Kolybelnaya escrita por themuggleriddle


Capítulo 32
Amortentia


Notas iniciais do capítulo

Antes de tudo, queria agradecer muito a The Storyteller pela recomendação incrível. Foi o tipo de recomendação que me fez ficar mais seguro em relação a como a história está indo e ficar muito feliz de saber que está agradando, apesar de sair do padrão de fics que envolvem Tom e Hermione :3



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/226171/chapter/32

A primeira vez que Tom Riddle foi submetido à uma detenção fora no seu primeiro ano, depois de entrar na sessão restrita da biblioteca por acidente. Certo, talvez não tivesse sido um completo acidente, ele sabia que aquela era uma parte da biblioteca que só poderia ser acessada com permissão da bibliotecária ou de um professor, mas não foi como se ele tivesse arrombado a porta ou algo parecido. A entrada da sessão estava aberta e Tom achou que seria interessante dar uma olhada... Ele ganhou uma noite ajudando a bibliotecária a catalogar diversos livros que haviam recebido de doações do Ministério da Magia.

Naquela noite, no entanto, a detenção era muito menos interessante (pelo menos com o catálogo dos livros ele podia se distrair vendo os textos) e o fato de tê-la ganhado o fazia se sentir incrivelmente irritado. Avery não fora considerado culpado e, logo, não precisou cumprir castigo algum... Por um lado, isso era bom, pois Tom não estava com vontade de ver o rosto do colega a nenhum custo, mas por outro, queria ver o rapaz sendo punido. Infelizmente, quando a bibliotecária os encontrou, Atlas estava no chão, gritando por socorro e Riddle estava sobre ele, alternando entre socá-lo, sacudi-lo pela gola da capa e xingá-lo com todos os nomes feios que se lembrava de ter ouvido em todos os seus anos vivendo em uma parte pobre de Londres, ou seja, ele utilizou todo o seu vasto vocabulário de ofensas.

O resultado disso foi ser arrastado para longe de Avery, ouvir um enorme sermão de Slughorn e, por fim, passar uma noite limpando castiçais, armaduras e algumas molduras de quadros. Sem magia. De mal humor. Na companhia do quadro de Salazar Slytherin, que não calava a boca e parecia adorar saber sobre o que havia acontecido para ele estar ali.

“Você é Monitor-Chefe, não é? Lembro-me de vê-lo andando para lá e para cá com aquele broche no peito,” disse o fundador, recostando-se na sua moldura enquanto Tom tentava limpá-la, contendo-se para não dar um jeito de descolorir o quadro. “Por que então está limpando corredores? É isso que fazem com os monitores?”

“É uma detenção,” ele falou com frieza, sem erguer os olhos para o bruxo no retrato.

“Mas um Monitor-Chefe ganhando uma detenção?” Salazar arqueou uma sobrancelha, mas sorrindo de uma forma desdenhosa. “O que você fez, garoto?”

“Entrei em uma briga com um colega,” o rapaz respondeu.

“Deuses, que tipo de pessoas que eles colocam como monitores hoje em dia?” perguntou Slytherin, revirando os olhos. “Ainda mais da minha casa.”

“Um mestiço, senhor,” disse Riddle, finalmente desistindo de tirar a sujeira da moldura do quadro e jogando a escovinha que estava usando no balde de água que tinha consigo. Sentia suas mãos tremerem de irritação. “Talvez seja o meu sangue trouxa que tenha feito eu agir com tamanha falta de decoro, não acha? Talvez o senhor concorde com Atlas sobre o fato de eu ser só mais um sangue-ruim sujo que não tem modos.”

O jovem deu as costas para o quadro, ignorando a expressão satisfeita no rosto do bruxo, e chutou o balde por impulso. Mal o chutou e já estava abaixado, agarrando as bordas do balde para que ele não virasse, mas um pouco de água com sabão já havia se espalhado pelo chão.

“Merda,” ele murmurou, pegando um dos panos que havia trazido e enxugando a bagunça.

“Hmm.” A voz de Salazar ainda ecoava pelo corredor, mas agora parecendo perder o tom de brincadeira. “Lembro-me de um aluno meu que era mestiço e acabou perdendo a cabeça também. Não... Ele era nascido trouxa. Queria eu que ele tivesse apenas participado de uma briga boba, mas o descontrole dele foi pior.”

“De que casa ele era?” perguntou Riddle, tentando se concentrar na água no chão.

“Da minha, ora! Acabei de falar que era meu aluno.” Slytherin estalou a língua. “Depois daquele maldito livro Hogwarts, Um Conto ou algo assim, vocês sempre acharam que eu só ensinava gente pura. Como diabos isso iria funcionar? Helga teria me expulsado na primeira oportunidade.”

