Tigresa não sabia ao certo o que estava por vir, mas ela sabia que algo viria.

A cada dia que se passava as memórias de Vale da Lua pareciam estar mais distantes, e o tigre não era mais capaz de se visualizar vivenciando aquilo. Era como se tudo não passasse de um sonho, e agora, fosse seu despertar para a realidade.

Um sonho...

Isso descreveria perfeitamente tudo aquilo.

Foi algo breve...

mas foi intenso.

Agora sua mente parecia ser capaz de aceitar melhor isso, assim como sempre aceitou quando sonhava como algo belo e em seguida acordava desapontada com sua própria realidade.

É assim que ela reconhecia sua situação atual.

Como um despertar.

E depois desse pensamento, ela se sentiu estranhamente melhor, pronta para viver sua própria realidade, pois, por mais que sejam belos, sonhos sempre chegam ao fim. Para ela eles sempre chegaram.

Era uma manhã calma em Vale da Paz, uma manhã comum , assim como todas as outras.Muitos aldeões já se encontravam de pé, abrindo seus estabelecimentos ou então preparando suas crianças para o festival que ocorreria durante aquela noite.

No Palácio de Jade o gongo soava furiosamente, contribuindo para o despertar de seis guerreiros, em sua maioria entusiasmados para a grande festa.

Tigresa não poderia lamentar mais, nem mesmo se quisesse. Aquele festival, de forma claramente irônica, era o festival lunar.

"Só pode ser brincadeira..." era tudo que se passava por sua mente.

Ela soubera da notícia um dia antes, por ouvir comentários entre seus amigos, que puderam apenas olhar para ela em descrença ao descobrir que a guerreira não se dera ao trabalho nem mesmo de saber em que data estavam.

Um sorriso amargo ameaçava sair, caso ela não se controlasse melhor. Estava decidido.

Ela não iria a esse festival, não importa o quanto seus companheiros tentassem convencê-la.

A idéia de ficar no palácio também não lhe parecia boa, sendo assim, decidiu que daria um passeio pela floresta de bambu.

Saindo de seu transe ela rapidamente voltou a comer a refeição a sua frente, sem uma mínima vontade de ser o centro das atenções. Mas, por outra infeliz ironia, no mesmo momento em que tivera tal pensamento todos os olhares se voltaram para ela, aparentemente sem um motivo, mas ela não teria como saber o motivo, pois estivera ocupada demais pensando em sua infeliz ironia para captar as palavras ditas por seus companheiros.

Ela não se preocupou em tentar entender,apenas aguardou pacientemente até que alguma palavra fosse dita.

– Tigresa, precisamos nos preparar para o festival. Vamos a aldeia depois do treino?- Víbora foi a primeira a se manifestar, falando naturalmente, como se tivesse certeza de receber um "sim" como resposta, infelizmente para ela, isso não aconteceria .

– Não vou ao festival - disse com uma voz quase sonolenta

– Mas... por que?! - sua amiga perguntou, quase com indignação em sua voz

Por sua vez, o tigre apenas deu de ombros, sem uma desculpa realmente boa, que pudesse justificar sua resposta.

– Não me sinto muito bem hoje - Disse por fim, odiando profundamente o fato de não ter uma justificativa melhor. A verdade era que, fisicamente ela se sentia ótima, quase renovada, mas emocionalmente... a situação mudava. E apesar disso, ela não queria parecer fraca, ou mesmo parecer debilitada, sem condições boas para lutar; ela era forte, e todos sabiam disso dedvido as últimas lutas que tivera na sessões de treinamento, mas ainda assim... ela também não queria preocupá-los.

Os guerreiros restantes se entreolharam, enquanto o tigre não fazia o menor esforço para desviar de seus brilhos, muitas vezes lançados a ela.

– Mas você está fazendo o treinamento normalmente... - Garça começou

– Tem certeza que não precisa de uma pausa...? - A serpente terminou por ele

O tigre apenas suspirou lentamente, e falou poucas palavras monotonamente, soando quase com tédio.

– Estou bem, posso treinar, não me sinto bem para ir ao festival, tudo bem?

Por fim, todos concordaram, sem vontade de questionar o que saia da boca da guerreira, mas ao mesmo tempo, sabendo que havia algo errado.

A tarde pareceu demorar a passar mais que de costume. Tigresa apenas observava os raios de sol acariciarem lentamente as colinas, alongando seus poderosos raios em diferentes direções, enquanto a suave brisa da tarde lhe trazia os mais diversos tipos de aromas. A terra estava em contato com suas mãos; Tigresa imaginava que a terra fosse macia, que fosse confortável ter contato com ela, no entanto suas mãos haviam perdido a capacidade de sentir havia um bom tempo.

