Bellum escrita por Pakshalika


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Ok, o começo pode parecer meio chato, mas é porque eu preciso explicar algumas coisas. Prometo que, logo depois, as coisas começam a acontecer, sem interrupções do narrador pra explicar mais nada. Além do que, toda história tem um começo meio explicativo e meio chato, né?
Bem, divirta-se!



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O mundo de Leo estava em chamas.

Digo, literalmente em chamas. Ele e seus dois amigos se protegiam embaixo de um casulo de gelo, mas o inferno do lado de fora garantiria que essa situação não durasse muito tempo. Normalmente, Leo poderia manter a água congelada por horas e horas, mesmo nos dias mais quentes, simplesmente recolhendo as gotas que derretiam e congelando-as novamente. Mas nem o dia mais quente da história se compararia a um ataque com bolas de fogo poderosas e incessantes.

No começo, Leo conseguira água suficiente no ar para fazer um casulo de gelo tão espesso que mais parecia um iglu, através do qual não dava para ver nada além do branco absoluto. Não levara mais que poucos segundos para fazer isso, mas fora suficiente para ver o ataque começar, e para que uma boa parte da grama – se é que aquelas coisinhas feias, marrons e mal distribuídas entre as fendas das rochas do chão podiam ser chamadas de “grama” – se incendiasse, obrigando o grupo a pisoteá-la para apagar o fogo.

Mas agora o gelo estava quase totalmente derretido e, francamente, Leo era bom, mas não tão bom que pudesse congelar a água de um ar que não tinha mais água, porque o fogo já tinha se livrado de qualquer esperança de umidade.

Fora isso, o grupo tinha duas espadas e um arco-e-flecha, mas certamente estariam indefesos contra quem quer que estivesse produzindo todo aquele fogo se Leo não tivesse nenhuma água com a qual trabalhar. Era por isso que ele sempre andava “armado” com seu cantil – mas acontece que, dez minutos antes, Lara tivera sede, e Lara não gostava da água do ar que Leo coletava, principalmente quando eles estavam passeando pelos Vulcões, porque ele não conseguia separar a água do enxofre e ela é que não ia beber enxofre, e não era como se ele fosse precisar daquela água para lutar, mesmo. E então ele concordara, e depois nem reenchera o cantil com a água-com-enxofre-do-ar, porque ele estava com preguiça e, bem, não era como se ele fosse precisar daquela água para lutar, mesmo.

Leo se sentia um idiota, mas estava com raiva mesmo era de Lara. Não, mais que isso: com raiva do momento idiota em que o chamaram para aquela missão idiota, na qual iria uma humana idiota sem experiência nenhuma e com o dobro da idade dele (uma recruta, que não sabia nem levitar uma gota ainda!), para fazer uma pesquisa idiota na porcaria das “Florestas dos Vulcões”, e ele idioticamente aceitara.

E o pior: não só eles teriam que ir para a região mais ridícula do Reino do Fogo, as Florestas, que na verdade eram um conjunto de arvorezinhas tristes, retorcidas, pretas, que nasciam nas ilhotas de terra fértil entre as imensas e negras rochas de magma endurecido, como o Serviço de Inteligência da Rainha prometera que a área que deveriam “visitar” estaria deserta e segura.

Há, há. Fala isso pros caras que estão tentando matar a gente aqui.

A única coisa que fazia aquela viagem valer, talvez, a pena, era Jur. Leo nunca conhecera nem gostara de Jur especificamente, mas ele era um aquarin, e Leo era fascinado por aquarins. Ele às vezes se imaginava tentando explicar o que era um aquarin para seus amigos do seu mundo natal, o mundo dos humanos, o nosso pequeno mundo normal. Mas não conseguia pôr em palavras. “Sabe, é que existe esse outro mundo, chamado Bellum, e eu gosto muito de lá, e lá tem essas... tipo, essas criaturas... do Reino da Água, é claro, porque o fogo eu nem... Bem, tem essas criaturas, que são, tipo, pura água, sabe? Não que nem a gente, que tem, sei lá, 70% de água no corpo? Eles são praticamente só água. Eles tem só essa coisa fina em volta, tipo um pele, sabe? Só que é transparente, meio verde, meio azul. E, dentro, eles têm tipo... tipo uns ossos de gelo, pra ficar de pé, só que não derrete nunca. E eles têm olhos, mas não são de água, mas também não são carne... São de uma coisa transparente, lá, só que eu não sei... Dá pra ver tudo do lado de dentro, é muito sinistro! É como um esqueleto ambulante, só que de gelo. E com água em volta. E com os olhos boiando. E com a pele. Que nem uma água-viva, eu acho. Só que não. Entende?”

