bela decoração.

Arthur não pareceu importar-se com a súbita mudança de assunto, pois o seu sorriso tornou-se mais largo, e o britânico balançou o copo enquanto abria os braços e soltava um risinho convencido.

– Vitória. – ele proferiu com gosto, e Roderich girou o pescoço, encarando detalhadamente a decoração do baile.

Ah. Era Vitoriana. Então aquele era a época utilizada no baile. A decoração, as cores, o anfitrião. Realmente, um belíssimo exemplo de como eram os bailes da Era Vitoriana – se os demais alunos, claro, contribuíssem com por cento e apreciassem o trabalho exemplar de Arthur.

– Foi uma bela época, hn? – ele bebericou seu ponche, fazendo uma careta em seguida.

Azedo.

– Uma maravilhosa época. – corrigiu – A Inglaterra cresceu significativamente naquela era, tanto popular quanto economicamente. – outro gole – Excetuando a Escócia, um país cheio de vermes, o Reino Unido merece minha humilde homenagem.

– Perdão, Arthur, mas seu meio-irmão Allistor não é escocês?

O britânico sorriu com escárnio.

– Exatamente.

Roderich piscou seguidas vezes, surpreso.

Arthur, então, deu de ombros e lhe pediu licença. Como anfitrião, tinha de dividir sua atenção a todos os convidados.

Novamente o austríaco viu-se só.

Já passava das nove horas. Roderich terminava seu terceiro copo de ponche, sentado em uma mesa qualquer, longe dos olhares curiosos dos demais alunos. Mantinha-se um tanto aéreo, sequer prestando atenção em que música estava sendo tocada. Continuavam com Vivaldi ou mudaram para Bach?

Sem nenhum motivo aparente, o jovem ergueu o olhar. A brisa suave soprou pela grande janela atrás de si, seus cabelos castanhos esvoaçando em direção à porta, que era aberta no mesmo instante. Então, seu olhar caiu sobre ela.

A jovem Elizabeta estava bela como sempre. O longo vestido verde, de saia bufante e detalhes simples, combinavam perfeitamente com seus olhos de tonalidade clara e brilho infantil. Os cabelos estavam presos num coque frouxo, porém bem arrumado, e algumas mechas caíam do laço branco propositadamente, adornando seu rosto fino e delicado.

Era uma moça querida por muitos, apesar da fama de briguenta. Era de se esperar que logo estivesse cercada de pessoas que a admiravam. Tanto por outras moças quanto rapazes. Muitos rapazes.

Ksesese! – a risada inconfundível chegou aos ouvidos de Roderich, e o jovem músico fechou lentamente os olhos, num pedido mudo de que seu corpo tivesse sido tomado por um momento de insanidade e ele estivesse ouvindo coisas que não existiam – O que fez a senhora faltar ao seu bingo semanal?

Um “leve” tapa atingiu o meio das costas de Roderich, o que fez o corpo esguio do moreno projetar-se para frente e os óculos escorregarem alguns centímetros sobre o nariz, parando em sua ponta. O austríaco desviou seu olhar de Elizabeta até Gilbert, que sorria, de pé atrás de si. Os olhos rubros lhe fitavam com intensidade, curiosos. Gilbert não fazia ideia do porquê de Roderich ter aceitado o convite e comparecido ao baile, já que o próprio fizera pouco caso da festa.

– Com o perdão da palavra: isso não lhe diz respeito. – os dígitos esquerdos empurraram a ponta de seus óculos, ajeitando o objeto sobre o rosto.

Gilbert piscou, em seguida rindo escandaloso.

– Ah, qual é, jovem mestre! Não sei porquê você veio a um baile como este se vai ficar sentado num cantinho escuro com cara de senhora constipada!

Roderich rolou os olhos. Como Gilbert conseguia ser tão inconveniente?

– Repito: isso não--

Ja, ja... – ele deu de ombros, erguendo as mãos até a altura dos ombros, a ponta dos dedos apontando para os lados de seu corpo. Os olhos foram fechados por um momento, mas logo fitavam o jovem sentado.

