— Então... quando você vai começar a se explicar, mocinha?

Party Poison olhava para uma Grace tímida pelo retrovisor. Show Pony cuidava de Fun Ghoul com o kit de primeiros socorros que eles trouxeram, mas se interessou pela conversa.

— Aliás, por onde você vai começar? — Remote Heart quis saber, fazendo a menina se encolher mais do que já estava. — Em como você veio escondida, no fato de ter nos enganado, ou na idiotice de ter corrido para o meio de uma luta?

— Não foi idiotice, foi necessário — ela murmurou.

— Necessário? — Show Pony perguntou. — Explica.

Grace suspirou e abraçou os joelhos.

— É por causa daquele segredo.

— Ah... — Show Pony não soube o que mais falar. Decidiu voltar a se preocupar em enfaixar o ombro de Fun Ghoul; até porque, Party Poison o lançava um olhar assassino toda vez que ele parava.

— Você não acha que já dá pra nos contar esse tal segredo, Grace? — Fun Ghoul falou, cauteloso. — Somos uma família aqui.

— Por isso mesmo, eu me preocupo com vocês!

— Mas nem sempre ficar protegendo é a melhor opção.

Grace olhou pensativamente para Fun Ghoul e se recostou na parede da van.

— Ok. Acho que agora já deu um bom tempo mesmo... talvez... — ela pegou fôlego e soltou de repente todas as palavras, como se estivessem há tempos entaladas em sua garganta: — Há um ano, acho, minha mãe me levou pra conhecer um amigo dela e disse que ele era muito importante para os killjoys.

— Quem? — Party Poison perguntou.

— The Mad Gear.

— Não conheço.

— É que ele não aparece muito. Ele trabalha escondido, porque tem planos grandes pra acabar com a BLI, e eles sabem disso. E quando minha mãe me levou lá, eu acabei... ahn... ouvindo algumas coisas.

— Você tem uma certa mania de ouvir conversas alheias, né? — Fun Ghoul falou, provavelmente querendo usar um tom repreensivo, mas com um sorrisinho nos lábios.

— Ah, o que mais eu posso fazer? Ninguém me diz nada porque eu sou muito nova, tenho que dar um jeito! Mas então, continuando... eu ouvi eles falando de uma mudança nas pílulas da BLI. Mad Gear e uns outros estavam estudando uma fórmula ou algo assim que mudasse a essência das pílulas e trouxesse as pessoas de volta pra realidade. E a BLI não pode ficar sabendo disso de jeito nenhum, se não o plano todo vai por água abaixo, entenderam?

Os killjoys assentiram, e Grace sorriu, sentindo-se por um momento muito madura e responsável.

— Então, o problema é que a BLI sabe que o Mad Gear está planejando algo grande. E por isso estão sempre atrás dele, e quando minha mãe me levou lá... eles viram e nos seguiram. Quando ouvimos o barulho dos Exterminators invadindo a casa, o Mad Gear viu que eu estava perto e percebeu que eu tinha ouvido tudo. Ele me fez prometer que não contaria isso pra ninguém e... eu tô quebrando a promessa, não tô?

— É por uma causa justa — Show Pony assegurou, mas Grace não pareceu muito convencida.

— Bom, já falei mesmo. Então, ele conseguiu escapar e os outros também, mas a BLI pegou eu e minha mãe, como vocês já sabem. Enquanto estávamos presas, eles ficaram tentando fazer a gente falar o que sabia, e eu não falei nada, óbvio, mas eles ameaçaram matar minha mãe se eu não falasse... e eu comecei a ficar com medo... eu até comecei a contar, mas minha mãe gritou pra que eu parasse e conseguiu desarmar o Draculoid que estava com ela, e nós fugimos de lá... e foi aí que vocês vieram me salvar.

— A BLI percebeu que você sabia alguma coisa importante... — Party Poison falou, baixo.

— Tudo muito bem — Remote Heart afirmou, recusando-se a ser distraído do assunto principal. — Mas o que isso tem a ver com você aqui, nessa van, nesse momento?

Grace gemeu de insatisfação, mas falou logo:

— É que eu também ouvi naquela conversa que, pra fazer funcionar a troca das pílulas, eles precisavam de gente trabalhando internamente, na base central, onde testam os produtos. E quando me sequestraram nessa última vez, eu vi um dos amigos do Mad Gear lá dentro. Ele até piscou pra mim. Aí quando vocês falaram hoje que viriam pra base, eu...

— Você decidiu bancar a heroína — Party Poison disse, duramente. — Você não tem preparo pra essas situações, Grace, você é só...

— … uma criança, eu sei, Party. Mas eu sou a única que sabia o que estava acontecendo. Até achei que não precisaria fazer nada quando vocês ficaram só lá no salão, mas quando aquele monte de gente desceu do elevador, eu sabia que aquele killjoy estaria entre eles, então fui escondida pra perto até chegar a hora. E realmente, você teria matado ele se não fosse por mim.

