A Pedra Vermelha escrita por Cambs


Capítulo 10
IX. Passado




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— Adoraria minha cama agora — Lyra murmurou, esfregando os olhos levemente inchados. Encontrava-se em um estado de autodepreciação após ter chorado no ombro de Carfax. A loira não precisava dos problemas dela. Com o pescoço ainda dolorido, Lyra virou a cabeça para ver se Carfax estava dormindo, como mandara, e quase sorriu ao vê-la adormecida e abraçada a Allan, com uma expressão de paz tão intensa que chegava a causar inveja.

Voltando a encarar a fogueira, Lyra piscou mais de uma vez tentando adaptar os olhos para a claridade, e, como não conseguiu, olhou um pouco mais para cima, vendo a ponta das chamas dando leves pinceladas no escuro céu noturno. Que horas deveriam ser? Onze? Dez?

Sua vista voltou a ficar embaçada e ela praguejou. Droga. Choraria novamente e agora não teria as delicadas mãos de Carfax passando por seu cabelo, dizendo que já havia passado e que ela já não precisava se preocupar. Sim, deixaria seu muro interno cair novamente e não iria impedir as lágrimas de passarem por suas íris verdes. Bem, pelo menos pela próxima meia hora, até o fim de seu turno.

— Será que Allan tem comida?

Com um suspiro, Lyra levantou-se e caminhou até as mochilas, procurou as duas que pertenciam a Allan e as revirou até encontrar uma barra de cereais. Voltou para perto da fogueira, jogou-se na grama e terminou de comer rapidamente, deixando o papel de lado, arrumaria um lixo depois.

— Achei que já teria ido dormir.

Lyra pulou de susto e Drake sorriu de canto. Colocou as mãos nos bolsos da calça jeans e lançou um olhar de quem pediu desculpas para a garota. Mesmo que estivesse achando engraçado ver Lyra colocar a mão no peito, tentando reduzir os batimentos cardíacos.

— Não ouvi você chegar — Lyra respirou fundo. — E bem, aqui estou.

— É, consegui deduzir isso — o sorriso de Drake cresceu. — Posso?

Lyra acenou com a cabeça e acompanhou todos os movimentos de Drake até que ele estivesse sentado ao seu lado.

— Allan tem algumas barras de cereais na mochila, pegue alguma para você — ela voltou a encarar o céu.

— Estou bem, obrigado.

Eles permaneceram em silêncio, ambos encarando o céu já que a claridade do fogo machucava os olhos.

— O próximo turno não é seu — Lyra disse após um minuto, olhando de relance para Drake.

— O próximo turno é de Brandon, mas acredito que ele precisa descansar mais um pouco — ele deu de ombros. Balançando a cabeça em sinal de concordância, Lyra voltou a ficar em silêncio e a encarar o céu. — Vai me permitir fazer uma pergunta? Além dessa que acabei de fazer.

— Vá em frente.

— Por que tem medo de altura?

Lyra engoliu em seco e permaneceu em silêncio. Droga, tinha pensado que ninguém havia percebido.

— Todo mundo tem algum medo, — ela resolveu falar — o meu é esse.

— Os medos costumam ter um motivo.

Lyra respirou fundo e encarou os olhos negros de Drake, tão bonitos e profundos, com algo que parecia preocupação estampado ali. Mas não poderia ser, afinal, porque Drake se preocuparia com ela? Lyra deu de ombros e ele olhou para baixo, murmurando um “desculpe” enquanto levantava os joelhos e os abraçava, apoiando o queixo ali.

— Meu pai — Lyra murmurou, rendendo-se, enquanto encarava a grama ao redor de seus tênis. — É por causa do meu pai que tenho medo de altura.

— Ele não te jogou de uma janela ou alguma coisa assim, não é? — Drake virou a cabeça para olhar para Lyra, que sorriu com sua pergunta.

— Não, ele não fez isso — ela suspirou novamente. — Pode guardar segredo?

O que diabos ela estava fazendo? Iria mesmo contar aquilo para Drake? Alguém que conheceu a menos de uma semana? Até mesmo Allan e Carfax demoraram a ouvi-la dizer por que ganhara a aerofobia. Drake balançou a cabeça positivamente e Lyra voltou a encarar a grama.

— Meu pai morreu em um acidente de avião, desde então tenho aerofobia — disse sem pausar, colocando pra fora tudo de uma vez.

— Eu... Sinto muito.

Drake ameaçou levar a mão até o ombro de Lyra, mas a deixou cair perto do corpo. Eles voltaram a olhar para a fogueira, até que a garota decidiu voltar a falar.

— Era Dezembro, duas semanas antes do Natal. Eu tinha oito anos e estava na casa de minha tia, meu pai tinha ido para a Argentina, dissera que iria buscar minha mãe para o Natal. Dois dias se passaram e ele não apareceu e nem deu notícias, mas eram apenas dois dias, ele poderia estar passeando pela cidade, sendo o turista que sempre quis ser na América do Sul e certamente comprando tudo o que podia para trazer de lembrança... — Lyra riu sem humor. — Três dias depois que meu pai tinha ido viajar, ouvi minha tia chorando ao telefone na sala de estar, me escondi atrás do sofá e fiquei ouvindo. As únicas coisas que tinha conseguido entender foram “Dominic”, “Hanna” e “avião”. Ela desligou o telefone ainda os prantos e ligou a TV, o plantão do jornal informava a queda de um avião que fazia um voo de Buenos Aires para Toronto. A jornalista informava o número de feridos e mortos, e depois informou os nomes dos falecidos. O nome de meu pai estava lá.

— E sua mãe?

— Não tenho nenhuma lembrança fixa, ela foi embora muito cedo. Só descobri muito depois que a Hanna que minha tia citara ao telefone era o nome dela.

— Ela morreu?

— Ela me abandonou — Lyra voltou a olhar nos olhos de Drake. — Abandonou meu pai, abandonou a mim.

— E sua tia?

— Morreu há três anos.

— Sinto muito, outra vez — Drake olhou para baixo.

— Não sinta — Lyra sorriu de canto e levou a mão até os cabelos de Drake, para só depois perceber o que fazia e deixar a mão cair. — Acho que todos aqui, ou pelo menos a maioria, tem alguma espécie de problema familiar.

— Verdade — Drake olhou para a Lyra antes de voltar a olhar para o céu noturno. — Perdi minha mãe. Tuberculose, eu deveria ter uns sete anos.

— Sinto muito.

— Meu pai faz todo o serviço — ele suspirou e Lyra levou a mão para os cabelos dele novamente.

— Sabe que vamos encontrá-lo não é?

— Do jeito que ele é, acredito que vá nos encontrar primeiro.

Eles sorriram, quase que renovados por uma pequena onda de esperança. Lyra levantou e espreguiçou-se, sendo acompanhada pelos olhos de Drake.

— Bem, troca de turnos agora não é? Boa noite, Conde.

— Conde? — Drake franziu a testa, até que entendeu e riu. — Certo, entendi.

— Só porque eu queria dar uma aula de história? — Lyra fez bico.

— Oh, sinto muito se tenho algum conhecimento histórico. Boa Noite, Moony.

— Mas até você? — ela murmurou emburrada, caminhando até perto de Allan, onde dormiria. Drake apenas riu e olhou para as chamas alaranjadas da fogueira, com a mente distante.


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