Entre Gelo e Fogo escrita por Fernanda


Capítulo 21
Capítulo 21




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Alice

 Eu não conseguia sair de perto do corpo de August, e mesmo se eu quisesse, não podia. Eu só conseguia chorar, e segurar a mão mutilada do meu protetor ali, que acabou virando um dos meus melhores amigos.

 Lembrei-me de Tyler também, e me senti doente por não ter lembrado dele nenhuma vez desde que sai do distrito 12, o que ele devia estar achando de tudo que está acontecendo aqui?

Eu não sabia mais o que pensar, August tinha virado o meu melhor amigo, e agora ele morreu. Eu não conseguia parar de chorar, tentei ser forte, agora sobrava apenas eu e Sandiri, mas isso não me acalmou nem um pouco. Tudo que eu queria agora era voltar para a minha vida no distrito 12, com a minha mãe, meu pai, Theo, Ian, Tyler e até mesmo com Guto, mesmo nunca tendo falado com ele.

 De repente caiu do céu um paraquedas dourado, com uma cesta pendurada por baixo. Peguei aquilo com os dedos trêmulos, e vi a pequena tela que eu já esperava. Peguei o microfone e a imagem de Haymitch apareceu.

 - Olá queridinha – disse ele, mas não parecia tão animado quanto sempre estava.

 - O que tem para mim Haymitch? Você nem deveria estar falando comigo, as dádivas foram cortadas. – perguntei, secando as lágrimas que escorriam pelo meu rosto.

 Ele me olhou com um pouco de ressentimento, para ele nós, tributos, sempre pensávamos o pior dele apenas porque ele bebia, mas não era por isso, Haymitch era uma pessoa boa, mas ele tinha um gênio ruim e uma incrível capacidade de deixar as pessoas ao seu redor irritadas.

 - Só queria ver se você estava bem, e eu tenho minhas influencias para poder falar com você – ele disse – mas acho que você não quer conselhos vindos de mim, não é?

 Não respondi e ele interpretou o meu silencio como um sim.

 - Vou falar uma coisa apenas antes de ir. Essa dor que você sente, por maior que seja um dia irá passar, e quando você sentir que essa dor ficar mais leve em seu coração, você terá superado. Mas você não vai aceitar meus conselhos, então seus pais que cuidem de você. Boa sorte queridinha, você vai precisar.

 Ele saiu do alcance da câmera sem nem esperar resposta. Se eu saísse dali viva com certeza iria agradecê-lo por pelo menos tentar me ajudar. Minha mãe e meu pai entraram em foco. Eles pareciam bem, mas meu pai tinha algo em seus olhos azuis sempre gentis que me deixou um pouco apreensiva.

 - Pai, mãe! – eu quase gritei de alivio por vê-los novamente, mas eu ainda tinha perguntas vagando em minha mente que deviam ser respondidas – Eu pensei que vocês não iriam mais aparecer.

 - Nós nunca íamos deixar você sozinha, Alice – disse meu pai.

 - Mas por que vocês não apareceram antes?

 - Estávamos fazendo de tudo para que os Jogos fossem terminados – disse minha mãe.

 - Pelo que eu posso ver não conseguiram não é?

 - Nós conseguimos... – disse meu pai

 Permiti-me ter a esperança de que eles estivessem falando comigo para avisar que em instantes um aerobarco viria me buscar e me levar para casa sã (nem tanto) e salva.

 - Mas este Jogo tem que acabar primeiro – disse a minha mãe acabando com as minhas esperanças.

 - Vocês viram que August morreu? – perguntei, com as lágrimas voltando aos meus olhos.

 - Vimos sim – disse meu pai – mas você ainda pode vê-lo, se fechar os olhos e entrar em um sonho aonde ele existe e esteja feliz. Isso fará você se sentir bem.

 - Obrigada pai, isso fica mais fácil de aguentar depois de um tempo?

 - Fica um pouco mais fácil conviver com a dor quando você aceita que nunca mais vai ver a pessoa novamente, mas a saudade e o vazio que ficam demora muito pra passar. O jeito é ir convivendo com isso.

 - Como eu faço para ter coragem de matar Sandiri e me vingar do que ela fez com Guto?

 - Nada, só deixe a força de dentro de você – disse minha mãe.

 - Eu quero a fazer sofrer tanto quanto Guto sofreu, mas eu não sei nem se vou conseguir matá-la, imagina torturá-la.

 - Você não precisa torturá-la. Apenas a mate, isso já será o suficiente para vingar a morte de August – disse meu pai – ele não iria querer que você carregasse um assassinato e uma tortura a sua vida inteira.

 - Obrigada pelo conselho pai.

 - Nosso tempo acabou você sabe o que fazer. Nós iremos te encontrar fora da arena, pode ter certeza disso. Amamos você.

