Mar de Lírios escrita por Jajabarnes


Capítulo 1
Sempre Há Uma Esperança.


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, e deixem comentários, sim?
Boa leitura!

Capítulo revisado e editado em 28/11/2023



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—Deixe-me apresentá-los – ele se aproximou com um homem, uma mulher e um rapaz. – Sr. e Sra. Stewart, essa é minha esposa, Helena, e minha filha, Susana. Helen, Su, esses são George e Laura Stewart, e este é seu filho, Phil – papai nos apresentou.

—É uma honra, senhoritas – disse o Sr. Stewart.

—A honra é nossa – mamãe respondeu sorridente. Eu apenas sorri e acenei com a cabeça.

Devia ser a quinta ou sexta família de amigos americanos que papai nos apresentava na singela meia hora em que estávamos ali. Era um chá, de trabalho para meu pai e muitos outros, mas reunia também suas famílias. Estávamos nos Estados Unidos há cerca de seis meses e eu já havia estada em muitos outros encontros como aquele. Eram como uma reunião informal, pois o assunto sempre seria trabalho - ou a guerra. A maioria ali era militar, ou filhos de militares, muitos haviam voltado dos campos de batalha, outros partiriam logo. Outra parte, aquela no mural de fotografias, nunca voltou. Em menos de uma hora e meia, já conheci Fabian e Julie Willendorf e seus filhos Félix e Felícia, o Sr. e a Sra. Brand e sua filha, Melina; Joseph e Vera Drummond, e seus netos, Jessica, Olívia e Robert. Mais duas famílias que desisti de gravar os nomes e, agora, os Stewart.

Estar ali ainda não era meu programa preferido, definitivamente, mas era importante para meus pais, então lá eu estava. Devo confessar que participar dessas reuniões sociais era um martírio no início, mas para meu conforto, passou a ser agradável depois de um tempo. Ouso dizer que poderia me acostumar - talvez até gostar mais - daqueles encontros futuramente. Por enquanto, não funcionava melhor do que as caminhadas pelo parque, ou as horas na biblioteca da Universidade ou os fins de tarde desenhando na varanda. A parte de mim que contava as horas para voltar à Londres, para perto de meus irmãos, conseguia um descanso nesses momentos. Os Estados Unidos eram legais, não digo diferente, mas a saudade que sentia de Pedro, Lúcia e Edmundo só crescia a cada dia.

 Eu até concordaria em ficar na casa de Eustáquio se a chance de voltar à Inglaterra me fosse ofertada. Porém, mesmo assim, são tempos complicados e não está seguro atravessar o Atlântico. Sequer temos previsões de quando estará. A saída era abusar das cartas, escrevia para eles dia sim, dia não e, sempre, tínhamos uma lauda ou duas falando sobre Nárnia. Pedro, que estava com Professor Kirke, era quem mais nos abastecia de histórias de Nárnia, pois nosso antigo tutor sempre se recordava de coisas novas. Era uma forma de acalentar a saudade que Nárnia havia deixado em Pedro, e em mim.

Mamãe constantemente se mostrava preocupada comigo. Helen Pevensie sempre foi muito observadora, e essa característica era infinitamente mais aguçada quando se tratava de seus filhos. Ela conseguia ler meus irmãos a partir de suas cartas e raramente errava. Os momentos em que a saudade e o aperto no peito me acometiam não passavam despercebidos para ela.  Mamãe dizia que eu parecia estar em outro mundo e eu realmente estava, minha mente não saíra de Nárnia ou de seu rei, nem sairia tão cedo. Mas como explicar? Basicamente, tudo se resumia a saudade dos meus irmãos, mamãe se deixava convencer e logo providenciava um passeio, levava-me para uma caminhada ao fim da tarde ou a um café e eu estaria mentindo se dissesse que desgostava desses programas. Nos perdíamos em conversas frescas e leves que revigoravam meu espírito. No fim da noite, sentia meu coração mais leve.

Suspirei sentindo a brisa, debruçada no parapeito de um dos coretos presentes ali no jardim onde ocorria a confraternização. O dia estava belíssimo e o clima agradável, o céu tão azul quanto meu vestido fazia a lagoa brilhar, destacando também a paleta de cores cuidadosamente escolhida para as estruturas daquele jardim. Era verão e tudo estava vibrante e colorido. Ouvi passos atrás de mim, mas era como o zumbido do silêncio em minha mente, como o sussurro da brisa.

