Sombras escrita por Yukitsuki Shion


Capítulo 4
Capítulo IV - Dor e redenção


Notas iniciais do capítulo

Sem introdução dessa vez...
Provavelmente vão achar esse capítulo sem ação, mas era necessário fazer essa pausa. Ou o suspense deixaria de ser suspense!!! Estive sumido esses dias, então ainda estou pegando a prática para voltar a escrever como nos primeiros capítulos. Agora que peguei o jeito novamente, já estou fazendo o capítulo 5, e prometo algo bem melhor que esse. Mesmo assim, espero que gostem (e deixem reviews também) ^^



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Enquanto os passos me levam para um lugar qualquer, não consigo acreditar em tudo que aconteceu nos últimos minutos. Parecia tudo tão certo, como se minha busca estivesse próxima do fim, quando então eu me sentiria útil novamente. Quando eu poderia vê-lo novamente, mesmo que não sentisse mais nada por mim, sequer ódio. Eu poderia conviver com isso, poderia aceitar a maior das indiferenças, exceto aquelas palavras. Embora fosse a verdade. Uske parecia regozijar-se com meus sentimentos, com a minha dor. Suas gargalhadas grotescas ressoavam por meus ouvidos, percorrendo um sistema de vasos que não se permitiam mais conduzir sangue ou vida, envolvendo meu coração que já não batia há tanto tempo com mãos geladas e ásperas, preenchendo meu interior com sarcasmo e ódio, uma mistura perigosa demais na situação presente. – Ele não quer mais você. E pensar que você fez tanto por ele, fez o que ele é hoje... – As palavras vinham sem contenção alguma, cuspidas contra minha mente e ferindo meus ouvidos com sua ironia tão explícita. – Você não sabe nada sobre isso... – Devolvi sem convicção alguma, nós dois sabíamos como aquela discussão iria terminar desde o momento que havia começado. – Oh eu sei! Eu estava lá, estive com você por mais de mil anos, meu caro receptáculo. E estava lá quando você o protegeu, enquanto seu amor esteve camuflado como proteção, enquanto você se envolvia e se entregava, e antes que pudesse perceber, mudasse seus planos por completo. Lembra-se de tudo isso? – Eu não podia aguentar mais tudo isso, precisava deixar toda essa raiva ir para longe, antes que eu me tornasse perigoso para mim mesmo. Por mais que Uske fosse cruel e frio, lançando essas memórias contra mim, eu sabia que era a mais pura verdade. Uma verdade que me fazia sofrer no momento, mas da qual eu nunca me arrependeria. Os caninos despontaram de maneira quase imediata, quando mordi os lábios com tanta força que as laterais se rasgaram, deixando dois rastros de sangue nos cantos da boca fina e rosada, contrastando com a pele pálida e sem vida, que dava ao meu rosto um tom tão chamativo, algo quase etéreo. Cerrei as mãos em punhos quando gritei com todas as forças. ­– CALADO! CRIATURA BESTIAL, VIL E DESPREZÍVEL! AO MENOS UMA VEZ SEJA GRATO PELO CORPO QUE POSSUI E MOSTRE RESPEITO A QUEM LHE PERMITE CAMINHAR PELA TERRA MAIS UMA VEZ! – As palavras saíram com tamanha força e intensidade que me fizeram recuar dois passos e parar perto da parede de tijolos descascados. Eu pude sentir o que havia acontecido: era a primeira vez que Uske se sentira intimidado diante de mim, libertando todas as amarras e contraindo-se a um ponto quase ínfimo entre minhas costelas, como se a verdade doesse mais que que a possibilidade de perder seu vaso. Infelizmente estávamos conectados, uma corrente que ia além de emoções e contatos, insultos e provocações. Uma ligação de sangue, tão forte que seria capaz de determinar até onde prosseguiríamos juntos. Eu precisava me alimentar, era o que meus instintos gritavam nesse exato momento, embora não quisesse fazer isso. Nem aqui nem agora. O momento de fraqueza foi a chance que ele encontrou para se recompor, expandindo-se em graça e equilíbrio, algo um tanto monstruoso quando feito por meu demônio. – Agora irei lhe mostrar um doce sonho, ou um maravilhoso pesadelo. Aprecie, meu caro mestre. – Eu não conseguia definir o que exatamente aquilo significava, exceto que a partir daquele momento o controle do meu corpo estaria nas mãos dele. Procurei por um ponto afastado, onde pudesse esperar tudo aquilo passar, enquanto a névoa branca cobria meus olhos como faria com os de um cego, os sentidos ficando entorpecidos até que meu corpo desabou sobre as pernas, ficando inerte. – Há muito tempo, um jovem nobre encontrou um servo. E cuidou dele... – E neste momento, eu estava revendo meu passado. Neste momento, a única coisa que eu posso fazer é abraçar minhas lembranças, enquanto as lágrimas escorrem, em vermelho fraco por meus olhos e mancham o caminho que trilham.


