Entre Gelo e Fogo escrita por Fernanda


Capítulo 20
Capítulo 20




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Alice

 Escutamos um som de canhão, e fiquei imaginando quem havia morrido. Teríamos que esperar até o anoitecer para ver quem foi. Mas tínhamos problemas maiores. Podíamos escutar ao longe o som de asas batendo, que vinham diretamente para nós. Eram bestantes, mas estas vinham pelo ar. Tudo que eu sabia era que se veneno eram mortal, assim que entrasse em contato com a pele humana, liberava uma gosma que lhe causaria coceira até a morte, o que aconteceria em segundos, no máximo minutos.

 August estava encima de uma árvore ha pelo menos 40 minutos, tentando ver algo que só ele sabia o que era.

 - August – eu disse o mais alto que eu podia sem atrair a atenção – rápido, as bestantes estão vindo.

 - É melhor corrermos, tenho a sensação de que as bestantes não são as únicas coisas que querem nos machucar.

 Eu não tive tempo de pensar no que ele quis dizer, corremos muito em direção à parte inexplorada da floresta, as bestantes nos perseguiam, mas depois de alguns minutos conseguimos escapar ilesos delas.

 August parecia estranho, estava com a cara fechada e de mau humor desde que Vistric morreu, acho que a arena estava mexendo com a cabeça dele.

 - August, você está com algum problema? – perguntei.

 - Não, é só que eu acho que é hora de nós nos separarmos.

 - Não, nem pense nisso, você é meu aliado, não pode me deixar aqui.

 - Mas é preciso, eu não quero que sobre apenas nós dois. Eu sei que você vai ganhar.

 - Eu não quero ganhar se você tiver que morrer.

 - Eu fiz uma promessa para a sua mãe, eu iria protegê-la de qualquer maneira, independente do que eu tivesse que fazer para isso.

 - A minha mãe te pediu para você morrer por mim? – perguntei incrédula.

 Eu sabia que a minha mãe ligava muito para o que ela própria queria, e que ficava muito irritada quando não conseguia, mas pedir para uma pessoa se sacrificar para que eu voltasse para casa já era demais.

 - Não, ela nunca me pediu isso, foi uma promessa que eu mesmo fiz para ela.

 - Mas por que você fez isso?

 - Porque eu tinha uma divida com a sua mãe, eu queria que isso fosse pago. Ela salvou alguém importante para mim e eu irei salvar uma pessoa importante para ela.

 - Isso não faz sentido. E se eu não quiser ser salva? Eu nem tenho a opção de querer ou não mandar na minha vida?

 - Não é isso, mas eu pensei que você quisesse voltar para casa.

 - Eu quero, mas não desse jeito.

 - Não tem outra maneira, um de nós tem que morrer, e é melhor que seja eu.

 Sem falar mais nada ele apenas virou as costas para mim e foi embora. Tente segui-lo, mas ele se provou um ótimo corredor, e isso fez eu me perder ainda mais dentro da floresta. Eu me sentia péssima por aquela briga, eu não queria que August fosse embora, não queria que ele morresse.

 Mas não tinha mais como encontrá-lo, a arena era enorme e demoraria dias para que eu o encontrasse de novo. Como o sol já estava se pondo, eu resolvi acampar, com o resto dos suprimentos que me restava. Consegui um pouco de água e o resto da comida da Capital que Haymitch havia nos mandado. De manha eu tentaria achar um jeito de me virar sozinha e me esconder.

 Dormi sabendo que ninguém iria me incomodar, já que não havia nada desse lado da floresta. Eu estava errada. Nada podia me machucar fisicamente, mas os pesadelos que me assombraram naquela noite foram medonhos.

 Eu estava correndo na floresta, escutando o grito de Theo, mas eu não conseguia me fazer correr mais rápido, e por mais que eu corresse não conseguia chegar à origem dos gritos. De repente o grito de Theo foi substituído pelo de Ian. Quando cheguei ao lugar da onde as vozes vinham, não tinha ninguém lá e os gritos tinham parado.

 O que foi tudo isso? Pensei, mas o cenário a minha frente mudou, eu estava em uma campina do distrito 12, um lugar mágico que a minha mãe tinha me mostrado uma vez. Corri pela campina, aproveitando o ar do verão, que me fazia falta naquela arena de gelo. Quando cheguei a base da campina vi toda a minha família ali, me esperando. Até Haymitch, Ian, Effie, Matt e Guto estavam lá.

