Céu escrita por Liminne


Capítulo 48
Capítulo 40 - Opostos Complementares




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Capítulo 40 – Opostos complementares

 

 

- Boa tarde, duplinha estrelada! – Celeste-sama recebeu o casal de signos opostos com seu costumeiro sorriso preguiçoso e o leque em movimento na frente do rosto. – Que bom que vieram logo! – então parou o leque e o sorriso de repente e olhou para a loira de seios exagerados parada logo atrás dos dois. – Oh... Matsumoto-san? – inclinou levemente a cabeça, mas logo voltou a sorrir, como se tivesse se lembrado de que ela viria.

- Celeste-sama... – Rukia começou a falar tão calmamente que parecia estar contento algum tipo de nervosismo. – Nós viemos aqui por causa da missão, mas também...  – deu uma olhada rápida na colega de apartamento. – Bem... Será que teria um tempinho para conversar com a Rangiku?

O homem loiro encarou a libriana e sorriu para ela.

- É claro que eu tenho. – respondeu casualmente, fingindo não perceber a tensão que os olhos claros dela emanavam. – Que tal começarmos com a Libriana-san então? – ele alegrou mais o tom de voz.

Os três concordaram e Rangiku seguiu o guru enquanto Ichigo e Rukia resolveram aceitar um pouco de chá.

 

****

 

Estava parada na frente da porta. Queria tocar a campainha. Mas a ordem dos pensamentos, das falas que havia elaborado, estavam se misturando de novo, ficando confusas outra vez. Tinha que se concentrar. O que ia dizer mesmo? Estava fazendo certo em dizer isso?

Respirou fundo.

Lembrou-se do beijo. Fora a atitude mais ousada de toda a sua vida. Beijara seu professor, um homem mais de vinte anos mais velho que ela. Por puro amor. Por um impulso do coração. Sabia que ele sentia o mesmo também. Ou pelo menos desconfiava pelas suas ações, palavras e atitudes ao longo do tempo em que vinham se encontrando escondidos. Mas depois daquilo... Depois daquilo nem ela mesma sabia o que ia acontecer, como ele ia reagir. Lembrou-se agora de como, depois do beijo, correu para trocar de roupa e em seguida, com um último olhar tímido e atrapalhado para o homem, saíra correndo se despedindo sem mais explicações.

É... Ainda tinha aquela foto para terminar. Ainda tinha uma justificativa para dar. Ainda tinha uma resposta para escutar. E não tinha certeza de nada que fosse acontecer.

Mas de uma coisa ela sabia. Depois dessa atitude corajosa, não iria virar as costas. E era por isso que estava ali, diante da porta do melhor amigo, segurando sua passagem na mão, quase a esmagando. Esperava que ele a perdoasse. Entretanto não fazia idéia do que a esperava.

Tocou a campainha. Encolheu-se. Pensou em fugir. Mas era tarde. Já ouvia os passos lá dentro. E agora já estava congelada.

- Fala Hinamori. – o garoto de cabelos claros abriu a porta.

- C-como sabia que era eu? – ela se assustou um pouco.

- Quem mais poderia ser? – ele levantou uma das sobrancelhas brancas.

- Será que... – ela abaixou a cabeça nervosa. – Será que a gente pode conversar...? Sabe... O assunto de ontem.

Ele então endireitou a postura e olhou-a melhor. Então ela não estava querendo fugir. Ela estava mesmo tendo necessidade de lhe contar algo.

Por um acaso existia possibilidade de ele lhe responder não?

- Claro. – enfiou as mãos nos bolsos da bermuda e desviou os olhos para cima.

Ela sorriu fraquinho.

- Vamos para o terraço! – agarrou o pulso dele e foi andando na frente, forçando as pernas para puxá-lo.

- E-ei! – ele surpreendeu-se. – Hinamori! Está um calor desgraçado!

Mas ela não disse mais nada, só continuou se esforçando para puxá-lo. O garoto então não discutiu e foi atrás dela.

Quando chegaram lá em cima, Momo já estava se arrependendo de ter insistido na idéia. A tarde estava apenas começando e o sol estava cruel.

Mas ali era um lugar especial para os dois. E de alguma forma, se sentia melhor assim.

