Kolybelnaya escrita por themuggleriddle


Capítulo 31
House of Nobles


Notas iniciais do capítulo

Um aviso para a boca suja de um certo Tom Riddle



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O Dia de São Valentino nunca fora o feriado favorito de Tom. Na verdade, ele nunca realmente entendera o que era o tal Dia de São Valentino até chegar em Hogwarts e ver corujas voando com cartões cor-de-rosa, flores ou caixas de chocolate. Viver em um orfanato no meio de Londres implicava em associar o Natal com roupas novas, a páscoa com uma missa e ignorar completamente um dia tão frívolo quanto aquele que homenageava o tal Valentino.

Naquele dia 14 de Fevereiro de 1945, Tom se perguntava quais as chances de Abraxas ter planejado tudo o que havia acontecido na Floresta Proibida, pois seria muita coincidência dois dias depois, ser o tal dia de trocar presentes românticos. Se bem que Malfoy parecera tão surpreso quanto ele depois que voltaram para o castelo naquela noite e, até agora, nenhum dos três adolescentes havia tocado naquele assunto outra vez. O que era estranho, pois o rapaz achava que Abraxas fosse o tipo de pessoa que ficaria puxando o acontecimento em toda oportunidade que tivesse.

“Último passo!” disse Malfoy, naquela manhã de quarta-feira, enquanto preparava os últimos ingredientes que eles precisavam colocar na poção do amor que estavam preparando para o projeto de poções.

“Por favor, não estrague tudo agora,” murmurou Hermione, mantendo-se a distância do caldeirão.

“Acho que Tom deveria fazer isso.” Abraxas esticou a mão que segurava o pote cheio de ovos de Ashwinder congelados. “Ele fez todo o trabalho teórico, mas acho que é válido ele ter pelo menos um dedinho de participação na poção em si... Além de ter ficado de olho para que a gente não estragasse tudo, claro.”

A grifinória olhou de um rapaz para o outro, antes de suspirar e assentir. Riddle soltou um muxoxo, largando a pena sobre a mesa e se levantando para ir até o caldeirão. A sala onde estavam era preenchida por uma fumaça densa e rosada que emanava da poção e parecia se recusar a sair pela janela aberta. Quando o rapaz esticou o pescoço para olhar o conteúdo do caldeirão, viu um líquido perolado borbulhando ali dentro... Parecia que estava tudo como deveria ser para aquela etapa da preparação.

“Vamos precisar levar isso até as masmorras depois,” disse Hermione, finalmente se aproximando. “A temperatura lá embaixo é melhor para preservar a poção sem nenhuma alteração.”

“Trouxe os frascos?” perguntou Malfoy.

As vozes dos colegas pareciam distante enquanto Riddle observava o líquido ali dentro. Slughorn havia falado que a Amortentia poderia ser uma das poções mais perigosas dentre aquelas que ele colocara no seu pequeno projeto, mas ali ela parecia... Apenas uma poção bonita.

O rapaz pegou o pote que o outro sonserino lhe oferecia e jogou o primeiro ovo na poção, que borbulhou um pouco mais. Depois, continuou jogando ovo por ovo, esperando um momento entre eles, como que para ver se notava alguma diferença no aspecto do líquido. Ele parecia ficar cada vez menos viscoso, perdendo a cor esbranquiçada e ficando translúcido. A fumaça cor-de-rosa também foi mudando, ficando mais branca e, ao invés de subir em grande quantidade, começou a se afilar até sobrar apenas um fio esbranquiçado de fumaça que subia em espirais do caldeirão.

“Estão sentindo?” perguntou Hermione, erguendo o rosto e inspirando fundo.

“O que exatamente?” perguntou Malfoy.

“Bom, eu sinto cheiro de grama recém-cortada e de pergaminho,” a garota falou, fungando mais uma vez.

“O cheiro da Amortentia varia de pessoa para pessoa,” Tom explicou, franzindo o cenho. “É como plantas que liberam um cheiro específico para atrair uma presa. Você sempre vai sentir o cheiro de algo que gosta muito.”

