Através da Tua Alma eu Posso Ver escrita por they call me hell


Capítulo 3
[S01E03] Sentir saudades e não ter medo de chorar.




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Kagome acordara mais cedo do que o usual e fora sentar-se entre o campo de lírios que começava a secar aos poucos, anunciando o rigoroso inverno que estava por vir. Lembrou-se do último inverno e de como ela e Souta haviam se divertido com o frio lá fora, do chocolate quente da mãe e do modo como as amigas gostavam de ir ao parque simplesmente para observar como as pessoas se vestiam tão elegantes naquela estação.

Ali o sol estava irradiando seus primeiros raios matinais que já não aqueciam os corações como nos meses anteriores; Na verdade, o céu já não parecia tão lindo quanto no dia anterior. Considerou que talvez ter voltado já não fosse tão prazeroso como no primeiro dia, mas sabia que estava daquele jeito apenas pelo excesso de preocupação e responsabilidade.

A garota pressionava com excesso de força a jóia de quatro almas que jazia perfeita em seu peito atada ao colar. Ainda não tirara da cabeça as tantas palavras de Sango no dia anterior e tudo o que elas lhe haviam feito pensar. Inuyasha estava diferente; A tratara melhor quando voltara e até mesmo se permitia sorrir de vez em quando, o que estava amolecendo o coração da humana.

O hanyou era extremamente ignorante, mas em algum lugar dentro dele havia um coração doce - aquela face sempre insensível era apenas um escudo que criara por ter que amadurecer tão rápido e tão sozinho, continuamente fingindo não possuir um coração. A prova disso era que sempre estava a proteger os humanos, mesmo que não notasse isso tão claramente.

Naquele dia em que haviam ido fortalecer a Tessaiga rompendo a kekkai dos vampiros youkais, Kagome teve a real prova de que Inuyasha não era uma má pessoa. Ele havia preferido não derrotar Naraku a matar a pequena hanyou que criava a barreira tão forte, algo que teria feito sem hesitar se fosse alguém como Sesshoumaru.

Pensando bem, deveria ter sido muito difícil para ele. Kagome apenas imaginava, já que a presença de Mama, Jiiji e Souta na sua vida fora constante em todos os momentos. A Sengoku Jidai era muito mais complexa do que se via nos livros, considerou. Ia além de grandes guerras entre inimigos cruéis; Na verdade, ela tampouco vira aquilo que aprendera na escola por ali. A cada momento assistia mais e mais inocentes sofrendo nas mãos pueris do destino.

Sem que percebesse, o hanyou se aproximava aos poucos pela trilha que levava até o campo. Inuyasha havia acordado muito antes dela por estar com a cabeça cheia de idéias relutantes demais para deixá-lo dormir em paz, tendo percorrido longos caminhos pela floresta antes de finalmente criar coragem o suficiente para o seu objetivo.

De repente estava ali ao lado dela, encarando-a com uma expressão doce que ela jamais imaginaria estar naquele rosto tão conhecido. Não conseguiu disfarçar um olhar piedoso ao meio-youkai, sentindo uma pontada de dor na própria alma. Afinal, ele também a olhava do mesmo jeito, mas por um motivo completamente diferente. Ainda não havia se acostumado com a idéia de ter que agir tão mal assim com alguém que não merecia esse tipo de tratamento.

— Inuyasha?

— Eh?

— O que você acha que vai acontecer agora? — Ela questionou sem olhá-lo mais, dando a ele uma sensação desconfortável.

— Acho que tudo vai ficar bem. — Ele riu debochado como sempre fazia para se recompor.

— Não acha estranho o modo como Naraku agiu?

Inuyasha estava pensando naquilo desde que a batalha cessara naquele dia. O que dera em Naraku para simplesmente se desfazer da jóia assim? Ele não enviara seus insetos venenosos dando a oportunidade de Miroku sugar os youkais com seu Kazaana, mas também impedira que ele fizesse isso já que acabaria morrendo com o poder exorbitante dos Shikon no Kakera; Até aí não havia nada de errado.

Naraku havia entregado os últimos quatro fragmentos que faltavam para que a jóia estivesse completa e ainda não havia se manifestado sobre tê-las de volta. De repente, Inuyasha temeu que acontecesse entre ele e Kagome o que acontecera há cinqüenta anos com ele e Kikyou. Kagome não possuía toda a experiência da Miko e acabaria por corromper a Shikon, isso era óbvio. A amizade que possuíam, mesmo com o comportamento mais agressivo do hanyou, era sincera e poderia causar muitos problemas dependendo de como terminasse.

Era a hora, Inuyasha sabia disso. Se tardasse para concluir os planos que tinha em mente, estaria correndo o risco de que tudo se tornasse muito mais complicado. Tinha um mau pressentimento, mas não queria se apegar a esse tipo de pensamento agora. Jazia em sua mente o brilho carinhoso dos olhos de Kikyou e isso o fez retomar o motivo pelo qual estava ali agora.

