Bellum escrita por Pakshalika


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Gentee, muito obrigada pelos comentários até agora! Vocês são demais!
Desculpa eu ter demorado tanto, mas as últimas semanas tem sido uma LOUCURA. Pra resumir, eu passei no SISU do meio do ano e, em uma semana, tive que decidir se queria sair do ensino médio no meio do terceiro ano e ir pra faculdade ou ficar e tentar um vestibular mais difícil no final do ano... Eu decidi cursar e desde então fiquei atolada de burocracia, provas e documentos... uma loucura.
Mas agora estou de férias e matriculada, e tudo é feliz outra vez! :DD
Então, eu enfim terminei o capítulo 3. Tive uma ideia nova pra história, e acho que agora a coisa vai ficar mais interessante (antes eu não sabia muito bem pra onde eu tava indo.. hehe).
Mas bem, ta aí. Capítulo 3.
Enjoy!



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Leo estava se acostumando demais a mentir para Diana. Mais cedo, quase havia se convencido de que a história do café era real.

Mas, o que mais ele poderia fazer? Dizer a verdade? Ela pensaria que ele era louco. Isso sem falar que com certeza ele seria punido, talvez até expulso de Bellum permanentemente. No mínimo, perderia o direito de ir à escola.

O resto do pessoal lá na Capital não entendia porque ele continuava perdendo seu tempo na Terra, indo para a escola como os outros garotos, enquanto podia estar treinando para a guerra. Que se dane sua prova de matemática, Leo, tem uma guerra acontecendo aqui!

Na verdade, ele mesmo não tinha certeza. Não era só Diana. Ele nem gostava dela – daquele jeito – nem nada disso. Ela era muito importante, e ele tinha que confessar que uma das grandes razões era a saudade que sentia dela quando estava em Bellum; mas realmente não era isso.

Ele gostava da Terra. Ele gostava do Brasil, ele gostava da escola. Quantas outras crianças sem pais podiam estudar num colégio particular tão bom quanto o dele? Ele tinha que ser grato pela bolsa, não podia abandonar! E se ele não quisesse ficar em Bellum para sempre, e aí? E se ele quisesse uma faculdade, uma carreira, uma família um dia, talvez? E se ele não quisesse continuar a luta, ser mais um soldado numa guerra milenar, infindável?

Sua mãe tinha ido para a escola. Tinha terminado a faculdade. E tinha sido a heroína do século na Batalha de Graceland. E daí?

Daí que ele faria a mesma coisa. Só que, diferente dela, ele ia ficar para contar a história. Ele não ia deixar filho nenhum crescer sozinho.

Porque, definitivamente, não tinha sido uma experiência muito boa para ele. Perder a mãe aos 7 anos, ter apenas algumas lembranças embaralhadas dela... Não ter alguém cuidando dele, e dele só, alguém em quem ele sabia que poderia se agarrar quando ficasse com medo de cair. Ele não tinha ninguém assim. Tinha amigos, e tinha mentores, mas ninguém que ele pudesse chamar de família. Pelo menos, não em Bellum.

Apesar do quê, Diana provavelmente não via Leo como “a coisa mais próxima de uma família”, que era como ele a via. Ela tinha uma mãe. Para ela, Leo era um bom amigo de infância. Para ele, ela era uma irmã.

E era por isso que ele odiava tanto ter que mentir para ela; e odiava mais ainda o fato de que já havia se acostumado. Às vezes, gostava se fantasiar, prometer para si mesmo que um dia contaria tudo, absolutamente tudo para ela... Mas isso seria loucura. Era perigoso demais. Certos conselheiros neuróticos poderiam querer machucar Diana, se ela soubesse de algo que não deveria saber. Não valia a pena.

