Remote Heart se virou e viu Dr. Death de braços cruzados, observando-o calmamente. Remote Heart olhou para Party Poison e Fun Ghoul mais uma vez, curioso, mas começou a ir até onde Dr. Death estava. O mais velho, porém, balançou a cabeça negativamente e fez um gesto para que ele continuasse onde estava. Remote Heart sorriu e voltou a observar a cena do outro lado, com Show Pony e Missile Kid o acompanhando.

— Você... — Party Poison falou, tão baixo que era quase inaudível.

— Eu te amo, é — Fun Ghoul concordou, sem olhar para o ruivo em momento algum. — Pode me bater agora. Ou gritar comigo, ou sei lá o que você quer fazer.

Party Poison ficou imóvel por mais alguns segundos. Então sacudiu a cabeça, com os olhos fechados por um momento, e pareceu conseguir organizar os pensamentos.

— Desde quando?

— Desde... um tempo atrás.

— Muito?

— É, acho que pode-se dizer que sim.

— Ah, Fun... por que você nunca falou nada?

Fun Ghoul deu de ombros.

— Eu não queria te perder como amigo.

— Por que você acha que isso aconteceria? — Party Poison perguntou, genuinamente surpreso.

— Bom, nós não iriamos conseguir continuar agindo normalmente se você soubesse... e não poderíamos ficar juntos também...

— Por que não?

Fun Ghoul já devia estar suando frio nesse ponto.

— Ah, você sabe... eu não poderia substituir a Lindsey...

— Eu nunca te pediria pra fazer isso, Fun. Você devia saber.

— Não sei... quando se trata dela você é meio imprevisível. Sempre me pareceu que você não tinha nenhuma boa razão pra continuar desde que Korse fez aquilo.

Party Poison suspirou.

— Desculpa. Eu não queria ter feito você pensar isso. Mas você devia ter percebido...

— O quê?

— Que... eu continuei. Depois daquilo, mesmo tendo me dilacerado por dentro, eu continuei. E depois que o Kobra e o Jet também se foram, eu ainda continuei. Você acha que eu estaria fazendo isso se eu não tivesse uma boa razão?

— E qual é? — Fun Ghoul perguntou timidamente.

Party Poison riu baixinho.

— A razão é você.

Fun Ghoul sorriu, mas ainda não tinha coragem de olhar para cima.

— Então... o que isso significa?

— Eu vou te mostrar o que significa se você olhar pra mim.

Fun Ghoul obedeceu, mas não teve tempo de realmente chegar a ver Party Poison, pois ele já o estava beijando.

Os killjoys escondidos deram alguns segundos para que eles desfrutassem de seu primeiro beijo verdadeiro. Tudo neles denunciava o que sentiam: as mãos, hesitantes sobre o que fazer; os olhos, fechados casualmente; os lábios, lentamente descobrindo como aproveitar uns aos outros. Seus corações com certeza estavam a mil, e um calor delicioso os queimava por dentro. Remote Heart sabia que eles estavam sentindo tudo isso e que não queriam parar. Mas não podia deixar de ser infantil uma última vez; Show Pony e Missile Kid também não.

— AEEEEEEEE! — os três gritaram em uníssono, pulando de trás de seu esconderijo e assustando o mais novo casal.

— FINALMENTE! — Missile Kid comemorou.

Fun Ghoul começou a rir. Na verdade, não importava o que tivesse acontecido; ele estaria rindo de qualquer jeito. Estava feliz demais, surpreso demais. Se um bando de Exterminators invadisse o lugar, ele lutaria rindo, com o gosto de Party Poison ainda na boca.

— Vocês estavam vendo? — Party Poison perguntou, sem saber se sorria ou ficava irritado.

— É claro, não perderíamos isso por nada — Show Pony falou, segurando a mão dos dois e os levantando. — Agora vocês vão passear, conversar, falar que se amam e de preferência irem para sua casa e...

— Pony — Remote Heart advertiu, sorrindo.

— … e continuarem a conversar, ué — Show Pony completou, mas ficou claro que ele mudou o que falaria.

Fun Ghoul deu mais uma de suas risadas de bebê, o que soou como uma aprovação para a ideia, e Party Poison não discutiu. Show Pony os empurrou até certo ponto e eles saíram da garagem, corados e provavelmente pensando no que falariam um para o outro agora.

— Ótimo — Dr. Death falou, sorrindo para o casal que saía, mas logo se voltou para os outros. — Pode vir agora, Remote?

O sorriso de Remote Heart morreu lentamente e ele assentiu, de cabeça baixa. Entrou na casa, sendo seguido por Dr. Death, e caminhou até o cômodo da frente, onde se sentou e aguardou.

Dr. Death foi até sua cadeira, de frente para a central de transmissão de sua rádio.

— Preciso dar um rápido aviso aqui antes, Remote.

Remote Heart se limitou a sorrir fracamente. Dr. Death colocou um fone de ouvido, apertou alguns botões e se aproximou do microfone.

— Tudo bem crianças, as luzes estão apagadas e a festa acabou. É a hora de eu, Dr. D., começar a correr e dizer adeus, por um tempinho. E eu sei que vocês vão sentir minha falta, então deixarei vocês com isso...