Estava sendo difícil tomar a decisão certa naquele momento. Ele estava entre a mulher que sempre amara, mas que fora tirada de um modo desprezível da sua vida; E a garota que estivera ao seu lado nos últimos tempos, se preocupando com ele, lhe ajudando em tudo que pudesse e principalmente lhe dando a tão sonhada liberdade.

Pensou se estaria realmente tomando a melhor decisão, mas já era tarde para isso. O amor o cegara de um modo tão tolo que ele até mesmo se odiava por não conseguir mais pensar por si só. Ali estava a Shikon no Tama, frágil como ele sempre desejou e próxima o suficiente para tocar com a ponta dos dedos.

Ainda assim, tudo o que fazia era desejar usá-la conforme Kikyou dissera, limitando-se a ser eternamente o mero hanyou que estava sendo até aquele momento.

— Kagome, você... Você não acha melhor eu ficar com a Tama? — Ela logo virou o rosto para poder encará-lo com estranheza. — Quer dizer, sinto que Naraku poderá vir atrás dela a qualquer momento. Não quero que você fique em apuros.

— Talvez ela fique melhor comigo. — Pensou alto, dando a si mesma um olhar de reprovação.

— Você não confia em mim, Kagome?

Na verdade, ela confiava em Inuyasha toda a sua vida, mas quando se tratava da Shikon no Tama as coisas eram totalmente diferentes. Apesar de que ela poderia pronunciar um simples “Osuwari!” e impedir que ele fizesse algo, ele poderia sumir em uma noite qualquer sem deixar vestígio algum. Não era maldade pensar daquele modo, já que ele provara ser realmente capaz de fazer aquilo.

— Gomen, Inuyasha. É claro que eu confio em você. — Mentiu, se vendo fazer algo que considerava insano apenas para que não tivesse de encarar aquela expressão repreensiva.

Ela retirou a Shikon no Tama de si mesma ainda que estivesse hesitante, colocando-a no pescoço de Inuyasha com carinho. Estava preocupada se isso era o certo a se fazer, mas algo nos olhos dele refletia o desejo que sua alma tinha no momento de proteger a jóia com a própria vida, se assim fosse preciso. Sorriu gentilmente para ele por ver que a estava protegendo também de um modo tão doce, sentindo a paixão pulsar no seu peito juvenil e as bochechas corarem levemente.

Inuyasha beijou-lhe a testa demoradamente e por um momento ela considerou que receberia um beijo apaixonado, o que não aconteceu. Assim, foi curar as feridas do seu coração longe do hanyou deixando-o ali no campo de lírios enquanto se afastava em direção às águas termais. Talvez fosse disso que ela precisasse agora: Cuidar de si mesma. O peso da Shikon no Tama já não estava mais sobre suas costas e isso era mais reconfortante do que jamais pudera imaginar. Sentia como se a velha Kagome de antes estivesse de volta.

O garoto de orelhas de cão permanecera ali sentindo o fardo pesado em seus ombros. Por um momento considerou chamar Kagome de volta e lhe entregar a Tama, dizendo que tudo aquilo era um grande erro. Sabia que ela se sentiria a pior pessoa do mundo ao descobrir o que ele estava prestes a fazer, mas não havia nada que pudesse modificar as coisas.

Kikyou permanecia em sua mente a cada segundo do dia, como se ele não pudesse respirar sem senti-la ali consigo. Era estranho, na verdade. Mas naquele momento em que a humana lhe entregara a jóia com um voto de confiança plena, ele se perguntou se a Miko teria feito isso por ele algum dia.

Mesmo achando que não, levantou-se da grama onde estava sentado e começou a correr em direção à floresta, já sentindo o cheiro adocicado de Kikyou que ele sabia estar vivendo por ali. Seu coração pulsava acelerado e um sorriso bobo podia ser visto no seu rosto, quase que infantil. Era isso, estava prestes a trazer Kikyou de volta à vida.

 

* * *

 

— Inuyasha... — Kikyou sorriu genuinamente ao ver o hanyou parado diante de si. — Você trouxe a Shikon no Tama consigo, eu posso sentir.

Ele apenas concordou com um aceno de cabeça, sentindo a garota o abraçando apertado. Dentro de pouco tempo poderia voltar a sentir o coração pulsante da amada e o calor do seu corpo, coisas simples, mas das quais ele sentia uma falta imensa diante de todos os anos de ausência.

Durante o tempo em que permanecera selado, ele jamais deixara de pensar em Kikyou e nos momentos que eles haviam passado juntos. Cada passo dado ao lado dela estava eternizado em sua mente de um modo que ele jamais conseguiria apagar, essa era a verdade. A Miko fora o primeiro e mais sincero amor da vida do hanyou, mesmo nos momentos em que ele fingia odiá-la do modo mais profundo possível.