O loiro se inclinou na direção do caldeirão e inspirou fundo, franzindo as sobrancelhas enquanto o fazia. Ele pareceu sério por um momento e então, confuso, antes de encolher os ombros.

“Sinto cheiro de maresia,” ele falou. “E das tortinhas de melado que minha mãe fazia.” Ele parou mais um momento, inspirando a fumaça e fechando os olhos, como se quisesse se concentrar ao máximo. “E livros velhos. É, é isso. Maresia, tortinha de melado e livros.”

Riddle imitou os outros dois. Havia o cheiro indistinguível das roupas de cama de Hogwarts, algo doce que parecia ser chocolate e alguma coisa meio amadeirada muito forte que ele não conseguia identificar. Mais ao fundo, como se fosse o último tom de um perfume, havia um odor floral suave, quase como lavanda.

“E você?” perguntou Hermione e Riddle se perguntou se aquele olhar dela representava algum tipo de ansiedade.

“Chocolate e roupa de cama limpa,” ele respondeu, esfregando o nariz com os dedos para tentar se livrar do cheiro.

“Roupa de cama limpa?” murmurou Abraxas, parecendo um tanto desapontado com a aparente falta de criatividade do amigo.

“Então está pronto, é isso?” Tom perguntou, dando as costas para o caldeirão e voltando para a mesa que estava usando para terminar a conclusão do trabalho escrito. “Vamos testá-la em alguém?”

“Só no dia que formos apresentar. E, sim, está pronta.”

Riddle suspirou, voltando a olhar para o pergaminho. Sua atenção fora desviada completamente daquele relatório e o cheiro da Amortentia o impedia de voltar a se concentrar. Ergueu o olhar para ver os colegas enquanto estes preparavam os frascos onde iriam estocar a poção, antes de resmungar algo baixinho e se levantar.

O trabalho de encher os frescos, fechá-los e etiquetá-los fora entediante, mas, quando terminaram, tinham sete frascos cheios de poção translúcida que emitia um leve brilho perolado. O cheiro forte do líquido ainda estava no ar, mas pelo menos a fumaça desaparecera por completo.

“Se vocês não se importarem,” disse Tom, depois de etiquetar o último frasco. “Tenho Aritmância agora.”

“Vai lá, Tommy.” Abraxas sorriu e acenou para o amigo. “A gente dá um jeito na bagunça.”

O rapaz assentiu e, depois de uma última olhada para os dois, saiu da sala. O ar no corredor parecia mais leve, sem o cheiro doce da poção, e Tom nunca achou que fosse gostar tanto da sensação do ar gelado de Fevereiro entrando em seu nariz.

***

Hermione observava Abraxas Malfoy com cuidado. Desde a noite que tiveram na Floresta Proibida, ela tentava ver alguma coisa diferente no rapaz, mas ele continuava o mesmo bruxo rico, elegante e risonho de sempre. Uma pequena parte de si tinha esperanças de que ele deixasse algo escapar quando a poção deles estivesse pronta, talvez uma descrição de algum cheiro diferente... Mas tanto ele quanto Riddle descreveram apenas odores completamente normais.

“Maresia?” ela perguntou, organizando os frascos em um pequeno engradado de metal.

“Minha família tem uma casa de praia em East Yorkshire,” ele explicou. “Sempre passamos o verão por lá, se não estivermos em algum outro país. É uma praia trouxa... Hornsea, o nome. Já convidei Tommy algumas vezes para visitar, mas ele nunca ia. Agora faz mais sentido a razão das recusas, então talvez ele aceite esse ano.” O rapaz empunhou a varinha e fez um rápido aceno com ela. “Scourgify. Sabe, se quiser passar alguns dias lá também...”

“Como é?” perguntou Hermione, virando-se para olhar o outro.

“Na casa de Hornsea,” disse Malfoy. “Vou convidar Tom outra vez esse ano e acho que agora ele pode aceitar sem medo. E se você não tiver nada para fazer nas primeiras semanas de férias e quiser passar um tempo perto do mar...”

“Um Malfoy está me convidando para tirar férias na casa de praia dele?” A garota arqueou uma sobrancelha, se contendo para não rir. Ela queria poder ver a cara de Draco Malfoy, caso ele pudesse ver aquilo.

