Entre Gelo e Fogo escrita por Fernanda


Capítulo 22
Capítulo 22




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Alice

 Não sei quanto tempo eu passei desacordada. Pareceu que foi muito. Quando eu acordei estava em uma sala clara, tudo ali era de um branco pálido, nem havia portas e nem janelas.

 Levantei da cama meio tonta, mas não havia nada para eu fazer ali a não ser verificar os lugares onde um dia estiveram os meus ferimentos. Mas não tinha mais nada, a minha pele estava perfeita, sem nenhuma marca dos inúmeros cortes e meu tornozelo já não estava mais inchado e se movia bem.

 Eu queria sair daquela sala. Aquele branco me lembrava muito a neve da arena, e isso não era algo que eu queria que me atormentasse para sempre. Mas eu não conseguia achar a porta.

 Uma porta escondida e camuflada na parede se abriu de repente e uma avox entrou carregando uma bandeja com comida e era seguida pela minha mãe, meu pai e Haymitch.

 Não pude aguentar e corri para dar um abraço em meus pais e até mesmo em Haymitch, a sensação de ter eles ali ao meu redor me deixou mais calma e com uma sensação de segurança. Mas eu sabia que não ia durar muito, logo seria a apresentação do campão e eu seria exposta para toda Panem novamente em quanto passar os “melhores momentos” desta edição dos Jogos.

 - Alice – disse meu pai se afastando um pouco para que pudesse olha para mim – você não sabe como é bom ver que você esta bem.

 - Fico feliz por estar aqui de novo, apesar de tudo.

 Meu pai me abraçou de novo, e então fui comer alguma coisa.

 - Há quanto tempo eu estou aqui? – perguntei me dando conta de que eu não me lembrava de sair da arena.

 - Faz dois dias que você saiu da arena – disse Haymitch.

 - Ninguém pode entrar aqui, apenas os médicos enquanto você estava dormindo – disse minha mãe.

 Dois dias, isso queria dizer que a apresentação do vencedor seria dali a dois dias. Normalmente todos dão um tempo para que o tributo vencedor possa ser tratado e aparecer impecável para todos quando chegar a hora. E depois é claro teria a entrevista. Ficamos ali, sentado naquele quarto branco apenas aproveitando a companhia uns dos outros enquanto o resto do dia passava. Quando a noite chegou eu fui dispensada da enfermaria, já que eu não estava mais tão mal e o que os médicos tinham que fazer comigo eles já haviam feito.

 Voltei para o andar do distrito 12 no centro de treinamento, mas agora tudo parecia vazio e sem vida. Todas as pessoas que ficaram nos andares abaixo estavam mortas e isso com certeza não me fez relaxar nada.

 Naquela noite nem tive coragem de sair do meu quarto e passear por ai, como eu costumava fazer quando não conseguia dormir antes de ir para a arena. A memória que aquele lugar me trazia era demais para eu suportar. A minha principal memória era o rosto de Guto, em uma das poucas vezes que ele riu. Mas isso logo foi substituído pela imagem de seu corpo mutilado.

 Fechei os olhos com força e me escondi embaixo dos cobertores para tentar dormir e não conseguir mais ver aquelas imagens, mesmo sabendo que não ia dar certo.

 Passei a noite em claro vendo tudo o que eu não queria ver. Quando a luz que entrava pela minha janela finalmente começou a ficar cinzenta eu tive certeza que o dia estava nascendo, mas não consegui me obrigar a me levantar até que minha mãe bateu em minha porta me chamando para o café.

 Coloquei qualquer roupa que pude encontrar sem nem me preocupar com o que era e desci para o café, aonde encontrei todo mundo. Effie veio correndo para me dar os parabéns e um abraço sufocante. Cinna me olhou com compaixão e não disse nada. E Edenia nem mesmo me olhou na cara. Mas já que o tributo que ela trabalhou e se apegou morreu eu não esperava nada muito diferente.

 Sentei entre meus pais e comemos em silêncio até que um avox apareceu acompanhado do próprio Presidente Johnso.

 - Olá Alice – disse ele casualmente – parabéns por ter ganhado os Jogos.

 - Obrigada – eu disse quase inaudivelmente.

 - Estou aqui para informar que a apresentação do vencedor será hoje, já que a pequena Alice está bem.

 Sem dizer mais nada Johnso apenas virou as costas e saiu, mas eu percebi que ele estava nervoso com alguma coisa, e enquanto falava, ele olhava constantemente para os meus pais, quase como se esperasse que algum deles pulasse da mesa e o matasse ali mesmo.

