A Vida de Uma Garota Nada Popular escrita por Lu Carvalho


Capítulo 29
Irresistível




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Meu pai.

Meu pai estava aqui.

No aeroporto.

Mas não é possível que tenha vindo por mim, ele não tinha a mínima idéia sobre a viagem.

O que ele está fazendo aqui? E por que está vindo na minha direção como se eu o amasse? E por que está sorrindo?

POR QUE MINHA MÃE ESTÁ SORRINDO?

–Que quê você tá fazendo aqui? - soltei, ríspida, quando ele estava à 10 cm de um abraço amarelado.

–Mariana... - disse de olhos brilhantes. - Como você tá crescida! - veio para outro abraço. -Que saudade!

–Não! - empurrei-o. - Você não respondeu a pergunta! QUÊ CÊ TÁ AQUI? -trêmula, berrei.

Uma considerável quantidade de gente virou-se para assistir a novela. Algo que já estava acostumada a acontecer.

Meu pai não tinha movimento. Estava estático com minha reação.

Continuei:

–FAZ QUANTOS ANOS QUE VOCÊ NÃO DÁ AS CARAS?! QUANTOS ANOS NÃO LIGA?!

Thiago, atrás de mim, abraçou minha cintura, para conter-me de jorrar raiva sobre meu pai. Pedi calmamente para ele soltar, apesar de estar de unhas prontas para arranhar.

–Mari, se acalma um pouco para eu te explicar a situação.

Ignorei, e continuei a gritar coisas que estavam entaladas na guela há tempos.

–SABIA QUE AS LIGAÇÕES NÃO SÃO ASSIM TÃO CARAS DE ESTADO PRA ESTADO?! É SÓ ESCOLHER UMA BOA OPERADORA!

Ao passo que eu urgia, mais meu pai tentava se aproximar. Será que estava dando uma impressão amigável demais?

Era estranho o quão diferente e igual ele parecia simultâneamente. Diferente estava por estar bem mais grisalho e gordo. Suas olheiras continuavam profundas, seu nariz ainda era batatoso e sua orelhas ainda eram de abano. Pensei que quando partisse iria pelo menos fazer a cirurgia para corrigir o Dumbo, mas não. Igual estava por nunca ter as palavras certas na boca.

Ele ainda era um pseudo-mudo.

–Filha, - intreveu minha mãe. Há quanto tempo eu não via minha mãe? Eu pensava que ela estivesse presa em algum caso de advogada lá em Chicago, e fosse acertar contas de pensão com meu pai. Será que eles acertaram mais do que isso? E, se sim, como ela pôde?! Ela parecia feliz, mesmo estando petrificada com meus gritos. O que havia acontecido nesse meio tempo?!?! - o papai... vai passar o natal conosco.

Olhei abrupta e ferozmente para ele novamente. COM QUE DIREITO ELE SE DAVA PARA PASSAR AS FESTAS COM A GENTE? E PORQUE MINHA MÃE ERA TÃO BOBA DE DEIXAR?

–Thiago, me leva daqui, por favor. - agarrei a mão de meu namorado para apressar seu passo.

Eu não queria ter de lidar com isso agora. E eu não tinha que lidar com isso agora. Meus prantos estavam entalados. Era impossível de proferir qualquer coisa sem que aquele nó subisse.

Meus pais estavam estendidos, sem expressão, ainda mais surpresos do que eu. Eu estava pouco ligando, só queria ir pra casa logo e dormir. Mas o problema foi que eles não desistiram tão cedo. Logo correram atrás de mim e declamaram idiotices como "Temos de conversar", "Deixe eu te explicar as coisas", "Não tenha raiva".

Isso apenas contribuia para aquele tal fiozinho da paciência estourar-se. Eu segurava todas minhas forças em Thiago para não cair. Meu pai não poderia ter escolhido melhor hora para aparecer.

