Capítulo II – Kumotsu – Sacrifício – Parte II

O herói é aquele que, tendo de escolher entre o medo e a morte, se liberta do medo lutando. (Autor desconhecido)

No mesmo instante, Naruto sentiu todo aquele chacka como que perfurando suas entranhas, o choque foi tão grande que o arremessou longe, fazendo-o bater numa das casas no fim da vila. Sentiu dor nas costelas, provavelmente havia quebrado alguns ossos, pois o corpo todo reclamava do impacto causado pelo jutsu sobre si. O sabor amargo da terra unido ao ácido do seu sangue se misturavam na boca do shinobi, que tentou se levantar com dificuldade do monte de escombros em que se encontrava, sentindo cada célula pedindo misericórdia diante dos ferimentos expostos sobre a pele clara do Hokage.

Mas seus problemas ainda não tinham acabado.

- Tolinho, acha que eu cairia duas vezes no mesmo jutsu ridículo? Vocês humanos são muito previsíveis.

Alguma coisa saíra errado. Tinha faltado alguma coisa, pois aquela maldita raposa voltou a tomar sua forma de chacka avermelhado, agora gargalhando do rosto cansado e surpreso do loiro, que acabou caindo novamente sobre o monte de terra em meio à rua empoeirada.

- Já te disse que qualquer esforço seu será em vão. Esse Shishou Fuuin não pode ser refeito por alguém tão sem experiência nessa área, e que eu bem me lembre, quem fez o original não está por aqui, não é? Muito menos aquele que deveria ser seu guardião está nesta terra, segundo o que fiquei sabendo morreu de forma ridícula pelas mãos de um ex-aluno. Patético. A falta de juízo deve ser sido transmitida através dos ensinamentos dele para o seu pai e agora para você. Os três não souberam fazer as escolhas certas. Vidas inúteis perdidas por um ideal tolo.

O sangue do shinobi ferveu com o comentário maldoso sobre seu falecido sensei. A força pareceu retornar de súbito aos músculos, e num salto ele pôs-se em pé, disposto a tudo para defender a honra daquele que tanto o ensinara, embora algumas coisas fossem dispensáveis. Os olhos brilhavam em fúria, a raiva que sentia pela raposa aumentava a cada minuto, fazendo o chacka vermelho se unir mais uma vez ao seu próprio.

- Isso, garoto. Sinta ódio. Cada grama dele a mais que percorre suas veias vai sugando seu controle e aumenta meu poder. Assim será mais rápido o momento que acabarei com a sua vida, criatura inútil, e poderei enfim me libertar desta incômoda prisão de carne que é o seu corpo.

Nesse instante, ambos sentem um chakra diferente no ar, alguém se aproxima... E qual não foi a surpresa dele ao ver a jovem Hyuuga correndo em sua direção, com o rosto contorcido de aflição e medo.

- Naruto-kun!

O loiro não podia crer em seus olhos azulados ao ver a kunoichi de orbes perolados parada a sua frente, não queria espectadores para a cena horripilante de sua luta com a raposa, principalmente ela, que lhe era tão cara. Por um segundo se permitiu viajar olhando a pele macia e branca da moça, seus longos cabelos azulados, os olhos gentis... Mas logo sua razão voltou, e ele percebeu que não era nem um pouco seguro para ela estar ali, enquanto ele enfrentava o turbilhão de chacka produzido pela fera presa em seu interior. Gritou de modo que ela ouvisse claramente, tentando convencê-la a sair dali.

- Hinata, o que você faz aqui? Se proteja, eu não tenho muito mais força para conter a Kyuubi, ela...

- Eu sei, Naruto-kun... Eu posso ver o chacka dela tentando tomar o controle...

A herdeira do Byakugan tem seu kekkei genkai ativo, observando o fluxo da energia maligna tomando conta aos poucos do corpo do amado. Mordeu os lábios, ao ver o selo parcialmente quebrado brilhando em vermelho-fogo. Seu coração lhe pedia para ajudá-lo, para dar um jeito de acabar com o sofrimento daquele que tanto admirava, mas o cérebro não lhe dava luz alguma, estava num impasse, não sabia o que fazer para libertá-lo daquela situação.

