Muito atormentada, Lorrayne assistiu à aula de história. Viajava na lembrança daquele beijo envolvente, quando Yshara e Caroline entraram na sala. Sentaram-se silenciosamente, entre olhares e cochichos. No fim da aula, Lorrayne correu até a mesa de Yshara perguntando:
_ Yshara, o que aconteceu?
_ Nada não. Acontece que ficamos muito tempo esperando. Que ódio! Levei uma advertência por causa daquela desclassificada!
_ Yshara, sinto muito, foi culpa minha...
_ Não foi não. Eu estava mesmo com muita vontade de meter um tabefe naquela nojenta. Foi muito legal. Apesar das conseqüências...
_ Falando sério, eu também achei o máximo!
Marco Aurélio se aproximou para se inteirar dos acontecimentos, fazendo Lorrayne se despedir da dupla:
_ Bom, pessoal, Yshara, já que você está numa boa, vou nessa, senão Layane pode me esquartejar quando chegar em casa... A gente se vê amanhã. Tchau pros dois.
Lorrayne encontrou-se com sua mãe, Layane e Renan que já a esperavam. Ouviu algumas reclamações da irmã, mas as ignorou.
Durante o almoço, Martha comunicou:
_ Lorrayne e Eduardo, o curso começa hoje, portanto apressem-se. Vocês vão com Layane e Renan, pois é na mesma escola, e o material didático já está pago, é só você pegarem. Ok?
Eduardo e Lorrayne concordaram balançando a cabeça positivamente. A idéia de ter que andar alguns quarteirões na companhia de Layane aborrecia Lorrayne, mas não tinha remédio.
Para sua alegria, Layane andava na frente com Renan, cochichando e olhando para trás. “Com certeza tramando alguma coisa!” Concluiu Lorrayne. Mas já achava aquilo normal.
Continuava o trajeto silenciosamente, quando Eduardo perguntou:
_ Continua ansiosa?
_ Por quê?
_ Ontem você estava quieta porque estava ansiosa, mas hoje achei que já estaria recuperada.
_ Ah! Não. Não estou ansiosa.
_ E seu amigo? Conseguiu ou não o carro?
_ Pois é... Ele conseguiu.
_ Pensei que isso seria bom. Combinaram que horas?
_ Na verdade, não combinamos.
_ Por quê? Mudou o dia?
_ Não sei.
_ Como não sabe?
_ Não pude conversar muito com ele hoje.
_ Isso envolve a Layane?
_ Não. A amiga dela. Caroline.
_ O que aconteceu?
_ Muuuuuitas coisas. Quando o Marco me disse que tinha conseguido, fiquei tão feliz que pulei, o abracei e fiz um escarcéu. E essa Caroline, que gosta dele, não gostou e me deu um tapa.
_ Ela te bateu?
_ Bateu. Então minha amiga Yshara se atracou com ela e foram parar na diretoria. Isso foi no intervalo. Depois só pude voltar a falar com ele na aula vaga de literatura, mas aí... Aí a gente se beijou, e acho que nunca mais poderemos conversar com antes.
_ Então você está ficando com o carinha da Carol...
_ Não, não estou. Eu expliquei pra ele porquê eu não podia, mas acabou ficando aquele clima estranho, né...
_ Por que você não pode?
_ Homens! Será que vocês não se preocupam com outra coisa além de catação? Se não, nós mulheres sim. E as minhas preocupações são justamente a Caroline e sua amiguinha Layane. Entendeu ou quer que eu desenhe?
_ Certo, certo, não está mais aqui quem falou... Mas... Como você vai até a sua Catharina?
_ Não sei. Não estou com cara de ligar pra ele e perguntar “Como é?”. Vou esperar. Se ele for digno como eu penso que ele é, não vai deixar que isso afete nossa amizade, mais do que está, e vai me ajudar mesmo assim.
_ Boa sorte pra você.
_ Você que é homem, o que faria no lugar dele?
_ Não sei. Depende de como foi o fora...
_ Obrigada. Isso ajudou muito.
_ Só quero saber como você o chutou...
_ Quer dizer que vocês escolhem se vão prestar solidariedade, baseados no fora que levou?
_ Mais ou menos.
_ Que beleza. Melhor eu esperar. Esperar que Marco Aurélio não seja como você.
_ Foi você que pediu minha opinião.
_ É, eu sei!
A iminente discussão foi evitada quando Layane parou e virando-se perguntou:
_ Como é? Ainda vão demorar muito?
