Só existe uma palavra para definir o novato. "Esquisito". Não que eu tenha reparado muito nele, talvez só o suficiente para tentar decifrar essa incomoda sensação de que já o conhecia de algum lugar. Quando digo que ele era esquisito, quero dizer que ele passava a aula inteira olhando pela janela, absorto em seus próprios pensamentos.

No entanto, assim que a professora se dirigiu a ele, foi como se Peeta estivesse prestando atenção em cada palavra que ela dizia. Respondeu corretamente as duas perguntas sobre mitose feitas pela professora e deu seu melhor sorriso para toda a classe. Annabeth, é claro, ficou um pouco irritada.Ninguém além dela costumava responder tão bem as perguntas dos professores.

Isso me deu uma pontada e trouxe lembranças de um tempo que eu ainda acreditava que responder corretamente os professores era a melhor coisa do mundo. Ninguém sabe, mas até a oitava série era eu quem costumava responder corretamente. Era eu que levava olhares malignos dos nerds da sala.Uma vez até fiquei para trás para conversar com um professor sobre a questão da Palestina. Eu era assim, eu me importava. Hoje, tudo isso soa tão ridículo que me dá uma certa vontade de rir. Olho para Gale, ele é o único que sabe do meu passado, eu e ele convivemos desde o quinto ano.

Um garoto deslocado, uma garota meio boba com vontade de ajudar. Foi por isso que nos unimos. A maioria das pessoas internaria qualquer um que dissesse que eu e ele somos parecidos. Mas a verdade é que, esse jeito caladão, misterioso e auto-suficiente de Gale também é parte do que sou. Ele é mais parecido comigo do que qualquer um poderia imaginar. É por isso que nos entendemos, porque ele também sabe disso.

Só não sabe do meu plano. Não quero desapontar Gale, não suportaria. Mas é isso que vou fazer, por covardia. Além do mais, esse segredo só pertence a mim. Tenho meu diário online, ninguém lê é claro. Por isso posso desabafar ali com total liberdade. Tenho feito isso há muito tempo. Contar meus problemas para alguém de carne e osso? Não, isso para mim é impossível. Ninguém se importa, e os poucos que se importam apenas ficariam com pena e me achariam uma fraca. Por isso escrevo, é a melhor terapia que conheço.

Dessa vez a professora percebe que sou eu quem está no mundo da lua. Como a Michigan me adora, resolve aproveitar esta pequena chance para pegar no meu pé.

–Então senhorita Everdeen-Meu sobrenome dito por ela parece uma coisa abominável-Pode me explicar como ocorre o processo de osmose?

"Eu poderia, assim quem sabe a senhora conseguisse usar um Shampoo?"-É o que penso. Mas a resposta mais segura é...

–Desculpe professora, não estava prestando atenção. Pode explicar de novo por favor?

Obviamente todos na sala caem na risada. Pronto, agora todos eles vão continuar pensando que sou idiota. E este é apenas o primeiro dia de aula. Eu deveria estar feliz, não era isso que queria, deixar de ser a nerd da turma? Bom, ainda existe um lado meu que se sente humilhado, mas procuro não me importar muito com ele. Gale lança um olhar rápido na minha direção e revira os olhos. Posso ver que ele sabe que eu sei a resposta.

Prontamente me viro para encarar a professora que já está dando um discurso de como é importante estar atento nesta etapa da vida, já que o vestibular está chegando. Argh! De novo isso?

Quando as aulas acabam dou graças a Deus. Menos um dia, segundo os professores, que estou perdendo pela minha falta de atenção.

Dou tchau para o pessoal e vou correndo pegar o Finnick na sala do quarto ano. Sei onde é porque a Golden nunca muda as turmas de sala. Se você estudou em uma sala no quarto ano pode ter certeza que seu irmão vai estudar nela quando for a vez dele.

Quando estou saindo da escola com Finnick ao meu encalço escuto uma voz atrás de mim

–Você sabia a resposta.

Me viro e encaro um Peeta com uma expressão curiosa no rosto.

–E dai?- Sei que não devia estar falando com ele desse jeito, ele é amigo do pessoal, provavelmente de alguma dessas festas idiotas. Mas seu tom é tão irritante e sua intromissão é tão ofensiva que fico extremamente irritada.

–Sei lá, só achei estranho você não ter respondido. Poderia não ter feito papel de idiota na frente de todo mundo.

Agora ele conseguiu me deixar furiosa. É algo estranho por que, há muito tempo não sinto essa fúria. Essa vontade de revidar.

–Não é só por que você age como um animalzinho de circo, acreditando que todos tem que aplaudir quando você acerta que eu tenho que fazer o mesmo não é?- Nossa, agora acho que passei um pouco do limite. Mas mesmo assim uma estranha felicidade me atinge. Fazia tempo que eu não brigava com ninguém, que eu não feria ninguém. É uma sensação maravilhosa.

Arrasto Finnick enquanto saio, sem dar tempo para Peeta pensar em alguma resposta. Mas mesmo que eu já esteja bem longe dele no Portão da escola, mesmo por trás da sensação de vitória, consigo ouvir sua resposta. E ela sem querer me quebra.

–Sabe Katniss, para uma garota tão inteligente você é mesmo muito idiota.