“Do jeito que fala, Hermione, faz parecer que conhece muitos Malfoys.” Ele riu, sacudindo a cabeça e juntando o restante dos materiais dentro do caldeirão limpo.

“Você foi o primeiro que conheci,” a bruxa falou, virando-se rapidamente para arrumar de novo os frascos e esconder o próprio rosto. Não queria correr o risco de Abraxas notar algo em sua expressão que denotasse a sua mentira. “Mas a fama da sua família é... bem conhecida.”

“Puristas ricos e arrogantes?”

“Isso.”

“Como já lhe disse antes, meu pai tem um grande apreço por arte trouxa e eu, por literatura trouxa.” A garota sentiu o outro se aproximar, parando ao lado dela e olhando pela janela. Os campos de Hogwarts estavam limpos e verdinhos, apesar de saberem que a temperatura lá fora devia estar baixa. “Achei que já tivéssemos passado desse estágio.”

“Qual estágio?” Hermione virou o rosto para olhar o outro. Na luz que entrava pela janela, o cabelo de Malfoy ficava quase completamente branco.

“Esse de você achar que na verdade estou planejando algo nefasto quando na verdade estou tentando te convidar para passar uns dias na praia, tomar champanhe, dormir tarde e talvez trocar alguns beijos,” ele explicou, encolhendo os ombros, antes de olhá-la e rir. “Oh, não core. Achei que também tivéssemos passado desse outro estágio.”

“E qual seria esse outro...” ela perguntou, sentindo o rosto esquentar.

“O de ficar envergonhados demais para reconhecer que queremos uns beijos um do outro.” O loiro lhe lançou uma piscadela e então suspirou, apoiando-se contra o batente da janela. “Se isso lhe deixa mais confortável: eu também estaria vermelho se fosse Tom falando desse jeito comigo.”

Ali estava o que Hermione procurava. Aquela curiosidade incessante que se iniciara desde que deixaram a Floresta Proibida, duas noites antes.

“Talvez não seja nada da minha conta, mas,” ela começou a falar, mantendo a voz baixa. “Você e Riddle? Quero dizer, vocês já... Antes?”

“Um beijo aqui e outro ali, como aquele da véspera do Ano Novo,” Abraxas explicou. “Tom fazia cara feia e fingia que nada acontecia. Aquele dia na floresta foi a primeira vez que... Ele decidiu fazer alguma coisa. Riddle é bem retraído, sabe? Ele sabe seduzir, ninguém tem dúvidas disso, mas na hora de colocar o resultado da sedução em prática...”

“Ele tem dificuldade de demonstrar afeto,” Hermione completou, sorrindo meio sem graça. “Talvez isso venha de ter crescido em um orfanato?”

“Pode ser. Mas, como pode ver, ele me surpreendeu na floresta.” O sonserino encostou a cabeça no vidro da janela e um sorriso quase bobo repuxou os seus lábios. “Vamos dizer que não é de agora que sinto vontade de beijá-lo. Só nunca achei que ele fosse querer isso também.”

Hermione não conseguiu conter o sorriso. Ela conhecia Draco Malfoy e já o vira andando com Pansy Parkinson, às vezes de mãos dadas até, mas os olhares dos dois nunca chegaram aos pés do olhar que via agora naquele que viria a ser o avô de Draco. Nunca imaginou que veria um Malfoy com aquela expressão no rosto, aquele sorriso bobo e olhar perdido que aparecem quando uma pessoa fala de alguém de quem gostam muito. E nunca imaginou ver qualquer pessoa sequer falando daquele jeito sobre Tom Riddle. Não era a obsessão doentia que Bellatrix Lestrange demonstrava por Lord Voldemort, era algo diferente, mais natural e inocente.

“Você realmente ama muito o Tom, não é?” ela murmurou.

A bruxa segurou a respiração por um segundo ao ver os olhos de Malfoy brilharem um pouco mais do que o normal, logo antes de ele piscar diversas vezes para se livrar das lágrimas que causavam aquele brilho diferente. Um sorriso estranho apareceu nos lábios dele, o tipo de sorriso que alguém dá quando tenta esconder uma expressão de dor. E então ele assentiu tão curta e rapidamente que se Hermione tivesse piscado, teria perdido.