Lorrayne fez uma careta e seguiram para dentro do prédio da escola de idiomas.
Layane e Renan logo entraram para suas salas, enquanto Lorrayne e Eduardo esperavam instruções. Ao juntarem-se a turma, teve início a aula. Uma agradável aula, na opinião de Lorrayne. O professor não chamava sua atenção a cada minuto, nem garota alguma lhe enchia a paciência. Divertiu-se bastante na aula de conversação e em seu ponto de vista, conheceu pessoas bem diferentes das quais convivia em casa e na escola.
Ao sair da sala, Lorrayne encontrou com Layane e Renan à sua espera. Espirituosa, perguntou:
_ Impedindo minha fuga, maninha?
_ Pra isso que servem os irmãos... – respondeu Layane no mesmo tom.
Ao chegar, Lorrayne teve a oportunidade de atender ao telefone antes de sua irmã:
_ Alô?
_ Posso falar com a Lorrayne?
_ É ela. Quem é?
_ Sou eu, Marco.
_ Ah. Oi. Tudo bom?
_ Tudo. Eu liguei porque achei que precisávamos conversar...
_ Ah, sabe o que é... É que acho que a gente conversou bastante, e... Acho que já resolvemos tudo que tínhamos pra resolver, né não?
_ Não. Não resolvemos o nosso encontro.
_ Ah! É claro! Eu achei que tivesse furado... Mas, que ótimo! É verdade! Não combinamos!
_ Dá pra você falar?
_ Só enquanto Layane ainda está lá fora. Que horas você aparece?
_ Que horas é melhor?
Lorrayne tampou o telefone com a mão para ver quem entrava. Acalmou-se ao reconhecer Eduardo, pediu:
_ Faz o favor de dar uma olhada na Layane e no Renan! – destampou o telefone e continuou – Alô? Marco, não tem problema pra você se for bem tarde?
_ Não. Disse pra minha mãe que dormiria na casa deles.
_ Certo, então. Você pode passar por aqui por volta da uma da manhã?
_ Posso.
_ Uma pergunta: como você convenceu seus primos? Contou a verdade?
_ Não. Já disse que eles são loucos, e só tive que dizer que eu precisava de uma ajuda pra uma loucura.
_ Ah, legal. Então tá. Olha lá, heim! À uma da manhã vou estar saindo de casa e não posso ficar vagando sozinha na rua!
_ Não se preocupe. I’ll be there.
_ I hope so. Bye.
_ See you.
Lorrayne desligou o telefone. Eduardo ainda observava através da janela, quando perguntou:
_ Tudo certo?
_ Certíssimo. Eu sabia que o Marco era um amigo de verdade.
_ Tem certeza que vai dar certo?
_ Tenho. Acho muito difícil que Layane, Renan e a minha mãe estejam tomando chá à uma da madrugada...
_ Eles podem acordar. A Layane não troca os remédios de tia Martha durante a madrugada?
_ Mas ela faz isso às escondidas, não faria qualquer coisa que levantasse suspeitas. E também, nesse tempo que ela vem trocando os remédios, não precisou passar pelo meu quarto. Vai dar certo.
Constatando a cara de descrença de Eduardo, Lorrayne disse:
_ Se você pensar negativo, vai mesmo dar errado! Seja mais otimista!
Layane entrou, e parando em frente à irmã e ao primo, perguntou simpática:
_ Estou atrapalhando alguma coisa?
_ Ora vamos, irmãzinha! Você está atrapalhando há quinze anos... Agora, com a sua licença, vou para o meu quarto, curtir a vida.
Lorrayne subiu para seu quarto. Layane ainda perguntou para Eduardo:
_ O que vocês estavam conversando?
_ O que você e Renan estavam conversando a caminho do curso?
_ Assunto particular.
_ E o nosso é super secreto.
_ Eduardo, minha mãe já está suficientemente irritada com vocês.
_ E o que você vai falar pra ela? Que temos um segredinho?
_ Você é um moleque tão estúpido!
_ E você é uma garota tão mimada!
Dizendo isso, Eduardo deixou Layane berrando:
_ Seu idiota você vai se arrepender! E a Lorrayne também! Vocês continuam a ser dois trastes insuportáveis!
Renan levou um longo tempo para conseguir convencer Layane a não subir ao quarto de nenhum dos dois para continuar com as ofensas.