Ela estava quase na entrada de uma floresta, para ser mais exata, estava em um bosque, de frente a um pequeno lago de águas cristalinas, sentada de frente para a entrada de uma floresta, sem qualquer objetivo em mente.

A situação do "sonho" que vivera podia parecer distante, mas vinha a sua mente em vários momentos, como, por exemplo, agora.

Ela resolveu que não havia nada que pudesse ser feito no momento, então deveria relaxar, e assim o fez.Se deitou lentamente na borda do riacho, permitindo que seus músculos descansassem, tentando aproveitar o conforto da maciez que aquela terra oferecia.

Ela não sabe por quanto tempo ficou ali, só pareceu ter alguma noção quando o sol começava a se pôr, o que anunciaria o início do festival.

Ela se levantou em um salto, sentindo a necessidade de se movimentar e correndo em alta velocidade, sem qualquer certeza de onde seus pés a levariam.

O resultado final foi: Um tigre no meio de uma floresta com imensas arvores, com um mínimo traço de vegetação rasteira , em um ponto que era possível observar perfeitamente a brilhante lua no céu pouco estrelado.

Ela se viu hipnotizada pela beleza da lua, especialmente nesse dia. Nunca se sentira assim antes ao observar a lua, mesmo no festival lunar; apesar da beleza hipnotizante, isso de certa forma a trazia um sentimento ruim, não somente devido as lembranças, mas era quase com um mal-presságio.

Algo aconteceria esse noite.

Ela podia sentir uma energia negativa se aproximar.

Aquilo era...

Um guerreiro...

Um guerreiro com o conhecimento...

O mesmo conhecimento que ela possuía.

Claramente não era um aliado, mas sim seu inimigo, ela tinha quase certeza de que viera para matá-la, e rezou mentalmente para ser capaz de chamar sua arma, afinal, havia algum tempo que não a usava.

Uma sombra começou a tomar forma na escuridão que parecia interminável. Agora ela era capaz de perceber que o sol já se fora completamente, sem deixar vestígio de sua existência, deixando-a na mais completa escuridão com um estranho que provavelmente viera para matá-la.

Ela recuou um único passo, enquanto a figura se aproximava tomando cada vez mais forma, perdendo cada vez mais o anonimato. Ela pôde ser capaz de identificar uma katana, sua visão aguçada deveria favorecê-la agora, ou assim ela esperava.

Finalmente a figura até então disforme, entrou em seu campo de visão, sendo iluminado pelo ofuscante brilho do astro no céu quase sem estrelas.

Ela quase ofegou quando foi capaz de vê-lo. Era um leopardo da neve, assim como Tai Lung, possuía traços diferentes e os músculos não pareciam tão intimidantes, mas, ainda assim, ele o lembrava do traidor que a vencera se um mínimo de dificuldade.

Ela não precisava de um convite, ou mesmo de um ataque para chamar sua arma, e assim foi. De certa forma aqueceu seu coração a visualização de sua lâmina, exatamente como antes, relembrando os velho tempos.

O leopardo de rigorosos olhos azuis exibiu um sorriso confiante, como se a vitória já estivesse garantida. Algo que o tigre não sabia, era que ele era um aprendiz e já tivera contato com energia espiritual por cerca de quinze anos. Para o leopardo seria fácil garantir a vitória, isso de acordo com seus próprios pensamentos.

Ambos os guerreiros tinham suas armas em mão, se encaravam sem tocar uma única palavra, até que ele resolveu falar.

– Uma parte do meu código de honra é... devo sempre dizer meu nome para quem vou matar, afinal, você tem direito de saber o nome daquele que tirou sua vida, e além do mais... meu nome vai ser o último que você vai escutar, morrerá pensando nele. Sou Lien Kong. Lembre-se deste nome.

–Bem... não costumo lembrar o nome de todos que derroto, então não posso garantir que eu lembre- disse em tom zombeteiro, provocando ainda mais a raiva do leopardo, que apenas avançou para ela com a lâmina erguida, sendo bloqueado rapidamente, em uma posição que não o favorecia.

Ele forçou a lâmina, tentando aproximá-la de seu rosto, e sendo impedido com facilidade.Ele tentou investidas de todas as posições que pôde, sem conseguir encontrar uma única abertura. O lutador se enfureceu, liberando uma quantidade considerável de poder espiritual, e atacando novamente.

Ele parecia ter ficado mais rápido, e Tigresa se via tendo dificuldade de bloquear certos golpes, sendo assim, por muitas vezes ela desviava, mas apesar de seu esforço, haviam alguns cortes visíveis ao longo de seus braços. Ela não poderia ficar apenas na defensiva, ou então, realmente acabaria morta.

Ela liberou uma "pequena" parte de sua energia, uma parte que para a mesma parecia insignificante, mas não para o leopardo engasgou em descrença quando a sentiu.

Ele não parecia mais tão confiante...

Era hora de agir.