Tom franziu a testa e virou-se para olhar o quadro. O Slytherin no retrato devia ter em torno de trinta e cinco anos, tinha cabelos escuros com entradas profundas nas têmporas, olhos verdes e um cavanhaque preto quase ridículo. As vestes verdes eram bonitas, assim como o medalhão pendurado em seu pescoço (o medalhão que devia lhe pertencer agora), e ele tinha uma pequena cobra de um verde vivo que descansava em seus ombros. Era diferente do Salazar Slytherin da escultura que havia dentro da Câmara Secreta (velho, careca e com uma barba enorme) e Riddle se perguntava se fora algum de seus herdeiros que esculpira as pedras dentro da câmara.

“O que ele fez de tão terrível?”

“Matou alguém. Não aceitou o fato de ter sido contrariado e matou a jovem que fez isso.”

Não foi a voz de Slytherin que o respondeu e o homem apenas ergueu o olhar, olhando para algo do outro lado do corredor. Sentindo um arrepio descer-lhe pelas costas, Tom se virou para ver quem o respondera. O quadro de uma mulher o encarava de volta, seus olhos claros sérios demais e seus lábios bem desenhados parecendo tensos. As mãos pareciam estar agarrando a moldura por dentro e sua postura era perfeita. O rosto, emoldurado por longos cabelos negros, era muito bonito e com traços muito familiares.

“Lady Ravenclaw,” disse Tom, inclinando levemente a cabeça.

“Creio que saiba de quem estou falando,” a mulher falou, mantendo a cabeça erguida.

“O Barão Sangrento,” ele respondeu, olhando rapidamente para o quadro de Slytherin e vendo que ele agora parecia entretido novamente. “E sua filha, Helena.”

“Ouvi falar que vocês são... amigos.” Ravenclaw ergueu uma sobrancelha. “O Barão também era amigo da minha filha, antes de esfaqueá-la e a deixar para morrer.”

“Duvido que eu possa fazer o mesmo com ela hoje em dia, senhora.” O rosto da mulher se contorceu em uma careta e Tom não pôde deixar de se sentir levemente satisfeito com isso. “Além do mais, Helena encontrou um novo amigo, logo não precisa mais arriscar-se perto de mim.”

Rowena o encarou por um momento com o rosto sério, antes de respirar fundo e suspirar, desviando o olhar para outro canto do corredor. Os olhos dela pareceram observar algo no local aparentemente vazio enquanto a expressão da mulher pareceu ficar mais leve. Não demorou muito para Tom entender.

“Ele está ali?” perguntou, estreitando os olhos enquanto olhava o ponto vazio. “O trouxa está ali?”

“Sim, o Sr. Riddle está ali,” murmurou Ravenclaw.

“Quantas vezes eu já lhe disse,” o rapaz se ergueu do chão e foi até o canto para onde o retrato olhava. “Que eu quero você longe de mim!?”

“Ele não veio atrás de você hoje,” a mulher falou, fazendo o garoto franzir o cenho. “Ele tem costume de passar por aqui nessas horas. Não sabia que você estaria por aqui.”

“Bom ver que ele já conseguiu fazer mais amigos por aqui,” disse Tom, sentindo a própria voz sair encharcada de sarcasmo. “Mas eu tomaria cuidado se fosse você, Lady Ravenclaw. Meu pai tem um histórico de abandonar bruxas pelos cantos.”

A mulher ergueu uma mão, ainda olhando para o outro canto do corredor, como se pedisse para alguém se acalmar. Os olhos dela ficaram fixos ali por um momento, antes de olhar o garoto outra vez.

“Ele pediu para que você prestasse bastante atenção no projeto de poções que está fazendo,” disse Rowena, os cantos de seus lábios se curvando em um pequenino sorriso. “Já que não quer ouvir as coisas vindas dele.”

“Diga para Helena passar pelo meu quadro da biblioteca depois, verme,” Slytherin falou mais alto, olhando também para o local no corredor onde o fantasma de seu pai deveria estar. “Ele é muito educado, sabia? Nunca reclamou dos apelidos.”

“Ele sabe que já viraram apelidos carinhosos.” Ravenclaw tinha um sorriso brincalhão no rosto, algo muito diferente do que Riddle esperava da bruxa depois de conhecer Helena ou vê-la nos quadros. “Thomas também não tardou a entender que ‘verme’ era o seu jeito de demonstrar carinho por ele, lembra-se?”

“Teimosos, os dois,” resmungou Slytherin, antes de suspirar e tirar a cobra dos ombros, enrolando-a em seu pulso direito. “Vou procurar Helga, ela queria saber alguma coisa sobre alunos vandalizando um dos quadros de Godric...”