E Lorrayne, deitada em sua cama, com os pés apoiados na da parede, e com o rádio ligado, aproveitava a sensação boa que percorria seu corpo, proveniente do plano de fuga. Ainda desfrutava dessa sensação no jantar, quando foi trazida à realidade com os maldosos comentários de sua irmã:
_ Ai mãe... Eu queria realmente ser amiga da minha irmã, mas ele prefere o Eduardo, e isso anda me deixando muito chateada... Por isso ela anda tão alterada comigo. Entendeu?
_ Sério isso, Lorrayne? – perguntou Martha visivelmente preocupada.
_ Hã? Não. Não prefiro ninguém. Layane é que não conversa comigo. E eu queria mesmo que ela fosse minha amiga...
_ Mas Lorrayne, a todo o momento você está enfiada no quarto com seu primo Eduardo, e você sabe muito bem que Layane e Eduardo não se dão bem...
_ Mas a culpa é da Layane! – Lorrayne deixou escapar.
_ Viu só, mãe? Viu a hostilidade que ela me trata?
_ Lorrayne, por que está falando assim da sua irmã?
_ Porque é a verdade. Agora, se a senhora me dá licença, vou pro meu quarto...
_ Não. Não vai. Você vai ficar onde está e terminar a janta com sua família. Onde já se viu...
_ Mas eu perdi o apetite.
_ Encontre-o. – finalizou Martha.
Lorrayne não teve alternativa senão terminar sua refeição. Confortou-se pensando que breve estaria com Catharina.
Terminando seu jantar, subiu para seu quarto sem o habitual “boa noite”. E esperou. Esperou. Esperou. As horas pareciam ter parado. Eduardo bateu na porta. Lorrayne abriu a porta, e voltou para sua confortável cama. O garoto sentou-se na poltrona e perguntou:
_ Tem certeza que esse seu amigo não vai furar?
_ Absoluta. Por que ele furaria?
_ Por nada. E se ele furar?
_ Ele não vai furar.
_ Tudo bem. Mas e se acontecer dele furar?
Lorrayne sentou-se, disse:
_ Que droga! Ele não vai furar! E se furar, o que é impossível, eu dou um jeito.
_ Que jeito?
_ Êta nóis! Não sei que jeito, porque não vai precisar!
_ Só estou te alertando. Você devia aprender a ter um plano B.
_ Se estava difícil o plano A, imagine o plano B... Mas não vai ser necessário.
_ Só queria que você se imaginasse vagando pela rua em plena madrugada.
_ Não vou me imaginar.
_ Pois devia.
_ Está preocupado?
_ Não. Só não queria viver com o peso na consciência de não ter te avisado, caso você aparecesse morta, decepada, esquartejada...
_ Certo, certo, chega! Já pode ficar com a consciência em paz.
_ E se alguém acordar durante a noite?
_ Ai, ai, ai! Problema de quem acordar! Você não quer que eu vá, não é mesmo?
_ Você vai ter que voltar.
_ Então você não quer que eu vá, não é mesmo?
_ Não é isso.
_ É sim.
_ Não é não.
_ Pode falar a verdade, sou eu, Lorrayne. Pessoa decente e honesta.
_ Não é não. Só estou com inveja.
_ Era de se esperar.
_ Só de pensar que ainda tenho que aturar uns trezentos dias nessa casa, me dá calafrios.
_ Pense positivo. Devem ser apenas uns duzentos e cinqüenta...
_ Ah é... Como eu não pensei nisso.
Lorrayne calou-se por um momento. “Pobre do Eduardo...” Pensava. Comentou:
_ Talvez até Catharina conseguir me levar, já tenham passado esses duzentos e cinqüenta dias...
_ É. Talvez. Bom, era isso. Vou nessa.
Eduardo levantou-se. Antes de abrir a porta, Lorrayne chamou:
_ É... Eduardo!
O garoto deteve-se e virou-se. Lorrayne veio ao seu encontro e lhe abraçou afetuosamente. Disse ainda apoiada em seus ombros:
_ Mesmo que eu consiga sair daqui antes de você, vou te dar a maior força, valeu?
_ Valeu. Melhor me soltar, Layane pode ver.
Seguindo seu conselho, Lorrayne disse:
_ O que seria um Deus nos acuda.
_ Boa noite. E boa sorte.
_ Obrigada.
Lorrayne voltou a trancar seu quarto, embora continuasse vulnerável a quem mais pretendia impedir de adentrar o lugar.
Continua