Teve um instante em que meu pai resolveu abordar-me mais pessoalmente. Ele tocou a mão no meu ombro direito e disse, com aquela sua voz de pai, coisa que eu não ouvia há tempos.

–Campeã, lembra das flores? E como você gostava delas? Vamos voltar pra lá, andar um pouco, conversar...

Olhei eu, agora, incrédula.

–Não venha me falar das flores.

Suspirei para Thiago. Daí olhei meu pai. Daí olhei minha mãe. Daí olhei minhas mãos. Daí olhei Thiago novamente. Ele olhou suas mãos. Daí olhei suas mãos e notei chaves de carro. Daí olhei meus pais. E disse que tinha que ir.

Engajei minha mão a Thiago e puxei-o porta a fora. Sorte nossa, ou minha, que ele estacionara o carro na frente do portão de vidro. Soltei minha mala num ímpeto no banco de trás e tratei de ir ao passageiro, ao passo que Thiago já engatava a chave para, enfim, partimos.

Fora tudo rápido demais! Só sei que num segundo saía do avião, noutro pegava a mala, noutro deparei com meu pai, noutro estava no carro.

Finita.

Não me aguentava. O peso de meu corpo triplicara e meu coração não parecia estar mais ali. Decidi alavancar o bom senso aos céus e minhei para Thiago:

–Quero minha cama, mas não quero voltar pra casa. -deixei um soluço escapar. - Podemos ir até seu apartamento?

–Claro. - desviou os globos do volante e voltou-se a mim. Sorriu.

Sorri também.

Eu não acreditava o quão sortuda era. Eu tinha o melhor dos melhores. Tão inteligente, que até estacionara em lugar estratégico! Santo era esse meu namorado, não? Ainda bem que em meio a toda esse nublado da minha psique, eu o tinha.

Ele sempre seria meu ponto de paz. Tanto que chegava a ser irreal.

–Mari. - ele deslanchou a falar: -Antes de qualquer suspiro, deixa eu te explicar o que eu sei. Há alguns dias atrás, Bruna me ligou.

–Bruna?! Como ela tá?!?! - interrompi.

Ele grunhiu um som estranho, jogou seu indicador nos meus lábios e proferiu:

–Não interrompa! E ela tá bem, sim. - murmurou. - Bom, ela me ligou e avisou que sua mãe tinha chegado. Tá, até aí achei normal porque sua mãe sempre viaja, e volta. Mas foi que ela disse que teu pai também. Ela disse que eles se encontraram lá para discutir coisas sobre a pensão, e... deu que...

–Por favor, não me diga que eles se reconciliaram.

Thiago virava esquinas e curvava o carro muito mal. Que Deus me perdoe, mas ele era um péssimo motorista.

–Isso eu já não sei. -uma buzina alarmou xingando Thiago. - OK!CALMAAÍAMIGO! -berrou pra fora da janela. - Só sei que ele decidiu rever vocês por um tempo. - continuou.

Bufei. E mergulhei no banco do carro.

–Eu não quero rever ninguém. Que inconveniente da parte deles.

Thiago disse algumas outras coisas, mas eu não prestei atenção. Escutava apenas meus choros internos e angústias de menina que voltaram com tudo.

Se antes eu sentia que mudei, cresci, e tudo o mais, isso serviu para me mostrar o quanto ainda sou a mesma.

Após uma meia hora- ou quarenta minutos, não sei ao certo -chegamos no apartamento de Thiago. Ninguém estava, o que me deu espaço para soltar o desleixo. Retirei meus sapatos e atirei em um lugar qualquer. Abri a geladeira e beberiquei a primeira lata de Fanta que vi. Lógico que ao encontrar o quarto de meu amigo, esbaforida, pulei sobre sua cama.

Verdadeira milady.

Ele sentou ao meu lado, selecionou um filme qualquer no Netflix, e assistimos. Sabe, sem nenhuma conversa ou pensamento. Apenas o silêncio da observação.