Dr. Death se virou, trazendo o microfone com ele, e olhou para Remote Heart antes de prosseguir.

— Sabe aquela grande bola de radiação que chamamos de sol? Ela vai te estourar em chamas se você ficar em um lugar por muito tempo — ele parou por um instante, pensando, e então sorriu. — Isso é, se a estática não te pegar primeiro... Então lembrem! Mesmo se você estiver acabado, você pode ter ido... mas aqui no deserto, sua sombra vive sem você. Aqui é Dr. Death Defying.... desligando.

Ele apertou mais alguns botões, certificou-se do que estava ouvindo com o fone e então se afastou da mesa de trabalho.

— Entendeu alguma coisa? — perguntou à Remote Heart, sério.

— Primeiro, que se ficarmos parados, eles vão nos destruir — o killjoy respondeu prontamente.

Dr. Death assentiu, concordando.

— E você está disposto a continuar se arriscando para que não nos destruam?

— Desde que me tornei killjoy, nunca tive dúvidas de que sim, estou disposto.

— Certo. Ótimo. E a segunda parte, entendeu?

— Sim... você quis dizer que mesmo se morrermos, o que fizemos aqui vai continuar a ter importância.

— Exato. Então você tem consciência de que seus atos sempre têm consequências?

— Absoluta.

— Bom. Era algo que eu precisava saber.

Eles ficaram em silêncio, e Remote Heart olhou para os cantos, desconfortável com a situação.

— Não vai perguntar por quê? — Dr. Death disse finalmente.

“Não”, Remote Heart queria responder, mas não fez isso.

— Por quê?

— Porque eu não quero que Show Pony fique com alguém que vai correr para Battery City assim que as coisas apertarem.

— Eu nunca faria isso!

— Eu sei. Mas quando se trata de alguém que eu amo, é sempre bom reafirmar alguns pontos. E por falar nisso, quero ter certeza de mais algumas coisas.

Remote Heart esperou, as mãos juntas sobre o colo formalmente.

— Você o ama?

— Sim.

— Tem certeza?

Remote Heart hesitou.

— Não sei se posso responder isso... acho que nunca tive certeza do que é o amor.

Dr. Death sorriu.

— É, você ama. Outra coisa que eu quero saber, Remote: você é um bom ouvinte?

— Acredito que sim.

— Pony me disse que se abriu com você, contou tudo o que aconteceu com ele. E acredite, isso é importante. Ele não contou para mais ninguém. Mas eu preciso saber se aquilo foi um episódio único ou se você vai repetir quantas vezes ele precisar. Preciso saber se você não vai se importar em acordar no meio da noite ouvindo ele chorar. Você está entendendo o que eu quero dizer?

— Estou. Olha... eu posso ter muitos defeitos, mas também tenho qualidades. E a principal delas é não desistir. O Pony... ele... ele ligou alguma coisa em mim. Não sei o que é, mas é bom. E eu não quero perder esse sentimento. Pra isso, eu não posso perdê-lo. Então eu não vou desistir dele. Te garanto isso, Dr. D.

Dr. Death suspirou.

— Eu tô vendo porque ele escolheu você. Não tenho do que reclamar. Só me prometa, Remote Heart, prometa que você vai cuidar bem dele. Eu não estava pronto pra deixá-lo sair das minhas asas ainda... acho que nunca vou estar. Então, por favor...

— Eu prometo — Remote Heart disse, e seu tom mostrou exatamente o que ele sentia: que essa era a promessa mais importante que ele já fizera. E a que ele mais tinha certeza de cumprir.

Dr. Death suspirou novamente e estendeu a mão, apertando a de Remote Heart e logo depois sorrindo para ele.

— Agora vai lá atrás, o Pony e a Missile devem estar sujando tudo de novo.

Remote Heart riu e obedeceu. Lá atrás, encontrou Show Pony e Missile Kid conversando sossegadamente.

— E aí, tudo bem? — Show Pony perguntou assim que o viu. — Ele não foi muito duro, né? Ele disse que não te assustaria, se ele falou alguma coisa que...

— Calma, Pony, ele foi ótimo. Está tudo resolvido.

Show Pony franziu o cenho.

— Tudo?

— É, acho que sim.. por quê?

Show Pony olhou dele para Missile Kid, parecendo não saber o que falar, até que a menina decidiu ajudar.

— Você também resolveu qual cama o Pony vai usar lá em casa?

Remote Heart arregalou os olhos por um momento.

— Ahn... você vai morar com a gente?

Show Pony deu de ombros e corou um pouco.

— É, eu estava pensando... achei que o Dr. D. tivesse falado disso... mas se você não quiser...

— Cala a boca — Remote Heart o cortou, sorrindo. — É claro que eu quero.

Show Pony sorriu, radiante.

Em mais ou menos meia hora, Fun Ghoul e Party Poison voltaram. Enquanto preparavam o almoço, Remote Heart deu um jeito de se aproximar de Fun Ghoul.

— E aí, como foi?