Incomodado com aquela fixação do alemão sobre si, voltou o olhar para onde Elizabeta estava. Porém, Roderich viu apenas as amigas da jovem, e não ela. Tentando não despertar mais ainda a curiosidade de Gilbert, o moreno piscou e passou a procurar – discretamente – pela moça.

Então, Roderich a viu dançando com Hansen, colega do curso de jardinagem.

Elizabeta mantinha um sorriso sereno, os olhos claros fixos no rapaz que a guiava pelo salão. Ao som de Lebedinoye Ozero, o casal bailava com uma química invejável, tornando-se logo o centro das atenções, o que também incentivou outras pessoas a seguir até o meio do salão e dançar. Algo que não demorou muito.

Arthur, de pé junto a seu grupo de “amigos” – pois ele não considerava nem Francis e nem Antônio, muito menos o segundo, seus amigos –, contemplava seu projeto – afinal nenhum de seus colegas se deu ao trabalho de ajudá-lo. Em seguida, Alfred veio choramingar ao inglês, reclamando que as músicas tocadas eram coisa de gente velha. Ofendido, Arthur descarregou ofensas no mais jovem, que passou a segui-lo pelo salão tentando convencê-lo a, como sempre, ceder às suas vontades.

Roderich baixou o olhar. Desesperançoso, sentiu toda aquela coragem que reunira nos dias antecedentes ao baile esvair-se lentamente. Fora uma bobagem pensar que conseguiria admitir seus sentimentos a uma das moças mais requisitadas da Instituição e tê-los correspondidos. Embora fossem amigos, o coração de Elizabeta estava muito além de seu alcance.

– Oi, Rod. Aonde você vai? – o alemão questionou ao ver Roderich levantar-se sem muita pressa.

– Voltar ao meu piano. – respondeu simplesmente.

Ter ido àquele baile fora uma péssima ideia. Além disso, perdera preciosas horas de prática por culpa de uma declaração boba que sequer chegou a acontecer.

Gilbert fez uma careta. Os lábios foram torcidos e as sobrancelhas franzidas enquanto as bochechas eram infladas e os braços cruzados por um mísero segundo. Quando Roderich deu seu primeiro passo em direção à porta, o alemão tomou-lhe o pulso esquerdo. O músico piscou ao sentir-se preso, e encarou Gilbert por sobre o ombro respectivo.

– Gilbert?

Gilbert sorriu de canto.

– Vamos lá, Rod! – puxou o moreno pelo salão – Não se vai embora de um baile antes de, ao menos, uma dança.

Roderich, nunca se acostumando com as ações de seu vizinho, enrubesceu.

– O que? Você ficou louco, seu tolo? – ele questionou enquanto tentava, da forma mais discreta possível, soltar-se da mão de Gilbert. Como esperado, o alemão apenas apertou mais ainda os dedos em torno de seu pulso, tornando a tentativa de fuga de Roderich uma ação falha. – Me solte!

Alguns alunos observaram, curiosos, Gilbert arrastar Roderich – que tinha as maçãs coradas, os olhos fechados e o cenho franzido – até o meio do salão. O jovem músico, que como Arthur era visto como um grande antissocial pela maioria, continuava pedindo, com o restante de paciência que lhe restava, para que o albino o soltasse. Este ria, chamando mais ainda a atenção dos demais alunos.

Gilbert apenas parou de caminhar quando chegaram ao centro do salão. Os olhares não tardaram a cair sobre os dois jovens e logo Roderich sentiu-se enlaçado pela cintura.

– O que pensa que está fazendo, seu tolo? – Roderich piscou, vermelho. O alemão apenas lhe sorriu e fê-lo pousar a mão esquerda em seu ombro – Oh. Não, não, não! – balançou a cabeça em negação, o tom de voz tornando-se mais impaciente a cada momento – Pode tirar essa ideia besta da sua cabeça! Eu não vou dançar com voc--

– Qual é, Rod? – Gilbert riu, dando um puxão nada sutil com a mão direita, fazendo Roderich embater-se contra si – Você realizou a façanha de sair de seu templo e não vai nem aproveitar a festa? Vamos lá! – sorriu de canto.

Roderich voltou a piscar, perplexo e meramente irritado. Olhou ao seu redor e percebeu que os demais presentes começavam a cochichar entre si.

– As pessoas estão olhando, Gilbert.