Ou, pelo menos, era mais ou menos assim que a coisa saía quando ele treinava no espelho. Não que ele tivesse muitas pessoas para as quais contar sobre a existência dos aquarins; na verdade, isso seria meio que uma transgressão à lei. Mas não era ilegal sonhar, e ele vivia sonhando em contar a verdade – toda a verdade – à única pessoa no mundo, no nosso mundo, com a qual ele podia realmente se abrir.

Cada vez que ele a via, cada vez que ela era sincera com ele, a cada novo segredo que compartilhavam – coisas pequenas, um chiclete atrás do bebedouro, um post anônimo na internet – ele se sentia mais e mais culpado por todas as mentiras que ele já tivera que contar por causa de Bellum. E pior: ele achava que ela já estivesse desconfiando. Não de um mundo alternativo, mas de que havia alguma parte da vida dele que ele mantinha em segredo, até mesmo dela. Ela era esperta, e ele não sabia o que faria a respeito disso.

Mas isso era problema para uma outra hora. Naquele momento, tudo o que Leo sabia era que o gelo estava acabando (e já teria acabado há muito tempo se não fosse por ele lá, segurando as pontas, diga-se de passagem), e que eles eram dois humanos e um aquarin armados de duas espadas e um arco-e-flecha, contra uma base militar do Fogo inteira.

Ok, talvez não uma “base militar” de verdade, com muros altos e centenas de guardas. Na verdade, era só uma fonte termal – a fonte de calor mais popular entre humanos que se dedicavam a aprender a controlar fogo ao invés de água (ou os “traidores”, como Leo os chamava) –, uma escotilha no chão que deveria levar a um escritório subterrâneo, e uns quinze a vinte magmos que, segundos antes de avistarem o infeliz grupo passar, estavam tranquilamente sentados no chão, mastigando pedaços de... bem, do chão.

Magmos eram seres parecidos com os aquarins, só que eram feitos de magma por dentro e pedras vulcânicas por fora. Assim como os aquarins praticamente só se alimentavam dos sais minerais da água dos Rios, os magmos não precisavam de muita coisa além de pedras de magma fundido; o que, na região dos Vulcões, significava chão, chão e chão. A única diferença era que os aquarins eram raros, quase tão raros quanto os próprios humanos, sendo a maior parte da população do Reino da Água constituída de humanóides terrestres com aparência de peixe e de umas criaturas que viviam nos Rios e lembravam as sereias de nossas histórias, mas não muito. Já os magmos eram os seres do Fogo mais comuns de se encontrar.

E apesar de, como nativos de Bellum, não terem nenhuma habilidade especial com os elementos, eram conhecidos por sua grande força e agilidade na esgrima (não que suas espadas de metais vulcânicos ultra fortes não ajudassem), e por sua pele absurdamente quente.

Leo não estava nem um pouco a fim de entrar numa luta mano-a-mano com aqueles caras. Ter que lutar contra os traidores que estavam atirando aquele fogo já não estava indo muito bem: imagina ele, Jur e Lara contra vinte magmos, sem nem mesmo nenhuma fonte de água que ele pudesse usar? Se ao menos Lara não fosse uma recruta! Aquele escudo de gelo duraria muito, muito mais com a ajuda dela, e assim talvez Jur tivesse tempo de ter uma idéia que os tirasse dali a salvo!

