Capítulo II - Kumotsu - Sacrifício - Parte I

Há alguém em mim a quem eu combato para me elevar.

(Saint-Exupéry)

 - Você está sozinho...

Sempre esteve...

Esqueça os sonhos...

Esqueça estes sentimentos inúteis...

Você só precisa de poder...

Isso é o que mais importa no mundo shinobi, não é?

Eu posso te dar todo o meu poder, toda a minha força...

Você só tem que se entregar, deixar de lutar inutilmente...

E se unir a mim...

Acabaremos com essa dor que existe em seu peito...

Esta angústia que te acompanha desde pequeno...

Não vê que não adianta de nada se esforçar para mudar sua realidade?

Olhe a sua volta, ninguém nunca te quis por aqui...

Todos têm medo de você...

Nenhum deles nunca te ajudou quando você era fraco...

Deixaram você ao relento, ignorando, humilhando, desprezando...

Acha que algum deles se importa com o que sente?

Te aceitaram como Hokage pois sabiam que você protegeria a vila com sua vida, mas não se importam se acabar entre uma montanha de escombros.

Só estão preocupados em salvar as próprias peles.

Assim como você, eu vejo cada olhar de raiva, desprezo e asco que se volta em sua direção.

Sinto sua dor, sua ira, sua revolta.

Juntos podemos fazer com que eles paguem tudo o que você sofreu...

Você só precisa me deixar agir...

Abrir o portão da fúria e liberar todo o ódio que você inutilmente tenta não ter...

Não finja, eu sei o que se passa em seu interior.

Os cheiros da amargura e da cólera são aromas conhecidos de minhas narinas...

E elas existem no canto mais obscuro de sua mente.

Você sabe muito bem porque guardou estes sentimentos aqui dentro.

Nada te prende a este lugar, criança...

Não existe nenhum parente vivo seu que possa te dar alívio em momento algum.

Queira ou não, seus supostos amigos apenas se importam com a sobrevivência deles mesmos...

Não existe ninguém que te ame nesta vila, Naruto...

Porque defende tanto aqueles que sempre te trataram mal?

Nenhum deles pode te ajudar agora.

Nenhum deles ao menos tentará fazer isso.

Tudo o que eles querem é a sua destruição.

O fim do último Jinchuuriki vivo.

Eles te consideram uma ameaça as preciosas vidas deles.

Vamos! Mostre a eles o erro que cometeram ao fazê-lo crescer sem amor.

Tratavam-no como lixo, monstro, verme.

Agora é a hora de eles pagarem pelos seus erros.

Derrame o sangue daqueles que esconderam seu passado de você.

Daqueles que escolheram rejeitá-lo, renegando-o à escuridão de uma vida solitária.

Você pode se vingar de cada um deles.

A chave está em sua mão, a escolha é simples.

Solte as amarras que te prendem, que te impedem de fazer o que você realmente quer.

Esqueça Konoha.

Tome o controle de sua vida.

Revele o monstro que eles mesmos criaram com sua ignorância.

Liberte-me...

 O som das palavras da Kyuubi ressoava nos ouvidos do Rokudaime, agora caído ao chão com a cabeça entre as pernas, com as mãos tentando abafar os argumentos do monstro em seu interior. A força dela parecia cada vez maior, fazendo uma grande cratera no local aonde ambos se encontravam, pedras de terra eram atiradas para todos os lados, tal era a força daquele poder descontrolado.

O rosto escondido pelo corpo forte estava em profunda agonia, a batalha não era apenas contra a Raposa de Nove Caldas, e sim também contra sua própria carne e sangue, que clamava por justiça e vingança. Seus desejos mais profundos e ocultos agora afloravam violentamente, cada uma daquelas palavras da fera calavam fundo em seu peito e ele sabia que em parte ela tinha razão, ele vivera nas sombras por muito tempo, ignorado e desprezado por todos sem ao menos saber o motivo.

Mas mesmo depois de tudo, olhando para trás, ele não conseguia se imaginar agindo como a fera ordenava, não era seu jeito normal de lidar com as dificuldades, não era assim que havia aprendido com seus senseis. Todas aquelas palavras dela queimavam como que gravadas a fogo na sua pele, mas infelizmente para ela não seria isto que o faria se voltar contra aqueles que amava e protegia.

- Quieta, raposa idiota.

Levantou os olhos para o alto, as lembranças surgindo claras em sua mente, cada momento único com o time 7 passando como se fosse um filme antigo bem diante de seus olhos, a rivalidade inicial, as missões, os desafios, os limites superados. Nenhum deles estava ali agora, cada parte da célula tripla estava num canto diferente do mundo shinobi.

Kakashi havia sido cruelmente morto por aquele maldito Pein, que ele matara para vingar tanto a morte do sensei quanto do Ero-Sennin.

Sasuke continuava renegado, desaparecera como fumaça depois do extermínio da Akatsuki, buscando não se sabe bem o quê, respostas, objetivos, um novo futuro talvez. Havia rumores que naquela época ele havia voltado secretamente à vila para raptar uma das kunoichis, Yamanaka Ino, com o propósito de reerguer seu clã novamente, mas segundo o que o próprio Uchiha lhe falara na última luta dos dois ele não arrastaria ninguém para a vida desgraçada que levava. Era mais provável que a ninja das flores tivesse escolhido fugir com o outro por escolha própria. E isso já tinha cerca de um ano.

Já Sakura... Depois de chorar rios nos ombros do loiro, resolveu reagir, se tornando relações públicas entre Konoha e as outras vilas ocultas, além de espalhar as idéias da sua mestra com relação ao treinamento de medinins e inclusão destes em equipes de ninjas de elite. Superara a muito a sennin das lesmas, tomando conta dos hospitais da vila e aliados.