O estudante de teatro riu.

– Assim é melhor!

Oh, sim. Roderich havia se esquecido do quão narcisista Gilbert era.

O mais velho tentava, com todo o esforço, manter a pose. Mas, por algum motivo que o próprio Roderich desconhecia, aquilo lhe era quase impossível. Havia algo na personalidade forte e inconfundível de Gilbert que instigava o austríaco. Ele só nunca soube dizer se era de uma forma positiva.

Gilbert sempre fora um rapaz impossível. Cheio de si, o alemão chamava a atenção de todas as maneiras: a cor do cabelo, dos olhos, a risada esquisita, a malícia costumeira... O que, então, o fazia tão popular? Mesmo que apanhasse – e muito – das moças da Instituição, o alemão, assim como Francis e Antônio, era um rapaz cheio de admiradoras... e alguns admiradores também.

Quando Gilbert voltou a sorrir, apertando de leve a cintura de Roderich, o moreno piscou outra vez, como se voltasse de um devaneio distante. Os pares de olhos de coloração distintas se encontraram, e Blauen Donau soou aos ouvidos do músico.

A valsa iniciava-se calma, os casais aproveitavam para acomodarem-se em seus lugares. Roderich e Gilbert continuavam parados no meio do salão, rodeados pelos colegas que começavam a girar.

– Eu não vou submeter-me a essa piada infame, Gilbert. – Roderich disse num quase rosnado, embora apenas quisesse manter o tom de voz baixo para não chamar mais ainda a atenção dos olhares curiosos e aumentar os cochichos.

O alemão deu de ombros.

Ksesese, jovem mestre! – riu – A valsa começou! E você sabe tão bem quanto eu o quão grosseiro é deixá-la pela metade.

– Mas nós sequer começamos a dançar! – tentou arranjar alguma maneira de fugir daquela piada de mau gosto. Ele dançar com Gilbert? Uma pessoa irritante? Um rapaz?

O sorriso de Gilbert alargou-se.

– Não seja por isso, senhora.

Mantendo Roderich firme em seu abraço, Gilbert iniciou os passos da valsa. Mesmo que devesse, o austríaco não esperou alguma ação do albino, e teve de segui-lo para que não perdesse o equilíbrio e desse de cara no chão. Assim que seus pés ficaram em frente aos do alemão, este lhe sorriu mais sacana.

– Não--!

– Iniciamos a valsa~!

Aquela expressão que tanto agradava ao albino voltou a adornar as feições de Roderich: a face rosada; os olhos que eram fechados enquanto ele estalava a língua e desviava o rosto para a direita; o cenho franzindo-se ligeiramente... A mão direita fechou-se em torno da esquerda de Gilbert, um sinal claro de que, finalmente, o alemão esgotara a paciência do músico.

– Você é um tolo, Gilbert. O mais tolo dentre os tolos.

Não vendo outra alternativa, Roderich deixou-se guiar por Gilbert.

– E as ofensas do meu gato são melhores que as suas.

O mais velho não deu-se ao trabalho de responder-lhe o insulto, mantendo-se calado. Apenas desejava que aquela valsa não tardasse muito a chegar ao fim, pois Roderich já sentia-se desconfortável ao ser o centro das atenções.

A valsa era bela e do agrado de ambos, porém a doçura dos violinos fora quebrada no exato instante que Gilbert, inocente, pisou no pé de Roderich.

– Gilbert!

Ksesese~ foi mal, Rod!

O acidente repetiu-se mais duas vezes.

Mein Gott, Gilbert! – resmungou – Como você pode convidar alguém para uma valsa se não sabe conduzir?

A sobrancelha direita de Gilbert moveu-se num tique nervoso.

– Oi. Estou aprendendo, mas com garotas é muito mais fácil. – o albino fez biquinho enquanto tentava se explicar, sem sucesso.

Roderich rolou os olhos e suspirou. Apenas porque desejava que seus pés continuassem inteiros após a valsa, ele decidiu ajudar Gilbert.