 Eu achava que tudo estava bem, até que um corvo preto passou voando por minha cabeça. Isso era um pressagio do mal. Minha família começou a desaparecer, restando apenas a minha mãe ali. Haymitch, Ian e Effie também sumiram, no final estávamos eu, minha mãe, Matt e August ali, todos vestidos de branco, parados nos olhando. De repente algo começou a acontecer com Matt, à camiseta branca que ele estava usando começou a se manchar de vermelho bem onde o seu coração estava. August também começou a mudar, seu rosto perdeu a cor, seus braços ficaram finos e fracos, em sua testa havia um corte enorme e profundo que sangrava, mas o que mais me assustou foram seus dedos das mãos, eles não estavam mais lá e a sua barriga estava toda furada, como se ele tivesse sido atingido por varias facadas.

 A minha mãe simplesmente ficou ali parada e sorriu, mas então ela começou a desaparecer e onde ela estava parada restou apenas uma mancha de sangue.

 Acordei suando frio. Não sei por quanto tempo eu estive dormindo, mas eu havia perdido o hino e não pude ver quem havia morrido hoje. Os raios do sol começavam a atravessar a densa floresta e derramar o seu calor na neve.

 Mas algo estava diferente. A neve parecia mais baixa e o sol mais quente, tive ate que tirar a minha jaqueta, mas coloquei o moleton de Matt, que ainda estava comigo, apesar de estar rasgado ainda ficava grande em mim. Estava esquentando, por todos os lados isso seria ótimo, a caça seria mais fácil e o lagos iria finalmente descongelar, então a água também seria mais fácil de conseguir.

 Fui caçar, já que estava morrendo de fome. Sai para dentro da floresta, peguei uma faca que havia conseguido há algum tempo atrás e comecei a procurar algo que me interessasse para comer.

 Caçei por algumas horas e no final eu tinha duas garrafas com água e comida para me manter por três dias contanto que eu não abusasse. O dia estava quente e a neve derretia, eu ainda me sentia mal pelo que havia acontecido com Guto, mas durante a tarde eu pensei melhor e vi que ele estava certo, mesmo que eu não quisesse ser salva, os motivos dele eram bons.

 Para começar a procurá-lo eu resolvi ir ate a base da floresta e subir em uma árvore aonde eu pudesse ver uma boa parte da floresta e tentar achar ele pelo alto.

 Eu tinha me perdido muito na floresta, e demorei muito até chegar aonde eu queria, no meio do caminho cai e torci meu tornozelo, mas continuei, ignorando a dor que me consumia. Quando a noite caiu resolvi parar um pouco para descansar e tentar dormir, apensar de estar com muito medo dos sonhos que eu podia ter. Aquele sonho da noite passada ainda me incomodava, aquela visão de Matt, do jeito que ele tinha morrido, e August todo machucado e morto, e a minha mãe sumindo, tudo isso me assustava muito e eu tinha medo de que aquilo pudesse se tornar realidade.

 O céu escureceu e o hino de Panem tocou, mas apenas isso, nenhum rosto apareceu no céu hoje. Fazia dois dias desde que Vistric havia morrido e eu não tinha visto os rostos nenhuma vez, eu não sabia mais quem estava vivo e quem estava morto, muito menos que ainda sobrava. Tudo o que eu sabia, e que me deixava aliviada era que August ainda estava vivo.

 Deitei no meu saco de dormir e me mantive acordada por algum tempo, me certificando de que não havia nada que pudesse me prejudicar ali, mas não estava muito convencida de que ninguém apareceria para me matar, então subi em um pinheiro e tentei me prender ali encima do melhor jeito que eu podia.

 Acabei dormindo, mas meus sonhos esta noite não foram terríveis como o da noite passada. Esse foi calmo e feliz, mas apenas no final que eu vi novamente a minha mãe e August daquele mesmo jeito da noite passada, o que me assustou e eu acordei, mas no sobressalto eu acabei caindo da árvore e acho que desmaiei.

 Quando acordei novamente eu não sabia quanto tempo havia passado, mas o céu estava azul e mais neve tinha derretido. Pela posição do sol parecia se quase meio dia. Eu estava tonta e minha cabeça parecia pesar uma tonelada, meu tornozelo machucado parecia que havia piorado com a queda e eu mal conseguia me mexer. 

  Abri minha mochila e peguei um comprimido para a dor, mas não fez muito efeito. Obriguei-me a continuar andando até achar o começo da floresta. Um passo depois o outro eu dizia para mim mesma repetidamente, mas minha cabeça não parava de rodar e eu parava frequentemente para descansar.

