À uma em ponto, Lorrayne abriu a porta e deu uma olhada pela janela. Marco já estava lá. Estava fora do carro, para ser reconhecido. Abriu a porta silenciosamente e deu uma olhada pelo corredor. “Droga! Layane está novamente no quarto do Renan trocando os remédios!” Observou.
Pensou em esperá-los, mas perderia um tempo precioso. Esperou alguns minutos. “Talvez se eu rastejasse como da última vez... Eles não me viram... Não tenho escolha!”
Lorrayne precipitou-se pelo corredor até a escada. Descia silenciosamente. Ao chegar na sala, procurou pela chave da porta, mas deixou o molho cair no chão, despertando a atenção de Layane e Renan, que seguiram cautelosamente para a sala.
Lorrayne recolheu o molho e continuou a procurar pela chave, quando a luz acendeu. Parada na escada, Layane perguntou:
_ O que pretende fazer, irmãzinha?
Ignorando a pergunta, Lorrayne enfiou a chave na porta e correu para o quintal. Layane gritava pela mãe, enquanto Renan tentava alcançar a prima:
_ Mãe! Manhê! Acorda! Lorrayne está fugindo!
Eduardo, acordado pelos gritos, foi até Layane e tentava silenciar a garota. No quintal, Renan alcançou Lorrayne, segurava a garota como da última vez, em seu quarto. Lorrayne lutava para livrar-se das mãos do primo. Ao conseguir, continuou a correr, até alcançar o portão. Teve de parar para procurar pela chave, então Renan a alcançou novamente. Rolaram pelo chão, até Lorrayne conseguir soltar-se novamente, enfiou a chave no portão. Do outro lado, Marco perguntava:
_ Lorrayne? Tudo bem aí?
_ Renan! Pára com isso! Me deixa! O que você ganha me impedindo? Vai ser melhor pra Layane se eu for embora! Me larga!
_ Não, vai ser melhor pra Layane se conseguirmos te impedir!
_ Não vai não! Marco! Vou jogar as chaves e você abre o portão!
_ Joga! Rápido!
Na sala, Layane conseguia se livrar de Eduardo e correu até o quarto da mãe, enquanto exclamava:
_ Mãe! Acorda! Lorrayne está fugindo! Rápido!
Atordoada, Martha levantou-se perguntando:
_ O que está acontecendo! O que foi?
_ Mãe, vem logo!
Layane puxou a mãe escadas abaixo. Eduardo já não podia fazer mais nada. Seguiu a tia e a prima pelo quintal.
Martha deparou-se com Lorrayne jogando um molho de chaves pelo alto do portão, enquanto Renan a imobilizava novamente. Correu até a filha, livrando-a dos braços de Renan, enquanto perguntava:
_ Mas o que você pensa que está fazendo?
Marco abriu o portão, e Martha perguntou:
_ E você? Quem é? O que está acontecendo aqui na minha casa?
Martha agarrou Lorrayne pelo braço, perguntou:
_ Você estava indo ver Catharina?
_ Você está me machucando.
_ E vou machucar mais ainda se não me disser tudo! E você, garoto? Vou ligar para a polícia se você não for embora neste minuto! Vai, vai! – disse Martha referindo-se a Marco.
_ Me desculpe, senhora, mas vai ter que chamar. Sei que Lorrayne está sofrendo maus tratos nessa casa, e vou ajudá-la a voltar para a verdadeira mãe, custe o que custar! – enfrentou Marco.
_ Maus tratos? Mas o que significa isso? Lorrayne, você está me saindo uma bela duma mal agradecida! E você, seu fedelho, se não sair imediatamente da minha casa, vai arranjar um grande problema com a polícia, e seus pais também! – ameaçou Martha.
_ Marco, vai embora! Tudo bem! Deixa quieto! Melhor você ir. Vai logo! Vou ficar bem. Sério. – pediu Lorrayne.
Ainda cismado, o garoto entrou o carro e partiu. Martha segurou Lorrayne pelos dois braços, e perguntou:
_ E você, mocinha? Como se atreve?
_ A senhora devia esperar isso!
Martha esbofeteou Lorrayne, que caiu na grama úmida. Martha a levantou e continuava a segurar-lhe pelos braços. Layane saboreava o momento, e Renan massageava seu estômago dolorido. Eduardo lamentava a cena, mas não podia fazer nada. Martha continuava a perguntar:
_ Então esse seu colega ia te levar até a Catharina, heim?
_ Por favor, me deixa...