– Em primeiro lugar, sem passos apressados. Você está dançando valsa, não samba. – desviou, outra vez, o rosto para a direita, tentando não encarar o mais jovem – Em segundo, não mantenha sua mão tão próxima de minha cintura. Isso limita os meus movimentos e torna os seus mais complicados. – usou a mão esquerda para subir a de Gilbert alguns centímetros. – Em terceiro, não se esqueça que é você quem está guiando o ritmo e a direção que o casal deve tomar. Tenha firmeza ao fazê-lo ou sua parceira--

– No caso, você. – interrompeu.

– Quieto. – rosnou –... Ou sua parceira terá os pés machucados ao final da dança.

Ja, ja... – voltou a dar de ombros – Em suma, tenho que segurá-lo firmemente perto de mim para você não fugir, estou certo? – ele questionou com uma malícia natural, os olhos rubros fixos nos violáceos, um sorriso matreiro deixando os dentes brancos à mostra, os rostos se aproximando.

Roderich pigarreava, baixando o rosto para impedir a aproximação de Gilbert. As maçãs eram adornadas por um carmesim consequente de sua irritação. E acanhamento.

– Não seja tolo, Gilbert! – o alemão se afastava, o sorriso ainda presente – Você não entendeu o que lhe disse?

– Arrã. Para domar você.

Um suspiro frustrado.

– Vamos mudar a perspectiva. Que valsa é essa?

– Ahn... Alguma coisa azul, não? – os olhos vermelhos eram voltados para cima, como se a resposta estivesse escrita no teto ou fosse cair do céu.

– Danúbio Azul, Gilbert. Pelo nome, já sabe sobre o que se trata, hn?

– Sobre esse senhor chamado Danúbio.

Ignorância tinha limite.

– Não sei se sinto pena ou dou graças por você não fazer parte do grupo de Geografia. Vash deve estar agradecido. – murmurou ao lembrar-se de outro “amigo” de infância.

Gilbert voltou a fazer biquinho, infantilmente chateado com o comentário de Roderich.

– Então sobre o que é?

– Sobre Danúbio, o rio! – exclamou e o alemão sorriu.

– Ah, tá. Por que não disse antes? – perguntou parecendo incrédulo – Pensei que valsa só se tratasse de romance e sei lá mais o que. – riu – Como eu iria saber que se trata de um rio?

Roderich, novamente, não deu-se ao trabalho de lhe responder.

– Continuando. Se a valsa fala sobre Danúbio, seja como ele!

– Molhado e revoltoso? Ui, Rod. Se você quer tanto meus cinco metros é só me dizer que nós mandamos esse Danúbio pastar e vamos para a minha casa.

Por mais inconveniente e indecente que fosse aquele convite, Roderich acreditava que ele era sincero.

– Gilbert! – o rubor intensificava-se, assim como seu desconforto – S-seja como um rio: flua com leveza, porém possante; sempre contínuo e majestoso!

Com um movimento firme e delicado, Gilbert rodou Roderich, as mãos se afastando até o ponto de apenas a ponta dos dedos – cobertas por luvas brancas – se tocassem sutilmente. O moreno rodopiou uma única e rápida vez, e assim que voltou à sua posição original, seu olhar fixou-se novamente no do mais jovem. Então, ambos rodopiaram.

– Mas um rio é instável, incerto. – seu tom de voz tornava-se ameno.

Roderich piscou os olhos. Aquela definição caía como uma luva na personalidade do alemão. Instável e incerta.

– Em alguns momentos. – concordou – Entretanto, nós sempre sabemos o destino de um rio, ele calmo ou revoltoso.

Os lábios finos do albino torceram-se num sorriso, e por algum tempo eles permaneceram num silêncio que não combinava com Gilbert.

Então, o alemão percorreu o olhar pelo salão, chamando a atenção de Roderich. Assim que aqueles olhos de cor intensa, vívida, fixaram-se num ponto fora do alcance visual do músico, Gilbert riu baixinho.

– Um ótimo local para uma declaração de amor, hein, jovem mestre?

Roderich apertou de leve a mão de Gilbert.

– C-como? – o alemão sabia sobre Elizabeta?

Gilbert voltou seu olhar para o mais velho, soltando um suspiro por entre os lábios sorridentes.

– Eu não gosto de bailes, Rod. – admitiu – São chatos, monótonos e eu prefiro estar em um local com música e bebida que preste.