De tanto silêncio, apaguei.

〰〰〰〰〰〰

Acordei com Thiago jogando video-game.

Mais específicadamente, GTA.

Eu não compreendia como um garoto digno de Harvard tinha capacidade de jogar um jogo tão depreciativo quanto esse. Pelo menos, ele não batia em velhinhas e prostitutas. Só atropelava carros mesmo.

Tão gentil.

Prestes a voltar a dormir, Thiago me pegou no flagra. Desligara o console para dar atenção:

–Nem vi que cê tinha acordado! -numa pressa, afofara a cama para tentar tornar o lugar mais apresentável. -Quer alguma coisa?

Pensei. Pensei.

Pensei muito.

E disse:

–Não. Tô bem.

Depois disso nada muito wow aconteceu. Decidimos pedir pizza. Após ela chegar, entediados, apostamos no cara ou coroa o que faríamos. Eu queria pedir pizza doce e ele queria jogar video game. Eu perdi. No final, vi-me estiçalhando cidadões virtuais na tela da televisão.

Fui persuadida.

Certo ponto, deixei escapar aquele pensamento do "digno de Harvard".

O wow aconteceu: Thiago pausou o game e, sério, disse que tínhamos de conversar.

–Eu não quero conversar. Quero jogar. - mandei numa tremedeira interna pelo pior.

–Mari, eu vou tentar ser rápido e direto, tá? -ele estava desconfortável. -Bom... Como posso te diz...

–Você passou em Harvard. -intervim.

Surpreso, prendeu a respiração, arregalado:

–C-como você...?

–Sei? Não é preciso ter nenhum diploma pra juntar fatos óbvios. Você respira Harvard mesmo não estando lá. E tem um boletim descomunal! Seria idiotice deles se não te aceitassem.

Eu não sei como isso saiu na hora -provavelmente, desajeitado. - mas eu realmente significava aquilo. Eu já sabia que iria encarar o inevitável; nem mesmo meu melhor amigo de sempre seria para sempre.

Mas isso é egoísta demais pra pensar. Eu devia estar pulando de alegria por ele.

E eu estava!

Chacoalhei os braços pra cima na forma de um abraço, e com todo o âmago e zelo e orgulho e amor e sentimento, eu disse:

–Parabéns, nerdzinho!

De olhos brilhantes, Thiago me abraçou. Apertou-me mais que tudo! Em retribuição, o enchi de beijinhos. Dava para acreditar nisso?!?!

–VOCÊ VAI PARA A UNIVERSIDADE! -deixei.

–EU SEI! -beijou-me.

Saindo do beijo, reafirmei:

–Eu estou tão feliz por você!

Ficamos dessa forma boba alegre por um bom tempo. Mas eu tive que perguntar quando ele partiria, para me preparar emocionalmente.

Depois do ano novo, respondeu.

Depois do ano novo.

Eu tinha apenas mais um mês com ele.

Um mês.

Dito isso, notei a hora tardia. 20h. Eu dormira muito!

Desculpei-me pela hora e despedi-me. Ele protestou para que eu ficasse mais, mas eu não podia. Estava bem tarde, né? Então voltei para casa.

Tendo de aguentar o fardo de reencontrar meu pai.

Fiz o caminho a pé, policiando a mim mesma parar de pensar pensamentos ruins. E com ruim eu dizia brigas. Não sei porquê, mas imaginava-me brigando com meu pai ao voltar. Novamente, entende? E o pior é que era involuntário. Imaginava-me jogando coisas para atingi-lo e praguejando coisas horríveis, enquanto ele fazia sua cara de pásmem e tentava me acalmar.

Eu era um monstro mesmo. Quem imagina essas coisas?

Isso é culpa da Televisão. Tudo culpa dela!

Mas, enfim, voltei para casa. E revi, após anos, minha familia inteira sentada na mesa de jantar.

Disse oi.

De cara fechada.

Eles me convidaram a sentar.