 Com isso a tela ficou preta, e eu fiz como sempre e joguei a tela e o microfone longe, alguns segundos depois tudo explodiu, me deixando apenas com a cesta. Olhei dentro dela, para ver se tinha algo de útil, mas encontrei apenas uma corda.

 Não sabia para que exatamente aquilo me seria útil, mas já que me mandaram, era porque em algum momento eu teria que usar. Peguei a corda, a lança de August e a mochila dele e comecei a voltar para a floresta, tentando achar um lugar aonde Sandiri não me encontrasse, já que eu sabia que ela estaria me caçando agora que restávamos apenas nós duas.

 Eu não tinha para onde ir, nada mais na floresta fazia sentido para mim. Eu queria ter um amigo para me guiar aqui, ser a minha ultima esperança, mas ele tinha ido embora para sempre.

 Andei durante horas tentando colocar a minha cabeça no lugar. A neve tinha voltado a cair, mas eu não me importava mais com o frio, nem com a fome ou com a sede. Tudo que eu queria era voltar para minha casa e abraçar meus pais e meu irmão. Mas eu não podia, ainda tinha algo para fazer.

 Parei em uma clareira apenas quando o hino começou a tocar, olhei para o céu e vi a foto de August aparecer brilhante ali. Naquela foto os seus olhos multicoloridos estavam em um tom de azul profundo e o seu rosto parecia forte e destemido. Segurei-me para não chorar novamente, mas quando vi que estava na mesma clareira em que Matt havia morrido não pude mais me conter e chorei muito, tanto por Guto como por Matt, mesmo sabendo que havia quebrado minha promessa.

 Passei horas chorando até cair em um sono pesado e sem sonhos. Acordei rodeada de neve, tremendo de frio, já que estava sem o meu casaco. A neve caia pesada e cobria tudo em volta com o seu branco puro.

 Levantei-me e tomei um pouco d’água. Subi em um pinheiro e comecei a pensar no que faria quando encontrasse Sandiri. Eu não estava com pressa, afinal se eu não a encontrasse eu tinha certeza de que ela me encontraria.

 Finalmente peguei a corda e comecei a dar nós, como minha mãe me ensinou uma vez. Disse que era para aliviar um pouco do nervosismo e que tinha aprendido com um grande amigo chamado Finnick Odair. O pai do meu amigo Finn.

 Quando meus dedos estavam sangrando por causa do frio e da corda, eu consegui pensar em tudo o que eu podia fazer com aquela corda alem de ficar dando nós. Finalmente pensei em construir uma armadilha. Desci do pinheiro e fui para uma árvore realmente alta, subi em um galho e fiz um laço na ponta da corda. O plano era prendê-la ali e deixar que ela agonizasse até finalmente morrer. O problema seria fazê-la subir na árvore, mas isso eu podia dar um jeito.

 Desci da árvore e fui procurar por Sandiri, atenta a todos os ruídos que a floresta produzia. Eu sentia o vento ultrapassando o casaco pesado que eu usava, e eu sentia fome por não ter comido nada desde ontem de manhã, mas eu não me importei muito, afinal eu tinha a esperança de que antes do dia clarear novamente eu estaria fora daquele lugar.

 Cheguei a um ponto da floresta que eu não tinha explorado ali as árvores eram pequenas e fáceis de escalar, ali não havia nada de neve, o que eu achei estranho, mas o ar era gelado o vento soprava uma brisa fria. Andei por ali e encontrei um pequeno lago um pouco descongelado. Andei até lá e enchi minha garrafa de água. Descansei um pouco e depois voltei a procurar por Sandiri.

 Depois de duas horas, eu vi uma figura pequena e que se parecia muito com a minha inimiga. Segurei minha espada com força e comecei a correr até ela, não me importando com o tanto de barulho que estava fazendo.

 Ela se virou a tempo de parar o meu ataque e fez um corte em minha perna com a sua faca, mas a dor não me parou, continuei tentando atacá-la de qualquer maneira.

 Eu tentava lutar, mas Sandiri era mais forte que eu. Ela estava ganhando e eu estava cada vez mais machucada. Agora o meu tornozelo torcido e o corte em minha perna doíam, e havia novos cortes por todo o meu corpo. Eu não tinha mais opção. Eu teria que correr para aonde a corda estava pendurada.

 Virei-me e comecei a correr na direção da clareira de Matt. Mas senti uma flecha atingir o meu braço. O sangue começou a jorrar e eu estava ficando cada vez mais tonta. Continuei correndo, minha vida dependendo da minha força de vontade.

 Eu não aguentava mais correr quando finalmente cheguei à clareira, mais três flechas estavam alojadas em meu corpo e o mundo girava ao meu redor. Consegui coragem para subir na árvore que eu achava que era a certa. Comecei a procurar descontroladamente pelos galhos ásperos do pinheiro até que finalmente achei o laço. Agora seria a parte mais complicada do meu plano. Eu tinha que passar o laço ao redor do pescoço de Sandiri e depois derrubá-la do pinheiro.