– Então... Por que...? – ele franziu as sobrancelhas, desconfiado.

Viu o estudante de Teatro manear a cabeça para a esquerda, e Roderich olhou na direção apontada. Também dançando estavam Feliciano e Ludwig. O jovem alemão tinha as maçãs rosadas, os olhos cerúleos fixos nos castanhos do pequeno italiano. Feliciano sorria docemente, os dedos entrelaçados nos do loiro acanhado.

Roderich observou-os por um momento e, ao não perceber nada de diferente além de ter outros homens dançando, voltou a encarar Gilbert.

– Achei que você tivesse percebido. – sorriu de canto, o moreno torcendo os lábios em desgosto, ofendido – O Ludie gosta do pequeno Feli ali.

– Gosta? Como assim “gosta”?

Gilbert riu. Baixo, delicado.

– Como diz meu caro Francis: “l'amour”. – o moreno piscou algumas vezes, a boca entreabrindo-se num sinal de descrença. Gilbert rolou os olhos e soltou outra risada – Ele está apaixonado, e Ludie me pediu para acompanhá-lo esta noite, pois desejava se declarar e tinha medo de ser rejeitado~.

Então, o queixo de Roderich caiu.

– Ludwig apaixonado? Por um rapaz?!

Psiu! – franziu o cenho e puxou Roderich para mais perto – A Europa inteira não precisa ficar sabendo! – sua voz saiu entredentes, e em seguida Gilbert olhava para os lados, certificando-se de que ninguém ouvira o comentário de Roderich.

Os alunos mais próximos eram seus amigos Francis e Antônio. Enquanto o francês dançava com Michelle, uma jovem morena que sempre – sempre – usava seus longos cabelos presos em laços vermelhos, o espanhol conduzia Bella, irmã de Hansen. Ao longe, o alemão pode ver Lovino e... um menino muito bonitinho, mas cujo nome ele desconhecia, encarar seus amigos com raiva e chateação, respectivamente. Antônio e Francis olharam para si e lhe piscaram o olho, deixando claro de que manteriam segredo de algo que todos ali presente já perceberam. Gilbert, então, sorriu aos dois e lhes devolveu a piscadela.

Roderich permaneceu estupefato. Sabia que Ludwig e Feliciano eram bons amigos e que eram próximos, mas nunca imaginara que o alemão pudesse se apaixonar pelo italiano.

A falta anormal de piadas infames e um outro rodopio fizeram Roderich voltar sua atenção ao albino que o conduzia. Percebeu que suas dicas foram bem utilizadas por Gilbert, pois seus pés ficaram livres de pisões ou tropeços. O alemão, entretanto, voltara a observar seu irmão, que corava a cada tentativa de Feliciano de beijá-lo, desviando educadamente o rosto – o que fazia o jovem italiano inflar as bochechas e murmurar seus “Veh~” de forma mais infantil.

Ao ver a cena, um sorriso cálido delineava o rosto de Gilbert, e aquele gesto, dentre todos os que surpreenderam Roderich naquela noite, fora o mais distinto de todos.

– Você adora seu irmão, não é mesmo?

Gilbert piscou e encarou Roderich, torcendo as sobrancelhas e os lábios. Em seguida, o semblante costumeiro voltou às suas feições, e ele riu, soltando a mão do austríaco e apontando para si com o polegar.

Ksesese~ O Ludie pode não ser tão awesome quanto eu, mas tem o sangue Beilschmidt.

O jovem músico piscou os olhos, mas em seguida riu. Um riso leve, despreocupado. E Gilbert ficou curioso ao vê-lo tão espontâneo, as feições simples e as sobrancelhas erguidas.

– O que foi?

– Oh, Gilbert. Você é o maior dos tolos! – ele sorriu, encarando fixamente os olhos rubros à sua frente.

As maçãs de Gilbert tornaram-se rosadas, o tom claro adornando a pele alva. Depois, ele fez biquinho e franziu o cenho, desviando o rosto para a esquerda.

– Não sei do que está falando.