Ele observou o bruxo sumir pela lateral do retrato, antes de voltar a olhar a fundadora. Os olhos de Rowena Ravenclaw brilhavam com algo que o rapaz não sabia como classificar.

“Repito o que disse: meu pai tem o hábito de machucar bruxas que se aproximam dele,” ele falou. “Se eu fosse você ou a sua filha, tomaria cuidado.”

“Já conheço o seu pai há muito tempo, garoto,” a voz da mulher era baixa e quase perigosa, como se ela o estivesse desafiando. “Sempre soube que ele tinha a capacidade de me machucar, assim como ele sabia que eu posso fazer isso com ele.”

“Você está confundindo as pessoas,” disse Tom. “Você e Helena veem um velho conhecido nele, não é? Desculpe por estragar a sua fantasia, mas esse homem não passa de um trouxa inútil que passou a vida enfurnado na casa dos pais sem fazer nada por medo. Ele não é o homem que aparece com você naquele vitral. Vocês deviam parar de esperar muita coisa dele. Eu esperei e me decepcionei, não recomendo isso a ninguém.”

A bruxa o encarou por um momento, antes de suspirar e levar uma mão até a tiara que descansava sobre seus cabelos. O diadema perdido que Tom tanto procurava. Ela tirou a joia, soltando-a dos cachos que insistiam em ficar presos nas pedras e arabescos do objeto, e a olhou com calma, volte meia erguendo o olhar para o rapaz. Ela o estava testando.

“O projeto de poções, Marvolo,” disse Rowena, colocando o diadema de volta na cabeça.

“Como sabe meu nome?”

“Conheço o seu pai, não conheço?” Ela sorriu de forma quase brincalhona e então acenou para ele. “Espero que Salazar não volte para incomodá-lo. Tenha uma boa noite, Marvolo.”

Ele observou enquanto a bruxa desaparecia pela lateral do quadro, antes de grunhir baixinho. Ele olhou em volta, certificando-se de que o zelador, Argus Carpe, não estava por perto, antes de acenar com a mão e murmurar um feitiço: a escovinha que jazia no fundo do balde saiu voando para limpar as molduras enquanto outros panos lustravam os castiçais e a armadura do corredor. Não demorou muito para que a tarefa fosse concluída com o auxílio de magia (graças a Merlin o zelador não sabia que Tom podia fazer magia sem varinha) e, quando o rapaz pegou o balde e foi até a sala de Carpe, este se surpreendeu com a agilidade, mas não argumentou.

A volta para o dormitório dos Monitores-Chefes fora silenciosa e acabou de um jeito um tanto inusitado: encontrando Abraxas Malfoy sentado em frente ao quadro que guardava a entrada do dormitório, cantarolando alguma canção para o bruxo da pintura, que parecia irritado, escondendo o rosto nos braços e resmungando baixinho.

“O que está fazendo aqui?”

“Tom!” O loiro se pôs de pé em um pulo, sorrindo e puxando um embrulho de papéis marrons. “Sabia que iria ficar até tarde na detenção e decidi passar na cozinha para afanar algo para comer.”

Riddle estreitou os olhos e se aproximou, pegando o embrulho e o abrindo. O cheiro de bolo recém feito e ainda quentinho o atingiu em cheio e só então o rapaz notou o quanto estava com fome.

“Vamos para outro lugar,” disse Tom, indicando o corredor. “McGonagall está aí dentro.”

Mais uma caminhada em silêncio até encontrarem a sala que era utilizada pelo coral de Hogwarts (Riddle sempre achara fascinante uma escola de magia ter algo tão comum quanto uma sala de música), vazia como o esperado àquelas horas da noite. Malfoy puxou a varinha e acendeu algumas bolinhas de Lumus que deixou flutuando pelo lugar, antes de ir se sentar em um dos bancos, seguido pelo amigo.

“Como foi a detenção?” ele perguntou, guardando a varinha no bolso outra vez.

“Chata,” disse Tom, dando de ombros e quebrando um pedaço do bolo com os dedos. “Ficar limpando armaduras e molduras.”

“Pelo menos Carpe é mais tranquilo com as detenções.” Abraxas pegou um pedacinho do bolo que havia caído no papel. “Ouvi falar que alguns zeladores gostavam de fazer coisas assombrosas... Sabe, palmatória e pendurar os alunos sobre o lago durante uma noite inteira.”

Tom arqueou uma sobrancelha, mas riu, finalmente dando uma mordida no bolo de chocolate. A massa ainda estava quente.