 Então assim que o café acabou minha equipe de preparação foi chamada para começar a me preparar, mas como não havia muita coisa para ser feita comigo eles apenas mexeram um pouco na minha pele e depois me deixaram no meu quarto com a promessa de que voltariam dali a algumas horas para fazer minha unha e um penteado.

 Como eu não tinha mais nada para fazer resolvi me sentar no telhado aonde tinha ficado com os meus pais na noite antes da minha apresentação para os gamemakers.

 Cheguei lá e sentei na borda do telhado até onde o campo de força permitia e fiquei vendo o movimento das pessoas abaixo vivendo as suas vidas malucas na Capital. A animação para me ver de noite parecia muito perceptível.

 Depois de algumas horas me deitei no telhado e acabei adormecendo. Meus sonhos foram terríveis. Tive aquele mesmo pesadelo com o velho que era metade August e metade Matt. Eu chegava à clareira e ficava espantada com aquele velho, e ele ainda me fazia a mesma pergunta.

 - Por que não me salvou?

 O sonho mudou. Eu estava novamente na campina do distrito 12, e lá embaixo estavam minha mãe, Guto e Matt. Quando fui alcança-los, novamente as mortes de Guto e Matt se repetiram. Finalmente sobrou apenas a minha mãe ali, me olhando com um sorriso que fazia seus olhos cinza brilharam e eu cheguei ao ponto de pensar que esse sonho não seria igual aos que eu tivera antes, pensei que ela não iria se dissolver em uma poça de sangue, mas em alguns segundos o sorriso de minha mãe sumiu e sua face se distorceu em uma careta de dor. Mas ela começou a sangrar aos poucos dessa vez. O que foi pior.

 Acordei gritando no telhado e me vi nos braços do meu pai, me encolhi em seus abraços querendo apagar as imagens do pesadelo da minha mente.

 - O que aconteceu? – perguntou ele.

 - Eu tive pesadelos.

 - Quer falar sobre eles? Quem sabe ajude.

 - Eu sonhei com um velho. Ele era Matt e Guto juntos, e ficava me perguntando por que eu não os salvei.

 - Você não podia fazer nada – disse meu pai alisando meus cabelos.

 - Depois o sonho mudou, eu vi Matt, Guto e a mamãe parados na base da campina do distrito 12. Todos estavam vestidos de branco, mas então Matt começou a sangrar, exatamente aonde a adaga o acertou e ele sumiu. Depois a morte de Guto se repetiu e ele sumiu. Apenas mamãe ficou ali, ela sorriu para mim, mas depois de um tempo ela também começou a sangrar. Depois disso eu acordei.

 Olhei para os olhos do meu pai, e ali vi uma tristeza que eu não sabia pelo que era. Ele me abraçou mais forte e me deu um beijo na testa.

 - Foi apenas um sonho ruim – disse ele – o que aconteceu com Matt e August não pode ser desfeito, mas lhe garanto que nada vai acontecer com a sua mãe.

 - Você promete?

 Não deu tempo de ele responder. Uma avox apareceu na porta que levava ao telhado e começou a puxar o meu braço, querendo que eu a acompanhasse. Olhei para o céu e vi que estava começando a ficar cinzento, eu tinha perdido a noção do tempo, minha equipe de preparação devia estar louca comigo.

 Quando eu estava chegando ao meu quarto me dei conta de que meu pai não tinha prometido nada, o que me deu um pouco de aflição, mas assim que entrei em meu quarto fui certada por algumas formas coloridas que me olhavam com cara de desaprovação por estar tão atrasada, mas logo minha equipe estava fazendo minhas unhas em um tom de rosa bem claro e no meu cabelo faziam cachos delicados.

 Finalmente depois que o meu cabelo e as minhas unhas estavam prontos Cinna entrou no quarto trazendo o meu vestido. Nem preciso dizer que era maravilhoso. Tinha apenas um ombro e era da cor das minhas unhas, mas dependendo da luz que se olhasse ficava branco e até mesmo azul.

 Não tinha mais por que ficar no quarto depois que eu estava pronta, já que estava na hora de eu ir encarar a multidão de Panem. Sai do meu quarto e encontrei com meus pais, Haymitch e Effie no elevador. Fomos em direção a Cidade Circular aonde aconteceria tudo.

 Quando cheguei lá fui direcionada para as catacumbas que ficavam abaixo do palco, já que eu teria que fazer uma entrada espetacular. Haymitch me acompanhou até o meu lugar, já que os mentores e a equipe de preparação também seriam apresentados.

