Eu realmente esperava que não tivesse ninguém em casa quando eu voltasse para lá. Mas eu sabia que como já eram seis horas da tarde isso seria quase impossível. Tomei o maior cuidado para não chamar atenção quando cheguei.

Fiquei surpresa quando vi Finnick e Haymitch conversando amigavelmente na sala. Nenhum dos dois pareceu me notar. Fiquei feliz em ver eles juntos. Talvez Haymitch ajude meu irmão quando eu me for. Não acredito que já estou confiando tanto nele dessa maneira, mas de uma forma estranha, eu confio.

Não é difícil separar o que eu vou levar. Pego algumas poucas roupas, Pego mais alguns itens básicos como escovas de dente, pastas, toalha e outras coisas que vou precisar para me manter decente. Por último pego quatro dos meus livros favoritos, sei que é um peso morto, mas eu jamais conseguiria me desfazer deles. Principalmente porque me lembro de ler eles todos os dias para Finnick.

Quando estou pondo tudo na mochila olho para minha escrivaninha e lá estão os anjos de enfeite que Peeta me deu. Não resisto e ponho um deles na mochila. Pode ser passado, mas essa é uma história que não quero esquecer. Depois me dirijo à cozinha e pego um pouco de comida. Vamos precisar disso. E pego a cópia da chave da casa da minha avó que estava em uma gaveta escondida. Eu estava torcendo para que minha mãe não desse falta.

Termino finalmente minha mochila e percebo que alguém está me olhando da porta do quarto. Finnick está de braços cruzados com uma expressão intrigada no rosto. Ele está tão sério que me dá vontade de rir.

Ele é quase um adolescente agora e percebo que ele tem amadurecido muito. Mas mesmo assim, ainda é o mesmo menino que vinha correndo para os meus braços toda noite para que eu o fizesse dormir. Ele só dormia comigo porque tinha muitos pesadelos. Pensar nisso me dá vontade de tirar tudo da mochila. Mas não posso, eu já tomei minha decisão.

–O que você está fazendo Katniss? Porque está pondo todas essas coisas na mochila?

–Eu vou viajar por um tempo.

–Para onde você vai?

–Você consegue guardar segredo?

Os olhinhos dele brilham. A curiosidade dando lugar a excitação. Eu sei que é arriscado, mas acredito que não vai ter problema de dizer para meu irmão para onde eu estava indo. Acho que não conseguiria perder contato com ele.

– Você Lembra da casa da vovó? Aquela em que nos moramos quando você era bem pequeno?

–Não me lembro muito, mas sei qual é.

–Estou indo para lá. Mas você tem que me prometer que não vai contar para ninguém, ninguém mesmo. Nem Prim, nem mamãe, nem papai. Ninguém.

–Eu prometo, não vou contar a ninguém. Juro.

–Ótimo. Escuta, vou ficar longe por um bom tempo, mas você pode me encontrar no celular. Você só vai poder me ligar do orelhão da escola entendeu? Não me ligue daqui de casa, pode ser perigoso.

–Vou te ligar do orelhão da escola, quando ninguém estiver por perto. Todos os dias. Eu prometo.

Sinto as lágrimas rapidamente se formando. Mas não vou chorar, não agora. Eu fiz uma escolha. E quando se faz uma escolha você precisa estar pronto para as consequências. Ao invés de chorar apenas sorrio para meu irmão e o puxo para um abraço. Meu irmãozinho já está quase da minha altura. Eu sempre fui baixinha, mas não consigo acreditar no quanto ele cresceu nos últimos tempos.

–Você é o melhor irmão de todos sabia. Cuide de Prim, não deixe que ela faça nenhuma besteira ok?

–Vai ser difícil, mas eu dou conta.

–Eu sei.

Então pego minha mochila e saio pela porta, não sem antes dar mais um sorriso para meu irmão. Já sinto tanta falta dele que quase dou um passo atrás.

