Engraçado. Eu sempre achei que morrer seria fácil. Não, a verdade é que eu nunca pensei nisso. Eu nunca quis pensar. Trabalhar na S.H.I.E.L.D. envolvia morte demais, se eu parasse para pensar no assunto eu provavelmente não dormiria a noite. E mesmo assim havia noites que isso me assombrava. Noites em que os fantasmas do meu passado voltariam para assombrar meus sonhos, minha realidade. Talvez seja por isso que nada bom nunca durou muito tempo na minha vida, talvez eu não merecesse isso. Talvez todas as coisas ruins que aconteceram foram para balancear as coisas ruins que eu fiz. Porque assassinato, não importa se é justificado ou não, ao fim do dia você ainda matou alguém. E ao fim de muitos dias você começa a mentir para você mesma, porque a verdade é dura demais. Fugir é mais fácil. Mentir é mais fácil. Dizer “eles mereceram aquilo” é mais fácil. Mas quando você se rodeia de muitas mentiras, elas começam a te devorar pouco a pouco. Então talvez isso não seja tão ruim, morrer, eu quero dizer, talvez não seja tão ruim. Mas não é fácil. Esse lance de “o filme da sua vida” passando pelos seus olhos, dói. Rever todos seus erros, aqueles exatos momentos que se você pudesse voltar no tempo mudaria tudo, aqueles segredos que você guarda de si mesma, as memórias que mais te machucam, aquela decisão que te mandou numa espiral até o fundo do poço, as vezes que você não estava nada bem, mas escondeu a dor, e você pensa e se eu tivesse deixado eles me ajudarem? Mudaria algo? E se...? Rever as memórias boas também dói. Porque deixar isso para trás dói. Largar aquilo que a gente ama é difícil. Aqueles pequenos momentos, gestos, pessoas que fazem valer a pena viver. A verdade é que morrer dói. Muito. Fisicamente. Eu deveria estar sentindo tanta dor assim ainda? Bem, suponho que sim. Mas onde eu estava na história mesmo? Oh, sim. Agora não falta muito.

"You should've known I love you

Though I'll never say it too much

Maybe you didn't get me

Maybe I'll never know what I done"

Estávamos todos no galpão ao lado do píer nos preparando para atacar. Fury terminava de dizer algo que eu não prestei muita atenção. Ok. Nenhuma atenção. Meu coração batia acelerado tão alto que eu apostaria que todos podiam ouvir. Eu odiava admitir isso, mas eu me importava com Stark. Eu o odiava por ter me abandonado na SHIELD, por simplesmente não ter estado do meu lado quando eu precisei, por não ter sido pai. Mas as lembranças de quando eu era pequena, dele me levando no zoológico pela primeira vez, de quando ele ainda me visitava, as risadas, de como eu me sentia segura com ele, de como eu era feliz, tudo isso fazia com que eu ficasse extremamente ansiosa e preocupada com o pensamento de Tony amarrado num píer á mercê de Loki e um bando de alienígenas enlouquecidos. O que é irônico, sendo que Loki foi meu ex-namorado e Stark é meu pai, na maioria das famílias o genro é ameaçado pelo sogro. Mas na maioria das famílias o pai não é um super herói com um ego ridiculamente enorme, o genro não é um deus-alienigena megalomaníaco e a filha não é uma assassina. Justo.

– Você deveria se acalmar. Estar preocupada não vai te ajudar na batalha.- a voz de Steve me trouxe de volta. Sorri triste.

– Suponho que sim. Eu só não gosto da ideia de... dessa situação inteira. Eu me sinto presa num pesadelo.

– Você ainda o ama não é?

– É complicado.

– Sabe as pessoas desse século adoram falar isso. É complicado. Eu acho estranho isso, porque quando eu caí no mar todos estavam otimistas que com o fim da guerra tudo ficaria mais fácil.

– Ser otimista só leva a se decepcionar. Mantenha isso em mente, cap.

– Não, ser otimista te leva a se levantar, porque se ainda não deu certo, é porque ainda não acabou. Você devia manter isso em mente, Stark.

Eu provavelmente continuaria essa discussão filosófica por dias a fio, se Fury não decidisse que aquele era o momento ideal para atacar. Aparentemente havia sido decidido que Bruce ficaria no galpão, afinal seria inconveniente ter o Hulk esmagando o Homem de Ferro por acidente.

A verdade é que a batalha é um borrão para mim agora. Eu me lembro de ter entrado no galpão/QG atirando em um bando de E.T.s que estavam de guarda. Me lembro de ter encontrado os olhos de Loki rapidamente, nossa ultima conversa soando ainda em meus ouvidos.

"Now I'm lost in the distance
You're looking me like a stranger
Cause how it looks right now to me
Is it you're scared of the danger"

“- Se você diz a verdade, por que não larga tudo? Eu falo com Fury, ele daria um jeito de abafar tudo isso... ou então nós podemos, eu não sei! Viajar, ir para algum outro lugar. Você só tem que desistir dessa loucura!