 - Fique firma lá encima queridinha – disse ele – você é a princesa do gelo, mas mesmo gelo pode derreter. Chore se quiser, sinta raiva e até demonstre isso, mas não saia correndo do palco.

 - Isso foi uma piada? – eu disse irônica – você sabe que eu não posso sair de lá mesmo querendo muito.

 - Não foi uma piada, foi apenas um incentivo. Mas ainda temos uns minutos, então me responda por que todos acham que eu sou tão abominável assim?

 Isso foi um choque para mim, eu sempre achei que Haymitch sentia prazer em ser chato e desagradável com as pessoas, nunca me passou pela cabeça que ele não sabia por que era tratado assim.

 - Olha Haymitch, eu não sei explicar muito bem, mas acho que as pessoas te acham desagradável por causa da sua atitude, principalmente quando você está bêbado, pela sua negligencia e por causa da sua irônia.

 Haymitch, em vez de ficar irritado como eu pensei que ficaria, riu.

 - Então é por isso – disse ele entre gargalhadas – eu pensei que fosse por algum motivo muito pior. Mas sabe de uma coisa queridinha, vocês que me odeiem o quanto quiserem. Eu não me importo nem um pouco se for pelas razões que você me falou.

 - Você é estranho – eu disse simplesmente.

 - Você não viu nada. Mas vamos entrar daqui a pouco, então ai e espere o elevador começar andar como uma boa menina. Vejo você lá encima.

 Eu fiquei ali, sozinha pensando no que havia acabado de acontecer e tendo cada vez mais certeza de que Haymitch era o louco mais são do mundo. Afinal quando os meus pais estavam nos jogos ele não ficou bêbado para ajudar e vendo o fato de que Ian ainda está vivo da pra ver que mesmo sendo um péssimo pai Haymitch não é tão negligente.

 Alguns minutos depois, eu comecei a ouvir Jeligard dando boas vindas para as pessoas e gritos vindos da plateia. Logo depois ele anunciou que eu tinha ganhado (como se ninguém soubesse) e chamou para receber os parabéns a minha equipe de preparação. A multidão começou a gritar, e os gritos se intensificaram quando Jeligard anunciou a entrada dos mentores.

 E nesse momento Jeligad anunciou a minha entrada e a chapa de metal em que eu estava em pé começou a subir, e a multidão foi ao delírio quando eu apareci. Pessoas gritavam o meu nome e jogavam flores no palco, mas isso não me fez sentir melhor pelas mortes que tinham acontecido na arena e pela perda dos meus amigos.

 Quando Jeligard finalmente acalmou a multidão, uma pequena criança que parecia muito feliz por estar ali trouxe uma coroa de prata com pedras preciosas que Jeligard colocou em minha cabeça e gritou para todos:

 - Alice Mellark, a vencedora da 76 edição dos Jogos Vorazes.

 Mais gritos. Mas desta vez duraram pouco já que Jeligard anunciou que os melhores momentos daquela edição iriam começar a ser passados.

 Todos ficaram em silencio, e eu fui conduzida a sentar em um trono dourado que estava no palco, enquanto meus mentores e minha equipe sentaram um sofá que esta ali. Uma televisão apareceu e começou a passar os jogos. Os melhores momentos duram 3 horas, mas eu não consegui ficar prestando atenção em tudo, mas vi o banho de sangue, com Matt participando. Vi eu e meus aliados lutando contra os carreiristas inúmeras vezes. Vi Vistric sendo atacado por mutações estranhas e ficar descordado por um tempo, e quando ele acordou havia aquele olhar maníaco que ele tinha quando nos atacou. Vi Matt morrendo, a declaração de Guto para Mabel, Vistric morrendo, a caverna de gelo desabando, a luta de Guto e Sandiri, a morte de Griffor, que eu não tinha visto, mas imagino que devia ser uma das armadilhas do Guto. Vi Sandiri discutindo com Griffor, ele impedindo ela de nos atacar. E finalmente a minha ultima luta. O ultimo ato desesperado de amor de Sandiri para Matt.

 Isso foi o final. Algumas pessoas que estavam ali assistindo, principalmente as mulheres se emocionaram com a morte de Sandiri e seguravam lencinhos coloridos para limparem suas lágrimas. Jeligard apenas me parabenizou mais algumas vezes e encerrou a cerimônia com a promessa de que no dia seguinte nos veríamos de novo na entrevista do vencedor.

