Já tinha passado da hora de Sayuri deixar o hospital. Nas atuais circunstâncias, porém, a genin havia implorado para que Shizune a deixasse ficar e ajudar até que Genma estivesse um pouco melhor. Era madrugada e a ruiva estava cuidando, mais uma vez, dos ferimentos de seu antigo sensei. Pela primeira vez no dia, os dois estavam completamente sozinhos no quarto do hospital.

— Isso dói... — Genma reclamou baixo, sentado à cama, enquanto observava-a limpar os ferimentos em seu tronco desnudo.

Os olhos azuis da menina brilhavam como duas safiras, da mesma maneira que 12 anos atrás, quando ele a conhecera como uma frágil bebê. Agora, porém, ela não era mais tão frágil e nem tão pequena. Também não tinha mais aquela felicidade boba e inocente em seu rosto. Ela parecia até, de certa maneira, infeliz. Ele ansiava e quase implorava pela atenção de seu olhar.

— Sayuri — chamou, quase que em um sussurro. Seria bom que evitasse qualquer esforço desnecessário em seu atual estado. — Sobre o que aconteceu...

— Não quero saber. — ela deu de ombros, ainda evitando encará-lo.

— Não... — Genma deixou de resistir à vontade de enxergar dentro dos hipnotizantes olhos azuis e tirou a mexa do cabelo de Sayuri que cobria parcialmente seu rosto, prendendo-a atrás da orelha da menina. Aquilo fez com que ela finalmente o encarasse e com que ele desejasse que aquele momento se estendesse por horas mais. — Desculpe, eu falei aquilo de propósito. Sabia que iria atrás do Uchiha, mas não queria que fosse.

Sayuri parou imediatamente de fazer o que estava fazendo e encarou Genma. Por alguns segundos, o jounin se arrependeu de ter falado a verdade.

— O que? — ela perguntou, como quem não tivesse entendido.

— Sasuke nunca me machucou, foram outros ninjas que fizeram isso. Ele não estava lá. — ele começou, tentando ignorar a voz dentro de si que avisava que se arrependeria ainda mais — Mas isso não importa, Sayuri. Ele escolheu deixar Konoha e você sabe disso. Ele é um nukenin, agora. Não importa o quanto você e qualquer outra pessoa tente se convencer do contrário, ele não vai voltar. Ele não quer voltar. Ele traiu Konoha.

Sayuri largou as mãos ao redor do corpo e cerrou os punhos. Ela puxou com força o ar para dentro de seus pulmões e depois soltou, devagar. Parte dela sabia que o que Genma estava dizendo era verdade, mas outra parte estava irada por ele ter mentido. E esta segunda queria socar o jounin até que todos os seus dentes estivessem no chão.

— Você não sabe nada sobre ele. — ela respondeu cuspindo cada uma das palavras, sem desviar o olhar de Genma. Seus olhos azuis agora não brilhavam mais como antes e ele sentiu um frio percorrer por sua espinha.

— Não preciso saber. Só preciso enxergar a verdade.

— Chega.

Sayuri terminou o que estava fazendo sob os olhares silenciosos de Genma e, então, saiu do quarto sem pronunciar qualquer outra palavra. O jounin queria brigar e fazer com que ela entendesse seu lado, mas preferiu não fazer mais nenhum esforço. Ela não era do tipo que desistia fácil, de qualquer maneira.

Genma encarou a porta fechada por longos minutos, imaginando se ela algum dia o perdoaria e o entenderia, ou se ainda escolheria seguir os passos de Sasuke. Pensar na segunda opção lhe dava uma sensação estranha no peito, que ele preferia ignorar.

A Hoshino esperou ansiosa por notícias da volta dos colegas, imaginando como seria se o Uchiha estivesse com eles. Mas, no fim, Sayuri sabia que ele não estaria. Sasuke era inteligente e ambicioso demais para deixar que o convencessem de desistir de seu plano, seja qual fosse ele. E mesmo com Naruto no time de resgate, ela também sabia que Sasuke era forte o suficiente para não deixar que eles o trouxessem a força. Então, não importa o que acontecesse, a genin sabia qual seria o resultado daquela missão inútil. Poderia estar brava com Genma, mas foi uma boa coisa ela não ter ido atrás do time de Shikamaru.

