Era quase meio-dia quando eu finalmente entrei na livraria. Haviam algumas mesas com os lançamentos e promoções, e eu comecei a andar entre elas atrás de livros para comprar.

Acabei por escolher quatro: um grosso de capa vermelha com desenhos de árvores secas e espinhentas na capa; um de uma autora chilena, ainda maior que o outro; um que tinha como imagem da capa a silhueta de uma árvore e de uma pessoa segurando um guarda-chuva vermelho e um pouco mais fino que os outros, de um autor norueguês.

Paguei todos no caixa e saí dali, andando para uma loja de sanduíches naturais que era conhecida ali e em Lauderdale. Almocei antes de pegar outro táxi para voltar para casa.

...

Assim que o carro amarelo parou em frente à minha casa, vi Yuri sair da dele.

– Yuri! – O chamei pouco depois de pagar o motorista. Ele se aproximou.

– Tori?! É você mesma? – Ele sorriu e me circulou para ver melhor o novo cabelo. – O que aconteceu com todo aquele cabelo?

– Cortei! – Sorri e levantei os ombros.

– Uau! E... – Ele parou ao meu lado e indicou o curativo de gaze e esparadrapos que estava no braço esquerdo. – o que é isso?

Tirei a cobertura, revelando o que estava por baixo.

– “Love is madness.” – Ele leu. – Madness... Tori!

Sorri inocente.

– Que foi?

Yuri riu.

– Por acaso essa frase tem alguma relação com uma certa pessoa que tem o nome começado pelas mesmas letras?

Outro sorriso inocente.

– Por que pensa isso?

Começamos a rir.

– Ah, Tori... – Ele balançou a cabeça. – Vamos para a praça?

– Claro. Mas me deixa só guardar isso. – Levantei a sacola.

– O que tem ai?

Mostrei os livros e ele leu os títulos.

– Parecem bons.

– Também achei. – Sorrimos. – Vem, vamos lá.

Ele me seguiu pelo caminho de cimento e entramos na sala da casa de Jordan. Andamos até o meu quarto, e ele encostou-se no batente da porta.

– Uau, belo quarto. – Ele sorriu e eu correspondi.

Não havia nada de diferente desde que eu chegara ali. Bem, exceto pelas fotos que eu colara na parede próxima à janela. Haviam fotos minhas, de Madison e do nosso grupo ali.

– Valeu. – Agradeci enquanto colocava os livros novos em uma prateleira.

Yuri se aproximou do “mural” e apontou uma foto.

– Essa é Madison?

Andei até ele e olhei a foto, onde estávamos eu e Maddy abraçadas. Nossos sorrisos eram radiantes, e eu sorri junto.

– Sim. – Toquei o rosto dela na imagem. – Linda, não é?

Ele assentiu.

– E esses? – Agora ele apontava uma foto de todo o grupo. Provavelmente tirada por Robert.

– Este é Kori. Louie, Amber, eu, Madison, Sean e Tom. – Falei os nomes pela ordem em que apareciam.

– Hm... – Ele só disse isso.

Olhei para o rosto de Yuri e vi que ele fitava diretamente o garoto da ponta direita da foto.

Havia outra onde ele aparecia em destaque, comigo agarrada em seu pescoço, beijando sua bochecha rosada.

Na foto os cabelos dele eram bagunçados pelo vento, seu sorriso era enorme nos lábios meio cor-de-rosa, e os olhos eram singularmente celestes.

E eu vi, por meio segundo, o garoto ao meu lado se perder ali.

– Yuri? – Chamei-o e ele se virou meio rápido demais. – Vamos?

Ele assentiu.

– Sim, vamos.

Peguei meu skate embaixo da cama e nós saímos de casa.

Na praça, Yuri parecia distraído. Errara manobras fáceis e caíra mais de duas vezes.

– Yuri, está tudo bem? – Perguntei.

– Claro, Tori! Deve ser só sono. Hoje eu acordei às seis. – Ele riu meio sem humor.

Eu sabia que era mentira, mas na falta de outra explicação plausível, aceitei aquela.

– Vem, vamos sentar ali na grama. – Apontei para um espaço sob uma árvore e ele concordou.

Nos sentamos ali e começamos a conversar sobre qualquer coisa, deixando os motivos da distração de Yuri em segundo plano.

– Ei, vamos ter prova de história depois de amanhã! – Ele lembrou-me em algum ponto.

– Ih, é verdade. Você sabe a matéria?

Ele bagunçou os cabelos.

–É...mais ou menos. – Ele sorriu de canto e eu ri.