Porque, bem, essa era a tarefa de Jur. Tecnicamente, sendo o mais velho e o mais experiente dos três, ele era o líder da expedição. Então, ter idéias brilhantes estava nas mãos dele. E, agora que o gelo estava acabando e Jur ainda não tinha dito nada – absolutamente nada desde os três haviam avistado o inimigo e os ataques haviam começado, cerca de um minuto antes -, Leo estava ficando preocupado. Lara, por sua vez, já estava de arco na mão, preparada para atirar, mas parecia muito assustada e olhava fixamente para Jur, esperando as ordens.

E então, de repente, o fogo parou. Leo percebeu imediatamente, quando a força que estava fazendo para manter o gelo congelado subitamente se tornou demasiada, como quando se está empurrando uma coisa presa ao chão com toda a força e de repente ela se solta. Ele quase caiu para frente, apesar de que não estava necessariamente tocando em nada – estava só com as mãos estendidas para cima, controlando a água.

Mas Jur e Lara demoraram um pouco mais. Tanto que ele disse:

– Eles pararam de jogar fogo! Vamos agora!

– Mas ainda tá tudo pegando fogo lá fora! – Retrucou Lara.

Ela estava certa: as árvores ainda estavam em chamas, e baixar o escudo e sair correndo provavelmente deixaria os três cheios que queimaduras. Quer dizer... os dois. Se uma mesma parte de, digamos, o braço de Jur, encontasse mais de uma vez em algo quente, ele estouraria e morreria bem ali. A pele dele podia ser super resistente a impactos, muito mais que a nossa, mas era completamente inútil contra o calor.

Mas o que mais eles poderiam fazer? Ficar ali e esperar serem capturados? Leo nem mesmo sabia se o ataque fora para captura de reféns ou se os traidores atiravam pra matar. E, com certeza, não queria ficar ali e descobrir.

Jur continuava quieto. Mas parecia concentrado, bolando alguma coisa, com cara de quem pensa: “Talvez, se eu fizer assim... Talvez dê certo”. Só que Leo não estava muito a fim de esperar.

– O que a gente faz agora? Eles devem estar só descansando um pouco, vão voltar a atirar a qualquer momento!

Jur abriu a boca para responder – ia dizer “Fica quieto, estou pensando!” – mas outra saraivada de bolas de fogo veio do céu de repente. E, dessa vez, o gelo não agüentou nem dois segundos.

Por pura sorte, o grupo ainda estava a uma distância considerável da “base”, então nenhuma bola de fogo acertou nenhum dos três diretamente. Mas o calor se tornou insuportável de um milissegundo para o outro.

Mal deu tempo de Leo visualizar o campo inimigo (tinha contado exatamente dois humanos, mas nem pudera começar a ter uma noção melhor do número de magmos), e Lara gritou “Se abaixem!”. Os três se jogaram no chão, se escondendo entre os tufos de grama que ainda chamuscavam e as partes mais altas da rocha (por sorte, estavam em uma depressão), o rosto colado ao solo, tentado de alguma forma se proteger do fogo e da fumaça que, depois de ser inalada três ou quatro vezes, já estava deixando-os tontos.

Não se pode dizer que Leo sentiu medo, de verdade. Estava apavorado, mas só... só de um pavor de montanha-russa, uma pavor-excitação, um pavor-adrenalina. Não achava mesmo que fosse morrer. Não conseguia ver nenhum meio lógico nem nenhuma solução que o livrasse de ser morto naquele exato momento ou de, no mínimo, ser capturado. Mas ele já estivera em situações piores – como aquela vez na ponte sobre o rio de lava na boca da Cova do Dragão! Aquela, sim, tinha sido uma história que valia a pena contar! – e se safara. Com certeza, se safaria de novo.

Por isso, nem foi muita a surpresa quando ouviu uma voz, tão berrante e tão furiosa que ele nem sabia dizer a qual sexo pertencia, gritando:

– O que vocês estão fazendo?!