Sayuri passou o restante das horas tentando se convencer dessa versão e aceitar os fatos. Já que tentar dormir era inútil, ela passou a noite em claro e todo o dia seguinte em alerta, até que finalmente sentiu a aproximação de vários chakras conhecidos. Entre eles, ela reconhecia Shikamaru e Naruto, mas sem nenhum sinal do Uchiha. Aquela era a resposta que estava esperando. Se ele tivesse voltado, com certeza seria a primeira presença que Sayuri teria sentido.

Apressada, a Hoshino correu pelos corredores do hospital a fim de ouvir o que tinha acontecido. Não conseguia evitar a curiosidade. Ela encontrou Kakashi no quarto em que Genma ainda se recuperava e se aproximou devagar, suprimindo o próprio chakra para que não percebessem sua presença. Não queria que Genma visse que estava interessada em ouvir o que tinha acontecido e, mais do que tudo, não queria que ele visse que ela ainda estava no hospital. Escondida atrás da porta, Sayuri ouvia a conversa entre os dois jounins.

— Quando chegamos, era tarde demais. Naruto foi o último a lutar com Sasuke e a tentar para-lo, mas não conseguiu. Ele não estava mais lá quando chegamos. — Kakashi explicou ao colega.

— Não achei que conseguiria.

— O que nos deixou mais curiosos, porém, foi o fato dele ter largado Naruto lá, vivo. De alguma maneira, ele ainda se importa com o antigo amigo.

— Ou apenas não estava entre seus objetivos matá-lo. O Uchiha não parece se preocupar com algo além dele mesmo. — Genma respondeu e, mesmo sem olhá-lo, Sayuri conseguia perceber a raiva em suas palavras.

Aquilo fez com que uma chama se acendesse no interior da menina. Qual seria o motivo para tanto ódio? Sasuke era nada mais do que um genin, para Genma. Ou pelo menos era o que ela pensava até então.

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x.x

Alguns dias se passaram desde a confusão da fuga de Sasuke e o resgate mal sucedido. Todos estavam recuperados e pareciam até ter superado a partida do Uchiha. Até Naruto, que se importava tanto com o menino, parecia ter aceitado a verdade, agora. Sayuri o observava quando se encontravam, às vezes, pela vila. Ele estava sempre cansado, mas animado. Segundo o que a menina ouvia por Konoha, o Uzumaki estava em treinamento pesado e em breve viajaria ao lado de um dos três ninjas lendários, Jiraya-sama.

Seguindo os passos de Naruto, todos os outros colegas também se empenhavam nos treinos para ficarem cada vez mais fortes e acompanharem sua evolução. Até mesmo ela, que estava mais do que nunca mostrando toda sua dedicação nos treinos de mednin orientados por Shizune. Talvez aquela fosse a maneira de todos esquecerem a partida e o fracasso no resgate de Sasuke ou eles estivessem crescendo. Certa vez, Kami disse a Sayuri que seu pai, o sandaime hokage, chamava o sentimento de querer ficar mais forte para proteger e alcançar os amigos de vontade do fogo. Talvez fosse apenas isso. A vontade do fogo se despertando nos jovens genins e chunnins.

A Sarutobi, aliás, estava liderando sua primeira missão desde que conquistou o título de chunin. Ela havia pedido a Tsunade que deixasse Shikamaru a acompanhar por alguns dias, até que o amigo se recuperasse da culpa que sentia por não ter sucedido na sua primeira missão como líder. Ele não havia ficado muito feliz com a ideia, já que pretendia passar um bom tempo trancado em casa tentando encontrar seu erro, mas acabou concordando. Ou sendo arrastado antes que pudesse se impor. Ir contra a vontade de Kami seria ainda mais problemático do que fazer o que ela queria.

— Ohayo, Shikamaru-kun! Você está jogando isso de novo, uh?! - Kami caminhou devagar até onde Shikamaru estava sentado, em frente de um tabuleiro xadrez, no jardim de sua casa. Não teve dificuldade nenhuma de encontrar o menino. Ele estava sempre ali, em todos os últimos três dias em que ela tinha vindo buscá-lo.

— Você não entende. — ele respondeu sem a olhar, encarando o tabuleiro enquanto a mão direita pressionava uma das têmporas.

— Então me explica. — Kami sentou-se a frente do menino — O nii-san joga isso o tempo inteiro. Eu sei pouco sobre o que se trata. É algo sobre estratégias, não é?

