No dia seguinte, de manhã cedo — bem cedo, para ser mais exato — Show Pony apareceu na casa dos Dust Angels os acordando.

— Vamos, vamos, levantem as bundas daí. Você também, Grace.

— Missile Kid!

— Ah, desculpa.

Show Pony não parecia estar em seu melhor humor.

— Dr. D. quer a gente na casa dele em dez minutos — ele avisou, terminando em um bocejo.

— Pra quê? — perguntou Party Poison, esfregando os olhos.

— Não sei, mas não reclama. Eu ainda tive que vir aqui buscar vocês.

Todos levantaram, lentos, e tentaram tirar um pouco da cara de sono antes de ir para o carro. Show Pony havia patinado até lá, então aceitou a carona de volta.

— Pony... — Remote Heart falou baixinho, no banco de trás. — Tudo bem com você e o Dr. D. ontem?

— Ah, sim, não se preocupa. Se bem que talvez ele queira ter uma conversinha com você mais tarde.

Remote Heart assentiu e fez um esforço para parecer despreocupado.

Chegando em seu destino, os killjoys encontraram Dr. Death os esperando com um sorriso no rosto, o que não foi recebido como um bom sinal.

— Vão pra garagem, vocês todos — ele disse antes de se virar e entrar, sem cerimônia alguma.

Seguiram a instrução e encontraram a van, um carro que eles sempre viram mas nunca haviam usado e Stardust Rose com um olhar de pena. Só perceberam o que os esperava quando notaram que ela segurava baldes com panos e produtos de limpeza dentro.

— Ah, não — Fun Ghoul reclamou.

— Ah, sim — disse Show Pony, ainda emburrado, pegando logo um dos baldes. — Eu já estava esperando isso. Vamos logo, temos dois carros enormes pra lavar.

— E os patins reserva, patinetes e skates também — Stardust Rose falou. — É o que o Dr. Death mandou.

Party Poison e Missile Kid gemeram de insatisfação, mas pegaram logo o que precisavam. Remote Heart e Fun Ghoul foram atrás, e logo eles estavam ligando uma mangueira e jogando água sobre a van — que nunca os pareceu tão suja.

Por uns vinte minutos, fizeram tudo em silêncio, agora todos de mal humor. Nesse momento, porém, Dr. Death apareceu para avaliar o desempenho.

— Estão indo bem... só não estou entendendo essas caras.

— Era pra gente estar feliz? — Party Poison perguntou sarcasticamente, esfregando um pano cansativamente em uma mancha que se recusava a sumir.

— Não, mas é o que eu esperava que vocês fizessem. Realmente, vocês não sabem mais se divertir...

Dr. Death bufou e entrou novamente. Voltou em alguns segundos com um CD nas mãos. Entrou na van e o colocou para tocar, saindo logo em seguida.

— Aprendam a transformar o ruim em bom — disse, e foi embora assim que a primeira música começou.

Todos eles se encararam perplexos, inclusive Show Pony, mas acabaram por sorrir com a situação.

— Eu adoro esse CD — Fun Ghoul comentou, e de repente começou a cantar junto com a canção. — They wanna grip the cross, make cavities...

— Adjust because it purely is a crime — Party Poison completou.

— We full-on freak the cops! — Remote Heart os acompanhou, sendo logo seguido por Show Pony: — That casuality.

Missile Kid riu e pegou a mangueira, virando-a para Fun Ghoul, que escapou do jato d'água por pouco. Ela mirou então em Party Poison, e esse não conseguiu se safar. Remote Heart e Show Pony se esconderam do outro lado da van, enquanto Missile Kid ia com a mangueira atrás deles. De repente Fun Ghoul lançou um pano molhado sobre a menina, e então tudo virou uma absoluta bagunça.

Os killjoys corriam em volta dos veículos, jogando água e sabão um nos outros, todos rindo como se tivessem sete anos.

— Come on, come on! — Party Poison gritava, animado, correndo atrás de Fun Ghoul.

Remote Heart e Show Pony se agacharam em um canto, escondidos, e ofegaram no meio das risadas.

— Eu não esperava que esse fosse ser o castigo do Dr. D — Remote Heart falou.

— Nem eu. Mas acho que nem ele quer tirar nossa vontade de comemorar pela vitória de ontem.

Os dois observaram Party Poison, Fun Ghoul e Missile Kid rolarem no chão, embolados e molhados, e notaram Dr. Death espiando-os por uma fresta na porta dos fundos.