—Está tudo bem, srtª. Pevensie? – uma voz masculina me assustou. Virei para ela e encontrei Phil, olhando-me com um brilho curioso e gentil.

—Claro – tentei sorrir. Em silêncio, ele debruçou-se ao meu lado, observando a paisagem, levei os olhos de volta ao entorno, a beira de me perder em pensamentos novamente.

—Está uma bela tarde – observou ele. Apenas concordei com a cabeça, sorrindo levemente. – Soube que a senhoria tem três irmãos – puxou assunto.

—Sim, mas eles ficaram na Inglaterra – soou como um lamento, para meu desgosto.

—Meu irmão, Tommy, está na França - disse, e senti o peso de sua informação. - Sente a falta deles, não é?

—Sinto – sorri e leve – Estou a ponto de saltar no próximo navio em direção a Inglaterra – nós rimos.

—Soube que pretendem retomar as viagens em dois meses – deu corda. Eu ri.

—Bem, eu partiria daqui dois meses, mas meu pai ainda precisa estar aqui pelos próximos três, então... – falei, não haviam muitas saídas para mim.

—Que sorte a minha… Quero dizer, e-eu sinto, sinto muito por você ter que esperar tanto tempo e… – Phil se atrapalhou, constrangido pela possibilidade de ter soado insensível e não pude evitar o sorriso ao vê-lo corar levemente depois de pigarrear, decidindo que era melhor parar de falar.

—Serão bons meses - disse, para tentar ajudá-lo com a situação. Phil ergueu o olhar e sorriu de leve. Ao longe vi meus pais, nos observando - Hm... Eu preciso falar com mamãe, com licença – falei gentilmente, já seguindo para os degraus. Caminhei sobre os saltos até meus onde meus pais estavam.

—O que houve querida? – perguntou meu pai.

—Er... Eu não estou muito bem aqui, queria saber se posso voltar para casa...

—Não se sente bem? O que você tem? – minha mãe pôs a mão em minha testa.

—O menino dos Stewart não lhe faltou com respeito, faltou? - Papai indagou, cauteloso, enquanto eu tentava me desvencilhar da mão de mamãe.

—De forma alguma, e não tenho nada demais, só... Quero ir para casa... Tudo bem? – perguntei. Meu pai hesitou.

—Achei que estava se divertindo - comentou.

—Estava, mas hoje chegará a encomenda de Lúcia, lembra?

—Oh, sim, claro! - lembrou-se.  - Pode ir, mas não ouse ficar com meu Manjar.

—Raphael…! - mamãe reclamou. Eu ri.

—Sim, Sr. Pevensie.

[...]

Larguei o cardigã em qualquer canto, tirei os sapatos e corri para minha cama com o embrulho em mãos. Como previsto, o pacote já havia sido entregue, assim como outras cartas, e aguardava na varanda. Sequer precisei conferir o remetente, de cara reconheci a caligrafia de Lúcia no papel pardo. No silêncio do quarto e feliz por estar um pouco só, preferi começar pela carta endereçada a mim. Olhei para a cabeceira da cama, esticando o braço para apanhar o abridor de cartas. Rasguei com cuidado e retirei o papel amarelado lá de dentro, desdobrei-o e comecei a ler.

“Oi, Su, sentiu saudades? Eu sei que sim! Bem, escrevi para avisar que prestei os últimos exames nesta última semana, logo mais terei os resultados em mãos e, se tudo correr bem, você terá um irmão médico dentro de algum tempo. Não é demais? Escreverei mais em breve para falar sobre algumas ideias nas quais o Professor e eu estamos trabalhando, só queria contar logo sobre os exames. Por favor, contenha sua curiosidade...”— comecei a rir, quase podia imaginar a cara cínica de Pedro ao escrever aquilo, era óbvio que ele deixaria a todos curiosos - “Se tudo der certo, me mudarei para perto da Universidade. Não é longe, vai me permitir sempre estar aqui com o Professor, mas terei mais espaço e poderei, finalmente, trazer o Ed e a Lu de volta. Parece que a convivência dele com Eustáquio está cada vez pior. Quanto a você, tem minha completa e absoluta permissão para retornar antes! Espero que esteja tudo bem por aí, mande lembranças ao nosso pai e muitos beijos para nossa mãe. Por favor, conte a novidade para eles. Mando mais notícias em breve.

Beijos de seu irmão preferido,

Pedro.