O fogo diminuiu imediatamente. Lara e Jur pareceram relaxar à direita de Leo, mas ele apenas ficou com raiva da grama alta, chamuscando e soltando fumaça na frente dos seus olhos: nem fazia diferença as dezenas de metros entre ele e os inimigos, ele não conseguia ver dois palmos a frente, mesmo! Teria que se contentar em ouvir, e torcer para que todos gritassem alto como gritou a voz.

– Que merda! – Continuou a voz, entregando ser humana pelo uso da profana palavra que ele duvidava que Jur sequer conhecesse – Seus idiotas! Que que vocês pensam que tão fazendo? Querem queimar a floresta toda?

Definitivamente, os jatos haviam parado. Discretamente, Jur começou a se aproximar da orelha de Leo. Como um ninja, ele pensou. E então percebeu que os inimigos deviam achar que eles tinham morrido ou, ao menos, ficado inconscientes, e que movimentos bruscos não seriam uma boa idéia.

– Tem bolhas ali! – Disse uma outra voz, chamando o grupo pelo apelido favorito dos traidores quando se referiam a humanos (e seres em geral) da região dos Rios. Leo se sentia um pouco ofendido pelo nome idiota, mas se sentia melhor quando lembrava que o apelido que ele escolhera para o lado de lá era “traidores”. “Traidores” soava bem pior do que “bolhas”. – Eles entraram no nosso território, e você queria que a gente fizesse o quê? Assistisse enquanto eles andam por aí?

– Queria que vocês capturassem eles. – Respondeu a voz – Não que cremassem!

– Não vejo porque não. – Disse uma terceira voz.

– Porque aí vocês cremam o resto da floresta junto! – Respondeu a primeira voz, que agora Leo percebia claramente que era não apenas de uma mulher, mas de uma adolescente, provavelmente não muito mais velha que ele.

Ele odiava quando cruzava com adolescentes humanos controladores de fogo. Era como se a traição fosse maior, porque não era apenas uma pessoa que estava do lado de lá: era alguém como ele, da idade dele. Era muito mais fácil lutar contra quarentões que podiam facilmente ser visualizados como serial killers – mas garotas? Você sabe o que dizem sobre bater em garotas, não é?

A briga continuou, e as três vozes começaram a falar baixo demais para que Leo21 pudesse ouvir. Jur então finalmente chegou aonde queria e, depois de dar uma cutucada no ombro de Leo, apontou para os arredores da base, onde o mato ainda estava intacto.

– As árvores. – Ele sussurrou.

Leo não entendeu.

– Que que tem elas?

Jur revirou os olhos.

– Água. – Explicou.

Leo ficou um tempo confuso, mas então entendeu o que Jur queria dizer. As árvores dos Vulcões podiam ser as coisinhas mais secas e patéticas do mundo, mas ainda deviam ter um certo reservatório de água dentro delas. Talvez, se Leo conseguisse tirar essa água, eles tivessem uma chance.

Claro, a idéia de Jur não era completamente original. Os humanos dos Rios costumavam arrancar a água de dentro de plantas em casos de necessidade, matando-as; até treinavam o ato de cortar a superfície dura de uma casca dominando apenas a água dentro dela, usando caixas de madeira e até mesmo de pedras, para os mais avançados. Mas isso era um último recurso, algo que não devia ser nem cogitado durante batalhas justas com o inimigo. Matar o povo do fogo? Claro! Mas deixem as pobres das árvores fora disso.

Além disso, Leo nunca havia pensado em fazer tal coisa na “Floresta” dos Vulcões. As árvores eram tão pequeninas, tão pretas, tinham tanta cara de fuligem amontoada, que era difícil acreditar que corria seiva dentro delas. Mas, se eram plantas, então corria. E, honestamente, o caso do grupo era extremo o suficiente para que eles utilizassem esse método.

Leo fez que sim com a cabeça para Jur, mostrando ter entendido o plano.

– Eu e a Lara te damos cobertura. – Ele disse por fim. Leo olhou para Lara e, pela expressão dela, percebeu que Jur já tinha falado com ela e que os dois estavam prontos para atacar quem viesse para cima dele. Lara, apesar de deitada, estava de arco pré-posicionado, com a flecha já na mão direita, esperando apenas o comando de levantar para atirar.

