Abro os olhos.

Pisco duas vezes e só então minha visão entra em foco.

Fito o teto claro de meu quarto com a mente a horas atrás.

Tenho que forçar bem meu cérebro para saber se tudo o que aconteceu na noite passada foi real.

Pequenos pedaços de lembranças invadem minha mente de uma só vez, me deixando totalmente confusa.

Não conseguia distinguir o que fora verdade e mentira, minha mente me traia a cada segundo que se passava, arrastando-se em minha direção.

A luz amarelada de um dia ensolarado em Fell County brilhava em minha janela, ouvia o farfalhar suave das copas das árvores roçando uma nas outras ao lado de minha casa.

Tudo estava pleno, calmo.

A única coisa errada na situação era eu e tudo o que eu sentia.

Confusão, desespero, raiva.

Nada estava muito claro para mim.

Era como tentar abrir os olhos quando se está debaixo d’água. Nada tem foco, tudo o que você poderia ver era a cor predominante.

E minha cor predominante era azul. Eu mergulhava e me afogava nele em um ciclo vicioso e ininterrupto.

Seu hálito rodava em minha mente e me deixava embriagada com lembranças. Seus braços me acariciavam em minha mente e me deixavam a deriva.

Eu estava caindo em um terreno desconhecido, e apesar das circunstâncias, eu queria mergulhar nisso. Afundar...

O suor que descia pela minha nuca grudava meu cabelo em meu corpo, mas eu sentia frio. Muito frio.

Fecho os olhos com força e quando os abro vejo uma forma ofuscante tremeluzindo ao pé da minha cama.

Fixo meu olhar e pisco um milhão de vezes, mas a forma não hesitou em se mexer, só continuou ali, me observando.

Subitamente me senti atraída a lhe tocar, para ter certeza de que ao toque, sua pele era tão macia quanto parecia.

Seu cabelo escuro fazia um contraste perfeito contra a pele clara e translúcida, seus olhos eram dois orbes negros indecifráveis.

Sento-me em minha cama e o fito mais de perto, sua forma treme por alguns poucos minutos até voltar ao normal.

Ele abre um sorriso zombeteiro e sexy, meu coração falha duas batidas.

Você não mudou absolutamente nada, Shekinah. A forma perfeita diz, o movimento dos lábios tirando toda a minha atenção.

Saio do transe assim que ele se refere a mim por Shekinah.

Que merda que está acontecendo aqui?!

Continua linda... E totalmente perfeita. Ele diz, sentando-se em minha cama fazendo as molas rangerem ao seu peso junto com o meu.

Ele se aproxima de mim sorrateiramente, não me afasto, não consigo me afastar.

Seus olhos negros prendem-me, tento respirar, mas não acho meus pulmões, tento me mover, mas meus membros não respondem aos meus comandos.

Sua mão encosta-se a minha face, meus olhos se fecham e meu rosto cai em sua mão, totalmente entregue.

Seus lábios se aproximam dos meus e eu fico sem saber o que fazer, minha única certeza era que eu não iria recuar. Não conseguiria.

Quando seus lábios estavam a menos de três centímetros dos meus, ouço uma voz familiar ecoar em minha mente, furiosa.

Claire, não faça isso! Não o deixe tomar o controle novamente! A voz soa furiosa em minha mente. Suas palavras ecoando em minha cabeça.

Engulo a seco.

Tinha que confiar na voz, tinha que conseguir resistir a essa terrível sensação.

Olho mais uma vez para o rosto a minha frente e quase todas as minhas forças se esvaem.

Fixo no pensamento os olhos, os olhos azuis que eu tanto ansiava. Fixo meu pensamento na única coisa que eu realmente queria, todo o resto era uma grande ilusão.

Trish.

Fecho os olhos com força e os abro novamente, fitando apenas a bagunça de roupas jogadas ao chão de meu quarto, a luz calma e amarelada que saia por entre a cortina aberta, o farfalhar suave das copas das árvores roçando uma as outras.

A forma perfeita havia desaparecido.