Mas, mesmo assim... Naquele mesmo momento, Diana estava indo alegremente para casa, achando que Leo se dirigia para o orfanato em que ele supostamente morava para mais uma tarde tediosa. Leo estava, sim, se dirigindo para o orfanato; mas, para ser sincero, ele quase nunca entrara no lugar, e ninguém lá dentro sequer sabia quem ele era. Mas, se ele virasse na esquina daquela triste casa cheia de crianças (crianças como ele, e tão diferentes dele), e andasse mais alguns metros, até chegar à próxima esquina, encontraria uma certa loja de relógios especial, com um certo relógio antigo especial guardado no estoque. Era para lá que Leo estava indo, na verdade. Mas Diana não sabia de nada disso.

Porque, no final das contas, ela não sabia nada sobre nada. Porque ele vivia mentindo para ela, mentindo todo dia. Mentindo desde sempre. Mentiras, mentiras, mentiras.

 O que ela pensaria se descobrisse?

O que ela pensaria de mim?

A pergunta assombrava a mente de Leo justamente quando ele entrou na loja, cabisbaixo, com o olhar preocupado. Seu Henrique, o caixa e dono da velha loja, estranhou a expressão triste do jovem, sempre tão alegre e brincalhão. Mas aí se lembrou do que ouvira sobre o que acontecera naquela mesma madrugada.

 É, ele tinha ficado um bom tempo cabisbaixo também. Mas para o rapaz devia ser pior. Ele tinha estado lá.

- Boa tarde, bolhinha. – O senhor disse, tentando usar um tom animador. “Bolhinha” era uma velha brincadeira entre os dois, desde que Leo confessara o seu horror ao nome idiota com que seu povo era chamado. Desde então, seu Henrique gostava de chamar Leo de bolhinha. Como guerreiro aposentado, brincar com os mais novos era uma das poucas alegrias que lhe restavam; e ele não ia abrir mão dela.

- Boa tarde, seu Bolhão.

Mesmo que isso significasse que os mais novos começassem a brincar com ele, também.

Leo andou até o balcão da loja, jogando sua mochila em cima para descansar um pouco. Tinha cara de quem queria conversar, mas ao mesmo tempo estava muito longe, pensando em mil coisas, e ainda não havia se decidido se queria mesmo ter o trabalho de organizar seus pensamentos para expô-los em palavras. Era coisa demais, e seu Henrique percebeu isso. Ele decidiu então começar a conversa ele mesmo.

- Alguma coisa está te perturbando, bolhinha. – O homem disse, usando um tom sério, mas doce. – É o que aconteceu com a Lara hoje de manhã?

Leo, que encarava o chão com aquele olhar de quem não está realmente olhando, de repente fez uma cara surpresa, e então uma de preocupação ainda pior que a de antes.

- Não. – Ele confessou – Estava pensando na Diana de novo. Eu tinha me esquecido completamente disso!

O velho deu uma risadinha tristonha, como quem diz: “eu devia ter adivinhado”. É claro que Leo não estaria preocupado com os problemas de Bellum. Sua aventura na madrugada devia tê-lo obrigado a mentir para a sua paixonite de novo, e seu Henrique sabia o quanto isso o incomodava. Ele devia esta tendo outra crise de “certo x errado”.

- Mas como você ficou sabendo? – Leo perguntou. – Eu não contei pra ninguém... A Lara se entregou?

Ele parecia realmente confuso. Seu Henrique então se lembrou que o menino saíra logo depois do incidente para ir para a escola: ele não tinha como saber o que acontecera depois. Por isso, também, que não estava tão preocupado...

O senhor deu um longo suspiro antes de responder. Não seria uma notícia muito boa de contar.

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Hillih lia a carta de novo e de novo e de novo, sem saber o que fazer. Desistia, dobrava a carta, guardava-a; mas cinco minutos depois mudava de idéia e a abria outra vez, ficava minuto após minuto encarando o conteúdo, pensando, questionando. Teria chegado a hora? Ou seria cedo demais? E se não fosse cedo, e se fosse para ser agora, e ela decidisse esperar, e de repente percebesse que já era tarde demais? O que ela iria fazer? O que poderia fazer? O que devia fazer?

E então ela relia a carta. E relia, e relia, e relia.