Leo se concentrou. Tentou sentir a água nas árvores, mas estavam longe demais, e a água era pouca demais. Além disso, a fumaça constante estava começando a fazer um efeito real e ele se sentia tonto, sem conseguir pensar direito. Ele simplesmente teria que fazer o movimento no instinto, e esperar que desse certo.

Quando um vento veio de trás deles, trazendo um ar um pouco mais puro (o ar nos Vulcões nunca era exatamente “puro”), Leo respirou fundo e deu um pulo, ficando-se de pé, sendo imediatamente seguido por Lara e Jur. Estava preparado para que todos num raio de cem metros virassem-se imediatamente para os três e começassem a atacar; mas, para sua surpresa, todas as cabeças (dois humanos e, agora Leo via, só uma dúzia de magmos) fitavam o chão, exatamente no lugar onde a escotilha devia ter acabado de se fechar. Suas expressões variavam entre sobrancelhas erguidas, atônitas, e olhos baixos de vergonha. Numa fração de segundo, Leo deduziu que a garota, quem quer que fosse, devia ter dado uma bronca feia nos dois traidores e se retirado para dentro do escritório, deixando a base inteira naquele silêncio sem graça de um pós-bronca, tentando se recuperar.

Na fração seguinte, já estava esticando os dois braços e fechando os olhos com toda a força. Num tempo que lhe pareceu uma eternidade, virou as palmas das mãos para cima, com todo o cuidado e concentração que tinha, fechando os dedos aos poucos, como que deixando bem claro para cada gota ao seu redor qual era o seu comando. Então, puxou os braços de volta ao corpo. E cada árvore à vista de repente explodiu.

Os magmos levaram um susto tão grande que nem tiveram tempo de reagir, mas os traidores foram mais rápidos. Um deles conseguiu reunir energia suficiente da fonte para lançar uma rajada de fogo em Lara – provavelmente ele pensava que fora ela quem explodira as árvores – mas ela viu o movimento e conseguiu se esquivar, por pouco. Imediatamente, mirou sua flecha no homem que a atacara e a soltou. Ele também se esquivou, mas o outro, mais atrás, acabou levando um raspão no ombro esquerdo.

A essa altura, Leo já havia usado sua água para arremessar as armas de longo alcance dos magmos para muito, muito longe na floresta. Aproveitando o momento em que a flecha de Lara feriu o inimigo, ele congelou o resto de sua água e, com uma enorme bola de gelo, tapou a fonte termal. Era um golpe sujo, cortar a fonte dos traidores desse jeito, mas absolutamente necessário. E nem ia durar muito, pra falar a verdade.

Sendo o resto de chamas nas gramíneas do chão muito pouco para seres úteis para os traidores, Leo tinha aniquilado quaisquer chances de um ataque à distância do inimigo – tanto com fogo como com armas. Só que, com os magmos já a meio caminho do grupo e com espadas nas mãos, essa seria uma vantagem nula. Foi quando Jur gritou:

– Corram!

E não precisava nem mandar.

A distância entre os três e os magmos ainda era descente, e parecia até que os traidores haviam se mandado para dentro da escotilha (bando de covardes!), mas os três haviam respirado muito ar tóxico e, mesmo depois de uma batalha tão curta, não estavam conseguindo correr rápido o bastante. Leo tentava ao máximo, mas a dificuldade crescia cada vez mais e ele podia perceber que o mesmo estava acontecendo com Jur e Lara.

E então, Leo viu que Jur estava mexendo com algo que tirara da pequena mochila que carregava. Ele não conseguia ver bem o que era, então gritou:

– O que é isso?

Jur olhou de volta, parecendo agora um pouco mais confiante e com uma expressão de quem tem um plano.

– Um presentinho da Lara!

Lara então olhou de volta para Jur, apavorada. E então para Leo, culpada.

E então Leo viu do que se tratava.

