Bellum escrita por Pakshalika


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Demorei, mas terminei! Hehe.
Aqui, nós vamos para o ponto de vista de uma nova personagem. Espero que gostem!!
Ah, e, como eu disse, está um pouco menor. Acredito que o próximo será menor ainda.



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Diana, sentada em sua carteira e olhando seu relógio de pulso, sorria. Seu dia até ali havia sido um desastre completo, e o professor já tinha até começado a dar a aula, mas ela não conseguia conter o riso.

Leo estava atrasado. De novo.

Ela vencera a aposta, e agora ele teria que comprar um brownie para ela na cantina. Ele se atrasara cinco vezes seguidas, contrariando todas as suas promessas, e ela mal esperava que ele chegasse para que pudesse dizer: "eu avisei!".

Porque, bem, ela avisara mesmo. Ele jurara, de pé junto, que de jeito nenhum chegaria atrasado uma semana toda. Mas ela jurara, de pé junto, que isso era exatamente o que ele tinha feito nas 4 últimas semanas - totalizando uma quantidade de 20 atrasos seguidos. Ela não duvidava de que ele conseguisse chegar aos 25, e ele apostou que não chegava. E ela ganhou. De novo.

Ela ainda estava rindo consigo mesma quando viu o rosto do rapaz, vermelho como um tomate e arfando de tanto correr, aparecer na porta da sala. Estava com o cabelo castanho desgrenhado, como quem acorda e se esquece de se arrumar. Uma mecha da franja caía sobre um dos olhos escuros ("negros como as jabuticabas dos olhos de Iracema", era como Diana os chamava - o que deixava o amigo irritadíssimo e ela, satisfeitíssima).

O professor nem se deu ao trabalho de dizer qualquer coisa a Leo - a essa altura, o corpo docente devia achar que: a) os pais do menino não tinham o menor respeito pela pontualidade, ou b) ele mesmo tinha algum tipo de distúrbio mental que o impedia de chegar aos lugares na hora certa.

Marco Araújo, o professor que estava dando aula na hora, aderia à segunda opinião. Cansado de brigar com o menino toda sexta de manhã, ele apenas se conformara a esperar o dia em que Leo começaria a tomar remédios e, quem sabe, a chegar na hora certa.

Poucas pessoas levantaram a cabeça para ver Leo entrar. Estando na reta final do nono ano, muitos alunos estavam estudando pra valer - os esforçados visando passar em exames para boas escolas de ensino médio, e os mais relaxados visando não ter que fazer o nono ano de novo, coisa que certamente iria acontecer se as notas não subissem. Então, todos estavam ocupados copiando a matéria do quadro, e poucas foram as cabeças que se viraram para olhar quando Leo se sentou ao lado de Diana e, ao encostar a perna na cadeira, soltou um gemido de dor.

Ela estava preparada para começar a esfregar o atraso na cara dele, mas mudou de idéia assim que viu sua expressão.

– O que foi? - ela sussurrou.

– Me machuquei. - ele respondeu, sem dar mais detalhes.

Ela olhou para ele cínica, pensando: "Bem, isso dá pra ver!". Mas então ele apontou para o professor, mostrando que uma aula estava sendo dada ali, e olhou para ela como quem diz: "Depois a gente conversa!". Então, se virou para pegar o caderno na mochila.

E, quando ele se virou, um cheiro enjoado veio de encontro a ela. Parecia vir da roupa dele: era um cheiro de água, de peixe, de barco - e não era nada agradável, principalmente para ela.

Diana torceu o nariz e virou o rosto para o professor, se perguntando onde o amigo estivera para estar fedendo daquele jeito. Não era, na verdade, um cheiro forte: era quase imperceptível. Mas muito, muito ruim; um cheiro que lhe trazia lembranças amargas, sentimentos horríveis, e um instinto forte de socar Leo até que ele ficasse inconsciente.
Claro que ela sabia que Leo não tinha nada a ver com nada. Mas o seu nariz lhe dizia outra coisa.

Por fim, ela se obrigou a prestar atenção na aula - não estava com as notas baixas, e nem fazia questão de entrar numa escola difícil no ano seguinte, mas ainda era uma aluna e as provas finais ainda vinham aí, e ela ainda podia ser reprovada, então prestar atenção enquanto o professor falava era meio que importante.

O resto do dia passou normalmente. Quando o professor saiu e o seguinte ainda não havia começado a aula, Leo aproveitou para informar a amiga que havia se queimado um pouco de manhã, numa tentativa fracassada de fazer um café que acabara derramando, ainda quente, na perna dele - e por isso se atrasara. Diana apenas riu; toda vez que Leo se aventurava na cozinha, chegava à escola com uma nova queimadura. Era coisa de se ter pena, mas ela só conseguia rir. Não era como se o ferimento fosse grave, mesmo.