[...] Embora com um certo trabalho, conseguimos chegar ao castelo sem chamar muita atenção. Subi as escadas que levavam até a torre onde havia fixado meu quarto, o que me daria mais segurança e tempo até decidir o que deveria fazer com ele enquanto estivesse desacordado e precisando de cuidados. – Estamos chegando. Vai ficar tudo bem... – Não fazia sentido ficar repetindo aquilo para um garoto inconsciente, mas por algum motivo eu me sentia bem ao fazer isso, acho que o real efeito dessas palavras estava destinado a mim, não a ele. – Como pode ser tão egoísta... – O demônio enrolou-se ao longo do próprio corpo, entrelaçando-se entre as vísceras quentes e úmidas, me fazendo hesitar e soltar um murmúrio de dor, embora tão aprazível. – Para me sentir vivo, não muito diferente do que você fez comigo todo esse tempo, Uske. – Devolvi com rispidez enquanto abria a porta do quarto e o fazia se calar. Por sorte, desde que os boatos sobre as causas da minha doença haviam se espalhado, nenhuma das empregadas se atrevia a vir à torre, que ficava aos cuidados de Fleur, quando a mesma dignava-se a aparecer. Considerando suas palavras, eu tinha certeza que demoraria bastante até que nossos caminhos precisassem ser seguidos juntos mais uma vez. Deitei o corpo desmaiado em minha cama enquanto caminhava até um dos baús e pegava uma túnica branca de dormir, algo que eu não usava havia algum tempo. Apertei o tecido entre as mãos, afirmando a mim mesmo o quanto aquilo seria necessário, que não se tratava apenas de uma curiosidade ou um desejo arrogante. Junto da mesma, levei para perto da cama de dossel uma tigela com água morna e uma esponja, limpando os últimos sinais das marcas de sangue e dos cortes, fazendo então a assepsia necessária nos cortes mais profundos. Ele dormia de maneira tão serena que eu sentia inveja daquilo que estava em seus sonhos; sonhos que o tinham por completo naquele momento, que me impediam de descobrir a cor daqueles olhos, o brilho que eles tinham. Mordi os lábios e comecei a desamarrar as botas de pele e me livrar dos pedaços de lã costurados que lhe serviam de agasalho. Só me restava agora sua camisa e as calças, além de uma indecisão incrível sobre como fazer isso. Respirei fundo e tentei afastar o desejo de me alimentar, forçando os caninos a se esconderem mais uma vez. Eu sabia como fazer, o tempo todo. Fechei os olhos e me inclinei, deixando que minhas mãos procurassem os fios que mantinham a camisa presa ao corpo, desamarrando um a um. O tecido áspero, porém confortável, abria-se sem oferecer resistência alguma, deixando o corpo do colhedor de maçãs desprotegido. Por algumas vezes os dedos tocavam a pele macia e quente de seu corpo, permitindo que eu entrasse em contato com sensações que meus olhos não conseguiam traduzir em imagens. Eu podia sentir o caminho que o sangue fazia, as batidas de seu coração e o movimento do corpo cada vez que ele respirava. Arfei e parei por alguns momentos, deixando os caninos despontarem. Com as mãos trêmulas, desci até sua cintura, começando a me livrar das calças sem muito esforço, com o máximo de cuidado para não tocá-lo nenhuma vez mais. Terminada a tarefa, vesti-lhe a túnica branca e apoiei sua cabeça em um dos travesseiros, envolvendo-o com um dos lençóis. – Agora descanse... mas não se esqueça de acordar em breve, preciso disso. – O que eu queria dizer com aquilo? Aos poucos eu estava descobrindo mais sobre ele, e mais sobre mim mesmo. Permito que meu corpo se aproxime da cama até que meu rosto esteja próximo do seu, sentindo mais uma vez o cheiro de seu sangue. O desejo é tão grande que os lábios se aproximam da pele em seu pescoço, a língua parando exatamente no ponto onde a veia pulsava. Bastava uma mordida, um primeiro contato com aquele veneno escarlate e eu não pararia mais. O gosto daquela pele quente me deixava quase sem controle, eu não sabia se poderia me arrepender caso o fizesse. E foi então que aconteceu. E eu tive minha maior surpresa até então, quando ele simplesmente... [...]