— O Fun já falou pro Party? — Show Pony perguntou, apesar de saber a resposta.

— Não.

— Então acho que o Dr. D. tinha outro motivo pra fazer essa festinha.

Remote Heart sorriu.

— Vamos dar uma ajudinha, então?

Show Pony assentiu. Levantou-se e pegou a mão dele, puxando-o de volta para a brincadeira.

A música era curta, e já estava acabando. Remote Heart e Show Pony piscaram um para o outro e entraram em um tipo de acordo silencioso. O primeiro puxou Missile Kid gentilmente para longe e piscou para ela também. Depois foi até Fun Ghoul e colocou a mangueira sobre sua cabeça, encharcando-o e o fazendo rir alto. Show Pony puxou Party Poison para a van e o prendeu lá, fazendo parecer que também estava brincando.

Então, em um movimento que pareceu ensaiado, Show Pony se afastou e Remote Heart jogou Fun Ghoul na direção em que ele estava, fazendo-o dar de cara com Party Poison e quase — quase — o beijando.

— … and fuck this whole wide world — Remote Heart murmurou enquanto a canção terminava e Party Poison encarava Fun Ghoul sem saber o que fazer.

Os dois ficaram assim, com os rostos quase colados um no outro, por alguns segundos que para eles devem ter parecido intermináveis. As mãos de Fun Ghoul estavam aos lados do corpo de Party Poison, já que ele se apoiou na van de qualquer jeito para não cair quando Remote Heart o empurrou. O peito dos dois se tocava de leve, assim como alguns pontos das pernas, e os olhares estavam completamente perdidos um no outro. Até que Fun Ghoul riu, envergonhado, e se afastou.

Party Poison, quase tão vermelho quanto seu cabelo, também deu uma risadinha sem graça e tratou de pegar um pano e voltar a lavar o carro.

— Ainda temos que terminar isso aqui, né? — ele falou, em um tom que soou absolutamente falso.

— É, é — Fun Ghoul murmurou, e também voltou ao trabalho.

Missile Kid resmungou, mas tratou de fazer sua parte, e os outros dois killjoys não tiveram escolha se não fazer o mesmo.

Na primeira chance que teve, um pouco afastado dos olhares dos outros, Fun Ghoul deu um cutucão forte em Remote Heart.

— Ai! Que foi?

— Por que vocês fizeram isso? — Fun Ghoul sussurrou, irritado.

— Você está muito devagar.

— Vocês não têm direito de me apressar!

Remote Heart deu de ombros.

— Olha minha cara de preocupado.

Fun Ghoul bufou.

— Você está sendo tão infantil!

— E você está perdendo tempo. Tem noção de como poderia ter sido essa brincadeira toda se você já tivesse se declarado? Você poderia tê-lo beijado ali mesmo, seu idiota.

Remote Heart notou que Fun Ghoul tremeu, bem de leve.

— Eu sei. Mas também, se eu já tivesse me declarado, ele poderia ter falado que não quer nada comigo e aí não iríamos conseguir mais nem olhar um na cara do outro, e essa brincadeira nem teria acontecido.

— Fun, você ainda acha que ele não quer nada com você?

— É uma possibilidade.

— Ele virou um tomate de tão vermelho quando eu te empurrei!

— Você também viraria se um amigo chegasse assim tão perto.

— Ah, meu Deus. Eu desisto.

Remote Heart jogou o pano sobre o veículo e deu um passo para trás.

— Party, vem aqui, quero te falar uma coisa.

Fun Ghoul o puxou para perto pela camiseta, já começando a entrar em pânico.

— Você tá louco?! Nem pense nisso!

Party Poison se aproximava.

— Se você não falar logo, eu vou, Fun. E é sério — Remote Heart sussurrou antes de se voltar para o ruivo. — Party, você não tá esfregando direito, a gente não vai terminar nunca desse jeito.

— Você me chamou pra isso?

Remote Heart deu um sorriso infantil e Party Poison revirou os olhos, voltando ao lugar onde estava.

Acabaram de lavar a van completamente quando o CD terminou. Colocaram-no para repetir enquanto lavavam o outro carro e, por fim, os outros objetos que estavam precisando de uma limpeza.