“Hermione e eu demos a última revisada no trabalho descrito de poções,” disse Malfoy. “Tudo pronto para amanhã.”

“Ótimo.”

Riddle ficou em silêncio, aproveitando o sabor do bolo e se perdendo em seus pensamentos. Lembrou-se das ameaças que Avery fizera na biblioteca e da conversa com Rowena Ravenclaw há poucos minutos.

“Vamos ter que escolher alguém em quem testar a poção, não é?”

“Sim,” disse Abraxas. “Hermione iria conversar com Charlus Potter e Septimus Weasley, para ver se um deles aceita ser o nosso ratinho-“

“Vocês vão usar em mim,” Tom falou sem hesitar, vendo os olhos do amigo se arregalarem. “Quero que testem em mim.”

“Mas por quê?”

“Faz mais sentido, não? Todos sabem do incidente com Myrtle Mortmore, o maldito doce com poção do amor caseira,” ele falou, dando outra mordida no bolo. “Acho que vai ser interessante comparar as reações: qual a diferença entre uma poção mais simples e de uma Amortentia preparada com cuidado?”

Malfoy continuou o observando em silêncio, enquanto Tom aproveitava o bolo. Realmente, estava com fome e a cada mordida percebia o quanto sentiria falta das comidas de Hogwarts: ele nunca comera nada bom daquele jeito antes de entrar para aquela escola e duvidava que fosse comer algo assim por um bom tempo depois de ser formar. Quando voltou a olhar o outro bruxo, Abraxas continuava o encarando com o rosto sério.

“Me diga a verdade, Tom,” disse Malfoy. “Por que você quer que usemos a Amortentia em você amanhã?”

O rapaz sentiu o rosto esquentar e se odiou por isso. De repente, o bolo de chocolate perdeu todo o sabor e pareceu virar areia em sua boca.

“Avery está fazendo a Veritasserum,” ele falou, ouvindo sua voz sair em um murmúrio.

“E dai?” perguntou Malfoy, antes de arregalar os olhos. “Oh.”

“É.”

“Mas ele não iria...”

“Ele disse que vai.” Riddle respirou fundo, embrulhando os restos do bolo novamente e colocando o embrulho de lado. “Por isso precisamos pedir para apresentarmos primeiro. O feito da Amortentia é de vinte e quatro horas. Se eu estiver perdidamente apaixonado por você ou por Hermione, ele não vai poder testar a Veritasserum em mim, Slughorn não vai deixar.”

Abraxas enrugou a testa, olhando para o nada, e então assentiu. O garoto dobrou as pernas, apoiando os pés no banco e abraçando os joelhos, enquanto apoiava as costas na parede.

“O que vamos fazer, Tom?” o loiro perguntou, sua voz soando distante e lenta. “Digo, agora que Canopus e Atlas estão irados com você... Eu não sei se eles vão voltar. Você não está lá no dormitório para ouvir tudo o que estão falando, mas não é bonito.”

“Oh, é mesmo?” O rapaz riu sem humor, apoiando-se na parede também. “E o que é que estão dizendo?”

“Tudo o que Atlas de certo lhe disse na biblioteca, mas sem o filtro que eles normalmente tem quando você está por perto. Já especularam sobre os seus pais, sobre como você paga pelos materiais, sobre como você... bom, não são coisas legais.”

“Sobre como eu...?”

O loiro mordeu o lábio inferior, parecendo indeciso quanto a contar ou não, antes de suspirar.

“Sobre como você pode ter chamado tanto a atenção de Slughorn a ponto dele estar quase abrindo o caminho para você ser Ministro,” ele murmurou. “Sobre como você... ainda me mantém por perto.”

Riddle sentiu vontade de se levantar e ir até o dormitório da Sonserina, arrancar Avery da cama e terminar o trabalho que iniciara na biblioteca, dessa vez se certificando de quebrar o nariz dele. No entanto, permaneceu em silêncio, estático e com o rosto vermelho.

“Eu disse que você se preza demais e tem muito bom gosto para arriscar tentar seduzir o velho Slug.” Malfoy deu de ombros. “E que se você tentasse me ganhar na base de beijos e sedução, eu não tinha nada a reclamar.”

O garoto riu, sacudindo a cabeça. Somente Abraxas conseguia transformar uma situação daquelas em uma piada.

“É mesmo?” perguntou Riddle.

“Fazer o que?” Malfoy abaixou as pernas e tamborilou os dedos sobre as coxas. “Nosso pequeno encontro na Floresta Proibida foi um tanto desastrado, mas não foi de todo ruim.”

“Desastrado?” Tom arqueou uma sobrancelha.