Quando chego à porta da frente tomo um susto quando percebo que Haymitch está na frente da minha casa ainda.

–Então essa é sua decisão?

Por incrível que pareça não estou com medo de que ele me impeça de ir, como provavelmente vai tentar. Não estou com medo por que sei que nada nem ninguém vai conseguir impedir que eu fuja com Gale esta noite.

– Oi Haymitch. É sim e não adianta tentar fazer com que eu mude de ideia – Continuo andando enquanto falo. Não tenho tempo a perder com Haymitch.

–Quem disse que eu faria isso?

Estou tão surpresa que tenho que me virar.

-Você não vai me impedir?

–Não- Não há nenhum tom de brincadeira na voz de Haymitch.

– Olha só, não adianta nada você ganhar minha confiança se mamãe estiver zangada com você.

– Acontece que eu não estou ganhando sua confiança. Infelizmente já percebi que você é do tipo que aprende mais cometendo erros. Então, estou apenas deixando que você tome suas decisões. Ás vezes esse é o maior presente que podemos dar a alguém.

–Ok, então, obrigada eu acho- Não sei o que pensar sobre essa atitude de Haymitch, mas não tenho muito tempo, preciso ir.

Mas antes que parta escuto passos atrás de mim e dou de cara com minha mãe.

–Katniss, onde você está indo a essa hora com uma mochila.

–Eu vou passar um tempo fora de casa- Digo simplesmente.

–Como assim você vai passar um tempo fora de casa? Katniss, já chega- Ela me puxa pelo braço olhando diretamente nos meus olhos -Eu sou sua mãe, está me ouvindo? Você me deve satisfações.

– Eu já não te devo mais nada. Você não me deu satisfação nenhuma enquanto me deixava sozinha cuidando da Prim e do Finn. Então não preciso prestar contas a você.

–Katniss, eu sou sua mãe.

– Que bom que você lembrou disso. Só espero que você consiga se lembrar que ainda tem mais dois filhos que precisam de você lá dentro. Espero que dessa vez, você não erre. Ainda dá tempo. Pelo menos para eles.

Viro as costas para minha mãe, viro as costas para minha casa. De certa forma, viro as costas para a infância, finalmente assumindo o controle da minha vida.

Vou correndo para a casa de Gale pegar mais algumas coisas e me despedir de sua família. Hazelle já está me esperando na frente da casa com uma mochila pronta.

– Está aqui Katniss, Gale me ligou contando o que vocês vão fazer, então já deixei a mochila dele pronta. Coloquei algumas coisas que acho que vocês vão precisar durante a viagem.

–Obrigada Hazelle. Gale pediu para me despedir de vocês. Ele teria vindo, mas achamos perigoso demais.

–Eu sei. Ele me falou tudo isso.

Então Hazelle me puxa para um abraço.

–Katniss, por favor, cuide daquele teimoso sim. E cuide-se querida. Ah querida, vocês se meteram em uma baita encrenca não é.

–Pode deixar Hazelle. Não se preocupe, vamos sair dessa eu juro. Cuide-se também. Sabe que Gale nunca vai te perdoar se você não se cuidar e adoecer não é?

Ela sorri e me entrega a mochila.

–Cuide- se querida- ela repete.

Dou um rápido adeus para minha amiga e vou direto para onde Gale está me esperando ele disse que tinha falado para o amigo nos pegar às nove horas lá no parque, ainda faltava um tempinho. Quando estou chegando lá sinto que um pouco da adrenalina que invadiu meu corpo durante os preparativos para fuga está aos poucos sendo substituída por um cansaço e uma sensação estranha, quase uma letargia. “Eu estou deixando minha cidade, estou deixando minha família”.

Mas assim que chego ao local marcado sinto uma fisgada no peito. Algo como desespero começa a correr pelas minhas veias. Procuro perto da macieira, nos locais onde costumamos ficar, mas não há nada, nem um sinal de Gale.