- Você me deixou um problema e tanto, sabia, Eli? – Ela disse de repente, virando o rosto para encarar a foto que tinha sobre a escrivaninha – E me deixou sozinha! Você sabia que eu não sei resolver esse tipo de problema, essas coisas humanas. Eu te avisei! Mas você não me ouviu, não é? Você confiava em mim, não é, Eli? Não devia ter confiado. Não devia. Eu não sei o que fazer.

Hillih teve que controlar sua vontade de amassar o papel, jogá-lo na parede e se mudar de volta para a casa dos pais, na foz do Rio Central, à beira do mar, quilômetros de distância da Capital. Teve que controlar sua vontade de fugir. Ela era apenas uma civil comum, que por acaso vendia pão para a Academia Humana de Batalha e que por acaso ficara muito amiga de uma humana quando era jovem. Ela não era guerreira, não era política, conselheira, diplomata. Ela era padeira. Ela não tinha a menor condição de ter, nas suas mãos, o destino da guerra e da vida de milhares de criaturas; não tinha condição de tomar uma decisão que poderia levar ao fim pacífico da guerra ou a uma carnificina, se ela não agisse certo. E muito menos tinha condição de ter que tomar essa decisão sozinha.

Mas Elena havia deixado para ela essa incumbência; somente ela no mundo todo sabia do segredo. Bastava ela decidir uma pequena coisa – contar agora ou não – e o mundo inteiro sofreria as conseqüências. Se contasse agora, e o garoto não estivesse pronto, poderia estar jogando fora a última esperança de paz que havia sobrado para essa Guerra. Mas se decidisse esperar até que o garoto fosse homem, a Guerra já poderia ter acabado, e não de um jeito necessariamente pacífico.

- O que você faria, Elena? – Hillih perguntou para a foto. E então riu, pensando qual seria a resposta.

“Eu pediria ajuda para você, Hil! Você é a minha melhor amiga. Eu confio em você.”

Mas acontece que Hillih não tinha ninguém a quem pedir ajuda. Somente ela sabia o segredo, e ela sabia quais seriam as conseqüências de contar a mais alguém que não fosse o menino. Ela estava sozinha. Uma simples civil, segurando a carta que poderia mudar o mundo.

- Eli. – Ela sussurrou, dessa vez olhando para baixo. – Eli, você fez uma besteira enorme. Eu não sei o que fazer.

E então guardou a carta de volta na gaveta, onde não haveria perigo de suas lágrimas estragarem o papel.

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Leo não podia acreditar.

Pobre Lara!

O que ela tinha feito havia sido bastante sério (ou talvez nem tanto, levando em conta que não havia levado uma “arma de verdade” para Bellum)... Mas expulsá-la para sempre? Ela ainda tinha tanto a fazer, tanto a aprender! E agora, nunca sequer se lembraria dos seus dias num mundo alternativo, nem sequer saberia que podia controlar água se conseguisse se ensinar a fazê-lo.

Haviam apagado a memória dela e a mandado de volta para a Terra.

Para que se desfizessem de um a recruta desse jeito, em uma época na Guerra em que toda a ajuda era necessária... Pelo visto, eles realmente não queriam nada humano em terras bellunianas. O segredo da existência dos dois mundos não devia ser espalhado entre os cidadãos comuns; ninguém podia saber que os seus amados guerreiros humanos vinham de uma outra dimensão.

Imagina se eu conto sobre Bellum para alguém daqui.

Mais uma vez, Leo tinha a certeza de que não poderia espalhar seu segredo, sob nenhuma circunstância. Mas estava mais preocupado com a sua companheira de missão que, àquela hora, devia estar em algum lugar do país, deitada numa cama e dormindo profundamente – efeito colateral de ter tido a memória manipulada.

- Eu não acredito que eles fizeram isso. – Ele disse enfim, depois de ter ficado em silêncio um bom tempo, pensando no que tinha ouvido.

Seu Henrique então pegou uma xícara e a encheu de café, quieto. Depois de um longo gole, respondeu:

- Eu sei. Eles exageraram. Não precisava disso.

- E o Jur? – Leo perguntou.

O homem fez cara de pouco caso.