– Por que você não desiste logo? - ela perguntou. - Você vai acabar se matando na cozinha um dia.

– Eu não sou tão inútil assim! - ele respondeu, indignado. - Isso só acontece de vez em quando! Ontem mesmo, eu fritei um ovo e não aconteceu nada!

Apesar do tom de voz, ele também ria. Até que parou de repente, parecendo ter se lembrado de algo ruim; mas rapidamente se recompôs. Ele fazia isso com freqüência, e Diana já havia percebido há muito tempo. Ela sempre se perguntava no que era que o amigo estava pensando quando ele fazia aquela cara.

Era a única coisa sobre Leo que Diana não podia dizer que conhecia perfeitamente bem. Os dois eram grandes amigos desde a terceira série, e ela sabia tudo sobre cada cantinho da personalidade dele. Mas havia alguma coisa que o perturbava, e ela não sabia o que era. Já pensara em perguntar, mas decidira que, se ele quisesse contar, ele contaria. Não haviam barreiras entre os dois.

Quando a aula terminou, os dois foram andando juntos para casa. Eles sempre voltavam caminhando, e o caminho coincidia por cerca de 4 quadras. Depois disso, Leo seguia direto para o orfanato onde morava, mais algumas quadras adiante.

Diana nunca havia entrado no orfanato, mesmo depois de tantos anos de amizade. Primeiro, por muito tempo, ele escondera o fato de que era órfão. Depois, quando contou a verdade - que ele morara num orfanato a vida toda, que nunca fora adotado e que não sabia quem eram os pais - pediu para ela nunca entrar lá. Disse que as outras crianças não iriam tratá-la bem, e que os adultos logo inventariam uma desculpa para expulsá-la. Ele não queria passar por isso, e ela respeitava. Leo podia não saber, mas ela mesma tinha tido suas experiências com orfanatos. Sabia como as coisas podiam ficar desconfortáveis lá dentro.

Fora isso, Leo dizia que até gostava de lá. Tinha feito amizades, e ser um dos mais velhos tinha até suas vantagens. Não era um lugar tão triste como podia parecer; para ele, era um lar.

Pelo menos, foi o que ele disse uma vez ou outra na vida. Geralmente, quando ela tocava no assunto, ele desconversava na hora. Não como se fosse um assunto cheio de memórias ruins, mas o contrário: um assunto sem memórias. Como se morar num orfanato não fosse de verdade parte da vida dele. Como se não fosse algo marcante; como se fosse normal, algo até digno de ser esquecido.

Então ela preferia não falar disso. Até porque, para Leo podia ser besteira, mas os anos que Diana passara abandonada lhe traziam lembranças horríveis.

Claro, a história que Leo conhecia era outra: ele achava que ela tinha sido adotada logo depois de nascer, e vivido uma vida normal e feliz com o sr. e a sra. Figueira até o dia em que o pobre sr. Figueira faleceu, logo antes dos dois se conhecerem.

Na verdade, Diana tinha sido abandonada pela mãe, sem ter idéia de quem eram seus pais, e crescido em um orfanato para meninas até os 7 anos, quando uma simpática moça de traços asiáticos apareceu e a levou para a vida que ela vivia agora.

Para Leo, a moça era Akane Figueira, a mãe adotiva de Diana; mas não era bem assim. Akane era sua mentora, e nunca havia existido um sr. Figueira. Mas, infelizmente, Diana não podia falar isso para Leo.

Na verdade, só não contara uma mentira completa dizendo que Akane era sua mãe verdadeira porque os cabelos loiros (quase brancos), as sardas e os olhos verde-azulados de Diana entregavam que as duas não eram parentes.

Depois de se separar de Leo, a garota andou mais algumas quadras até chegar ao prédio em que morava com Akane, no décimo e último andar. Entrou no elevador e, um minuto depois, estava em seu apartamento. Era coisa pouca: uma salinha, bem decorada até, uma cozinha, dois quartos pequenos, um banheiro e uma área de serviço raramente usada. Leo já estivera lá incontáveis vezes. Mas havia uma parte do apartamento que ele não conhecia; mais um segredo que ela tinha que esconder dele.

Sem encontrar Akane, Diana jogou a mochila no sofá e foi para o quarto de sua tutora. Lá dentro, abriu a porta do armário e, atrás das roupas penduradas no cabideiro, tateou até achar a maçaneta que a levaria para a arena.

Tecnicamente, cada andar do prédio tinha quatro apartamentos; mas o décimo havia sido totalmente comprado por uma só pessoa, e os três outros apartamentos haviam sido transformados em um único enorme centro de treinamento: a arena. Akane deveria estar lá, Diana pensou; ela sempre estava.