— Ele estava na minha frente — Party Poison resmungou, olhando para a estrada.

Grace revirou os olhos e Show Pony riu.

— E atirar no Korse era parte do plano? — Fun Ghoul perguntou, arqueando uma sobrancelha.

— Err... não. Foi mais instinto.

— Falou uma verdadeira killjoy — Remote Heart sorriu.

— É... mas, hmm.... eu matei ele?

— Não — todos responderam juntos, e Party Poison continuou: — Você só o atrasou, quem terminou o serviço fui eu. Mas sem você não teria jeito.

Grace tentou parecer indiferente, mas todos notaram seu alívio. Ela ainda não estava pronta para carregar nos ombros uma morte causada pelas suas próprias mãos, fosse de quem fosse.

Depois de alguns minutos em silêncio, Remote Heart deu uma risada e se voltou para a garota novamente.

— Você ainda não tinha escolhido um nome killjoy, né?

— É.

— Acho que pensei no perfeito para você. Missile Kid.

Grace — ou Missile Kid — deu um sorriso satisfeito, e os outros riram de leve em aprovação.

Em algum tempo chegaram em frente à casa do Dr. Death, e toda a alegria desapareceu. Eles se entreolharam, preocupados.

— Ahn... já que você é o míssil aqui — Fun Ghoul disse, cutucando Missile Kid. — Por que não vai na frente?

— Eu não, gosto de viver.

Show Pony suspirou.

— Sou eu quem devo ir na frente.

Ele abriu a porta e pulou para fora, virando-se surpreso ao ver Remote Heart descendo com ele.

— Sozinho, não. Nunca mais.

Show Pony deu um sorriso abobado e fofo que fez Remote Heart se esquecer do porque eles estavam com medo. Até que algo o fez se lembrar.

— O QUE. VOCÊS. PENSAM. QUE ESTAVAM. FAZENDO?

Remote Heart e Show Pony engoliram em seco e se viraram para Dr. Death, que caminhava feito um touro em direção a eles.

— Antes... — ele disse entredentes. — antes de arrancar suas peles, eu quero saber se a Grace está aí.

Missile Kid deu um aceno de leve, sua mão aparecendo por trás de Remote Heart, e Dr. Death bufou.

— É, imaginei. Mas vocês bem que podiam ter me avisado! Fiquei desesperado quando percebi que ela tinha sumido, e você não quis me atender, não é, Pony?

— A gente não sabia que ela tinha vindo! Era pra ter ficado com você!

— É, Dr. D., a culpa foi minha — Missile Kid se adiantou para fora da van. — Quando eu falei que ia cumprimentar a Stardust Rose eu na verdade fui entrar pela parte de trás da van pra ir escondida com eles.

Fun Ghoul resmungou alguma coisa que ninguém entendeu.

— Quê? — Remote Heart perguntou, virando-se para o killjoy.

— Nada, é que percebi que ela estava embaixo daquela lona ali no fundo o caminho todo. Sabia que eu quase sentei em cima de você, Grace, achando que eram almofadas ou algo assim?

— Não sou Grace agora, Fun — ela retrucou, sorrindo.

— Ah, é, desculpa, Missile Kid.

Dr. Death deu um sorriso leve ao descobrir o novo nome da garota, mas o tirou do rosto na mesma hora.

— Tá, mas agora quem vai me explicar que merda vocês foram fazer em Battery City?

— Como você sabe que fomos pra lá? — Party Poison perguntou, descendo do veículo e ajudando Fun Ghoul a descer também, já que ele não conseguia parar de pressionar o ferimento no ombro, mesmo que já estivesse enfaixado.

— Eu fui tentar ouvir o que estava acontecendo depois que vocês foram! Ouvi uma transmissão chamando o Korse e até consegui um acesso rápido a uma das câmeras da base.

— Você viu a gente lá? — Fun Ghoul quis saber.

— Não, eu vi uma câmera de um dos andares acima. Korse estava mandando as pessoas entrarem no elevador e descerem, e eu perdi a conexão quando ele entrou no meio delas. O que diabos aconteceu lá?

Enquanto caminhavam para dentro, os killjoys passaram a narrar os acontecimentos da noite, entusiasmados. Dr. Death fazia perguntas estratégicas, avaliando o comportamento deles em luta e assentindo a cada vez que concordava com a técnica utilizada.

— Muito bem — ele disse por fim. — Mas o que deu em vocês pra irem lá em primeiro lugar?

— Eu — Party Poison falou. — Eles foram por mim. Pra me livrar do Korse.

Dr. Death arqueou as sobrancelhas e olhou para Show Pony.

— Você sabe que isso foi perigoso, né? Não, que isso foi MUITO perigoso, não é?

— Sei.

— E que eu não aprovo, não é?

— Sei.

Dr. Death continuou observando Show Pony por alguns instantes.

— Vamos ter que conversar depois.

Show Pony só assentiu.