Eu sorri com a sensação de quase poder ouvi-lo dizer cada palavra, bem como ter a plena certeza de cada expressão que ele havia feito enquanto escrevia. Pedro seria sempre Pedro, um livro fácil de se ler para quem o conhece. Lúcia parecia muito com ele nesse ponto. Guardei a carta de volta ao envelope e o deixei ali sobre a cama, ainda aconchegada pela lembrança de meus irmãos, comecei a abrir o pacote maior. Não deixei de notar que Pedro não fizera nenhuma referência à Nárnia. A saudade que me causa anda me fazendo chorar com frequência ultimamente, mas não é algo com o qual pretendo preocupar meus irmãos. Eles já haviam se preocupado muito. No fim do mesmo ano em que voltamos de lá pela segunda vez, papai conseguiu esse emprego como professor temporário aqui na América. Ficaria muito caro trazer todos os filhos e como Pedro tinha que estudar e não havia lugar para Edmundo, Lúcia e eu na casa de nossa tia, só eu pude vir com eles. Não sei se isso é sorte, como diz Edmundo, ou azar, por eu ter que ficar longe deles. Acho que um pouco dos dois.

Dentro da caixa, tinha uma embalagem com os doces que Lúcia havia prometido a papai, um bordado especial para mamãe e um envelope para mim. Abri devagar encontrando um papel diferente do de carta que Lúcia normalmente usava, era um retângulo que logo identifiquei: uma fotografia. O primeiro lado que vi foi o verso, cuja caligrafia de Lúcia também enfeitava com uma simples informação:

"Cambridge, 1942”

Na foto, Lúcia sorria ao lado de Edmundo. Sorri sem perceber. Eles haviam crescido tanto em tão pouco tempo. Parecia que não os via há séculos. Edmundo estava mais alto, e quase pude ouvir sua voz ao olhar seus olhos naquela imagem. Sorri com o coração apertado de saudade. O sorriso de Lúcia parecia ganhar mais brilho a cada dia que passava, como se ela florescesse a todo momento. Era como se a magia de Nárnia transbordasse dela em nosso mundo, e já cheguei a me perguntar se Aslam não esperava isso de nós também. 

Na carta, Lúcia contou como andavam as coisas na casa de tia Alberta e tio Arnaldo. Não havia nada novo: nossos tios e seus costumes continuavam estranhos e Eustáquio se mantinha extremamente desagradável, aproveitando cada oportunidade para provocá-los quanto a Nárnia - informação que ele conseguiu após ouvi-los conversando. Ela estava animada com a ideia de morar com Pedro e, por fim, contou-me um sonho que tiveram com Nárnia, com Caspian e um navio. Se desculpou nas entrelinhas por me falar dele, mas precisava contar seu sonho, que não saía de sua mente.

Desde nosso segundo retorno, este rosto em particular ocupa minha mente sempre que ela está vaga. Não só o rosto, como os olhos negros, o sorriso branco, o sotaque telmarino. Caspian, apesar do que meus irmãos pensaram a princípio, me traz ótimas recordações. A sua ausência é que tem me dado mais trabalho. Com ele eu experimentei um sentimento novo que dominou todo o meu ser, algo que nunca imaginei ser possível existir e que estava longe de ser um segredo. Depois de voltar, pude afirmar a mim mesma - e somente a mim - que o amo e estar longe dele, principalmente sabendo que nunca mais vou vê-lo, dói. Isso é inevitável, mas eu não me permito sentir ou demonstrar tanta dor assim. Afinal, não há lógica em sentir tristeza num sentimento que só me faz feliz. Porém, essa questão era a única que eu evitava falar com meus irmãos pois só serviria para deixá-los mais preocupados. Sabia que também sentiam falta de Caspian como sentiam de Nárnia e Aslam, e eu havia decidido não lhes dar mais motivos, guardaria essa falta em particular para mim.

Ao contrário do que eu temia no princípio, pensar nele consolava meu coração, de certa forma. O próprio Aslam disse que Pedro e eu não voltaríamos à Nárnia, então só o que me restava eram lembranças. Nem sempre cumpriam seu papel de consolo, mas sim de dor. No entanto, ainda sentia vivo em mim um calor reconfortante, uma chama de esperança que também podia encontrar nos olhos de Lúcia, mesmo na fotografia. Levantei-me e fui até a mesa para terminar de ler e pronta para responder as cartas. Não sabia como nem para que rumo aquela pequena esperança levaria, mas era o que me restava para seguir. Independente de que situação nos encontrássemos, o próprio Leão disse que sempre há esperança.


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Notas finais do capítulo

Preciso de reviews para saber se devo continuar, ok?
Não custa nada!
Beijokas!!