Roderich continuava sorrindo. Embora – muito – implicante e um tanto irresponsável, Gilbert amava seu irmão. Quando ficaram órfãos o jovem Ludwig tinha seus oito anos. Pequeno, medroso e frágil, o mais jovem precisava de um porto seguro para seguir com sua vida, e Gilbert o era. O alemão mais velho negou toda família que tentara o adotar sem Ludwig, e apenas quando um distinto e viúvo homem, chamado Fritz, apareceu que os irmãos voltaram a ter uma família.

Fritz era vizinho de Roderich, e falecera logo após Gilbert completar seus dezenove anos. Desde então, o albino cuida de Ludwig.

– Não é nada. – ele respondeu sorridente, a valsa chegando ao fim.

Então... Gilbert cessou o bailar. O austríaco lhe encarou, movendo seu corpo um passo a mais que o mais jovem antes de também parar de se mover, os olhos curiosos piscando.

– Gilbert?

O alemão retribuía o olhar, o semblante tornando-se sereno.

– Um ótimo local para uma declaração de amor, hn? – ele repetia, calmo, e Roderich pendia um pouco a cabeça para a esquerda.

– Como?

Gilbert sorriu, levando a mão esquerda até o queixo de Roderich e o segurando. O moreno corou de leve, torcendo os lábios trêmulos e fechando as mãos sobre o peito do alemão. O mesmo acontecera dias antes, porém o fato de estarem em um baile cheio de conhecidos lhe era mais embaraçoso ainda.

Entretanto, Roderich fechou os olhos, esquecendo-se de empurrar o mais jovem.

Nahaha!!

Um chiado irritante ecoou pelo salão, e a pequena orquestra parou de tocar, surpresa. Blauen Donau foi encerrada um pouco antes de seu fim, e os alunos pararam de bailar, entreolhando-se. Roderich usou aquela brecha para afastar-se de Gilbert, que suspirou e colocou as mãos nos bolsos, mostrando descaso.

Os alunos começavam a cochichar, tentando descobrir de onde viera aquela risada característica.

Em seguida, o som de Gangnam Style saiu dos alto-falantes do salão, e os alunos, empolgados, festejaram e começaram a pular e a imitar a coreografia estranha e divertida.

No meio daquela multidão “enlouquecida” – como pensava o músico – passou Arthur, e seu grito fora abafado pela música e pelas gargalhadas dos alunos:

– Alfred F. Jones!!

Arthur sumiu logo em seguida, e não voltaria ao salão até depois o fim do baile.

Gilbert, interrompido, chamou por Roderich.

– Jovem mestre?

Roderich o encarou, e teve ambas as mãos tomadas.

– Foi uma honra dançar com você.

Dizendo isso, o alemão aproximou as mãos enluvadas do moreno de seu rosto sorridente, beijando castamente sobre a articulação dos dedos.

– G-Gilbert! – o corpo de Roderich estremeceu de leve, e o sutil rubor em sua face intensificou-se para um vívido carmesim, seus lábios torcendo-se involuntários.

Então Gilbert afastou seus lábios, abrindo os olhos e encarando o mais velho. Soltou-lhe as mãos de forma delicada, afastando-se sem dizer nada, desaparecendo por entre os alunos.

Roderich permaneceu no mesmo local, olhando perplexo para o caminho por onde Gilbert passava. Embora suas mãos estivessem cobertas, ele pode sentir perfeitamente a maciez e o calor dos lábios do alemão. E aquilo fizera seu coração palpitar descompassadamente.


~※~

Os dedos ágeis tocavam Nocturne. Os olhos claros estavam fechados, a concentração era total. Em apenas três dias seria o tão esperado recital de sua turma e Roderich, como o representante, aumentara suas horas de ensaio diários, e mal saía de casa.

– Ufa. Achei que iria encontrar um corpo em estado de decomposição.

Roderich suspirou, movendo mecanicamente o rosto em direção a Gilbert, que girava a chave extra de sua casa no indicador direito, o semblante debochado.

– Como--.

– Elementar: esconder a chave atrás de um tijolo solto sobre o arco da porta é--.

– Extremamente óbvio. – ele finalizou, encerrando a música.

Gilbert sorriu, as mãos na cintura.

Ksesese~ Pensou rápido desta vez, Rod.