Segundo a fera que tentava dominá-lo não existia mais ninguém na Vila que se preocupasse com ele, que se importasse,que quisesse o seu bem. Mas ele sabia bem que não era verdade.

Sim, havia pessoas ali que queriam que ele virasse pó o mais breve possível. Inescrupulosas, cruéis, vingativas, covardes, que sabiam que ele não permitiria suas ações baixas e indignas.

O que a Raposa não sabia é que também existiam indivíduos inocentes e leais, que nunca abandonavam seus companheiros mesmo em face do perigo mais tenebroso. Existiam sim shinobis de valor, honrados, companheiros, que tantas vezes haviam corrido para salvá-lo em momentos angustiosos e difíceis. E uma dessas pessoas era especialmente importante para ele, que se descobrira tímido assim que assumira estes sentimentos para si mesmo.

Levantando alto a cabeça, Naruto olhou para o monte Hokage, admirando por um momento as imagens dos seus antecessores, homens e mulheres corajosos, dispostos a tudo pelas pessoas daquele lugar. Ao lado destes, a sua própria imagem se elevava num desafio a ele, como que tentando mostrar algo que ele ainda não havia percebido.

E de repente, tudo ficou claro. Sua missão, sua responsabilidade, seu amor pela terra natal...

Um plano começou a ser moldado naquela cabeça antes tão oca, e agora ele já sabia exatamente o que fazer...

- Você está errada, bicho miserável. Existe futuro para Konoha. O que não existe é a possibilidade de me deixar levar pelas suas palavras vazias.

A Kyuubi riu alto, uma gargalhada cruel que ressoou pelo vale a sua frente, enquanto esta moldava seu chacka de forma a apareceu uma grande raposa feita de energia avermelhada, arreganhando os dentes para o herdeiro do Yondaime.

- Me desafia, garoto? Parece que se esquece quem te deu a vitória tantas vezes nestes anos. Acha que consegue me segurar, bloquear meu poder infinito?

Encarou friamente os olhos do demônio de nove caldas, sem medo ou sequer um único momento de incerteza. Assim como Tsunade antes dele, apostaria sua vida para assegurar a segurança dos habitantes. E como num jogo, ele apenas precisava de alguns momentos para distrair o adversário e pegá-lo de surpresa, dando o bote final na hora certa.

 - Como se eu precisasse de você para alguma coisa... Tudo o que aprendi foi para melhor dominá-la. Tudo o que fiz foi sempre lutar segundo minhas verdadeiras forças, barrando seu chacka maligno para que ele não me dominasse no meio das batalhas. Minha vida inteira eu lutei contra você, mostrando a todos que cada um tem o poder de escolher seu destino, que não existe desculpa para atos vis justificados pela loucura, vingança ou dor própria.

- Hahahaha... Você me subestima, criatura tola. Queira ou não, hoje eu saio desta prisão horrenda que seu paizinho me encarcerou em troca da vida dele... Patético isto, não acha? Todo o trabalho dele escorrerá como água pelas ruas de Konoha, enquanto eu assumo meu lugar de direito no mundo: o de predador sem rivais. E você não poderá fazer nada quanto a isto, pobre mortal.

- Seu erro sempre foi esse. Você ainda não aprendeu, mesmo depois de todos esses anos...

Ele novamente olhou para o céu azul, bem acima de sua cabeça, sorrindo em meio aquela bola de chacka demoníaco que circundava seu corpo, respirando fundo e se concentrando. A fera não entendia, não conseguia compreender aquela demonstração estranha dele, seria alegria aquilo que via nos intensos olhos azuis de seu recipiente? Não era possível nem provável que aquele ser inferior gostasse de sentir a dor causada por ela e pelos habitantes da vila, ela não sentia loucura ou insanidade da parte dele, apenas ouvia claramente o coração dele pulsando forte e rápido, como se estivesse se preparando para algo extraordinário.

- Se tem esperanças, meu caro, esqueça-as. Não existe nenhuma chance de você me vencer, não existe a mais remota possibilidade de sair vivo depois de me enfrentar.

- Não importa mais o eu aqui, o meu cargo ou a minha vida. Eu nasci com um propósito, uma meta: me tornar o melhor Hokage de todos os tempos. Se para isso eu tiver que saltar em meio ao vazio e a solidão, não hesitarei por nenhum segundo sequer para proteger os que confiam em mim. Você nada sabe da vontade de fogo que nos motiva, besta sanguinária, pouco importa o presente se o futuro for assegurado para aqueles que amo. Nessa batalha, não me importa vencer. Estou aqui para te impedir, e isto me basta.

- Fala muito grosso para alguém tão jovem. Você vai morrer hoje, criatura tola, e eu irei gargalhar sobre o seu cadáver enquanto destruo tudo o que mais ama, e de nada valerá tantas palavras. Saborearei cada pedaço do seu corpo frio, cada gota de sangue que manchará a terra que tanto tentou defender inutilmente.

Sem rir, o loiro continuou com seu acúmulo de chacka, ignorando por completo as ameaças claras do monstro vermelho diante de si. Ao sentir que este já lhe bastava, esboçou um leve sorriso, sabendo que as suas próprias ações mudariam seu futuro dali por diante.

- Ações contam mais do que simples vontades, e para agir, você precisa de tempo. E você não tem mais nenhum.

Começou a fazer selos com as mãos rapidamente, movendo os lábios sem soltar um som sequer, recitando na mente o nome de cada um. Colocou ambas as mãos sobre a marca em seu abdômen, pedindo a Kami que seu plano desse certo.

- Fuuin Jutsu - Shishou Fuuin - Selo das Quatro Imagens

Continua na próxima parte...