– Eu até sei... posso te explicar. – Dei de ombros.

– Ok então. Mas quando?

– Amanhã as... dez da manhã? – Sugeri.

– Pode ser. Onde?

– Aqui mesmo. É calmo, não tem muito barulho e não é tão calor... – Dei de ombros.

Yuri concordou.

– Está certo. Amanhã as dez. Se eu não estiver aqui, pode ir me acordar lá em casa.

– Digo o mesmo.

Nós rimos e o celular dele tocou.

– Só um minuto. – Ele pediu.

Eu assenti e o aparelho foi atendido.

Alguns minutos de conversa depois, ele desligou.

– É a minha mãe. Ela está me chamando para lanchar e te convidou.

Arqueei as sobrancelhas surpresa.

– É sério?

Ele assentiu.

– Ah, Tori! Vamos lá! Ela já te conhece, e gosta de você.

Eu ri.

– Você falou como se fosse apresentar a namorada agora. – Brinquei.

– Quê? De jeito nenhum! – Ele riu. – Mas é bem capaz dela pensar exatamente isso.

– Super animador! – Ironizei.

– Relaxa, ela não vai pensar isso. Era brincadeira. Mas e aí, vai ou não?

Revirei os olhos.

– Tá bem, eu vou. – Sorri levemente e ele abriu um daqueles sorrisos enormes.

– Sabia que você aceitaria! – Eu ri. – Corrida?

Assenti. Nos levantamos e segundos depois Yuri já deslizava na direção da rua da sua casa. Não tardei a fazer o mesmo, e logo chegamos, ele antes de mim.

– Ganhei! – Riu.

– Por pouco! – Respondi e o segui pelo caminho de pedrinhas no jardim bem cuidado.

Ele tirou do bolso um molho de chaves e girou uma delas na fechadura, abrindo a porta de entrada. Adentrou ali e eu o segui.

– Mãe? – Chamou.

– Aqui, meu filho. – Ela apareceu na sala.

Assim que nos viu, ela começou sua expressão com um sorriso. Até que viu meu cabelo – mais curto que o de seu filho –, e ali não deixou de expressar surpresa.

– Victoria! Que bom revê-la! Seja bem vinda! – Ela sorriu e eu sorri de volta o mais cordialmente possível.

– É bom revê-la também, sra. Luccas. – Respondi.

– Lara, por favor.

– Ok, Lara. – Repeti.

A casa de Yuri era do mesmo tamanho da de Jordan, ou ao menos por fora. O seu interior parecia infinitamente maior.

– Você cortou o cabelo, não é? Por que, Victoria? Seu cabelo era tão bonito!

Sorri bem levemente.

– Acho que eu já tinha enjoado de cabelo comprido... e a pessoa que mais gostava dele não está mais perto de mim. – Dei de ombros.

– Ah, entendo... – Ela sorriu e aquilo me lembrou um pouco a sra. Dale.

Balancei a cabeça para expulsar a lembrança repentina e segui Yuri e sua mãe para a mesa do lanche.

– O seu pai trabalha muito, não, Victoria? – Ela perguntou.

Assenti.

– Sim. Ele quase nunca fica em casa. – Dei de ombros.

– Aí é complicado. Mas se quiser vir para cá, se sentir sozinha... não há problema. – Ela pegou na minha mão.  – Afinal, você é a primeira amiga que meu filho tem que mora aqui perto, e...

– Mãe, a Victoria namora. – Yuri cortou a mãe, visivelmente constrangido pelas tentativas dela de me empurrar para ele.

– Oh... – Foi o que ela disse. – Que... hm... surpreendente. – Ela deu um sorriso sem-graça. – Afinal... eu nunca vi ninguém além de Yuri andando e conversando com você por aqui!

Foi a minha vez de ficar um pouco mais constrangida. Yuri já olhava para as mãos, de tanta vergonha das palavras maternas.

– É... pois é. É que faz muito pouco tempo que eu vim de Fort Lauderdale, e a maior parte da minha vida ficou lá. – Dei de ombros.

– Ah, Sim. Eu compreendo. Mas vocês ainda mantêm o romance?

– Mãe, ainda tem aquele suco que você fez mais cedo? – Yuri cortou o assunto antes que este se prolongasse mais.

– Sim, deixa que eu pego.

Ela se levantou e foi até a cozinha, voltando com uma jarra cheia de suco, que colocou na mesa.

Depois de alguns elogios ao lanche, Lara começou alguns assuntos tão constrangedores quanto os anteriores, o que voltava a envergonhar Yuri.