“Você estava completamente perdido e sem saber o que fazer, Hermione parecia estar descobrindo que queria aquilo há muito tempo e eu estava em transe, não acreditando que minhas preces haviam sido atendidas!” O loiro riu alto, virando o rosto para olhá-lo. “Mãos demais e saliva demais, mas acho que isso é questão de se acostumar.”

“E o que teria sido... menos desastrado?” perguntou Tom, forçando-se a não sorrir.

Parte de si estava se odiando por se interessar pela conversa. O que havia acontecido na floresta o deixara extremamente confuso, sim, mas o rapaz também percebera que não era fácil não pensar naquele evento. E não era de todo ruim se lembrar... De certa forma, era bom, de uma forma que Tom não queria admitir. E ter Malfoy comentando sobre aquilo (coisa que nenhum deles fizera desde então) o instigava a continuar o assunto.

“Manos... saliva?” Abraxas arriscou, erguendo os ombros.

“É um beijo, como você quer menos saliva?”

Abraxas torceu o nariz, encarando-o e se desencostando da parede. Riddle permaneceu parado, apenas observando o amigo quanto este ergueu a mão para tocar o seu rosto, mas parando quando estava a alguns centímetros dele. O rapaz abaixou a mão, logo antes de aproximar o rosto, novamente ficando a centímetros dele, de tal forma que era possível sentir a respiração dele em seu rosto. Não demorou para os lábios de Malfoy pressionarem os seus, fazendo Tom inspirar fundo, sentindo o cheiro da colônia do outro (algo amadeirado com um tom floral... rosas, talvez).

Ali, na sala de música, o beijo não era tão desesperado quanto fora na floresta. Tom permaneceu quieto, apenas sentindo os lábios do bruxo sobre os seus, movimentando-se quando parecia apropriado e sem querer sorrindo fraco quando sentiu seu lábio inferior preso entre os dentes do amigo. Quando se afastou, deixou uma risada fraca escapar, antes de olhar o loiro e o beijar novamente, agora permitindo-se aprofundar o beijo e tentando notar o que havia de diferente quando comparado com o que acontecera na floresta: ainda era mais calmo, não tão eufórico e sua cabeça ainda tinha algum espaço para processar pensamentos... Como pensar em como o nariz de Malfoy esbarrava contra o seu ou se perguntar se o outro beijava a prima daquela mesma forma.

Os dedos de Abraxas estavam em seu rosto, alternando entre segurá-lo e afagá-lo, enquanto os dedos do próprio Tom se agarraram às vestes do outro sonserino, puxando-o mais na sua direção. Uma vez os dentes de Riddle bateram contra os do amigo, fazendo-o rir, mas não interrompendo nada.

Quando Malfoy finalmente se afastou, apesar de ainda se manter muito próximo, Tom estava se sentindo quase mais confuso do que quando estavam na floresta. A falta do frenesi e do sentimento de algo novo (apesar de que, sim, continuava parecendo uma coisa completamente nova) deixava espaço para ponderação e a mente do rapaz já havia começado a criar milhares de pensamentos desde que os lábios do outro deixaram os seus: ele havia passado tantos anos com a certeza de que estava acima da necessidade de coisas inúteis como sentimentos, mas estava adorando a sensação de ter o coração acelerado e o rosto quente depois de um beijo; ele sabia o que viria pela frente, tanto para ele quanto para Malfoy e Hermione, então por que ele sequer pensava em continuar? Por que não era possível fazer como o homem n’O Coração Peludo do Mago?

Riddle foi tirado de seus pensamentos quando sentiu dois dedos de Abraxas tocando a sua testa e descendo por entre as suas sobrancelhas até traçar a ponte do nariz. O rapaz parecia fascinado com alguma coisa que via ali, os olhos cinzentos fixos no caminho que seus dedos percorriam.

“Tente parar de pensar um pouco?” Malfoy sugeriu.

“Como é?”

“Você está com essa cara de concentração.” O loiro franziu o cenho e o olhou sério, antes de rir. “Nem tudo precisa de uma explicação lógica.”

“Seja lá o que for isso, você sabe que não tem futuro,” o sonserino murmurou, desviando o olhar e então voltando a se encostar na parede, deixando mais espaço entre eles. “Você eventualmente vai se casar com a sua prima e Hermione... Você sabe que ela não vai aprovar.”

“Acho que ela não vai se importar em continuar se encont-“

“Você sabe do que estou falando.” Tom olhou o amigo, vendo a expressão dele perder o brilho brincalhão. “O nosso futuro vai seguir um caminho diferente do dela, Brax.”