“Eu confesso que nunca imaginei que falaria isso sobre ele,” a garota falou baixinho, empurrando o engradado de frascos para o lado e indo se juntar ao rapaz perto da janela, apoiando uma mão no braço dele e apertando de leve. “Mas eu acho... Eu acho que ele também ama você. Se Tom Riddle é capaz de amar, você é a pessoa que ele ama.”

Abraxas abaixou o olhar para a mão em seu braço, antes de erguer a própria mão e segurar a da garota.

“Se me permite dizer, eu acho que ele também ama você,” ele sussurrou, os olhos presos nos seus dedos sobre os dela. “Como você disse, Tom tem dificuldade de demonstrar afeto... Mas eu acho que ele não teria lhe beijado se não amasse você nem que seja só um pouquinho.”

“Um beijo não significa amor, Abraxas,” disse Hermione, franzindo o cenho com a ideia.

“Não, mas se deixar ser visto vulnerável... Isso é algo que gente como o Tom só faz na frente daqueles nos quais confia.”  O bruxo descruzou os braços, puxando-a para si e a abraçando de forma desleixada. “De certa forma, acho que também amo você, Srta. Elston.”

“Isso está ficando esquisito,” ela falou, seu rosto quase escondido contra o pescoço do garoto. Era um abraço confortável, de alguém que queria algum tipo de contato físico para se sentir bem.

“Não estou falando que você é o amor da minha vida e nada do tipo, mas que gosto muito de você, gosto de passar tempo com você e me preocupo com o seu bem estar,” ele explicou. “Quero dizer que confio em você o suficiente para estar lhe contando tudo isso, mesmo sabendo que você pode espalhar a informação para vários grifinórios fofoqueiros.”

Hermione suspirou, não sabendo exatamente o que fazer. Por um lado, sentia-se esquisita de saber que um Malfoy acabara de dizer que a amava e que, muito provavelmente, Tom Riddle também sentia o mesmo. Não era algo que alguém esperava ouvir a qualquer momento, muito menos alguém que viveu em um mundo devastado por Lord Voldemort. Mas ela não podia mentir para si mesma e negar o fato de que se sentia bem em ouvir aquilo... Era bom saber que aqueles dois rapazes confiavam nela, mesmo Hermione não tendo feito muita coisa para merecer a confiança (e talvez o amor) deles.  Era satisfatório saber que duas pessoas que ela julgava incapazes de amar tinham capacidade de ter tal sentimento e talvez até o sentissem por ela.

“Vocês vão me enlouquecer,” ela murmurou, finalmente erguendo os braços e passando pela cintura do sonserino.

“A loucura pode não ser de todo ruim.” Malfoy riu e a apertou um pouco mais no abraço.

***

Atlas Avery era o primogênito de uma das famílias bruxas mais ricas do mundo mágico, uma das quais pertenciam ao Sagrado Vinte e Oito. Isso não era pouca coisa. Na verdade, isso significava que Atlas estava destinado à um dos cento e trinta e quatro assentos na Câmara dos Nobres, no Parlamento Bruxo Britânico. Um dia, quem sabe, ele poderia herdar o lugar de seu avô na Suprema Corte Mágica. Além disso, Avery já conhecia a moça com quem casaria (uma tal Seraphina Rosier) e seus pais já haviam lhe garantido que ela vinha de uma boa família puro-sangue.

Em resumo, Atlas Avery era o modelo perfeito do que um bruxo deveria ser. Ele tinha o dinheiro, a família e a influência. O seu nome não estava manchado pela loucura que perseguia os Lestrange, os Gaunt e os Black, nem pela excentricidade e afeto por trouxas que volte meia aparecia entre os Malfoy, os Slughorn e os Ollivander. Seu sangue era uma mistura perfeita de britânico com francês, diferente dos Shafiq, além de todos os Avery serem conhecidos por terem uma aparência muito agradável, algo que não podia ser dito dos Flint. Entre todas as famílias do Sagrado Vinte e Oito, eles eram uma das mais normais e tradicionais, sem vícios ou defeitos que normalmente levavam à algum escândalo.