— Ah, Remote, foi mágico! — Fun Ghoul largou logo os pratos que carregava para a mesa do lado de fora e se virou para o killjoy, como uma adolescente que só estava esperando para contar o que acontecera. — O Party disse que nunca teve certeza se gostava de mim, foi sempre um conflito pra ele, sabe? E por isso ele nunca disse nada, porque poderia não ter certeza e acabaria me magoando. E ele percebia meus olhares e tudo, mas fazia de tudo pra fingir que era coisa da cabeça dele. E também tinha a história da família dele, ele se sentia culpado por estar sentindo algo por outra pessoa, ainda mais alguém que já estava com ele na época que o Korse fez aquilo, ele sentia como se fosse traição. Então eu estava certo em esperar até matarmos o Korse, porque ele se sentiu livre depois disso. E aí ele falou que podia finalmente dizer que me amava, e que devia ter dito há muito tempo, porque era algo que nunca saiu realmente do seu coração... ah, Deus, ele me ama, Remote, ele disse isso! E me beijou de novo... eu achei que nada poderia ser melhor que aquele beijo, mas foi, ele fez ficar melhor de algum jeito... ah, ele é muito perfeito...

Remote Heart ria baixinho. Não sabia se dizia que estava surpreso com o quanto o outro podia falar sem precisar parar para respirar ou se ficava quieto e aproveitava as feições encantadas dele. Por fim, decidiu só fazer um comentário.

— Fun, você é tão... gay.

— Eu sei! — Fun Ghoul sorriu largamente.

Eles passaram por um almoço agradável, com muitas conversas e piadas. Party Poison estava tão radiante quanto Fun Ghoul, e eles não paravam de trocar olhares e mandar mensagens silenciosas um para o outro. Se Remote Heart não estivesse na mesma situação com Show Pony, poderia ter se sentido desconfortável.

O resto da tarde foi basicamente só descontração também. Show Pony começou a tentar ensinar Missile Kid a patinar, o que arrancou boas gargalhadas, até que a garota os desafiou a tentar. No fim do dia, todos menos Show Pony estavam com alguma parte do corpo dolorido pelas quedas, mas nem isso minimizou o clima alegre pairando sobre todos.

A noite chegou e era o momento de irem para casa. Despediram-se de Invisible Star e Stardust Rose, e Remote Heart ficou para trás para esperar Show Pony pegar algumas malas e se despedir de Dr. Death.

Depois de colocar tudo no porta-malas, Show Pony se aproximou de Dr. Death, sorrindo de uma forma que pareceu muito... agradecida.

— Então... eu tô indo.

— É. Está.

Remote Heart não achou que viveria para ver Dr. Death chorando, mas aconteceu. As lágrimas fizeram seus olhos brilharem e ele puxou Show Pony repentinamente para um abraço.

— Eu vou sentir sua falta.

— Eu vou vir quase todo dia...

— Mas não é a mesma coisa, você sabe.

Show Pony se afastou um pouco e suspirou.

— É, eu sei. Não é a mesma coisa que passar os dias te ajudando com a rádio e com os killjoys, ou que desabafar com você quando algo me lembra o que aconteceu, ou ouvir seus roncos à noite...

— Ei!

Eles riram.

— Mas eu tenho alguém além de você pra cuidar de mim agora — Show Pony prosseguiu. — E eu preciso ser cuidado de uma forma... diferente. Você sempre soube disso.

— É... mas eu não queria ter que me despedir de você.

— Não precisa se despedir. Vamos só... fingir que está tudo como sempre foi. Você vai dormir mais cedo, como sempre, e eu fico acordado mais um pouco.

Dr. Death assentiu.

— Então boa noite, Pony.

Show Pony tentou não deixar rolar as lágrimas que agora estavam em seus olhos.

— Boa noite, Dr. Death.

Ele sorriu mais uma vez antes de se virar, segurar a mão de Remote Heart e ir para o carro. Dr. Death só deu mais uma olhada aos dois antes de voltar para dentro.

— Você tá bem? — Party Poison e Fun Ghoul perguntaram ao mesmo tempo, olhando para trás enquanto Show Pony entrava, agora sem esconder o choro.

— T-tô... é só... é meio emocionante... ele foi tão importante pra mim, e agora...

Remote Heart o abraçou de lado e fez um gesto para que Party Poison ligasse o carro.

Porém, assim que ele deu partida, Dr. Death apareceu de novo do lado de fora, andando rápido até eles.

— Desculpa acabar com a lua-de-mel de vocês quatro — ele falou, apressado. — Mas Mad Gear me contatou mais cedo do que eu esperava.

— Mad Gear? — Missile Kid perguntou, surpresa.

— É. Ele colocou o plano dele em prática... e funcionou. Eu ainda não estou acreditando.

— Sério? Funcionou mesmo? — Fun Ghoul quase gritou de empolgação.

— É, mas essa foi só a primeira parte . Nesse momento pelo menos metade dos habitantes de Battery City estão começando a se rebelar contra a BLI, alguns já estão começando a atacar a base central. Mad Gear está chamando os killjoys de todas as regiões próximas. Temos que ir pra lá. Agora.