— Bom... — Dr. Death suspirou. — Eu tenho que ser sincero. Por mais que eu ache que vocês não deviam ter feito isso e que roubar a minha van foi uma ideia muito estúpida, porque vocês vão ter que pagar por isso...

Ele lançou um olhar assassino por sobre todos os killjoys, inclusive Missile Kid, antes de prosseguir.

— Mesmo assim, eu tenho que admitir que vocês causaram um bom estrago lá na base por matar o Korse. Ouvi transmissões dos Exterminators, e eles não estavam nem um pouco felizes. A briga deles com a diretoria está tomando proporções épicas... mas eu não acho que isso resolve muita coisa. Seria bom se pudéssemos fazer alguma coisa agora, aproveitando que eles estão todos distraídos, mas não temos o que fazer.

Remote Heart e Missile Kid trocaram olhares significativos, e Fun Ghoul, Party Poison e Show Pony fizeram o mesmo quando perceberam o que eles queriam dizer.

— O que vocês estão pensando? — Dr. Death perguntou, desconfiado.

— Tem algo pra se fazer, sim — Party Poison afirmou. — Gra- ahn, Missile, como a gente entra em contato com o Mad Gear?

— Mad Gear? — Dr. Death falou, arregalando os olhos. — Como vocês sabem dele?

Missile Kid repetiu a história de como conheceu o killjoy e Dr. Death pareceu abismado.

— As pílulas?! É esse o plano dele? Ele é louco, como vai mudar toda uma tiragem do negócio sem que a BLI perceba... — ele parou e olhou para os outros. — Ah. Entendi.

— Precisamos avisá-lo que eles estão desestruturados pra ele colocar o plano em prática — Fun Ghoul falou.

— Nem se preocupem, ele já sabe disso. Ele é o primeiro a saber das coisas que acontecem na BLI.

— Sempre achei que fosse você — Missile Kid disse, sinceramente.

— Ah, não, não. Os killjoys tem toda uma estrutura, quase como uma hierarquia, apesar de nos tratarmos como iguais. Mad Gear é um dos que está no topo, quase inalcançável. Se ele conseguir fazer essa ideia louca das pílulas funcionar...

— Os killjoys terão um futuro totalmente novo! — Party Poison completou.

Todos sorriram, mas hesitantes. Ter finalmente a perspectiva de um fim da tirania da BL/ind parecia muito bom para ser verdade. Era melhor esperar para ver.

— Certo, vocês já salvaram o mundo — Dr. Death falou, sarcástico. — Que tal irem cuidar da vida agora?

Todos se levantaram, menos Show Pony. Ele sabia que deveria ficar. Remote Heart olhou para ele e fez menção de se sentar de novo, mas ele fez que não com a cabeça. Remote Heart suspirou e saiu. Estava se sentindo um adolescente que colocou o namorado em encrenca.

Namorado. Era tão... estranho.

Mas bom.

Os Dust Angels foram para seu carro em silêncio, acenando para Invisible Star, que acabara de estacionar a van no lugar certo. Entraram e deram partida, Remote Heart olhando para trás como se esperasse ver Show Pony sair correndo a qualquer minuto.

— Calma, Dr. D. não vai matar ele — Party Poison disse num tom divertido, vendo a preocupação do outro. — Acho.

— Eu sei, é que... ele provavelmente tá contando sobre... ahn...

— Sobre vocês dois?

— Hmm, é... exato.

— Ah, então você tá com medo que o Dr. D. mate você! — Missile Kid exclamou, animada, o que fez todos rirem.

— Mais ou menos isso, é.

Remote Heart se sentiu mais aliviado. Não sabia porque, mas ver a aceitação pura e simples dos amigos o fez ter mais confiança de que era para seguir em frente, era para ficar com Show Pony independente de qualquer coisa. E, no fundo, ele sabia que Dr. Death não seria um problema.

Porém, tinha de se distrair enquanto não visse Show Pony de novo e soubesse o que ele e seu pai-por-consideração conversaram. Ele olhou para todos os que estavam no carro e fixou-se em Fun Ghoul, que dirigia. Ah, era esse mesmo.

— Vocês conseguem acreditar que estamos finalmente livres do Korse? — perguntou a todos, mas ainda observando Fun Ghoul e desejando que ele pudesse sentir seu olhar.

— Ainda não sei se acredito — Party Poison comentou, sentado ao lado de Fun Ghoul

— Pois é, parece que se abriu todo um mundo de possibilidades agora que ele se foi. Vocês não tem essa sensação?

Missile Kid entendeu e deu uma risadinha.

— Tenho, parece que qualquer coisa é possível agora. Não acham, Party? E Fun?

Remote Heart se virou e bateu na mão de Missile Kid por trás dos bancos da frente, cumprimentando-a alegremente e sussurrando um “isso aí!”.

— Claro, claro — Fun Ghoul murmurou, parecendo ligeiramente irritado.

É, ele havia entendido. Só restava agir.