Era por isso que, agora, Atlas começava a perceber o quão idiota havia sido por ter acreditado em um mestiço qualquer. Ele poderia ter pesquisado sobre os Riddle, mas Tom tinha uma retórica tão boa que foi fácil se deixar levar... Todos os planos que lhe foram apresentado, as ideias e conceitos, era tudo tão fabuloso e tão palpável quando Riddle falava, que fora muito fácil se perder nas mentiras.

Agora ele via que Tom Riddle não passava de um mestiço pobretão que tentara se aproveitar da fortuna das famílias puras e tradicionais. Tom tentara fazer Avery acreditar que não passava de um incompetente, mas agora ele via que aquilo não era verdade: se havia alguém naquela escola que tinha chances de alcançar alguma coisa, esse alguém era Atlas Avery. Um lugar na Câmara dos Nobres e e na Suprema Corte. Coisas que alguém como Riddle nunca poderiam sonhar.

Parte de si sabia que o certo seria usar do bom e velho silêncio para tratar Tom daquele momento em diante, sabia que cortar os gastos com as ideias mirabolantes do colega seria um bom castigo. No entanto, ele ainda se lembrava das palavras de Riddle, das inúmeras vezes que o rapaz não pensara duas vezes antes de o repreender ou de puni-lo por alguma coisa boba. ‘Medíocre’, era do que ele fora chamado diversas vezes.

Dessa forma, Atlas agora se encontrava esgueirando-se pelos corredores de Hogwarts, tentando achar seu colega. Sabia que Riddle iria passar a tarde fazendo a tal poção de Slughorn (Abraxas não parava de falar disso), mas também havia ouvido uma corvinal comentar que o vira andando pelos corredores do andar da biblioteca havia menos de duas horas. Então para lá ele foi, para os domínios da bibliotecária, e não tardou até encontrar Tom Riddle enfiado em um canto isolado entre uma estante cheia de livros e uma parede, também com livros, mas com um espaço vazio que comportava um quadro cujo ocupante estava ausente.

“Boa tarde, Tom,” disse Avery em um tom de voz baixo, indo se sentar ao lado do colega, mas não sem antes lançar um feitiço mudo na abertura entre as estantes. A tensão que tomou conta de Riddle foi perceptível na maneira como seus ombros se enrijeceram e sua pena tremeu levemente em sua mão. “É o projeto de poções?”

“Sim,” o outro respondeu em um sussurro, sem erguer o rosto. A letra dele no pergaminho parecia um pouco mais feia do que o normal e a pena arranhava a superfície com mais força.

“Estão fazendo sobre a Amortentia, é isso?” Atlas sorriu fraco, erguendo a mão para afastar o pulso de Riddle de cima do pergaminho.

Antes, uma ação como aquela lhe renderia um tapa, mas agora Tom estava tão apavorado que nenhuma reação se fez presente. Ainda sorrindo, Avery deixou os seus dedos se enroscarem na mão direita do outro, sua magia fluindo o suficiente para mantê-la presa à mesa. Não demorou nem um minuto para o outro sonserino perceber o que estava acontecendo, mas já era tarde demais: com a mão da varinha imobilizada, Riddle ficou atordoado por um momento.

“A gente aprende algumas coisas com você, Tom,” o garoto falou, puxando a varinha rapidamente do bolso e a apontando para o outro: “Accio varinha!”

A varinha de madeira clara de Riddle escapou do bolso deste e foi parar na mão do sonserino, que a colocou sobre a mesa, longe do alcance de seu dono.

“Que merda é essa, Avery?” Tom sussurrou por entre os dentes.

“Sedeo,” o jovem murmurou, apontando a varinha para o mestiço. “A nossa é a Veritasserum. Sabe que poderemos escolher alguém da sala para testarmos a poção, não é? Acho que vou escolher você.”

“Avery-“

“Porque eu adoraria saber mais sobre o seu pai trouxa, Tom,” Atlas falou, batucando os dedos sobre a mesa. “Adoraria saber onde você mora no mundo trouxa, com quem você anda, que tipo de trouxice você faz... Que tal? Ai você não vai poder inventar pais bruxos! E nós vamos satisfazer a nossa curiosidade.”