– Não é tão fácil assim. Eu fiz alianças com pessoas poderosas. Muito poderosas. Eu não tenho escolha. Não mais. Eu sinto muito. Eu não posso desistir, mas você pode. Não se envolva com os Vingadores. Eu... eu não quero que você se machuque.”

"Yeah it's true you know, we're not perfect
There's a fire inside of me
It means I'll fight for the things that are worth it
If it makes me feel complete
Cause I'm hitting rocks, and I'm taking shots
I'm prepared to lose everything I've got"

Enfim, eu me lembro de continuar atirando. E atirando. E atirando. Então Steve e Clint desamarrando Tony enquanto Natasha e eu continuávamos atirando. Eu me lembro de pensar que era relativamente injusto atirar em alguém usando arcos e flechas, até que as flechas acabaram e eles arranjaram armas de verdade. Eu me lembro de Loki lutando com Thor e de pensar o quanto eles pareciam duas crianças discutindo. Então tudo aconteceu em câmera lenta. (Credo, eu estou ficando tão clichê! Ugh!) Um dos alienígenas em cima de um container mirando uma flecha. Steve, Tony e Clint de costas saindo do outro do galpão. A flecha sendo lançada. Thor e Loki, ainda brigando, entrando na frente. Nenhum dos dois vendo o objeto. O pânico e a adrenalina correndo pelas minhas veias enquanto eu corria. O mundo um borrão a minha volta. As palavras saindo da minha boca sem que eu me desse conta “ se abaixem!”. Então nada. Então de repente uma dor insuportável. Era como se tivesse acido em vez de sangue. Mas ainda havia sangue, eu comprovei logo em seguida quando levando minhas mãos a minha barriga elas voltaram vermelho escuro. Respirar se tornou incrivelmente difícil e eu logo senti o gosto metálico nauseante de sangue, que eu descobri estar escorrendo pelos meus lábios. O mundo girou e minhas pernas perderam forças. O chão era tão frio contra minha pele febril que quase me senti aliviada. A minha visão estava turva, só vendo sombras. Uma das sombras estava na minha frente. Não conseguia saber quem era. Essa sombra parecia falar comigo, eu ouvia ao longe sua voz, era uma voz tão conhecida! Eu queria entender o que a sombra dizia, mas estava tão longe e eu tinha tanto sono. Abrir os olhos parecia difícil demais. Respirar parecia difícil demais. Braços frios me rodearam e eu perdi o conforto que o chão me dava. Tentei reclamar mas tudo o que eu consegui foi grunhir e soltar mais sangue, enquanto outra onda de dor me assolava. Mas o corpo que me carregava era tão frio! Frio era bom. Frio era muito bom no momento, minha pele parecia queimar de febre. Eu ainda ouvia ao longe a voz dizer algo (gritar? Implorar? Não tinha certeza.) mas não pude diferenciar as palavras. A escuridão querendo me engolir.

"Now I'm lost in the distance
You're looking me like a stranger
Cause how it looks right now to me
That nothing can save us"

E aqui estamos nós. Fim da historia. The end. Vendo assim, minha vida foi tão curta. Se eu soubesse teria pulado de paraquedas antes. Ou comido mais bolo de chocolate. Definitivamente mais bolo de chocolate, afinal eu iria morrer antes de ficar gorda. Quanto tempo vai levar agora? Afinal, quem estava certo, os cristãos, protestantes, hindus ou budistas? Ou talvez os polinésios? Ou talvez nenhum deles e no final todos vamos para o inferno. Mas se não existir céu, vai existir inferno? Com a minha sorte? Provavelmente. Morrer poderia ser tão mais fácil! Ou menos chato. Ou menos dolorido. Pelo menos ninguém morreu, certo? Quem sabe agora, eu possa me perdoar por pelo menos uma parte do que eu fiz? Ou talvez eu simplesmente devesse ter ouvido e ficado longe dessa missão. Não, ele devia ter me ouvido. Tudo teria sido tão diferente. Eu estava certa. Droga, nunca vou poder esfregar isso na cara dele. Isto sim é algo que eu me arrependo não poder fazer. Será que eu vou poder continuar ´por aí como um fantasma? Porque isso seria tão legal! Mas depois, é depois. Agora eu estou com tanto sono... e dói tanto... dormir seria bom. Muito bom... é... bem, adeus, eu acho. Essa foi a minha história, não foi um conto de fadas, não teve um felizes para sempre. Sem príncipes encantados em armadura brilhante e cavalos brancos. O rei teve de ser resgatado, o vilão teve o amor da protagonista, mas no final do dia, eu não tive o meu final feliz.

“I could've shown America
All the bright lights in the universe
Could have reached, the highest heights
A different place, a different life
Remember that night underneath the stars
For a minute I thought the world was ours
All you had to do was show me love”