- Vá embora, Hinata, é perigoso ficar perto de mim agora! Avise os outros para não chegarem perto, não quero ferir ninguém por causa deste meu fardo...

- Iie, Naruto-kun... Já informei Sakura-chan e ela está repassando a informação para os demais... E-eu ficarei aqui... Não abandonarei a-alguém e-especial p-para m-mim...

O rubor tomou as faces da Hyuuga e ela não conseguiu continuar a frase, temia uma rejeição da parte do loiro, o que ela não suportaria, não depois de todos aqueles anos. Sabia que não era sensato ficar ali, perto dele, enquanto o monstro lutava para se libertar, vira os destroços de uma casa espalhados pela rua e tinha idéia de quão forte era o Bijuu descontrolado. Mas queria permanecer ali perto, dar seu apoio, seu carinho, mesmo que não fosse correspondido, tal qual um pássaro observa a beleza do predador, sabendo que seu encontro nunca daria certo.

Enquanto isso, um estranho calor tomou conta do peito de Naruto, que parou para olhar a moça a poucos metros de distância. Fazia pouco tempo que descobrira o que realmente sentia, e ainda estava atordoado com aquelas sensações novas e desconhecidas. Apenas calou-se, tentando não se deter a isso naquele momento, tinha que pensar num novo plano para derrotar a fera de chacka avermelhado, e a vergonha embaralhava sua mente, impedindo-o de raciocinar friamente.

- Hum, que interessante... Mais uma peça no meu joguinho de tortura... Você nunca facilitou as coisas para mim, Naruto, e eu também não deixarei passar nenhuma oportunidade de fazê-lo sofrer. Espero que sua amiguinha seja forte, pois acabar com um ser tão frágil não tem a mínima graça.

- Não ouse encostar nem ao menos um só dedo imundo na Hinata, raposa dos infernos!

E os olhos dele se encheram de cólera com a simples ameaça da Kyuubi, que abriu um sorriso malicioso entre os dentes afiados. A brincadeira estava ficando cada vez mais divertida...

-Vejo que realmente não te conheço o suficiente, rapaz. Nunca imaginaria que logo você, um ser rejeitado pela sociedade, poderia nutrir sentimentos tão... como direi... comoventes... Pena que eu não tenho coração, senão verteria lágrimas ao ver cena tão terna...

Gargalhou mais uma vez a Raposa de Nove Caudas, enquanto aumentava seu tamanho, adquirindo quase a altura de um dos prédios vizinhos. Voltou-se para a jovem de olhos perolados, sorrindo macabramente, deliciando-se com a visão de mais uma vítima em potencial. Foi se chegando a ela, lentamente, que se pôs mais pálida que o normal, andando para trás de modo involuntário, o coração pulsando no peito cada vez mais rápido e forte, o pavor era bem claro nos orbes da kunoichi.

-Agora é nossa vez de brincar, querida.

Sentiu-se sendo puxada para trás antes de alcançar definitivamente a moça. Com um urro raivoso virou-se, dando de cara com um Naruto claramente alterado e quase descontrolado, trazendo o monstro para mais perto de si com uma força absurda, vinda de algum lugar desconhecido para uma fera como ela. Arreganhou mais uma vez as presas salientes, prontas para dominar seu recipiente teimoso e mergulhar suas garras de chacka naquele ponto do selamento que era seu cárcere há 20 anos.

- Eu falei claramente: não encoste na Hinata-chan, sua briga é comigo, raposa covarde!

Naruto sabia que precisava agir, e rápido. Sua mente viajava nas possibilidades, mas nenhuma parecia ser suficiente para bloquear o monstro preso dentro de si. Não poderia contar com o Ero-Sennin, nem com seu sensei Hatake Kakashi, ambos haviam sido mortos anos antes. Na verdade, pouco sobrara da geração anterior a sua, e nenhum dos sobreviventes tinha força suficiente para ajudá-lo a prender a fera novamente. Se ao menos houvesse alguém com um poder grande o suficiente para lhe dar uma idéia...

Olhou novamente para o monte Hokage, se detendo por um momento em um dos pontos das estátuas cravadas na pedra sólida. Um raio passou pela sua mente, e mais uma vez ele começou a montar um plano, e esse, ele tinha certeza, não havia como falhar.