“Se você me fizer tomar Veritasserum-“

“Você vai fazer o que, Tom?” Avery perguntou. “Vai me chamar para um canto, dizer que eu sou medíocre e me dar um tapa no rosto? Sabe, apesar da sua traição ter doído, ela me fez um bem enorme... Me fez ver que eu não sou nada do que você falava. Você, mestiço, só dizia tudo aquilo para me colocar para baixo, para se sentir superior e me fazer acreditar que você era melhor do que nós. Mas agora ficou muito claro que até mesmo a nossa pequena amante de traidores, a Dorea, é mais pura e digna do que você.”

“Tire esse feitiço.” A voz de Riddle estava fria e firme, mas os olhos do rapaz o denunciavam: fixos no pergaminho, ele parecia evitar a todo custo olhar o colega. Aquilo era diferente. Tom gostava de olhar os outros nos olhos. “Agora.”

“Se tentar alguma coisa contra mim, Tom,” disse Atlas, esticando-se para murmurar perto do ouvido do outro. “Eu falo para o Professor Dippet sobre as suas loucuras, sobre sua implicância com o garoto Hagrid e seu desespero quando aquela besta matou a menina da Corvinal. Dippet gosta de você, então ele talvez deixe você ficar, afinal, você teria mentido apenas para não perder a sua casa, não é?”

“Você não sabe do que está falando, Avery...”

“Eu sei que a acromântula que você achou nas posses daquele meio-gigante não foi a causa da morte da menina. Não sei o que a matou, mas sei que você mentiu para não fecharem a escola.” Atlas estreitou os olhos. “Não foi ela a garota que lhe deu uma poção do amor quando estávamos no quarto ano? Escondida dentro dos chocolates! Aquele dia foi hilário! Tom Riddle fazendo declarações de amor por uma sangue-ruim qualquer!” O garoto riu, sacudindo a cabeça. “Sabe, eu já me perguntei se não foi você quem a matou... Não sei se você seria capaz disso, mas... Quem sabe Dippet fique interessado nessa alternativa. Não, Dippet não, Dumbledore. Ele é muito mais sensato, não concorda?”

“Você não está falando coisa com coisa, Atlas,” disse Riddle, respirando fundo e parecendo tentar se esquivar da proximidade, mas sendo impedido pelo feitiço que o forçava a ficar sentado e com a mão grudada à mesa. “Eu sei que está irritado com o que houve, mas lembre-se de que você está na biblioteca e que a qualquer momento alguém pode aparecer aqui.”

“Como eu disse: a gente aprende algumas coisas com você,” ele falou e apontou para a abertura entre as estantes que dava para o corredor da biblioteca. “Por exemplo, a importância de um simples feitiço de ilusão.” O rapaz sorriu mais largo quando sentiu uma pontada aguda em sua cabeça.  “Ou os benefícios de aprender Oclumência.”

“Vai se foder, Avery,” Tom rosnou e o outro não conseguiu conter uma risada.

“É muito bom vê-lo xingando outra vez, Tom! Combina com o seu sangue sujo.” Atlas puxou a cadeira mais perto, passando um braço pelos ombros do garoto e segurando a varinha contra o pescoço deste. “Agora, preciso de uma ajuda sua... Você é ótimo com História da Magia, não é mesmo? Pode me dizer do que se constitui o Parlamento Bruxo?”

“Vai pro infern-“ Riddle começou a falar, antes de grunhir baixinho quando a varinha de Avery queimou um pequeno ponto em sua pele, logo abaixo da linha do colarinho. “Filho da puta!”

“Xingue o quanto quiser, mas responda a minha pergunta, Tommy.” O garoto deixou a varinha se aproximar o suficiente para que o outro sentisse o calor desta contra a sua pele.