 Depois de varias horas eu consegui chegar aonde eu queria. Mas o meu tornozelo estava doendo demais para que eu conseguisse subir em outra árvore imediatamente, então sentei a base da árvore e olhei para a cornucópia, que estava a poucos metros de mim, e vi a cena mais terrível da minha vida.

 A neve aqui não havia derretido, então estava manchada de vermelho vivo, parecia que alguém havia perdido muito sangue. Perto da cornucópia estavam duas pessoas, só que uma estava deitada na neve, com seu corpo cheio de sangue, e a outra estava em pé segurando uma faca cheia de sangue com um olhar realizado no rosto. Eu reconheci as figuras. A pessoa no chão era August, e a pessoa com a faca era Sandiri.

 Não me importei com mais nada, Sandiri quando me viu saiu dali correndo, mas eu não me importava, tinha que chegar até August. Comecei a correr, mas meu tornozelo não estava ajudando e no chão havia umas pedras que me faziam deslizar, mas quando cai, devido a uma dessas pedras, eu pude ver que não eram mesmo pedras e sim dedos. Os dedos de August.

 Corri até ele, mas já era tarde demais, a única coisa que restava dele eram os seus dedos espalhados pelo chão e o seu corpo, que não estava em melhor estado. Em sua testa havia um corte enorme e profundo, mas isso não era o pior. Em todo seu corpo, cortes se espalhavam, mas em seu peito e barriga havia marcas de facadas, muitas para que eu pudesse contar. Não havia nem chance de ele ter sobrevivido a isso. Mas o que mais me intrigou foi que ele não tinha gritado uma única vez.

 Mas isso não me importou nem um pouco. A única coisa que eu pude fazer foi sentar ao lado do corpo mutilado do meu amigo e chorar.

  August

 A briga com Alice foi horrível, eu realmente não quis fazer aquilo, mas era preciso, eu não podia sobrar com ela. Mesmo sabendo que eu iria me matar, eu tinha medo de não conseguir, de minha vontade de voltar para casa, ver Mabel fosse maior do que a obrigação da promessa que eu tinha feito a Katniss.

 Assim que sai de perto dela me arrependi e quis voltar, mas eu não podia então corri o mais rápido possível para a cornucópia, fazendo um caminho complicado, mas que quem seguisse a trilha conseguiria sair.

 Fui para a cornucópia com cuidado, os caminhos planos estavam mais escondidos pela neve e ficava difícil ver as inclinações, mas finalmente cheguei lá. Não havia ninguém ali, então me sentei e fiquei olhando as estrelas que começavam a aparecer, mas de repente as estrelas sumiram e o hino de Panem começou a tocar. Isso não me importava à raiva sempre crescia dentro de mim quando aquele hino tocava, mas vi no céu a foto de Griffor brilhar no céu e me lembrei de que antes das mutações virem atrás de mim e de Alice eu estava encima da árvore vendo a minha armadilha ser acionada. Então foi Griffor que caiu nela. Sandiri deve ter tentado salvá-lo, mas caiu na minha pegadinha e acabou matando-o.

 Eu esperava muito que ela não viesse atrás de mim, já que depois que Griffor a impediu de me matar, eu me lembrei de que uma vez que Matt não estava tão chato, ele me contou que ele e Sandiri eram amigos bem próximos, e ela deve ter pensando, quando ele morreu, que eu e Alice não o protegemos como nosso aliado e queria vingança. Então, se ela lembrasse que no dia do banho de sangue ela me viu saindo da cornucópia com o kit de fios cordas e metais.

 Resolvi não me preocupar muito, eu iria dormir e depois, quando eu acordasse ia sair para caçar, já que eu não tinha muitos suprimentos.

 Dormi e pela primeira vez que cheguei à arena não tive pesadelo nenhum, o que foi bom. Quando eu acordei me sentia descansado e pronto para caçar. Peguei minha lança e fui para a floresta, rezando para não encontrar Alice enquanto caçava.

 Dentro da floresta estava ficando cada vez mais quente enquanto o dia passava, depois de algumas horas eu tive que quase arrancar o casaco pesado que eu usava. Ainda estava frio, mas era bom para eu colocar as minhas ideias no lugar.

 No final da tarde, eu tinha caçado conseguido água e estava voltando para a cornucópia mas uma figura baixa e escura chamou a minha atenção, então fui ver o que era.

 Eu realmente devia ter ficado parado ou corrido em outra direção.