O austríaco franziu o cenho, irritadiço. Tinha olheiras profundas, resultado de noites e noites em claro. Gilbert passara a última semana embalado pelo piano de Roderich, pois a janela de seu quarto ficava voltado para a casa do moreno, e a arquitetura de ambas as casas levava o doce som até o aposento do alemão. Roderich nunca descobrira aquilo, e Gilbert desejava que continuasse daquele jeito, pois temia que o mais velho passasse a fechar a janela ao tocar, e o alemão não voltasse a ouvi-lo.

Roderich soltou um suspiro, sentindo o corpo tenso por tantas horas sentado. Seus dedos doíam e sentia como se seus pulsos estivessem travados, tamanho esforço.

– O que veio fazer aqui, Gilbert? – ele questionou com a voz arrastada, cansada.

Gilbert deu de ombros.

– Não vi você a semana inteira. Queria saber se você estava vivo.

– Se veio implicar comigo, pode ir embora, pois tenho muito o que ensaiar! – resmungou e voltou sua atenção ao piano, recomeçando Nocturne.

Mantinha os olhos fechados e o cenho franzido, irritado com tanta petulância. Roderich, então, sentiu algo quente em suas costas, e em seguida Gilbert lhe tomou as mãos, interrompendo Nocturne. O moreno corou e sentiu o corpo estagnar, enquanto o alemão encostava o rosto no seu, sereno.

– Não é implicância. – murmurou – Você havia sumido. Não dava sinal de vida nem nada.

O albino entrelaçou seus dedos nos de Roderich, trazendo os braços do moreno para perto do corpo deste, dando-lhe uma espécie de abraço.

Roderich piscou. Gilbert estava... Ele estava preocupado consigo?

– O que quer... Dizer com isso?

Gilbert sorriu e afastou-se um pouco. Roderich o encarou e enrubesceu ao notar o quão próximo estava do alemão.

O estudante de teatro acarinhou-lhe o rosto, colocando algumas mechas de cabelo para trás da orelha esquerda de Roderich, que fechava os olhos. Aquela mesma sensação de inquietação voltava a tomar conta de seu peito, e ele suspirou de leve.

– Gilbert...?

A mão direita seguiu até a nuca do mais velho, puxando-o para mais perto e tomando-lhe os lábios. Um toque singelo, um encostar superficial.

Sem demoras, Gilbert se afastou, e Roderich demorou um pouco mais do que o necessário para voltar a abrir os olhos. Quando o fez, corou mais ainda e franziu o cenho.

– Gilbert!

A voz de Ludwig chegou aos ouvidos dos rapazes, chamando pelo irmão.

– Você está com uma cara péssima, Rod. – riu debochado – O Ludie fez o almoço e me disse para convidá-lo.

Roderich piscou, perplexo perante tanta naturalidade.

– Você--

– Ah, vamos logo. Não quero ouvir o Ludie reclamando que você precisa se alimentar, nem o pequeno Feli dizendo “Veh~ veh~ chame o senhor Roderich! Chame!”. – tentou imitar o sotaque de Feliciano, dando as costas para Roderich.

O jovem músico continuou em sua posição, encarando a porta por onde Gilbert saía. Então, ele lembrou-se do beijo simples do alemão, e baixou o rosto, rubro.

– Sinceramente... – ele deu um meio sorriso, erguendo-se e seguindo até a casa de seus vizinhos.

Gilbert, com toda a certeza, era um rapaz irritante e inconveniente.



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Notas finais do capítulo

Palavras da organizadora:
Dessa vez, temos um excelente - e muito divertido - trabalho da senhorita Double nessa coletânea! Ela realmente conseguiu criar uma estória com uma atmosfera alegre e envolvente como a valsa que selecionou e acredito que ela deva receber os comentários que tanto merece!
Como sempre, eu os aconselho a escutar a composição do capítulo. Não apenas porque ele combina perfeitamente com o conteúdo da própria fanfiction e os dois se mesclam muito bem, como também devido ao fato de que a autora utilizou a composição em sua estória e a cena em que ela fez isso - uma das minhas favoritas - é mais fascinante para aqueles que conhecem a música e estão a escutando.:>
Muito obrigada por seu interesse pela coletânea! Por favor, continuem a lê-la, apreciá-la e comentá-la!>.