“O Parlamento é constituído da Câmara dos Nobres e da Câmara dos Comuns. Cada câmara possui 134 lugares. A Câmara dos Comuns tem seus membros eleitos pelas classes trabalhadoras do Ministério, enquanto a Câmara dos Nobres é constituída por famílias mais antigas, na sua maioria puras, e seus assentos são hereditários,” Riddle falou, recitando cada palavra como se estivesse lendo um texto didático. Avery não podia negar que a indiferença na voz do garoto o surpreendia, principalmente por saber que a poucos instantes ele estava usando de um vocabulário indecente para atacá-lo. “A Câmara dos Comuns propõe as leis e indica candidatos para ocuparem o cargo de Ministro da Magia, enquanto os Nobres têm o poder de negar a aprovação de leis e de candidatos. O Ministro da Magia é eleito pelos parlamentares a partir das opções propostas pelos Comuns e aprovadas pelos Nobres.”

“E a Suprema Corte?” perguntou Atlas.

“Ela é composta por 300 cadeiras, que são ocupadas pelos membros mais antigos do Parlamento,” ele explicou. “Geralmente são bruxos e bruxas que contribuíram para a comunidade mágica de alguma forma.”

“Mas todos sabemos que a realidade não é assim, certo?” disse Avery, encolhendo os ombros. “Na realidade, antes de um componente da Suprema Corte se aposentar, ele deixa uma lista de nomes de possíveis sucessores e o Ministro só escolhe um... Você sabe com o que meu pai trabalha, Tom?”

“Eu apostaria meus galeões em membro da Câmara dos Nobres.” Como diabos Tom Riddle ainda tinha a ousadia de sorrir? Atlas suspirou, encostando a ponta da varinha no pescoço dele outra vez e o ouvindo sibilar.

“Isso mesmo. E meu avô?”

“Suprema Corte?”

“Pelo menos o sangue trouxa não desacelerou o seu raciocínio. Bom, e sabe o que isso significa?”

“Que em alguns anos a cadeira na Câmara dos Nobres será sua por direito hereditário,” murmurou Riddle. O outro sonserino viu o pomo-de-adão do rapaz subir e descer. “E, mais para a frente, uma cadeira da Suprema Corte será sua também.”

“E você, Tom, quando é que você vai ter um lugar na Câmara dos Nobres?”

“Nunca,” o rapaz murmurou, sua voz saindo tão baixa que o outro tinha que se esforçar para ouvi-lo. “Ainda posso entrar para a Câmara dos Comu-“

“Não se um Avery e um Lestrange exibirem provas de que você não é confiável e nem estável o suficiente para servir dentro do Parlamento,” disse Atlas. “Um Rosier talvez concorde conosco... E um Flint e um Bulstrode. Não importa que Abraxas o defenda, o resto de nós vai saber quem você é e é preferível ter um Weasley à um mestiço mentiroso que tentou nos extorquir dividindo o Parlamento conosco.”

“Aonde você quer chegar, Avery?”

“Quero chegar na parte em que você entende que Tom Marvolo Riddle não é nada nesse mundo,” o garoto sussurrou, voltando a se aproximar do colega. “Você é um mestiço de sangue sujo que nem ao menos conhece o pai trouxa que tem. Você não é ninguém sem a ajuda de sangues-puros, sem o nosso dinheiro ou a nossa influência. Você não é um de nós e nunca vai ser. Você entende isso, Tom? Entende o que estou querendo dizer?”

“Sim.”

“Isso não soou muito convincente.”

Atlas suspirou, abaixando a varinha e se levantando para ir se sentar na cadeira do outro lado do rapaz. Viu Riddle segurar a respiração no momento em que os seus dedos lhe seguraram o pulso e sentiu uma certa resistência quando puxou a manga da capa e da camisa para cima, revelando as ataduras.

“Isso, Tom, é o que você é.” Ele desenrolou as ataduras, deixando amostra as cicatrizes no antebraço esquerdo: a palavra ‘Sangue-Ruim’ brilhava na pele esbranquiçada e elevada do tecido cicatricial. “E espero que você nunca se esqueça disso-“

A pontada em sua cabeça ficou mais forte ao mesmo tempo que Avery ergueu o olhar e encontrou os olhos azuis de Riddle. Em um piscar de olhos, as memórias das humilhações às quais fora submetido emergiram, cada palavra e cada olhar de desdém parecendo presente demais para o momento. E não apenas isso, mas outras humilhações que ultrapassavam os feitos de Tom: seu irmão dois anos mais novo aprendendo a fazer um Wingardium Leviosa perfeito antes dele, seu avô reclamando que seu pai não era o herdeiro que ele queria, Slughorn lhe dizendo que sua poção era terrível, Toulson o repreendendo por um feitiço mal executado, Abraxas rindo de quando ele caiu da vassoura...

