No trem, quando deito em minha cama, penso nos últimos acontecimentos. Tudo foi tão rápido. Meu sonho se tornou real, mas... nem tudo foi bom. Em meu distrito todos pareciam felizes, enquanto fui levado para uma sala para despedir das pessoas, os pacificadores me cumprimentavam e me felicitavam, o povo dizia o meu nome.

Minha família veio se despedir, todos estavam lá menos o meu pai. Isso me aborreceu, não sei por que, mas eu esperava escutar parabéns dos lábios dele. Bobagem ... meu pai faz parte do time mentores, ele vai estar ao meu lado na Capital. Mas esperava que ele fosse lá, não para se despedir, mas para me estimular. Ainda lembro do seu olhar triste. Como é difícil entendê-lo!

Minha mãe me abraça. Ela também não parece bem. Esteve chorando. Ela sempre foi uma mulher calada, sempre dando abraços e beijos, mas nunca falando muito. Mantinha a aparência triste e resignada. Mas eu sempre me sentia seguro em seus braços. E aquele abraço foi muito bem vindo, não era um sinal de aprovação, mas era uma demonstração de carinho. Talvez ela tenha medo que eu morra. Eu pensei na glória e tudo. Mas tenho que admitir a morte é uma possibilidade e talvez para ela, um filho vivo é melhor do que um glorioso, não havia pensado nisso.

Meu irmão Onyx de 11 anos me abraça com entusiasmo. Ele está muito feliz:

– Você vai mostrar como nossa família é forte. Vai mostrar que ainda estamos por cima. Do que é feito um filho do distrito 1. Quem sabe nos próximos anos eu também tenha minha chance?

–Não seja bobo, Onyx. – falou Jade minha irmã de 14 anos, a mais rebelde da família, ela nunca gostou dos Jogos Vorazes, e estranhamente sempre teve um bom relacionamento com o meu pai, às vezes acho que ela é a preferida dele, e se fosse ela que estivesse aqui, ele viria para conversar - Você acha que mamãe e papai querem outro filho nos Jogos Vorazes? Querem um filho matando crianças na televisão? E morrendo enquanto outros se divertem com isso? Isso não é honra

.
Aquelas eram palavras estranhas, Jade era uma das poucas pessoas que dizia isso dos Jogos. E podia ser perigoso. Minha mãe falou de forma firme:

– Jade não fale assim. Não desestimule o seu irmão.

– Eu entendo, Diamond. Não quero te desanimar. Sei que você foi sorteado, e sendo filho de um vitorioso, não poderia aceitar um voluntário em seu lugar. Só faça o seu melhor, não pense na glória, pense em você, o que você quer passar. Mas não estimule esse louvor em relação aos Jogos.
Eu mal podia acreditar no que ela dizia, como assim??? Quem ela achava que eu era? Não deixaria ninguém tomar o meu lugar.

– Em momento algum, eu pensei em desistir. Estou orgulhoso. Vou trazer a glória para o meu distrito.

– Idiota!!

– Jade!! – em uma das poucas vezes minha mãe eleva a voz

– Não, mamãe, eu falarei. Estou com raiva. Papai teve que passar por isso e agora o Diamond. Não é bonito, é muito triste. Você é um idiota, pois eu sei que não é cruel como outros. Mãe já chorou por isso. Você acha que ela se orgulhou por você ir aos jogos? Ingênuo. Só vê o espetáculo- ela começou a chorar e me abraçou e depois falou em meu ouvido – Faça o seu melhor, mas não faça propaganda para eles.

Os 3 se sentaram em silêncio e minha mãe segurou minhas mãos até que eles foram chamados. Onyx sorriu para mim antes de ir embora. Depois vieram mais visitas, amigos, amigas, garotas com quem eu já tinha ficado. Sendo filho de Gunner Wall, bonito e forte como ele, eu tinha muitos amigos, e muitas garotas ficavam a minha volta. E não posso dizer que não aproveitei isso. Sei que a maioria usava o meu status e que provavelmente não tinha realmente um amigo ou uma garota que me amava. Mas de qualquer forma era bom vê-los. Eles estavam exultantes e meu ânimo foi para cima. Precisava daquilo para esquecer minha mãe e minha irmã.

Depois fui para o trem. Star estava atrás de mim. Encontrei os 4 mentores do distrito 1 sentados numa mesa cheia de comida. Gemma, Titan, Dion e meu pai. Os 3 eram mais jovens, e estavam mais animados do que ele. Todos eram tributos que ele havia sido responsável e saíram vencedores. Gemma, a única mulher do grupo, apoiava a mão no ombro do meu pai, como se ela o estivesse consolando. Nunca tinha visto meu pai bebendo, eu sabia que ele gostava, e que o fazia de vez em quando, mas minha mãe nunca o deixava fazer na nossa frente, e quando um de nós se aproximava, ele escondia a garrafa. Mas agora ele não se importou com isso, continuou bebendo calado, e com um olhar morto.

Depois de um tempo, os outros mentores chamaram eu e Star para ver o vídeo da colheita. Lá conheceríamos os nossos adversários. Meu pai continuou na mesa bebendo. Vi o sorteio no nosso distrito, muita festa e animação com os tributos escolhidos. No distrito 2 a mesma coisa, mas eu não conseguia prestar muita atenção. Não via os outros tributos. Pensava em meu pai bebendo na mesa..E fiquei absorto nisso.

Quando terminou fui para meu quarto, onde dormi um sono agitado após pensar naquele dia. Meu pai, minha mãe, minha irmã, todos me olhavam de uma forma triste. Será que eles, não confiavam em mim? Será que eles já me davam como morto? E pela primeira vez, eu pensei seriamente, na morte, essa possibilidade nunca tinha estado tão forte na minha mente antes.