 - Desça aqui sua pirralha – Gritou ela – tem medo de morrer igual aquele seu amiguinho?

 - Já que quer tanto me matar por que não sobe aqui? – consegui gritar de volta – ou a garota que passou a vida treinando não sabe como subir em árvores?

 Ela me olhou com ira nos olhos, agora sim eu tinha certeza de que ela iria fazer de tudo para me matar.

 Sandiri começou a subir na árvore, mas vi que minha provocação estava certa e ela realmente não sabia subir em árvores. Mas se passaram alguns minutos e ela conseguiu subir.

 Subi um pouco mais alto levando a corda comigo, mas tomando cuidado para não deixar a ponta que estava amarada na árvore muito aparente. Sandiri chegou ao galho em que eu estava antes e mirou sua ultima flecha bem na minha garganta. Esperei o momento em que ela estava pronta para atirar e joguei o laço em volta de seu pescoço. Com o susto ela perdeu a concentração e a flecha passou voando por mim, mas não chegou a me atingir.

 Sandiri ficou vermelha por não ter conseguido me atingir e a raiva percorreu seu rosto. Seu foco passou da corda que estava em seu pescoço para mim. O que ajudou no meu plano, já que se ela tirasse a corda seria mais um trabalho para eu colocá-la de novo.

 Sandiri agora só tinha a faca, mas em minha mão ainda estava à parte da corda que ficava entre o laço e a parte amarrada na arvore. Dei uma puxada de leve para que o laço ficasse mais justo em torno do pescoço de Sandiri e ela não conseguisse tirá-lo.

 Agora sim ela estava alerta para a corda em seu pescoço, mas estava dividida. Já que eu estava com uma lança e podia atacá-la a distancia. Mas também estava preocupada com a armadilha em que caiu.

 Eu queria que aquilo acabasse o mais rápido possível, então respirei fundo e pulei para o mesmo galho em que minha inimiga estava. Peguei Sandiri de surpresa e ela perdeu seu equilíbrio que já era precário. A corda fez sua função. A garota ficou presa em uma forca.

 Desci da árvore, mas continuei olhando para Sandiri. O seu pescoço em volta da corda estava começando a ficar vermelho, mas ela conseguiu levantar o braço e começar a cortar a corda.

Droga! Xinguei a mim mesmo por ter me esquecido de pegar a faca. Mas agora também já não tinha mais importância. Eu estava quase desmaiando ali. O mundo ainda não havia parado de girar e a minha perna estava pior do que nunca. As flechas que Sandiri havia acertado em mim ainda estavam no mesmo lugar, e as feridas ainda sangravam.

Ela estava perdendo a força, parecia não conseguir respirar direito e o ritmo com que cortava a corda diminuiu, mas ela já havia cortado um bom tanto, então o seu peso fez a corda ceder de vez.

 Sandiri caiu no chão, mas infelizmente ainda estava consciente. Ela lutava para respirar e parecia tentar formar palavras. Aproximei-me com cautela, temendo um ataque repentino, mas ele não veio. Eu estava com a lança preparada.

 - Eu... me rendo – sussurrou quase inaudivelmente.

 - O que?

 - E... eu... me... rendo – disse ela um pouco mais alto – a... acabe... logo... com isso. Ganhe os jogos... eu vou... encontrar Matt... para onde... quer que eu... vá.

 - Matt?

 - Eu... o... amo... e... sei... que... vou encontrá-lo.

 Eu fiquei sem reação. Ela amava Matt. Foi por isso que sempre quando lutamos ela não o atacava. Era por isso que quando ele morreu ela começou a perseguir-nos. Parecia que queria vingança.

 Chegue mais perto dela, mas minha adrenalina estava sumindo e a minha vontade de matá-la evaporou. Eu sei que não podia, não iria conseguir. Mas quando cheguei perto o suficiente, Sandiri estendeu a mão e pegou a lança que eu segurava debilmente. Eu pensei que era uma armadilha e que ela iria me matar, mas não. O que ela fez foi ainda mais surpreendente.

 Sandiri fincou a lança em seu coração.

 O canhão soou alguns segundos depois. E era isso. Estava tudo acabado. Não restava mais ninguém ali alem de mim.

 Ouvi alguém falar algo nos autofalantes, mas o som não penetrava em meus ouvidos. E a ultima coisa que eu vi antes de desmaiar foi o rosto finalmente sereno e sem preocupações de Sandiri.

Ela ficou feliz com a morte. Finalmente pode ficar com o amor da sua vida.

Este foi o meu ultimo pensamento, e então afundei na inconsciência.


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