Era uma bomba. Ao estilo humano. Uma coisa simples, uma bombinha que, se fosse um pouco menos potente, poderia ser usada em festa junina. Mas ainda era uma bomba.

– Vai explodir, não vai? Que nem a outra que você me mostrou? – Jur perguntou, inocente, sem saber da regra sagrada que Lara havia quebrado.

Lara abriu a boca, sem saber se respondia a pergunta de Jur, ou se começava a se explicar e pedir desculpas a Leo. Por fim, ela se decidiu.

– Vai!

E Jur jogou a bomba nos magmos. No instante em que o pequeno embrulho tocou o chão, houve uma explosão estrondosa. Olhando para trás, Leo constatou que apenas um magmo havia sido ferido, o que estava mais perto da bomba e que caiu no chão com o susto. A explosão havia sido muito mais barulho que calor; e calor nem seria um problema para um ser do fogo de qualquer jeito. Mas então Leo viu que essa havia sido justamente a intenção de Jur: o barulho alto e o clarão de luz assustaram o grupo, que parou de repente e deu alguns bons pulos para trás, sem saber o que havia acontecido e com medo de que acontecesse de novo.

Os três continuaram correndo. Não estavam muito longe do rio mais próximo, onde encontrariam um barco que os levaria de volta para casa, então aproveitaram a deixa para acelerar o passo.

Mas nem foi necessário. Os magmos, como seres racionais que eram, logo entenderam – mesmo que parcialmente – o que havia ocorrido quando encontraram os restos da bomba espalhados pelo chão. Alguns se lembravam de ver um aquarin jogando alguma coisa parecida com aquilo, e depois veio o barulho. Eles então pareceram decidir que valia mais a pena levar o misterioso objeto de volta para a base para uma observação minuciosa, do que continuar perseguindo um grupo de apenas três bolhas, que provavelmente não dariam nenhuma informação importante.

Em alguns minutos, os três enfim chegaram ao rio, cansados, suados (bom, pelo menos Lara e Leo), e passando muito mal. Leo teria que conversar com Lara sobre o “presentinho”, mas realmente não estava com saco para aquilo, então só lançou para ela aquele de olhar de “você vai se ver comigo mais tarde, mocinha”. Lara fez uma cara de culpa pior ainda, e um dos tripulantes achou a cena engraçada. A mulher não tinha, tipo, o dobro da idade do homem? Ou era um menino? Ele nunca sabia dizer quando se tratava de humanos.

Leo arranjou um copo grande de limonada (ou pelo menos de uma coisa feita de alga que ele gostava de acreditar que era limonada) e um lugar para deitar. Tinha uma pequena queimadura na perna, observou; provavelmente do tempo que passara deitado no chão. Pensou, surpreso, que uma queimadura daquelas talvez tivesse matado Jur, e de repente a seriedade do que acabara de acontecer lhe acertou. Mas foi embora logo depois: Leo sabia que ia se safar, e se safara. Ele sempre se safava. As situações nunca eram sérias com ele, não de verdade.

Mas mal teve tempo de deitar um pouquinho, de ter seu merecido descanso enquanto a embarcação os levava de volta à segurança, porque teve a bendita idéia de olhar no relógio que escondia na mochila, só por curiosidade.

Eram seis e meia da manhã.

– Merda! – Ele gritou, imediatamente tampando a boca com a mão. Tudo bem, ninguém tinha ouvido.

Bom, mas que merda!”, ele pensou.

Tinha pouco menos de uma hora. Ia atrasar para a escola, de novo.


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Notas finais do capítulo

Ei, você leu tudo? Obrigada! Você é demais!
Não... sério. Esse negócio aqui ficou monstruoso. Os próximos devem ser menores.
Bem, reviews? Nada como uma boa review para deixar um autor com um sorriso enorme, de uma ponta a outra. Eu prometo que leio e respondo com todo carinho!
Ah, e desculpa se houver algum erro ao longo do capítulo. Eu não escrevi ele todo de uma vez, levei uns 4 dias. Tem uma besteirinha ou outra que acabou ficando estranha por causa disso, mas... sei lá, depois eu ajeito.



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