O rosto de Malfoy preocupou o rapaz. As sobrancelhas levemente franzidas, os olhos baixos e os lábios pressionados um contra o outro. Havia alguma coisa na mente dele que gerava aquela expressão e Tom tinha medo do que poderia ser... Na verdade, ele sabia o que devia estar assombrando os pensamentos do loiro e aquilo era aterrorizante para ele.

“Por favor,” Tom murmurou, mordendo o lábio inferior por um momento e respirando fundo. “Não... Não me peça para parar. Não agora. Eu sei que tudo tomou um rumo horrível, agora com Avery e Lestrange estando contra mim, mas... Não me peça isso, Abraxas.”

O silêncio que se seguiu fez o estômago de Riddle se revirar e o seu coração acelerar. Era exatamente aquilo que o outro estava pensando e aquilo o assustava, não apenas por saber que até mesmo o fiel Abraxas poderia querer desistir, mas porque uma pequenina parte de si sabia que, caso um pedido fosse feito da maneira correta, usando-se das promessas certas e das palavras que ele precisava ouvir, ele iria ceder. Naquele momento, enquanto a lembrança de como era se sentir querido por alguém estava viva, enquanto seu falecido pai continuava aparecendo para tentar se aproximar mesmo depois de ter sido assassinado por ele, enquanto via as pessoas que antes o temiam ou admiravam o ameaçando... Naquele momento, ele aceitaria esse pedido, se lhe fosse garantido algo mais estável e certo do que os seus planos.

“Eu já fiz... Muita coisa,” ele continuou, sussurrando e se odiando por sentir sua voz sair mais fraca. “Por favor, não me peça para voltar atrás.”

“Eu nunca faria isso,” murmurou Malfoy. “E eu não o abandonaria nisso. Eu largaria minha fortuna por você, Tom.”

Riddle deixou uma risada escapar por entre os lábios.

“Mentiroso,” ele falou, virando a cabeça para olhá-lo. “Um Malfoy nunca largaria da sua fortuna.”

Mas o rosto de Abraxas não demonstrava nenhum traço de brincadeira. Ele estava sério e até mesmo seus olhos, os primeiros a se acenderem quando contava uma mentira ou uma piada, não refletiam nada a não ser preocupação.

“Eu não minto para você,” disse Malfoy, sem desviar o olhar. “Você sabe disso, Tom.”

Foi nesse momento que Tom Riddle entendeu o quão fundo corria a lealdade de Abraxas Malfoy. Também foi quando ele percebeu que havia algo diferente no olhar do rapaz, não parecia o olhar de um servo para o seu mestre, como ele costumava acreditar. Havia algo ali que Tom não entendia, mas que parte de si gostava de ver.

“Você enlouqueceu, Abraxas.”

“Você é o culpado.”

Riddle ergueu a mão, tocando o queixo do sonserino e deslizando os dedos pela mandíbula dele, sentindo a superfície áspera contra a sua pele enquanto via os cantinhos dos lábios do outro se curvarem muito sutilmente. Deixou os dedos subirem para os lábios dele, contornando-os com cuidado, antes de partir para o nariz e, depois, abaixo dos olhos.

“Me dê a Amortentia amanhã,” Tom pediu, controlando-se para não demonstrar reação alguma quando o rapaz virou o rosto até conseguir alcançar os seus dedos com os lábios, beijando-os levemente.

“Não se preocupe,” disse Malfoy, finalmente sorrindo. “Vamos dar um jeito nisso tudo.”

***

A sala de poções estava diferente naquela manhã: ao invés de diversos caldeirões fumegando e mesas cheias de ingredientes, o local estava limpo e organizado. As mesas tinham alguns frascos bem organizados em pequenos engradados, todos sendo cuidados pelos alunos com muito zelo, já que eram o resultado de quase um ano letivo inteiro de trabalho.

De pé na frente da sala, Hermione observava enquanto Abraxas falava sobre os efeitos colaterais da Amortentia. Tom já havia falado sobre os mecanismos de ação da poção, usando diversos termos de fisiologia humana que fizeram os alunos ficarem de olhos arregalados, e ela havia explicado sobre o modo de preparo e ingredientes. Slughorn, que por alguma razão escolhera o grupo deles para ser o primeiro a apresentar, parecia imensamente satisfeito, sentado em uma das mesas da frente e sorrindo de orelha a orelha enquanto os ouvia.

“Que, quando interrompida de forma abrupta após um uso prolongado ou uma dose muito forte, a Amortentia pode causar dificuldade para se mover, já que a pessoa pode ter dificuldade para coordenar os seus movimentos, dificuldade para falar pelo mesmo motivo... O nome médico disso, pelo que vimos, é ataxia e disartria,” disse Malfoy, sorrindo ao ver como o professor pareceu satisfeito. “A dificuldade de movimentação também pode ocorrer por perda de força muscular, hipotonia. A visão pode ficar turva e a pessoa têm vertigem e perda de equilíbrio. Esses sintomas podem aparecer também durante o uso, mas em menor grau... Quando eles aparecem e a pessoa ainda está sob o efeito da poção, isso indica uma intoxicação.”