- Fale de uma vez. – ele disse quando chegaram, cruzando os braços na nuca.

Ela observou o amigo. Estava com aquela cara de mau humor de sempre. A camiseta branca e a bermuda verde estavam levemente respingadas de alguma coisa aguada e rosada. Melancia. Apostava que era. Por causa disso, sentiu um nó na garganta. Quantos verões não passaram juntos comendo melancias a tarde toda?

- Shiro-chan... – ela começou com a voz parecendo um miado. – Eu disse que... Que não ia mais viajar com você. – forçou-se a repetir, agarrando o babado da blusa cor de laranja que usava.

- É. – ele respondeu friamente, como sempre. Mas ainda a encarava intrigado, esperando mais.

- Me desculpe... – mordeu o lábio inferior e olhou para baixo. Sentia o sol queimando diretamente sua cabeça.

Só ouviu o suspiro dele. Mas não ousou encará-lo.

- Eu achei que você tinha me trazido até aqui para me explicar o motivo. – ele foi dizendo secamente, como se não tivesse se importado com aquilo.

As imagens que tinha criado na mente sobre as férias divertidas e todos os programas que havia pensado para os dois estavam se dissipando como as nuvens no céu.

- Shiro-chan eu... – ela ainda não olhava no rosto dele. – Eu sinto muito mesmo. Eu queria muito poder ir. Eu... Eu sei que íamos nos divertir muito, mas... – levou o punho cerrado ao peito. – Mas... O meu coração pede que eu fique. Ele está pedindo insistentemente. – finalmente captou os olhos esverdeados. E eles, irritantemente, não demonstravam absolutamente nada.

Ficou quase um minuto olhando para ele, sentindo o calor atormentá-la mais e mais e as gotas de suor começaram e brotar na nuca e debaixo da franja. Estava aguardando com o peito doído.

Mas ele, depois de todo aquele tempo de expectativa, apenas virou-se e foi andando em direção as escadas.

- Shiro-chan! – quando a geminiana deu por si, estava gritando. – Shiro-chan! – e começou a correr para perto dele.

- O que é? – ele virou-se para ela. E de repente, mesmo que não tivesse subido o tom de voz, aquela pergunta lhe pareceu feroz.

Tanto que ela encolheu os ombros.

- Você... – obrigou-se a dizer, já que ele havia parado e olhado pra trás. – Você me odeia por isso? – semicerrou os olhos com medo da resposta.

- Eu queria odiar. – ele respondeu num impulso, mas bem baixinho.

Sem certeza se ela tinha ouvido ou não, desapareceu o mais rápido que pôde.

- Shiro-chan! – ela insistiu de novo, mas dessa vez ele não voltou atrás.

 

****

 

Estavam se acomodando no carro para o trajeto de volta. A missão à dupla havia sido dada. E sobre o consolo à Rangiku, ninguém sabia.

Rukia resolveu perguntar quando Ichigo começou a dirigir.

- E então? Não vai nos contar o que o Infernal-sama te disse? – tentou descontrair, porque pelo rosto dela, não havia acontecido nenhum milagre.

- Ah... – disse com um sorriso desanimado. – Ele só disse que... Desde que o Gin saiu da prisão ninguém reportou nada a ele... Que os braceletes estavam desligados... E que ele não costuma errar.

Ichigo franziu as sobrancelhas. Prisão? Do que elas estavam falando?

Ignorando-o, Rukia continuou incentivando o desabafo da amiga.

- Ele não disse que ia... Hun... Tomar alguma providência por vocês?

Ela olhou para baixo e soltou um suspiro desolado.

- Na verdade... Não. Ele disse que se tem algum crime metido nisso, ele não pode por em risco o programa Céu e seus clientes. Mas disse pra eu não me preocupar. Que ele não costuma errar e que o destino certamente disse que ficaremos juntos. – o sorriso que ela abriu pareceu um pouquinho, só um pouquinho esperançoso.

- Eu te disse. – Rukia tentou parecer bem confiante para inspirar o mesmo sentimento na libriana. – Ele pode parecer um charlatão convencido, mas ele sabe o que faz. Não é, Ichigo?

O ruivo quase perdeu o controle da direção. O que ela tava querendo dizer com aquilo?