E se falhasse, desta vez não haveria volta, uma outra oportunidade ou um golpe de sorte para tentar de novo ou refazer o golpe. Seria único, certeiro e fatal.

Para os dois.

O poder da Kyuubi voltara a circundar ambos, a fera e o shinobi. Estava ficando cansada de brincar com seu recipiente, sua raiva e ódio aumentavam e a sede por dor e sangue também, mas sabia que era necessário deixá-lo fraco o suficiente para quebrar o selo e se libertar. Matá-lo antes disso seria suicídio, já que ela ainda vivia no interior do loiro. Precisava cansá-lo, e os indícios que seu plano estava chegando ao ápice ficavam claros a cada minuto, o chacka dele começava a falhar também.

- Então, vai me mostrar novos truques ou vai me matar de tédio até a minha força te devorar por completo?

O olhar sereno do loiro tornou-se desafiador. Sentia as carnes já se romperem pela força do chaka maligno da besta presa dentro de si, mas continuava firme em seu plano. Respirou fundo, aquela era uma decisão sem volta, sem possibilidades de arrependimentos tardios. Era hora de mostrar que não se podia mexer com um filho de Konoha, um herdeiro da vontade de fogo, e sair ileso depois.

Começou a fazer novamente os jutsus, sentindo ainda na carne a dor dos ossos quebrados pela tentativa anterior de barrar o poder da Kyuubi. Sem desviar os olhos da fera de olhos e dentes ameaçadores, foi fazendo, um a um, todos os selos que tão habilmente seu mestre havia lhe proibido de usar.

- “Desculpe, ero-sennin, mas não há outro modo. Pai, aonde quer que você estiver, estou chegando...”

- Mas o que este garoto está fazen...

- Pare, Naruto-kun! Não faça isso, onegai!

Hinata já estava ao seu lado, não se importando com o chacka vermelho que queimava sua pele como se fosse papel, não ligava para a dor, não tinha medo da morte. Tinha sim, um enorme medo de perder aquele por quem havia dedicado tantos anos de amor e carinho silenciosos. O sofrimento seria por demais angustiante para ela ver seu amado morrer, e tinha plena consciência de que aquele jutsu só garantiria a segurança da vila, mas não a vida de seu amor.

- Está tudo bem, Hinata... Você ficará bem, eu garanto...

- Iie... Nada ficará bem... Onegai, deve haver outro jeito...

Ela em vão tentava não chorar, não gaguejar... Pedia a Kami que ele não fizesse isso, ele não podia fazer isso com ela, não agora... Num ato impulsivo, ela venceu a pouca distância que os separava e grudou seus lábios aos dele, jogando ao vento toda a timidez e vergonha que por tanto tempo haviam lhe acompanhado. Depositou ali seus sonhos, suas esperanças pelo futuro, todo aquele amor que guardara desde a academia. O chacka vermelho começou a queimar-lhe a pele, mas ela não se importava, tentava com aquele beijo convencê-lo a não agir daquele jeito, a não abandoná-la...

Quando ambos se separaram, Naruto inspirou fundo, dando um dos seus melhores sorrisos até aquele momento. Piscou para ela, olhando bem fundo nos orbes dela, o encontro do azul do céu com o brilho das estrelas era intenso, naquele olhar ambos se entregavam por completo. Mas ele tinha uma missão, um propósito, e não poderia abandoná-lo agora. Precisava manter a paz de Konoha, proteger aqueles que dependiam dele. E mesmo que ela não se importasse, ela era uma daquelas pessoas que estavam em perigo diante da Kyuubi descontrolada.

- Arigato gozamaisu, minha doce Hinata... Agora posso dizer que fiz de tudo nessa vida, que amei e fui amado. Sumimasen, mas eu preciso fazer isso...

E com essas palavras, desviando os olhos da herdeira Hyuuga, ele pronunciou aquelas palavras tão temidas por ela, que feriam seu coração como milhares de senbons sendo fincadas de uma só vez, deixando seu interior sangrando mais do que se ela própria fosse atacada por ninjas inimigos.

- Fuuinjutsu – Shiki Fuujin! (Jutsu de Selamento – Selamento do Demônio da Morte.)