“Muito bem, Sr. Malfoy , e o que o senhor pode nos dizer sobre a memória?” perguntou Slughorn, apontando para a própria cabeça.

“A pessoa que tomou a Amortentia não se lembra do que fez durante o efeito desta,” ele falou e Hermione viu a forma como Riddle virou o rosto abruptamente, franzindo as sobrancelhas e olhando para o sonserino quase que surpreso. Ela tentou prestar atenção para ver se Malfoy havia falado algo errado, mas não achou nenhum erro. “Alguns estudos de caso demonstraram que as pessoas podem se lembrar de algumas coisas, mas a maioria dos bruxos e bruxas estudados relataram que nunca é algo muito preciso... São mais como alguns pedaços perdidos de memórias? Quando o uso é interrompido, a dificuldade relacionada a memória pode permanecer por algum tempo ainda.”

“Perfeito,” o professor falou, virando-se então para o restante da turma. “Como vocês puderam ver, a Amortentia é mais do que apenas uma poção do amor boba. Na verdade, chamar ela de poção do amor chega a ser perigoso... Nos últimos anos, algumas sociedades de mestres das poções vêm discutindo as questões éticas relacionadas à essas poções, afinal, se a maldição Imperius é proibida, por que algo que tira o livre arbítrio de alguém de uma forma mais... romântica não o é? Sim, Srta. McGonagall?”

“Tem alguma forma de controlar a venda ou fabricação dela?” Minerva, no fundo da sala, perguntou. “Ou... pelo menos há alguma forma de identificar as pessoas sob a influência de uma poção assim? Quero dizer, se formos pensar em casamentos que ocorrem sob o efeito da Amortentia...”

“Cerimoniais e juízes bruxos são instruídos quanto aos sintomas apresentados por pessoas que estão sob o efeito de uma poção do amor, mas nada impede um bruxo ou bruxa de se casar em algum lugar trouxa.” Slughorn suspirou. “Algumas apotecarias tomam o cuidado de verificar o que os clientes estão comprando, para saber se há alguma poção suspeita sendo feita, mas infelizmente não há nada padronizado...”

“Trouxas podem ser afetados pela Amortentia?” Hermione virou o rosto ao ouvir a voz de Tom. Em uma das mesas da frente, o rosto de Avery se iluminou com um sorriso desdenhoso.

“É claro que sim, Tom,” disse Horace, virando-se de novo para o grupo que estava parado na frente da sala. “O que nos traz outra preocupação: bruxos e bruxas usando essa poção em trouxas. Há anos atrás, era uma prática comum... Bruxos usavam poções como a Amortentia para conseguirem a confiança e o amor de uma mocinha trouxa por algumas noites e depois sumiam. Enquanto uma bruxa poderia reconhecer o que aconteceu, as meninas trouxas muitas vezes acreditavam que haviam enlouquecido ou que haviam tido um encontro com demônios quando descobriam estar grávidas.”

Hermione se aproximou de Riddle devagar, apoiando uma mão nas costas dele. O rosto do sonserino estava pálido e ele parecia estar com a cabeça longe da aula.

“Está tudo bem?” ela murmurou.

“Sim,” ele respondeu baixinho.

“Agora, imagino que vocês vão demonstrar a poção?” perguntou Slughorn, esfregando as mãos uma na outra.

“Isso,” disse Abraxas, indo até os frascos que eles haviam deixado em cima da mesa. “Nós decidimos testar em um dos participantes do grupo, para evitar constrangimentos do resto da turma... Agora, a poção está praticamente pronta, só falta algum material biológico da pessoa que deseja ser o alvo da atração.”

Malfoy pegou um dos frascos e olhou para Hermione com grandes olhos pidões. A garota ficou boquiaberta, não se lembrando daquilo ser parte do acordo (feito em cima da hora) deles, mas mesmo assim arrancou um fio de cabelo e o jogou dentro da poção: o fio se desfez no líquido translúcido.

“Boa sorte,” o loiro murmurou, entregando o frasco para Tom.

Hermione viu, pelo canto do olho, Avery e Lestrange se entreolharem, mas não deu muita atenção para os dois, pois estava ocupada demais vendo Riddle respirar fundo e virar o frasco em um gole. O rapaz ficou parado na frente da classe em silêncio, sem demonstrar qualquer reação enquanto um burburinho se espalhava entre os alunos. Slughorn havia se inclinado para a frente no seu lugar, observando tudo com interesse.