A cegueira desapareceu tão rápido quanto cobriu meus olhos, enquanto aqueles olhos vermelhos que me perscrutavam escondidos nas sombras do meu inconsciente pareciam se alargar e contrair em pura dor, ódio e talvez rancor. Eu ainda estava anestesiado pelo demônio, de forma que não conseguia mexer um músculo, sequer piscar os olhos, embora isso não fosse necessário realmente. – Depois de tanto tempo você ainda é o mesmo fraco. Você deveria controla-lo, não o contrário. – Aquela voz era inebriante, e combinava perfeitamente com sua dona. Traços finos, magra e de rosto bem desenhado. O nariz de proporções perfeitas, exatamente moldado pelos olhos castanhos como a terra e os lábios fartos e da cor do restante da pele. Os cachos lhe caíam em cascata sobre os ombros enquanto movimentava-se o mínimo possível, alterando sua atenção entre mim e algum ponto do meu corpo abaixo da linha do peitoral, onde eu ainda não havia recuperado a sensibilidade. – Nem todos fizeram a mesma opção que você. Ele já despertou, ao contrário dela, Meredith. ­ - Falei enquanto tentava disfarçar a dor que crescia em magnitude, como se algo em mim estivesse sendo rasgado e puxado, arrancado à força do meu interior. Ela apenas sorriu e se levantou, estendo uma das mãos enquanto a outra jazia ao lado do corpo, completamente suja de sangue. Foi então que entendi o que havia acontecido e olhei para minha barriga. Ao lado de um dos rins, a camisa estava ensopada de sangue, e eu sabia haver um corte ali, onde ela havia rasgado meu corpo; mas graças a isso, eu não precisaria mais relembrar aquele momento, não aquele. Coloquei a mão sobre a ferida enquanto reunia forças para continuar aquela conversa. – Ela não vai despertar, eu decidi não me entregar a ninguém. – Ela ergue os ombros e caminhou sobre os saltos, que se chocavam contra o chão de pedra e ditavam o ritmo de oscilação do tecido do vestido, em um tom de verde musgo e ocre, desenhando as curvas. – Você foi minha última criação. Já faz tanto tempo, Marc... é bom vê-lo mais uma vez, alteza. – Ela fez uma mesura inclinando o corpo para frente, algo que soaria gracioso se não fosse macabro ao analisar quem era aquela mulher. Ela se aproximou de mim e ergueu meu queixo, como se analisasse todos os meus traços. Fechei os olhos e sorri para ela, como se aquele fosse um protocolo a ser seguido. – E você continua mudando de peles como uma cobra. O que faz por aqui? – Meredith apenas concordou com o que eu havia dito, como se fosse um elogio dos mais sublimes. Em vez de me responder, como sempre ela estava me ignorando, como se isso pudesse diverti-la mais que qualquer outra coisa. Meus olhos se arregalaram quando ouvi aquele som metálico saindo de uma de suas mãos; assim que ela voltou seu rosto na direção do meu novamente, minha atenção foi completamente desviada para suas mãos, onde havia um guizo. O mesmo guizo que estava no jardim de rosas onde eu havia procurado por ele há tão pouco tempo, o que só podia significar uma coisa: ela sabia onde ele estava. E iria me contar, não importando os métodos que eu precisasse usar para isso.



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Notas finais do capítulo

Enfim o nome de um dos personagens!!! Agora podemos nos referir ao filho do conde por seu real nome, Marc. Então fica a pergunta: quem seria Meredith? E qual a relação será seu papel em tudo isso? Espero que descubram logo, ou não...



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