Num instante, ali estava ele, o grande e poderoso shinigami, vestido com um longo manto branco, os cabelos esbranquiçados arrepiados, dentes salientes, uma figura terrível mesmo. A Kyuubi trincou os dentes, não esperava uma atitude suicida do ‘moleque’, tinha esperança de convencê-lo a se unir a ela, mas estava errada. Não havia como fugir. Não existia nenhuma chance de se esconder ou escapar do deus da morte. Tentou, em vão, convencer o shinobi que isso não era necessário, que ele estava exagerando, mas o Rokudaime foi inflexível.

- Seu tempo acabou, raposa maldita. O seu e o meu.

O deus da morte começou a sugar a energia da Kyuubi para dentro de si aos poucos, cada segundo era uma tortura para Naruto, sentia sua vida sendo levada devagar, gota a gota sendo puxada para dentro da barriga do shinigami, era como se lhe ferissem mil vezes sobre o mesmo local repetidamente, a dor o consumia e ele acabou ajoelhando-se no chão, sem poder suster-se. Hinata veio ampará-lo, impedindo-o de cair, e em seus braços ele se aconchegou como um bebê recém-nascido pedindo por colo. Sentiu as gotas salgadas oriundas dos orbes perolados caírem sobre sua blusa alaranjada, e levantou os olhos para ver a face marejada daquela que sempre estivera ao seu lado.

- Por que você não me ouviu, Naruto-kun? – Ela não conseguia mais segurar o choro e o desespero. – E-eu... Eu te amo, seu idiota! – Não conseguia se controlar, seus sentimentos estavam alterados, o coração despedaçado por ver que perderia aquele que tanto tempo amara. – Aishiteru... Desde sempre...

- Não chore, onegai... – Ele enxugou suas lágrimas com uma das mãos, acariciando o rosto delicado dela. - Eu preciso que você continue assim, forte, corajosa, para ajudar os habitantes daqui... Eu... Não poderei mais protegê-los... Fiz o que achei mais certo... Espero que me perdoe, um dia... Seja feliz, onegai... Me prometa isso...

- H-hai... E-eu prometo... Naruto-kun...

- Aishiterumo, Hinata...

Puxou levemente a moça em sua direção, unindo seus lábios pela última vez, um beijo terno, sem desespero, sem arroubos, sem dúvidas nas suas mentes. Era o que ambos queriam, estarem unidos, nem que fosse por um breve momento.

Alguns segundos depois, ela sentiu o corpo dele pesar em seus braços, e a mão dele pender até o chão. Os olhos do ninja número um, hiperativo e cabeça oca que havia se transformado em uma lenda no mundo shinobi foram fechados pela última vez, tendo a alma levada para dentro do ventre do deus da morte, que desapareceu em seguida, do mesmo modo que havia surgido.

Nos lábios dele, um último sorriso se fazia notar claramente, um sorriso de dever cumprido, satisfação de ter feito o melhor para aqueles que amava, e de saber que tinha sido correspondido, ao menos uma vez...

Já ela, não conseguia acreditar no que acontecera, não era possível, só poderia ser mentira, acaso não havia um ser superior no céu para que isso ocorresse logo agora? Elevou os olhos para cima, gritando com toda a força ainda existente nos pulmões.

- DOSHITE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Como que em resposta a sua pergunta, uma chuva fina começou a cair, como que a natureza também lamentasse a perda daquela alma tão bondosa e justa. A água fria lavava seu corpo, levando embora a sujeira e o sangue de seus ferimentos, mas não a dor lacinante que havia em seu peito, que consumia sua alma e a impedia de parar com as abundantes lágrimas que escorriam de seu rosto até o corpo sem vida do amado. Sentiu uma pontada no meio das costelas, tentou respirar, mas não conseguiu, o ar lhe faltava. A tontura veio de uma vez, fazendo-a desmaiar logo em seguida, caindo sobre o amado inerte no chão agora enlameado.

Continua no Próximo Capítulo...

Glossário:

Sumimasen: Sinto Muito.

Arigato gozamaisu: Muito Obrigado.

Onegai: Por favor.

Aishiteru: Eu te amo.

Aishiterumo: Eu também te amo.

Doshite: Por quê.