Assim que acabaram, sentaram-se no chão, exaustos; o sol já estava alto o bastante para fazê-los suar, e eles todos desejavam uma nova guerra de água, mas estavam muito cansados para começá-la. Depois de alguns minutos, Party Poison se levantou e disse que iria buscar água gelada para eles. Assim que ele passou pela porta, todos os killjoys se voltaram para Fun Ghoul.

— E aí? Vai falar quando? — perguntou Missile Kid.

— Não dá pra vocês me deixarem em paz por um minuto? — o moreno resmungou.

— Não — disse Remote Heart. — E minha ameaça continua de pé. Acho que você devia falar assim que ele voltar.

— Não! Não, eu... olha, eu posso tentar, mas não prometo nada.

Remote Heart arqueou as sobrancelhas, e de alguma forma isso ficou ameaçador para Fun Ghoul, que lançou um olhar desesperado para a porta por onde Party Poison passara.

— Ah, gente, é difícil, ok? Chegar e falar assim, eu fico muito nervoso...

— E você vai deixar desse jeito? “Aumentar as falsidades e mentiras”?

Fun Ghoul revirou os olhos com o uso da frase da música que eles estavam escutando mais cedo.

— Você não tem porque esperar mais, Fun — Show Pony falou. — O Party não vai te tratar mal, independente do que ele decidir.

— “Um coração, você tem naquele que você precisa” — Remote Heart recitou. — Ele tem um coração, e um muito compreensível, aliás.

— Eu sei disso.

— Então o que está esperando? “Foda-se esse mundo inteiro”, Fun, faz logo o que você tem que fazer! Por quanto tempo você pretende ainda viver de mentiras?

Nesse momento Party Poison voltou, com quatro garrafas de água, e eles todos se calaram.

— Do que estavam falando?

— Estávamos cantando — Fun Ghoul se apressou em dizer.

Ele deu um sorriso amarelo e Party Poison pareceu aceitar a explicação. Jogou uma garrafa para cada um deles e se sentou ao lado do moreno, antes de dizer:

— Remote, Dr. D. quer falar com você.

Remote Heart paralisou por um momento, e então respirou fundo. O que acontecia com ele? Não se lembrava de ter ficado tão nervoso quando foi pedir em namoro sua primeira namorada... mas também, o pai dela não era tão assustador.

— Vamos com você — Missile Kid falou, levantando-se, e Show Pony a acompanhou.

— Ele disse que quer falar só com o Remote — Party Poison avisou.

— Tudo bem, vamos ficar em outro cômodo.

Eles deram a volta na van, e Remote Heart ia em direção à porta quando duas mãos o puxaram de volta, para baixo.

— Shh — Show Pony disse, agachado e com um sorriso travesso nos lábios.

Remote Heart não achou que fosse bom deixar Dr. Death esperando, mas agora se sentia muito curioso para deixar de saber o acontecia do outro lado do veículo.

— Qual música mesmo vocês estavam cantando? — ouviram a voz de Party Poison, despreocupada.

— F.T.W.W.W.

— Ah, é, fica na cabeça mesmo.

— É... mas...

— Hmm?

— Ahn, nada.

— Fala.

— Ah, eu só... só ia dizer que... — a voz de Fun Ghoul parecia estar próxima de um colapso. — Ah, é besteira, deixa pra lá.

— Agora eu tô curioso, Fun. Fala.

— … eu ia dizer que tem uma parte da música que estava mais nítida pra mim.

— Qual?

Ficaram em silêncio, e Remote Heart não se conteve de levantar um pouco a cabeça e olhar o que acontecia por cima da frente da van.

Fun Ghoul fitava o chão, corado violentamente, mas logo levantou o olhar e se fixou em um Party Poison confuso.

— “Você me encara e tira meu único disfarce.”

Party Poison engoliu em seco; até Remote Heart conseguiu ver.

— O-o... o que você quer dizer com isso?

Fun Ghoul fechou os olhos e deu um longo suspiro.

— Quero dizer que quando eu vejo seus olhos me encarando, eu esqueço de todas as mentiras que eu vivo usando pra me acobertar. Eu esqueço que você é meu melhor amigo, eu esqueço de tudo pelo o que você passou, de tudo pelo o que eu passei... A única coisa que eu consigo pensar quando vejo seus olhos, Party, é que... eu te amo.

Remote Heart realmente, realmente queria continuar vendo, queria descobrir qual seria a reação de Party Poison. Mas ele sentia que tinham olhos grudados em suas costas. E sabia que eram de Dr. Death.