Não estava acostumado a esse tipo de sentimentos e demonstrações, então apenas passou a fitá-la sem pensar em mais nada. Ela era tão bonita e tão forte, mesmo estando tão frágil naquele corpo falso... Ao observar mais atentamente os olhos dela pôde ver seu reflexo apaixonado e sorriu mais para si mesmo do que para ela.

Assim, entregou a Shikon nas mãos delicadas da amada, olhando o brilho maravilhoso que emanava dali pelo que julgou ser a última vez. Kikyou parecia fazer o mesmo, até que a jóia começou a brilhar cada vez mais forte em suas mãos como se a Miko a estivesse absorvendo.

Longe dali, Kaede foi atraída pelo brilho que emanava da floresta ao horizonte perguntando-se o que estava acontecendo ali. Parecia ser um brilho único, porém, conhecido e logo ela tratou de gritar por Kagome aos quatro cantos da terra, apavorada com a hipótese que habitava sua mente.

A garota, que havia acabado de deixar as relaxantes fontes termais, fora interrompida pela presença de Kirara em meio ao caminho lhe oferecendo as costas como montaria. Naquele instante Kagome sentiu a alma estremecer como quando sentia a Tama em perigo e seu coração apertou-se com a lembrança de Inuyasha carregando a jóia no peito.

Não precisou pronunciar palavra alguma, pois sua inquietação indicou a Kirara que havia algo que ela precisava fazer naquele momento.

Inuyasha foi afastado pela poderosa kekkai da Tama, assistindo Kikyou ser elevada alguns poucos centímetros do chão, até que a jóia desaparecesse por completo e a garota caísse ao chão. Ele desejou poder tocá-la, mas a barreira da kekkai ainda não desaparecera por completo, então apenas limitou-se a gritar o nome de Kikyou com toda a força plena de seus pulmões. Estava entorpecido de medo agora e se lembrou de que jamais vira a jóia ser utilizada para fazer algo bom.

Uma poderosa força passou a emanar do corpo estático da Miko, que pulsava freneticamente até que esta abriu os olhos devagar. Inuyasha passou a ouvir um coração pulsando no mesmo ritmo que o seu, até que Kikyou se levantou e foi até ele abraçando-o, desfazendo a proteção criada pela jóia.

Era indescritível a sensação que lhe causava poder sentir o calor do corpo frágil que agora lhe abraçava a cintura com tanta ternura, convidando-o silenciosamente para um beijo de tirar o fôlego. Ele lhe segurou firme e a tirou do chão, comemorando com alegria o fato de tê-la agora de volta. Finalmente sua espera havia cessado, era a hora de serem felizes. Eternamente.

Kagome chegara naquele momento procurando ser silenciosa. Amaldiçoara-se por ter esquecido seu armamento, mas já não era em tempo para considerar aquilo. Conforme imaginava, Inuyasha deveria estar em grave perigo agora com alguém tentando roubar-lhe a Shikon no Tama e utilizá-la em sua forma mais devastadora.

Lágrimas banharam o rosto da garota no exato segundo em que ela percebera que o hanyou abraçava Kikyou; Não mais uma mera estátua de barro limitada, mas a real Kikyou que voltara dos mortos com o poder da Shikon no Tama. Fora tão estúpida por ter acreditado em Inuyasha! Como ele podia mentir assim depois de todas as dificuldades e momentos de alegria que haviam passado juntos?

Mesmo diante de tal atrocidade, Kagome não conseguia deixar de olhar para ele com o carinho sincero que havia em seu coração. Seu amor pertencia a ele, era somente dele. Kikyou era a Miko realmente destinada a proteger a Tama e se a jóia jazia agora no interior do seu corpo, não havia mais nada que Kagome devesse fazer ali. Estava tudo terminado e ela era apenas uma carta extra no baralho sem nenhuma serventia.

Sentou-se na grama assistindo enquanto Inuyasha carregava Kikyou nos braços do mesmo modo como ela sonhara ser carregada um dia. Agora tinha o conhecimento de que sempre fora somente alguém capaz de dizer onde estariam os fragmentos e nada além disso. Sentia-se tão vazia... Era como se seu objetivo, aquele sonho puro que trazemos na alma sempre nos motivando a seguir em frente, tivesse sumido para sempre.

Desejou por um instante que Mama estivesse ali para abraçá-la como fazia nos momentos em que a ela não se sentia tão bem. Era uma sensação tão devastadora no seu peito que se via imobilizada, como se a Kaze no Kizu estraçalhasse seus sentimentos em cacos mais numerosos que os fragmentos em que se partira a Shikon.

Apoiou-se em Kirara com certa dificuldade, tendo as lágrimas a cegarem seus olhos e o coração totalmente destroçado pela ira de quem fora traída por aquele a quem entregara toda a sua confiança. Partiu assim para a vila de Kaede, tendo tempo somente para apanhar suas coisas e rabiscar um simples bilhete de despedida. Jamais voltaria a Sengoku Jidai, por mais que sentisse que sua vida estava ali desde o primeiro dia em que chegara.

Amo vocês, mas já não posso mais ficar.


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