Martha a sacudia a cada pergunta que fazia:
_ Essa é a primeira vez que você foge? Ou já fez isso antes?
_ Não, não fiz... Eu só queria ver a Catharina...
_ Você só queria ver a Catharina? Oh... Coitadinha!
_ Eu preciso ver ela, será que a senhora não entende?
_ Quem você precisa ver está aqui!
Novamente Martha esbofeteou a garota. Dessa vez não a recolheu do chão. Ajoelhou-se e continuava a sacudi-la no chão:
_ Será que você não sabe que Catharina é acusada de assédio e tem que se manter a pelo menos um cem metros de você? Você ia mantê-la a cem metros de distância? Acho que não. Então você ia desobedecer à lei? Não, você não. Mas Catharina sim...
Com o corpo já dolorido de tanto se colidir com o solo, Lorrayne pediu:
_ Pára! Você está me machucando! Ma solta!
_ Calada! Não me interrompa! Você está ficando muito rebelde, não sei mais o que fazer com você!
Martha ficava cada vez mais agressiva. Eduardo meteu-se na discussão, enquanto tentava livrar Lorrayne das mãos furiosas da mãe, dizia:
_ Tia, pára com isso! Você pode ser acusada de agressão!
_ Estou disciplinando uma filha rebelde! É esse o tratamento que ela merece!
_ Tia, a senhora não está bem! Solta sua filha, e volte a se deitar!
_ Eu estou ótima! Você é quem tem que se deitar e me deixar dar o corretivo que essa garota merece! – dizendo isso, Martha mais uma vez dava um tapa em Lorrayne.
_ Não, tia! Pára com isso!
Martha levantou-se abruptamente. Com o rosto lívido e soluçando apavorada, Lorrayne continuava no chão, imóvel, olhando fixamente para a mãe, que parecia começar a se dar conta do que acontecia. Martha, aturdida, ignorou o pavor de Lorrayne, e começou a andar. Antes de entrar, disse:
_ Entrem todos! Logo! – e lançou-se no interior da casa.
Renan também estava estupefato com a reação da tia, e Layane parecia satisfeita. Voltou-se para a irmã e disse:
_ Viu? Mamãe está começando a se dar conta de quem você realmente é. Melhor entrarem, como ela disse.
Layane entrou. Renan ainda imóvel, perguntou:
_ Lorrayne? Você está bem?
A garota nada respondeu. Assustado, Renan voltou para seu quarto. Eduardo perguntou:
_ Tudo bem com você?
Lorrayne rolou na grama e continuou a soluçar. Não conseguira ir até Catharina, e provavelmente não conseguiria tão cedo. E essa reação de sua mãe a deixara assustada. Havia sido espancada pela mãe. Aquilo podia voltar a acontecer.
Que pesadelo estava vivendo. Não queria sair daquela terra molhada, pelo contrário, queria penetrar nela. Queria estar morta. Pelo menos estaria descansando em paz.
_ Lorrayne, melhor entrarmos. Você consegue se levantar?
_ Não. Não quero me levantar! Não quero entrar nessa casa! Não quero! Você viu o que ela fez? Não posso voltar pra dentro dessa casa! – replicava entre soluços desesperados.
_ E não pode viver aqui, embaixo desse sereno, vamos...
_ Eu quero ir embora, Eduardo. Me leva embora daqui...
_ Você não acha que eu quero?
_ Está tudo perdido... Não vou poder voltar para a Catharina.
_ Vai sim. Você só precisa descansar, e logo vai encontrar uma nova maneira. Você precisa dormir.
Eduardo levantou Lorrayne da grama a levou nos braços até seu quarto. Colocou-a na cama. Perguntou:
_ Está com alguma dor?
_ Estou. No coração. Por que fui aceitar vir morar aqui? Eu estava tão bem com a Catharina. E não era necessário ela ser minha mãe biológica. Só eu não sabia disso.
_ Logo você vai estar com ela de novo.
_ Quando? Daqui a três anos? Talvez eu não esteja viva pra isso.
_ Do que você está falando?
_ A Martha me surrou no quintal, pode fazer pior. A Layane então... E eu estou começando a ficar com medo. Qualquer dia a Layane pode mandar ela me matar, e ela mata... – Lorrayne passou a mão pelo rosto e gemeu.
_ Você quer gelo pra colocar no seu rosto?
_ Eu quero é ir embora daqui.
_ Lorrayne, descansa. É o melhor que você pode fazer.
_ Como eu vou descansar?