Bruna estava sentada na minha frente, meu pai numa ponta e minha mãe noutra.

Eu permanecia muda, apenas atrevendo a comer o espaguete da mesa.

Todos olhavam arregalados para mim. Esperando a próxima bomba.

Mas eu aprendi num filme que quando queremos passar alguma impressão -boa ou ruim- deve-se SEMPRE esperar 3 segundos para falar. Porque assim você dá tempo para os outros pensarem. E tirarem suas próprias conclusões. Sem fazer um pio sequer!

–Filha... -minha mãe. -Antes de tudo, queremos saber como foi sua viagem.

Um toque de notificação vibrou.

Um filme dos ultimos sete dias passou nos meus olhos. Matheus. E-Loren. A cidade. As flores. Matheus. Matheus. Matheus. E-Loren. Matheus.

–Foi muito bom. - abocanhei a pasta.

Um.

Dois.

Trê...

–Visitou muitas praias? - mãe.

–Sim.

Um.

Do...

–Lá é muito bonito. - meu pai.

–É.

Um.

Dois.

Trê...

–Sabe, eu não planejei isso. - soltou. -Aconteceu que encontrei sua mãe e...

–E seu pai decidiu vir -minha mãe. -Ele tá...

–Com saudades -meu pai. - E sei que tenho muitas coisas para explicar...

–Muitas. -Bruna. -Muitas coisas.

Olhei pela primeira vez de verdade para minha mana. Minha irmãzinha estava muito bonita. Cortou o cabelo na altura do ombro!

–Gostei do seu cabelo -soltei.

Ela sorriu. De verdade, sabe? Perguntei-me se estava ainda chateada. Mas não parecia. Ela parecia outra. Mais velha. Mais sabida. Sabe?

Acho que bons choques -feito o Johnny- te fazem crescer.

Fiquei feliz por um tempo limitado.

–Mari... - meu pai. -uma das coisas que tenho que explicar é o meu sumiço. - e então ele não parou de tagarelar. -Na época eu estava muito infeliz. Não tinha vontade de sair da cama, nem nada. Tinha depressão, sabe? E daí eu e sua mãe discutíamos muito. Quando me dei conta já tinha comprado a primeira passagem pro lugar mais distante que meu dinheiro bancava. Então fui. E por lá fiquei batalhando contra a depressão. Daí conheci essa mulher.

–Ok. - interrompi. -Não quero saber sobre isso. Pula essa parte.

–Eu saí da depressão. Era outro homem! Mas, daí, descobri coisas sobre ela e... voltei a ser deprimido. Nada me tirava de lá. Só que eu não via o tempo passar! Deu 5 anos quando procurei ajuda profissional... Hoje sou outro! Consegui me reerguer e já estou pronto para ser o pai de vocês de nov...

–Quê? -interrompi. -Olha, eu não sei se você sabe, mas, uma vez pai, sempre pai! Não tem esse negócio de ser pai por um tempo, parar, e depois voltar. E eu não quero que você volte. Já deu, ok?

Calou-se.

Como eu não tinha mais nada para dizer -e esperava os 3 segundos- fui checar o celular. A notificação era vinda de quem? Matheus! Uma mensagem dizendo que queria me ver.

Olhei minha familia, de sobrancelha arqueada.

Um. Dois. Três.

Ninguém disse nada.

Pedi licença, e saí da mesa.

Fui para meu quarto e arrumei-me. Ele (Matheus) dizia querer mostrar um lugar "jóia" para mim. Ofereceu carona e tudo! Repensei os eventos passados de nossa relação. E era certo. Matheus era louco. Não enxerguei muito nexo no convite, mas aceitei porque eu tinha umas poucas e boas para desabafar. Eu estava sim com raiva por ter sido tão dramático, e por não ter me dado chance de piscar quando anunciou que iria se mudar. Na verdade, eu tinha muitas coisas para dizer. Mas, ok. Esperaria até depois para discutir. Enfim, o curioso da mensagem é que ele queria que fosse porvolta das 5 p.m. Provavelmente o sol já teria ido embora. Mas, ok. Estava ansiosa.