Olhou rapidamente para os olhos azuis profundos dela e desviou antes que perdesse o ar.

- É-é. – ele disse. Tentou concentrar-se apenas na loira peituda que estava sofrendo tanto. Isso! Devia ser apenas isso... – Celeste-sama sabe o que faz.

Ela sorriu com o esforço do casal.

- Obrigada. – disse enfim. – Você sabe, Rukia-chan. Eu não desisto fácil. Posso me deprimir, mas não vou desistir!

- Isso aí! – Rukia animou-se um pouco. – Continue lutando e acreditando.

Isso que chamam de o discípulo superar o mestre? Rangiku balançou a cabeça e deixou-se rir um pouquinho para si mesma.

- E quanto a vocês? – desviou o assunto. – Qual vai ser a missão de vocês agora?

Ichigo olhou para Rukia. A capricorniana correspondeu o olhar e suspirou, como se a expressão desanimada que estampou no rosto fosse obrigatória junto àquela resposta.

- Como eu vou usar as férias de agosto para ir para Kofu... Ele pediu para que usássemos a missão de férias agora, nessas três semanas até o fim de julho.

Rangiku sorriu.

- Que legal! Então vocês vão ter que passar a maior parte do tempo juntos!

- Não que nós já não fizéssemos isso. – Ichigo foi dizendo. – Quero dizer, a gente estuda juntos, às vezes depois das aulas, almoçamos juntos...

- Ah, Rukia-chan! – a loira interrompeu o ruivo com uma idéia brilhante. – Depois das aulas então o Kurosaki podia ir lá pra casa! Vocês podiam estudar lá, não ia ser melhor? E também vai ter os fins de semana... Vão passar todos juntos!

O coração de Ichigo acelerou um pouco com a idéia. Ia ser definitivamente como se fossem... Como se fossem...

- É, mas eu também vou ter que acompanhar a rotina do Ichigo. – Rukia falou. – Foi o que o Infernal-sama disse. Que nós temos que ficar por dentro da rotina um do outro, passar a maior parte do tempo juntos, e só quando for realmente necessário nos separarmos. – soltou o ar com força teatral. - Não sei por que ele não nos acorrentou de novo de uma vez. – falou bem baixinho, audível só para si mesma.

- Mas eu ainda não quero que você conheça meus pais... – Ichigo deixou escapar, mas logo comprimiu os lábios arrependido.

- Que feio, Rukia-chan! – Rangiku colocou pilha. – O Kurosaki tem vergonha de você! – riu.

Rukia olhou para o canceriano. O rosto dele estava chocado. Os olhos arregalados gritavam que a libriana estava errada e que ele tinha se arrependido mortalmente de ter falado daquele jeito.

Mas ela podia entendê-lo agora.

- Claro que não. – disse em defesa do ruivo. – Como o Ichigo ia ter vergonha de um partidão como eu? – brincou pondo a mão no peito se fazendo de vaidosa. – Eu concordo com ele... Tudo tem seu tempo e agora não é a hora para isso. – olhou ligeiramente para ele. Pôde captar seu rosto aliviado, raramente relaxado e agradecido. Quase suave.

A morena sorriu pequena e rapidamente para Ichigo e desviou logo o rosto. Eles haviam se entendido ali.

- Huum... – Rangiku ficou um pouco confusa. – Então o Kurosaki podia dormir um dia lá em casa.

O ruivo que estava estacionando normalmente na calçada em frente à república, não pode evitar sobressaltar-se e acabou cantando pneu no asfalto.

- Chega-gamos. – gaguejou com as mãos trêmulas no volante.

O rosto de Rukia também estava avermelhado e ela nem ousava olhar para o lado.

- Obrigada Ichigo. – disse da forma mais digna que conseguiu, sem encará-lo e fez menção de sair do carro.

- Ei, ei, o que está acontecendo aqui? – mas a peituda interveio indignada. – A missão de férias já começou, meus amores. – e dirigiu seus olhos claros cintilantes para Ichigo. – Kurosaki, vamos subir e tomar um chá. – sorriu convidativa para ele.