A sua reação imediata foi erguer a mão e acertar o punho no rosto de Riddle, fazendo-o cair da cadeira e ir parar no chão. Não houve muito tempo para apreciar a sensação de ver o rapaz estatelado no chão da biblioteca, com o rosto vermelho, pois logo uma força invisível o forçou contra a parede, fazendo-o bater com a cabeça contra a pedra.

Tom estava visivelmente abalado e quando isso acontecia, Avery sabia que o rapaz tinha tendência a perder o controle. Já havia visto aquilo antes e sabia que, apesar dos estragos serem grandes nas redondezas, Riddle ficava desprotegido naqueles momentos.

Enquanto observava o garoto se erguer do chão e indo na direção da varinha sobre a mesa, Atlas se concentrou na mente dele. Estava desprotegida, tão diferente das inúmeras barreiras que normalmente a protegiam, e não foi difícil entrar (ele teria, no fim das contas, que agradecer a Sra. Lestrange pelas aulas intensivas de Legilimência e Oclumência durante as férias de final de ano).

O que Atlas Avery viu na mente de Tom Riddle foi um emaranhado de borrões de memórias. Havia Tom com cinco anos usando roupas de segunda mão, assim como havia o rapaz com seus quatorze anos no uniforme de Hogwarts. Havia rostos desconhecidos de homens e mulheres, todos muito trouxas, mas havia um rosto que se sobressaía: um homem muito parecido com Riddle, ajoelhado no chão, chorando e implorando por algo, logo antes de um clarão verde iluminar o seu rosto, agora sem vida. Havia também a menina corvinal e uma cobra enorme. Havia um diário que Abraxas lhe dera de natal e um anel feio com uma pedra preta. Havia um bruxo sujo e cabeludo o ameaçando com uma varinha. Havia a Dama Cinzenta falando alguma coisa sobre uma tiara mágica na Albânia (onde diabos ficava a Albânia?). Havia barulhos altos e explosivos que faziam tudo tremer e poeira cair do teto, crianças chorando. Um coelho morto e uma caverna na beira do mar, mais crianças chorando e um corpo flutuando nas ondas. Havia Hermione Elston com o rosto próximo demais e Abraxas Malfoy com a respiração em seu ouvido, o toque de mão e de lábios. Havia a dor em seu braço e o som de dentes sendo quebrados por um chute.

E assim como conseguiu entrar com facilidade, foi arrancado dali rapidamente. Riddle estava em cima de si, sentado sobre o seu peito e agarrado ao colarinho de sua camisa. Os olhos azuis do rapaz estavam cheios de ódio e ele gritava alguma coisa (muitos xingamentos, ele acreditava)... Por sorte, Atlas Avery havia herdado, também, uma certa frieza que corria na família e isso lhe permitiu se lembrar de anular o feitiço ilusório e de abafamento de som que havia colocado naquele canto da biblioteca.

Bibliotecárias não toleram barulhos e não demorou muito para alguém aparecer e arrancar um Tom Riddle muito irado de cima dele.


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Notas finais do capítulo

Sabem aquela cena no início de Lilo & Stitch em que a Lilo pula em cima da Myrtle e começa a socar ela? O Tommy é a Lilo, Avery é a Myrtle.


1) O sistema político mágico foi inspirado pelos headcanons da otomriddle/Cella, que ela colocou na fic 'Tradition' (https://www.fanfiction.net/s/12188468/1/Tradition). A fic está em inglês, mas quem estiver acostumado a ler em inglês, por favor dê uma olhada.

Confesso que fiquei muito feliz de ver o último capítulo ser tão bem aceito? Apesar de ter me divertido escrevendo ele, fiquei com um pouco receio de que não gostassem muito, mas gostaram e fico muito feliz por isso!

Espero que tenham gostado desse aqui também. Digam o que acharam (:



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