Mas, não vou negar. Foi um saco esperar até a hora dele chegar. Tinha que aguentar meu pai vivendo na minha casa. Sabe, enquanto minha mãe dialogava com ele.

NÃO SE DEVE DIALOGAR COM GENTE QUE TE ABANDONA!

Eu ainda estava consumida de raiva. Embora isso não fizesse bem. Sabe, bem nenhum. Meu corpo estava bem pior do que antes e jdnhdiekwnkqpqpskjdkwps. Eu odiava sentir isso!!! No fundo, no fundo, eu só queria voltar a abraçar meu pai e fingir que estava tudo bem. Isso, afinal, foi o que desejei por anos. Ter aquele aconchegante abraço de pai novamente. Mas eu não conseguia baixar a guarda. Eu queria castigá-lo por ter saído do nada. Queria mostrar que eu estava magoada por dentro, e por culpa dele. Mas eu estava derretida. Precisando urgentemente de um socorro.

Eu queria meu pai de volta, mas o afastava para tê-lo.

Finalmente, Matheus chegara. Mandou mensagem que estava aqui em frente. Atravessei a sala sem explicações -o que não é algo bom a se fazer- e saí.

Lances e lances de escada depois... o vi. Matheus. Deparando-me com meu amigo estendido no primeiro degrau da escada, algo subiu em mim.

Aquela coisa lá da piscina.

De wowmeudeusdocéu.

Ele disse oi.

Eu disse oi.

E disse que tinha que me mostrar um lugar. Segui-o porta a fora.

Fomos até seu carro. Sem nenhum pio. Nosso trajeto foi bem silêncioso. Mas eu nem vi passar.

Eu estava vidrada.

Literalmente.

Eu estava vidrada nele.

Eu não conseguia tirar os olhos dele. Era péssimo. E eu não conseguia controlar!

O que é que ele tinha feito comigo?!?!

–Tudo bem contigo? - perguntou.

–Aham. - de olhos pousados nele.

–Eu também. - completou, após uns minutos.

Sorri.

Meu coração. Meu coração batia. Batia muito.

O carro andava. Estava escuro. Bem escuro.

Mas tudo bem.

Meu coração não parava.

Isso não estava tudo bem.

Matheus parou o carro num lugar quieto, onde apenas os grilhos tinham voz. Surpreendentemente, um lugar onde não tinham prédios e o céu estrelado tinha vez.

Era lindo. E ficamos apenas observando as estrelas.

–Meu pai voltou. - disse, desesperada para falar algo.

–Sério? - Matheus se reajustou no banco, inclinando o corpo para mim, para prestar atenção.

–É! Eu sei. Nada a ver. Mas sim. Ele simplesmente apareceu. Veio me buscar no aeroporto, junto de minha mãe e Thiago. - comecei a tagarelar. - Eu o odeio. Ele acha que pode cair em depressão, desaparecer, beijar uma menina qualquer, daí cair de novo em depressão, daí se tratar, melhorar, e reaparecer do nada?! E, acima de tudo, não dando notícia pras filhas?!

Depois do momento de exaltação passar, Matheus apontou, calmo.

–Mas... ele finalmente voltou, Mari. Você tem seu pai de volta.

–É. Mas eu não o quero mais. -furiosa fiquei.

–Mari... -sereno de tudo. - Sabe quantas crianças e pessoas não têm um pai pra odiar? Você mesma tinha me dito que sentia saudades dele.

–Eu não me lembro disso. - intervim.

–Não se lembra - reajustou sua coluna outra vez, mas, agora, deitado para as estrelas. - porque não quer. Mas se eu sei disso, você também sabe.

Eu odiava Matheus também. Por estar certo.