- Devem ter inventado alguma mentira para ele. Dito que a bomba era criação da Lara e que haviam mandado ela para algum laboratório, para desenvolver a sua invenção. Devem ter pedido para ele não contar para ninguém porque era confidencial, e aí eles simplesmente não vão mais dar notícia dela. – O senhor parou, tomando outro gole – Ou então eles preferiram não arriscar a apagaram a memória dele também. Mas de qualquer jeito, ele está bem.

Leo ficou quieto, fitando a xícara de café de seu Herique. Então disse:

- Mas você sabe que não era mesmo uma bomba, né? Era só... uma coisa parecida. Um embrulhozinho pequeno. Quando explodiu, não foi como uma bomba. Só fez barulho, e saiu um pouco de fogo, mas não foi quase nada...

- Bom, a moça é formada em química. – Disse o velho, ao que Leo ficou surpreso – Eu acho que ela deve ter feito em casa, mesmo. Não tenho idéia de porque ela levou uma bomba caseira para Bellum nem porque mostrou para Jur, e acho que agora nós nunca vamos saber. Mas eu fiquei sabendo que a coisa toda foi muito mais simbólica do que real. O Conselho sabia que ela não tinha usado uma verdadeira arma de guerra; mas havia trazido algo parecido, e era isso o que importava.

Leo ficou fazendo que “não” com a cabeça, de um lado para o outro.

- Isso é ridículo. Ela não devia saber que era proibido no começo, e depois teve que esconder. E nem aconteceu nada! Na verdade, se não fosse por ela, nós teríamos sido pegos com certeza. A “bomba” dela nos salvou!

O velho veterano riu, achando graça da inocência do menino.

- Que foi? – Ele perguntou.

- Leo. – O homem disse, tentando controlar o sorriso – Existe um acordo, que nunca foi dito, mas que existe... Um acordo silencioso entre as pessoas do Fogo e da Água.

Ao que Leo nada disse, o homem prosseguiu.

- Todos nós sabemos como é este mundo, todos nós conhecemos as tecnologias de guerra que os países daqui desenvolveram. É claro que humano nenhum quer ir pra guerra com arco e flecha na mão, podendo ir com uma metralhadora. Mas, se um lado pode fazer isso, o outro pode também. E aí, vira o caos. A coisa poderia evoluir até o uso de uma bomba atômica, e nenhum dos lados quer isso. Imagina: você chega hoje e ataca uma base do Fogo inteira com um tanque de guerra, uma vantagem absurda, e ganha facilmente. Mas aí, amanhã, o Rei do Fogo joga uma bomba atômica na sua casa. Vale a pena?

Leo continuou quieto, pensando.

- Se nós começarmos, eles vão reagir, Leo. – O homem disse, agora sério – Estamos vivendo uma “Guerra Fria”, todo mundo com medo de usar sua tecnologia militar de ponta e depois ser atacado com uma tecnologia pior ainda. Se os Estados Unidos tivessem atacado a União Soviética, teria sido a Terceira Guerra Mundial e, possivelmente, o fim da humanidade. Literalmente.

Seu Henrique tomou mais um gole, antes de terminar.

- O Conselho tem medo de que o Rei do Fogo interprete mal e que a coisa fique feia de verdade. Eles acham que dessa vez o Rei deixa passar, mas querem garantir que não aconteça de novo. Então a punição foi severa.

Sem dizer uma palavra, Leo pegou de volta a sua mochila e a jogou no ombro. Mil coisas estavam voando na sua mente agora – além das mil que já estavam quando ele entrou na loja – e ele não sabia o que dizer. Então, ele simplesmente foi andando em direção ao fundo da loja, para uma porta que levava à sala onde ficavam estocados os produtos extras. Seu Henrique não se opôs.

Mas então, quando estava quase saindo do campo de visão do homem, Leo se tocou de uma coisa.

- E se o Rei do Fogo não deixar isso passar?

Mas seu Henrique não precisou falar nada. A cara que fez foi suficiente para responder à pergunta do menino.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Reviews? É sempre um momento mágico quando a gente recebe reviews ^^



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