Algum tempo depois, eu finalmente pude anunciar minha saída. Me despedi cordialmente de Lara e Yuri me acompanhou até a porta.

– Foi mal pela minha mãe, Tori. Ela é meio doida, você sabe. – Ele bagunçou os cabelos e eu ri.

– Tá tudo bem, Yuri. Relaxa.

Despedimos-nos e eu andei a pouca distância que separava a casa dele da minha.

Assim que entrei vi Jordan sentado no seu lugar usual, parecendo compenetrado em alguma matéria do jornal.

– Onde você estava, Victoria? – Ele perguntou sem ao menos levantar os olhos.

– Na casa do meu amigo. – Respondi.

– Amigo? Quem é ele?

– Yuri Luccas, mora aqui do lado. – Respondi novamente.

– Fico feliz que tenha arrumado um amigo, Victoria. – Ele deu um sorriso quase imperceptível, ainda sem tirar os olhos da matéria do jornal.

– Meu Deus, Jordan! – Exclamei e peguei um guardanapo de papel sobre o balcão, jogando-o ao seu lado. – É melhor limpar a boca, a falsidade está escorrendo.

Ele ignorou-me novamente, deu uma risada baixa e irônica e eu fui tomar um banho.

Depois deste, ainda no banheiro comecei a mirar o espelho que havia na parede sobre a pia. Ele refletia-me até mais ou menos a cintura. Penteei o meu cabelo o melhor que pude com os dedos, colocando uma ordem dos fios bagunçados pela toalha, e vendo realmente como havia ficado o corte.

Eu estava completamente diferente. Mais adulta, talvez.

Acho que eu não parecia mais a menina que saíra de Lauderdale. Não com uma frase tatuada no braço e os cabelos incrivelmente curtos, em um corte realmente masculino.

Mas eu gostava da minha nova imagem. Gostava muito, na verdade. Mas eu só queria realmente saber se Madison gostaria dela.

Como uma vez nós conversamos. Eu me lembrava bem.

“- O que você acharia se eu cortasse meu cabelo assim? – Perguntei, apontando a imagem da garota do filme na TV. Ela acabara de ter os cabelos cortados muito curtos.

– Eu gosto dele assim. – Ela respondeu, pegando uma mecha do meu cabelo e brincando com ela entre seus dedos.

– Eu também, mas sei lá... – Dei de ombros.

– Depois a gente vê isso. – Ela sorriu para mim e continuou mexendo no meu cabelo. Eu odiava que fizessem isso, mas Madison era uma exceção.”

Sorri levemente, lembrando do seu toque no meu cabelo. Este já estava quase seco agora, então vesti um par de roupa íntima, uma camiseta preta de alças finas e uma bermuda xadrez. Recoloquei o anel e o colar que eu usava quase sempre e saí do banheiro em direção ao quarto.

Deixei minhas roupas em cima da cama e voltei novamente ao corredor, indo para a sala.

Jordan não estava mais lá, então eu fui até a cozinha e peguei um copo de suco de laranja.

Exatamente no momento em que eu me virava para voltar para o quarto, vi Jordan aparecer no corredor.

Ele me olhou com a expressão mais austera e grave que eu já vi. Crispou levemente os lábios e mexeu as sobrancelhas.

– Victoria, o que é isso?

– Isso o que exatamente? O suco de laranja? – Respondi com todo o cinismo que eu provavelmente havia herdado dele.

– Victoria, eu não estou de brincadeira. O que você fez consigo?

Fingi surpresa.

– Ah, você está falando do meu cabelo?

– E dessa coisa no seu braço também. – Ele completou.

– Qual é o problema, Jordan?

– Você está parecendo um homem, Victoria! Eu lhe tirei de Fort Lauderdale exatamente para você não continuar com aquela estupidez de namorar uma mulher. E agora você me vem assim?

– Jordan, por que você acha que tem alguma autoridade sobre mim?

– Victoria, eu sou seu pai.

– Tem certeza, Jordan? Veja só o que você fez com a sua filha. Eu era feliz, Jordan. Eu realmente era. Mesmo sem uma mãe e um pai, eu tinha um tio que se importava comigo. Eu tinha amigos verdadeiros, e eu amava uma pessoa que me amava também. E você destruiu isso. Sim, você destruiu. E por quê, Jordan? Preconceito? Preconceito pela sua filha amar uma pessoa do mesmo sexo que o dela? Isso não é amor para você?

– Victoria...

– Isso me dá asco, Jordan. Esse seu preconceito é asqueroso.

– Victoria!