 Eu nem queria lembrar que no outro dia seria a entrevista, mas para a minha sorte seria de manhã, então até a hora do almoço eu já poderia estar em um trem voltando para casa.

 Desci do palco ao lado de meus pais e voltamos para o centro de treinamento para passar a noite. Quando chegamos fui para o meu quarto e tomei um banho, deitei na cama e tentei dormir, mas por mais que eu tentasse não consegui pegar no sono. O quarto estava se tornando sufocante demais para que eu ficasse ali, então fui para o quarto dos meus pais, mas quando eu ia bater na porta eu comecei a escutar vozes ali dentro e parei para escutar.

 - Mas Katniss – dizia meu pai – uma hora você vai ter que contar para ela.

 - Eu sei Peeta, e isso me assusta mais que tudo. Deixe-a aproveitar a ignorância um pouco mais. Ela merece depois de tudo.

 - Eu não queria que isso estivesse acontecendo – pela voz parecia que meu pai estava chorando – quer dizer, há um lado bom, mas ele não faz sentido.

 - Eu sei. Mas não se preocupe, ainda temos tempo de sobra.

 Não resisti à curiosidade e entrei no quarto. Encontrei os meus pais deitados em um pequeno sofá que havia ali. A cabeça de minha mãe estava deitada no peito do meu pai que estava chorando.

 - O que vocês estão escondendo – perguntei.

 Eles me olharam surpresos e não disseram nada. Fiquei ali parada, esperando eles me contarem o que era tão serio que precisavam esconder de mim e que faria o meu pai chorar.

 - Eu não vou sair daqui sem saber o que vocês estão escondendo – eu disse.

 Minha mãe levantou e veio para a minha frente, seus olhos também estavam vermelhos como se estivesse à beira das lágrimas.

 - Alice, nós não podemos falar sobre isso agora. Quando voltarmos para casa, prometo que você e seu irmão vão saber de tudo.

 - Mas por que vocês estão escondendo?

 - Porque agora não é importante você saber destas coisas, agora pare de falar no assunto se quiser ficar aqui.

 Fiquei desconfiada, mas eu sabia que não ia conseguir arrancar nada da minha mãe, e eu só poderia perguntar para o meu pai quando estivéssemos sozinhos, então tive de me conformar e deitei na grande cama que havia ali.

  Dormi e por milagre não tive pesadelos. Acordei de manhã com a minha mãe me carregando para o meu quarto dizendo que a minha equipe de preparação estava me esperando para me arrumar para a entrevista.

 Consegui dormir mais um pouco enquanto faziam uma maquiagem em meu rosto para tentar disfarçar a minha cara de sono.

 No meu cabelo não fizeram nada, apenas deixaram solto. Cinna entrou no quarto com um vestido simples branco com uma fita vermelha. Acho que era melhor assim.

 - Na entrevista não revele muitas coisas. Faça cara de inocente e mantenha a postura da Princesa do Gelo.

 Fui encaminhada para um estúdio e sentei no trono que estava no palco na noite passada. Jeligard chegou e começou a entrevista.

 - Alice, como se sentiu quando viu que era a vencedora dos Jogos?

 - Não sei dizer. Em choque eu acho.

 Jeligard riu, e a entrevista continuou. Mantive a postura fria em quase todas as perguntas, mas teve uma em que não pude continuar fria.

 - Então Alice, ultima pergunta. Como se sentiu quando os seus aliados morreram?

 - Com certeza não fiquei feliz – disse com a ironia que eu herdei de Haymitch – naquela arena eles se tornaram meus melhores amigos, vê-los morrer foi quase como ver o meu irmão morrer ali.

 - Isso deve ter sido muito triste. Mas é isso Alice. Sei que você deve estar morrendo de vontade de voltar para casa e ver seus irmãos reais.

 - Estou sim Jeligard, mas eu só tenho um irmão real. O Theo.

 - E aquele pequenininho de olhos verdes não é seu irmão?

 - Não, ele é filho do Haymitch.

 - Perdoe então o meu engano.

 - Tudo bem – eu digo, me levantando quando as câmeras param de gravar.

 Saio do centro de treinamento direto para o carro que me levaria para a estação.

 A estação estava cheia de pessoas da Capital querendo ver a Princesa do Gelo pela ultima vez até o desfile do campeão. Acenei e tentei sorrir o máximo que podia, mas não posso esconder que fiquei agradecida quando o trem finalmente começou a se mover.

 Eu finalmente estava voltando para casa.


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