— É possível simular cada missão no tabuleiro e traçar uma estratégia perfeita. O único problema é que eu estou tentando encontrar o erro da missão do resgate do Sasuke, mas não consigo. — ele respondeu, franzindo um pouco a testa. Parecia exausto.

— Hum... Então, se eu aprender isso daí, vou conseguir pensar em estratégias e liderar as missões melhor?

— É mais ou menos isso.

— Legal! Quero aprender! — Kami respondeu animada e o Nara finalmente a encarou.

— E por que eu te ensinaria isso?

— Ué, se você me ensinar, podemos treinar e melhorar juntos e, quem sabe, eu posso te ajudar a encontrar o que está faltando. — ela falou como se fosse óbvio.

Shikamaru tentou pensar um pouco sobre a ideia e acabou decidindo que fazia mesmo sentido.

— É. Okay, acho que você vai aprender logo.

x.x

Genma suspirou ao olhar mais uma vez para a foto no porta-retrato em cima da mesa que ficava ao lado de sua cama. Aquela imagem resumia os únicos motivos que o prendiam à vila e o deixavam, de certa maneira, triste por ter que passar tanto tempo fora. Tsunade havia convocado o jounin para uma missão de longa duração, bem distante da vila. Se tudo corresse como esperado, ele voltaria em três ou talvez quatro anos.

Já estava quase tudo preparado. Sua mala estava pronta em cima da cama, mas um sentimento estranho de que ainda faltava algo o perturbava. Na foto, ele aparecia no meio de três genins: Hoshino Sayuri, Kurama Yuki e Sarutobi Kami. Era uma lembrança que todos os times costumavam ganhar, logo que eram formados. Genma devia ter mais uns dez desses quadros socados em algum canto de seu pequeno e bem prático apartamento, mas nenhum parecia ter tanto significado quanto aquele. Não naquele momento, pelo menos. Ele pensava no que as três meninas fariam durante todo esse tempo e se estariam muito diferentes quando ele voltasse. Kami, a princesinha da vila, estava finalmente mostrando todo o talento que herdou do famoso clã Sarutobi. Pelo que ele ouvira, ela e Shikamaru estavam liderando as missões de reconstrução da vila, um cargo nobre para um chunin. Já Sayuri, estava progredindo numa velocidade incrível no hospital. Em breve, ela já estaria fazendo cirurgias, ele tinha certeza. E enquanto isso Yuki se preparava para pegar pesado nos treinos com Kurenai, uma das kunoichis mais eficientes em genjutsu de Konoha. Era um pouco triste que ele fosse passar tanto tempo longe e sem acompanhar de perto a evolução delas, mas ao mesmo tempo aquela era a oportunidade que ele precisava para ficar longe de tudo, sozinho, e se reencontrar. Genma não teria tempo para se despedir e também preferia assim. Não era um adeus, era só um até logo.

Por fim, o jounin colocou o quadro dentro de sua mala e a fechou. Aquilo não acabava com o sentimento de saudade preso em seu peito, mas teria que servir por um tempo. Quem sabe assim ele se sentiria um pouco mais motivado, quando precisasse.

x.x

Yuki estava tão animada que mal podia esperar. Apesar de ficar um pouco separada de Sayuri e Kami, na próxima semana ela começaria os treinos diários com Kurenai. Fazia um tempo que ela não treinava com a jounin, mais precisamente desde a terceira fase do exame chunin, mas a Kurama se lembrava do quanto tinha aprendido naquela época. Todos em Konoha só falavam de Naruto e do quanto ele retornaria incrível em alguns anos, mas ela estava decidida a surpreendê-los e a superar até suas melhores amigas.

Todos os dias desde que a godaime hokage lhe deu a notícia, a genin acordava junto com o nascer do sol e ia para a floresta treinar. Yuki queria que Kurenai visse o quanto ela melhorou desde a última vez que treinaram juntas e provar que estava pronta para aprender novos genjutsus incríveis. Sua concentração era tanta, que ela quase nem se lembrava de correr atrás das amigas ou de sua eterna obsessão, Hatake Kakashi.

— Senpai! — um agente ANBU parava ali por perto, escondido entre os galhos de uma arvore, junto de seu companheiro — Essa não é aquela garota que usou genjutsu na terceira fase do exame chunin?

— Certamente. Seu nome é Kurama Yuki.

— E por que estamos aqui para vigia-la?

— Não sei dizer. Parece que o chefe tem algum interesse nela...

Continua...