Então, Tom Riddle fechou os olhos e respirou fundo, soltando um suspiro profundo antes de voltar a abrir os olhos e virar-se para Hermione. A garota ficou parada, vendo como o rosto do bruxo parecia mais relaxado do que o normal, os lábios entreabertos e as bochechas coradas. Os olhos estavam fixos nela e as pupilas pareciam dilatadas. A expressão, ela notou, parecia muito aquilo que havia visto nele depois dos beijos trocados entre eles e Abraxas na Floresta Proibida.

“Alguém já lhe disse hoje o quão bonita você é?” Tom perguntou, com uma voz tão leve que chegava a assustar. Um sorriso então brotou nos lábios dele, bonito e genuíno. Aquele Tom Riddle, com aquele sorriso e aquela voz galanteadora, com certeza conseguiria conquistar várias garotas.

“Ahm... Obrigada,” ela falou, vendo-o se aproximar e erguer a mão para tocá-la no rosto.

“Você é incrível, sabia?” Risadas ecoaram entre os alunos e Riddle riu também. “Tão bonita e tão talentosa... Deus, Hermione, você é uma bruxa incrível, como é que nunca lhe disse isso?”

“Acho que nunca lhe dei muitos motivos para expressar isso.”

“Não deu?” Tom sacudiu a cabeça, rindo, antes de segurar as mãos dela. “É claro que deu! Eu que fui tolo e não percebi! Como posso me desculpar por isso? Por não prestar a devida atenção à você, Hermione?”

“Que tal... Nós darmos uma volta pelo castelo?” ela perguntou, vendo o sorriso no rosto do garoto aumentar ainda mais. Quando olhou para Abraxas, o loiro não estava prestando atenção neles: seus olhos estavam presos na mesa dos garotos da Sonserina. “Depois que acabar a aula, é claro. O Prof. Slughorn quer muito que a gente fique para ver o restante das apresentações.”

“E você quer ficar?”

“Oh, eu quero... É muito interessante, aposto que vai gostar também.” Ela sorriu, apertando de leve os dedos dele.

“Então tudo bem, se é isso que deseja.” Riddle puxou a mão dela e beijou-lhe o dorso dos dedos.

Hermione olhou para o professor, que parecia realizado. O homem se levantou e aplaudiu o grupo, enchendo-os de elogios enquanto ela e Abraxas (“Quem é este, Hermione? Por favor, não toque nela desse jeito, está deixando-a desconfortável, não vê?”) guiavam Riddle de volta à mesa deles. Atlas Avery os seguiu com o olhar, antes de virar-se para Lestrange e sussurrar algo.

A garota fez uma nota mental para se lembrar de obter uma resposta sobre aquilo assim que Riddle saísse do seu transe causado pela Amortentia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Algumas coisas:

1) Me deixei levar pelo meu OTP de verdade e coloquei Rowena e Tom Sr com uma pequena interação de novo, outra vez fazendo alusão à minha fic "A Águia e a Raposa" (a explicação da Row sobre os dois poderem machucar um ao outro talvez seja até a razão da fic ter esse nome), então, se vocês curtem fics da época dos fundadores com bastante Rowena Ravenclaw, dêem uma olhadinha nela e digam o que acharam (:

2) Os efeitos da Amortentia foram inspirados nos efeitos adversos de medicamentos como benzodiazepínicos e barbitúricos, calmantes que deprimem o sistema nervoso central (Rivotril, por exemplo). Eu já tenho essa ideia de que a Amortentia tem um efeito depressivo quando usada em grande quantidade/interrompida há uns 6 anos e só agora estou escrevendo isso pra valer... Se vocês forem olhar a bula do Rivotril, vão ver que ele também pode causar coisas como impotência sexual e diminuição da libido, que é algo que eu acho muito interessante de pensar sobre uma consequência da Amortentia durante um uso prolongado;

3) Tom Riddle sob o efeito de Amortentia é algo que eu escrevi há... 7 anos, quando escrevi Like Father, Like Son e me deu uma nostalgia escrever ele assim de volta;

4) Capítulo escrito ao som da música "You Must Be a Natural" da trilha sonora do filme The Handmaiden do Park Chan-wook ( https://www.youtube.com/watch?v=v4veLi1q9Ic ), quem me conhece sabe que eu não calo a boca sobre esse filme, mas é porque ele é incrível e merece ser visto por todos

Como sempre, muito obrigado todos que deixaram reviews nos últimos capítulos. Eu espero que tenham gostado desse, apesar de ser um capítulo mais devagar. (:



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Kolybelnaya" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.