Ela avançou para ele balançando sua lâmina em várias direções, sem piedade. Quando sua katana retornava ao ataque foi bloqueada ferozmente.

– Argh... não pense que vou te poupar só por... - ela não o deixou terminar, mas chutou duro seu estomago e o fez parar pressionado conta uma árvore.

O leopardo tossiu sangue.

– Só pelo quê? - Ela perguntou, com um brilho que dizia claramente que caso ele não a dissesse, iria pagar caro, mas em sua total inocência, ele apenas ignorou seu "aviso".

–Não interessa! - disse dessa vez tendo um fundo corte em sue peito

Ele tentou cortar seu pescoço, mas ela desviou habilmente, chutando em cheio seu maxilar, causando uma torção.

– Por que está aqui? - Ela questionou

–Isso é óbvio! Eu... - ele começou, mas foi silenciado pelo cabo de uma katana que atingiu sua boca

– Veio me matar, sei disso. Mas... com que propósito? Quem te mandou aqui?

–Não vou dizer!- anunciou corajosamente, finalmente se levantando

"Idiota. Não precisa dizer... acredito já saber a resposta."

Ele avançou, e ela percebeu que o formato de sua lâmina havia mudado, até que bolas de fogo voaram em sua direção.

Ela arfou,com certa surpresa, porém, foi capaz de desviar facilmente.

Os ataques continuaram, e ela se esgueirava por entre as chamas tentando tomar proximidade de seu oponente, que se afastava cada vez mais.

Ela liberou um pouco mais de poder.

Grande erro.

O fogo a seu redor, que de dissipava logo após fracassar em acertá-la mudou o trajeto, acertando em cheio os troncos das árvores, causando um grande incêndio.

Ele sentiu um dor extrema no pescoço, apenas para descobrir que havia sangue lá.Antes que a lâmina agressora pudesse acertá-la novamente, ela pulou para frente.

Seu inimigo estava longe de ser visto.

Mas, antes que pudesse fazer algo, duas figuras tomaram forma diante ao fogo.

Eram dois leões, um parecia ter idade, quase como seu mestre, já o outro parecia ter uma idade aproximada de sua própria.

– Ei pai o quê... - o leão mais jovem parou quando percebeu que ela estava ali

O velho senhor se aproximou em passos pesados da guerreira, não deixando passar nenhum detalhe, muito menos o sangue em sua espada.

–... Tigresa? - foi tudo o que disse

Ela apenas assentiu.

O mais jovem se aproximava em passos rápidos, e assim como seu pai apenas disse um nome.

– Soi Fong?- o rapaz perguntou quase com receio

Ela assentiu novamente

O mais jovem quase engasgou, ele apressou em fazer as apresentações.

– Sou Jin... Jin Chang. - Ele disse solenemente

– Prazer em conhecê-la minha jovem.Eu sou Quon Chang.- o senhor disse serenamente

Tigresa, por sua vez, não sabia como se apresentar.

–Bem , é um prazer. - disse por fim, tendo conhecimento de que eles já haviam sido avisados, de alguma forma,sobre sua identidade.

–Não acho que você deveria andar pela floresta assim... á noite. é perigoso. - Jin disse de forma quase zombeteira.

– É perigoso? Eu sou um mestre de kung fu, posso me defender muito bem. - disse sem hesitar

–Muitos deles são também, e tem muito mais técnica em poder espiritual - Jin disse como se fosse óbvio

Tigresa apenas suspirou.

– Ainda assim... posso me defender - repetiu

–Mas...

–Já basta Jin, confie no que ela diz. - Quon repreendeu calmamente o filho

–Mas pai...- Jin começou, sendo totalmente ignorado pelo pai

–Soi Fon, me pergunto se gostaria de continuar com seu treinamento, fui contatado por Yumie para que a senhorita pudesse prosseguir. Então... está de acordo com isso? - o velho mestre perguntou, sem mascarar os fatos, esperando pela resposta da jovem a sua frente.

Treinar novamente...

Ficar mais forte.

Mais poder, mais capacidade para proteger todos os que precisassem, todos aqueles com que ela se preocupava.

Mas...

Teria que deixá-los novamente para isso?

Não...

Não era importante.

Isso não tinha importância, desde que eles estivesses a salvo.

– O treinamento pode ocorrer sem interferir na sua vida cotidiana - Quiong falou, quase como se estivesse lendo sua mente..

Por vez, ela se curvou e fez o mesmo que fizera meses atrás.

Ergueu sua cabeça, e disse com convicção:

–Sim, mestre.

Tudo estava prestes a mudar com esse pequeno gesto, essas pequenas palavras...

Ela ficaria mais forte.

Ela não deixaria nenhum mal se aproximar de seu lar.

Ela iria proteger a todos com seu corpo, seu coração, e sua própria alma.