_ Amanhã você vai ver seus amigos, e vão ter uma nova idéia. Vou te deixar para que descanse. Boa noite.
_ Uma boa noite é o que eu nunca mais vou ter nessa casa.
_ Dorme.
Eduardo deixou o quarto da prima. Lorrayne levantou-se, e sentiu um terrível dor na coluna. Trocou-se e deitou-se, mas não conseguiu dormir. Ficou pensando em uma nova oportunidade de fugir. Seria difícil, mas não impossível. Na primeira oportunidade, estaria fora daquela casa.
Quando o dia amanheceu, Martha não bateu na porta como de costume. Lorrayne levantou-se com dificuldade e se arrumou. Desceu para o café. Layane olhou-a satisfeita e Renan apreensivo. Lorrayne estava ciente de seu rosto inchado, mas não parecia ser aquele o motivo das atenções. Sem olhar para a filha, Martha perguntou:
_ O que faz acordada tão cedo?
_ Estou tomando meu café pra ir pra escola.
_ Mas você não vai. – explicou Martha ainda sem encará-la.
Lorrayne parou o que estava fazendo. Olhou para Martha e perguntou:
_ O quê?
_ Você não vai pra escola hoje.
_ E posso saber por quê?
_ Preciso dizer?
Martha olhou-a firmemente. Continuou:
_ Essa escola, esses seus amigos têm me trazido muita dor de cabeça. Nossa convivência vem virando um inferno por causa de suas amizades...
_ Não. Essa nossa convivência não é culpa das minhas amizades.
_ É sim, Lorrayne. Você vai passar um tempo em casa, repensando seus atos, até eu achar que você pode reencontrar seus amigos. E se não melhorar, vou ter que tomar algumas providências drásticas.
“Não pode ser! Além de ter que conviver com essa maldita família, não vou poder ver meus amigos?” Pensou a garota furiosa. Perguntou:
_ E você não tem medo de me deixar aqui sozinha? Posso fazer o que quiser.
_ Se você está se referindo à fuga pra casa da Catharina, não se preocupe. Se você for, vou te encontrar, e sua tia Catharina é quem vai pagar pelo seu erro. Você sabe.
_ Eu sei, é claro. Sabe, não era melhor a senhora me colocar de vez em um internato, talvez fosse melhor pra todo mundo...
_ Chega Lorrayne.
_ Estou falando sério. Não me importava nem se me mandasse pra um internato. Seria melhor pra mim...
_ Lorrayne, pára com essas idiotices.
_ Não é idiotice. Idiotice é a senhora querer me manter aqui custe o que custar.
_ Quero te manter aqui, porque aqui é o seu lugar!
_ Meu lugar? Onde nem me ouvem ou confiam em mim?
_ Porque você não dá motivos para eu poder confiar!
_ É porque a senhora já está acostumada a ouvir Layane. Por isso, nada mais é válido.
_ Estou acostumada a ouvir todos.
_ Certo, então. A Layane troca seus remédios por uma droga que causa essas mudanças de humor em você. Sabia?
Layane olhou de Lorrayne para a mãe, assustada. Disse:
_ Mãe, olha as loucuras que essa garota está falando.
_ Está vendo, Lorrayne? Está vendo por que não dá pra confiar em você? Você não leva nada a sério.
_ A senhora que não acredita no que eu digo! A Layane tem feito todo tipo de barbaridade, mas a senhora não sabe porque não acredita em mim! Ela já tentou me envenenar! Ela tentou me matar! Essa menina é louca, e está te deixando louca também com esses remédios que está te dando! Será que a senhora não percebe que não é mais a mesma?
_ Lorrayne, continuo a mesma, não sinto nenhuma mudança...
_ Sério? A senhora sempre espancou sua filha no gramado do quintal? – interrompeu Lorrayne.
_ Não espanquei ninguém...
_ Então o que foi aquilo? Repreensão?
_ Foi! Foi uma repreensão! Você precisava ser repreendida!
_ Que tipo de repreensão é essa? Mal consigo andar! E a senhora estava me repreendendo por quê? Porque eu queria ver minha mãe?
_ Catharina não é sua mãe!
_ É sim. Sempre foi!
_ Chega, Lorrayne! Volte para o seu quarto agora! Você vai acabar nos atrasando.
Mais uma vez, Lorrayne refugiou-se em seu quarto. Não podia ligar para nenhum de seus amigos, pois estavam em aula. Nem para Catharina, que estaria no trabalho.
Continua