Só que, dessa vez, a arena estava completamente vazia. Depois de fechar a pesada porta de metal atrás de si, Diana chamou pela amiga, sua voz ecoando no longo ambiente fechado, completamente revestido de ferro nas paredes e no teto e de cimento no chão. Procurou atrás da fonte termal artificial que estava ligada nos fundos, onde Akane gostava de cochilar às vezes (mesmo que não admitisse). Mas não havia ninguém lá.

Diana desligou a fonte, pensando consigo mesma: "bem, agora eu tenho que ir atrás dela, né?". Vestiu sua armadura por cima da blusa do colégio, trocando a calça e os tênis por um par de calças mais adequado e por botas.

Vestiu, então, uma expressão de cansaço. Tinha que parecer irritada pelo sumiço de Akane; mas, na verdade, estava feliz por ter uma desculpa para ir atrás dela.

Era raro que a deixassem aparecer àquela hora. Tecnicamente, ela "tinha que estudar". Escola era importante, mesmo no caso dela. Não havia desculpas nem argumentos: ela era obrigada a viver no Brasil, onde nascera, e a ir para a escola todos os dias. Que se dane a guerra, você tem prova de matemática na semana que vem.

Perto da fonte, na parede dos fundos, havia outra maçaneta escondida. Diana foi até ela e, na hora em que a tocou, disse:

– Base 114, Central.

Imediatamente, a porta se formou na parede à sua frente. Diana abriu uma frestinha, verificando se haveria alguém para vê-la entrar. Não; a barra estava limpa.

Era o banheiro feminino subterrâneo da Base 114, seu ponto de transporte favorito. O cheiro lá de dentro garantia que ninguém nunca, nunca entraria. E, além disso, era a primeira coisa que ela havia visto de Bellum, então tinha um valor sentimental.

Contendo o sorriso, demonstração da alegria que ela sentia em estar ali, em casa - mesmo que ninguém a deixasse chamar o lugar de casa - pela segunda vez no mesmo dia, ela saiu o banheiro, indo direto ao escritório. Com sorte, seus dois companheiros de vigília daquela madrugada ainda estariam ali, e ela poderia se desculpar pelo grito que tinha dado quando eles quase mataram os bolhas invasores. Pensando bem, ela não se arrependia só do jeito com que brigara com eles: se arrependia também do motivo. Ela podia ser ecológica, querer proteger as pobres árvores que nada tinham a ver com a guerra (mesmo que, ela tinha que confessar, fossem as arvorezinhas mais feias que ela já vira), mas aquele grupo de bolhas estava invadindo, deliberadamente, território do Fogo. O código dizia: mate! Seus companheiros não haviam agido mal.

Veja: Diana nunca tinha, pessoalmente, matado ninguém. Mas aqueles bolhas daquela manhã! Ela ainda não conseguia acreditar! Simplesmente andando pelos Vulcões, como se fossem donos de tudo? Qual era o problema deles? Ela estava feliz por saber que, com certeza, o grupo havia sido capturado. Esperava que ainda estivessem na Base 114, para que ela pudesse vê-los pessoalmente. Ela não tinha idéia do que tinha vontade de fazer - honestamente, ela nunca havia ficado cara a cara com um bolha sem ser no meio de uma briga, nunca havia atacado sem ser a sangue quente - mas sabia que tinha vontade de fazer alguma coisa!

Foi com esse pensamento que ela entrou no escritório. Mas o que ela viu lá foi algo que ela jamais poderia esperar.

Um dos companheiros de vigília estava lá, com o braço enfaixado, cercado de magmos e olhando fixamente, furiosamente para a mesa. Ao ver Diana entrar, ele respondeu o questionamento em seus olhos antes mesmo que atingisse seus lábios.

– Eles conseguiram fugir. - ele disse – E olha o que eles usaram.

Diana já tinha visto o conteúdo da mesa, só não tinha acreditado. Mas os olhos do homem não deixavam dúvidas.

Sempre houvera o medo de que a guerra de Bellum se tornasse uma guerra Humana, uma Terceira Guerra Mundial em um novo mundo. Diana sempre soubera que, um dia, uma bomba seria atirada e a coisa toda iria explodir.

E os humanos dos Rios haviam acabado de atirar a primeira bomba.



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Notas finais do capítulo

E aí? Surpreendi alguém?
... Alguém? Não? Ninguém? Ok.
Acho que eu poderia ter feito mais suspense, mas BLEH, tanto faz. O importante é que eu me diverti muito escrevendo esse capítulo! E espero que vocês tenham gostado também.
Desculpa se não teve a mobilidade e a "ação" do primeiro, mas prometo: a partir de agora, a coisa vai ficar mais emocionante.
... Anyways, reviews? Eu amei muito as duas reviews que recebi do primeiro capítulo, me deu o gás pra terminar esse daqui. Obrigada, meninas, se não fosse vocês eu não teria terminado! Mas é sempre bom receber um feedback de capítulos novos, né?
Hehe, juust saying.



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