 Era Sandiri, ela estava de costas para mim, mas quando me escutou chegando virou-se e o olhar em seu rosto era feroz. Ela veio correndo em minha direção, e num instinto eu peguei minha lança, mas ela conseguiu desviar, e passou a faca que estava segurando na minha sobrancelha direita, aonde deixou um talho profundo que começou a sangrar muito, o que me deixou tonto e preocupado.

 Mesmo tonto ainda conseguia lutar com ela, mas larguei a lança e parti para o ataque corpo a corpo. Foi o pior erro da minha vida.

 No começo eu até lutei bem, apesar do corte tirar quase toda a minha concentração e me deixar tonto, mas ainda consegui dar um soco em Sandiri que há desorientou um pouco, mas não foi por muito tempo, ela logo se recuperou e começou a me atacar. Entramos em um combate corpo a corpo, ambos saímos machucados. Nesse tempo, o hino de Panem começou a tocar, mas nenhum rosto apareceu no céu, então a única pessoa que não estava ali e continuava viva era Alice.

 Eu e Sandiri continuamos lutando ate a beira da exaustão, quando eu não aguentava mais, eu simplesmente desmaiei, e a luz do sol já começava a aparecer.

 Quando acordei, fiquei surpreso por não estar morto, mas o corte na minha testa latejava e a minha forca tinha sido drenada do meu corpo, eu não tinha energia nem para levantar o meu braço. Sandiri estava ali, me olhando.

 - Por que não me matou ainda? – perguntei. Minha voz quase não saia.

 - Porque eu quero que você esteja consciente quando estiver morrendo, e pode ter certeza de que a sua morte será muito demorada e dolorosa.

 Eu não tinha mais energia para falar e Sandiri, vendo isso continuou a falar comigo.

 - E então, como vai ser? Vai querer morrer aqui, escondido entre as árvores, ou a céu aberto onde todos podem ver?

 - Já que eu vou morrer, é melhor que todos vejam. A céu aberto – consegui dizer, mas depois disso desmaiei novamente. Mas algum segundo acordei com Sandiri me batendo.

 Não acreditava que estava levando a maior surra dela, mas eu nunca fui bom em luta. Sandiri começou a me levar em direção à cornucópia, mas alguns poucos metros da floresta ela parou, me deitou no chão, pegou a faca e começou a passa-la pela minha mão, logo depois senti uma dor profunda e aguda, tive vontade de gritar, mas sabia que não podia, iria atrair a atenção de Alice, aonde quer que ela esteja.

 Olhei para baixo e vi que minha mão estava cheia de sangue, e algo doía muito, olhei mais para baixo e vi um dedo meu ali, jogado na neve. A dor na minha mão se tornava excruciante, quase não dava para aguentar.

 Sandiri foi me arrastando ainda mais para perto da cornucópia, mas sempre parava e cortava um dos meus dedos fora, e a cada vez que ela fazia isso à dor que eu sentia se multiplicava. Finalmente, quando eu já estava sem dedos para que ela cortasse e quase perdendo a consciência de tanta dor e de tanto sangue perdido, Sandiri me jogou de uma das partes íngremes do caminho que levava a cornucópia. Quando parei no chão eu podia sentir que mais dores haviam aparecido, mas nem fez muita diferença. Sandiri me alcançou e parecia muito animada, a faca brilhava em sua mão.

 Ela se ajoelhou ao meu lado começou a passar a faca por todo o meu braço, cortando-o até um pouco acima do pulso, fez a mesma coisa com o outro. Depois ela resolveu partir para o final, já que quase não havia mais como me machucar. Sandiri pegou a faca e me deu uma facada na barriga, e a dor me consumiu ainda mais. Eu não sabia até quanto uma pessoa podia aguentar, mas eu sei que estava chegando ao meu limite. Outra facada, e mais outra, foram tantas facadas que eu até perdi a conta depois de algum tempo.

 Mas algo surpreendente aconteceu, depois de algum tempo a dor sumiu, eu me sentia leve, mas ainda estava consciente, eu podia ver claramente Sandiri se preparando para o golpe final, que seria em meu coração. Fechei os meus olhos calmamente, sabendo que não sentiria nada, apenas uma picada. A facada no coração aconteceu, eu pude sentir, mas a escuridão por trás das minhas pálpebras se dissolveu e em seu lugar apareceu uma luz dourada. Acho que isso que era morrer, eu iria para outro lugar.

 E então eu não estava mais com medo, eu apenas criei coragem o suficiente e entrei na luz dourada.


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Notas finais do capítulo

Ta terminando já kk
Só vai ter 25 capítulos+epílogo então se alguém ainda lê isso não fique triste