–Eu quero abraça-lo. Mas quero puni-lo.

–E as flores? - soou ele, ao meu lado.

Olhei sem graça pro Matheus.

–Eu não as odeio mais...

–Isso quer dizer que a raiva já passou.

Ficamos em silêncio, enquanto eu deglutia suas palavras de sabedoria plena.

–Ou que você quer que ela passe. - completou.

Olhei novamente para ele.

Ele olhou para mim.

–Eu te trouxe aqui porque queria me despedir. - confessou Matheus.

–Você... vai mesmo? - indaguei, mansa.

–Sim. - confirmou.

–Quando? - perguntei baixinho, depois de um longo tempo.

–Depois de amanhã.

–Mas você nem chegou direito de Miami. - retruquei.

–Minha... mãe comprou as passagens.

Permaneci uns minutos pensando sozinha.

–Matheus... Por que você não fica? - soltei.

–M-mari, eu já te disse, e-e eu...

–Viu? - apontei. - Nem mesmo você sabe. Você tá bem?

–Quê? - disse, atônito, sem "papas" na língua

–Você poderia ficar a noite, pensar direito, ver o que ta acontecendo aí na sua mente...

–Mari. Eu tô bem.

–Não. Não está. Você está magoado comigo. - falei logo. - O que nos coloca numa situação sem sentido, porque, normalmente, quando estamos magoados, não falamos mais com o outro. E, olha, Matheus, você foi muito precoce porque eu nem tive a chance de dizer o quão especial você é para mim, e o quanto você vai fazer falta no meu mundinho se for embora. Então, eu não estou nem aí se isso vai parecer egoísta, mas quer saber? Não vai. Você vai fazer burrada. E eu não vou aguentar.

Matheus ficou ainda mais sem palavras após minha declamação.

–Não vou ficar lá pra sempre. - por fim, disse.

–Então porque veio me dizer tchau? - perguntei, com as cordas vocais desentoadas.

–E-eu... Eu... Eu não sei.

Ficamos olhando um pro outro. Aí, depois de uns muitos minutos, ele deu start no carro.

.................

Parou na frente de minha casa. Que não é casa. É apartamento.

Ainda éramos desajeitados, e acabamos por decidir que ele acompanharia-me até o portão. Desajeitados, demos um abraço. Matheus disse tchau e virou.

Ele disse tchau e virou.

Tchau. E virou.

E virou.

Eu não aguentava mais.

Mas ele virou.

E eu não aguentava mais.

Mas... Mas ele virou. E... e eu não aguentava mais.

Meu coração pulsava exegeradamente. Eu não aguentava.

Dane-se. Ele iria para Washington. Ele se mudaria.

Meu Deus. Que raiva dele.

Era meia-noite. E meu coração queria sair pra fora.

Preensei as palpebras, sacudi a cabeça e peguei minhas chaves.

Dane-se. Ele fugiu. Ele que está voando para Washington. Não eu.

Coloquei as chaves na fechadura.

Meu coração não parava. Eu sabia porquê. Era pela piscina. Na verdade, era pelo meu joelho, pela aula de desenho, pelo café, pela prisão, pelo hospital, pelo seu apartamento, pelo restaurante, pelo banheiro, pelas revistas de fofoca, pela festa de halloween, pela carta, pelas fugidas e pela viagem.

Era por esse ano.

Era por ele.

Era pelo filhinho de papai.

Eu gostava dele. E não podia fazer muita coisa.

Porque ele iria para Washington.

Larguei a chave. Corri até suas costas, há alguns metros de distância, e o empurrei de leve. Ele olhou estranho.

–Cale a boca. - disse, voraz.

–Quê?

–Cale a boca! - repeti.

–Ahn?

Suspirei.

–Você deveria dizer vem calar... Mas ok.

Cheguei mais perto dos seu cachinhos, fechei os olhos, e num ímpeto, me aventurei a beijar o filho do presidente.

Beijar de verdade.


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