 

****

 

- E então vamos ter que manter um diário sobre as nossas férias... E entregar um resumo de tudo que aprendemos, do que gostamos, do que não gostamos, enfim, tudo que tiramos com essa experiência e entregá-lo ao Celeste. – Rukia estava explicando a missão para Momo. A menina que estava tristinha quando chegaram, agora já estava mais empolgada.

- Que legal Rukia-chan! – o brilho estava voltando aos olhinhos castanhos. – Vai ser legal ver o Kurosaki-kun aqui mais vezes. – sorriu para o ruivo que ficou sem graça imediatamente.

- Olha, já tive uma idéia! – Rangiku exclamou fazendo com que todos largassem o chá e olhassem para ela. – Por que não aproveitamos o domingo e assistimos a um filme todos juntos?

- Que ótimo! Adorei! – Momo comemorou. Sabia que podia estar atrapalhando o casal, mas estava precisando de companhia naquele momento.

E Rangiku também.

- Eu topo. – Rukia começou a parecer menos irritada. Sorriu para Ichigo. – Algum problema pra você?

- Nenhum. – ele respondeu quase sorrindo de volta.

 

****

 

No dia seguinte, segunda-feira, Momo estava nervosa. Passou toda a aula se martirizando, só conseguindo pensar em um único assunto.

Ensaiou milhares de vezes na cabeça o que iria dizer. Chegou a anotar. Mas rasgou as folhas de tanto rabiscá-las e perder a linha de pensamento.

Chegou então, perto da hora da saída na escola, a uma conclusão: se deixaria levar pelo coração. Não foi assim que chegou a beijá-lo? Seria assim que chegaria a explicar-se.

A aula acabou então e a geminiana precipitou-se aos portões da escola, sem nem despedir-se das amigas. Pegou o caminho daquela casa tão conhecida e foi andando determinada, cantando uma música bem baixinho, diversas vezes, para espantar qualquer sementinha de mais uma confusão mental.

- Oh! Hinamori-kun! – o homem pareceu muito surpreso de vê-la. Pelo que ela pôde reparar, ele tinha chegado em casa havia pouco tempo. Ainda estava bem arrumado, com suas roupas que usava para trabalhar.

- A-Aizen-sensei... – ela sofreu muito para dizer olhando no rosto dele. Tremia tanto segurando a pasta da escola que seria impossível não notar. Acabou abaixando os olhos e começou a sentir o gosto das lágrimas na garganta e as cócegas nos cílios.

O homem não disse nada, para o desespero dela. Mas logo aquele sentimento sufocante desapareceu como se nunca houvesse estado lá. Ela sentiu a mão pesada e calorosa dele em seu cabelo, acariciando sua cabeça gentilmente. Poucos segundos daquele gesto a encorajaram a erguer os olhos úmidos para ele novamente. Ganhou um sorriso pelo ato.

- Vamos, entre. – ele disse, sem tirar a mão dela. – Vejo que precisa muito de alguma coisa.

Ela só fez que sim com a cabeça e acompanhou-o para dentro de casa.

Acomodaram-se no sofá como costumavam fazer e o cheiro morno daquela sala cuidou de cessar aquela tremedeira e as palpitações exageradas.

- Aizen-sensei! – disse antes que ele oferecesse chá. Estava com pressa e urgência. – Eu... – apertou a saia ginasial com as mãos. – Eu... Desde aquele dia venho tentando ensaiar... Venho pensando loucamente... Perdendo o sono... Porque eu... Porque eu fugi e... Eu sei que te devo uma explicação... Mas... – Droga. Nada adiantava mais. Nem o carinho dele nem o aroma de sua casa. Estava nervosa de novo, a ponto de se derramar em lágrimas.

Com o silêncio repentino dela seguido de um choro contido, silencioso e teimoso, Aizen tratou de diminuir a distância entre os dois no sofá e chegar bem perto. Abraçou-a pelos ombros e aconchegou o rosto dela em seu peito.

- Calma... Tenha calma... – ele murmurava enquanto acariciava o braço dela, só conseguindo fazer com que ela perdesse mais o controle e chorasse ainda mais. – Fique tranqüila Hinamori-kun. Não há nada para temer. Não vou cobrar nada de você.

Ficaram ali por uns dois minutos, a menina derramando todo seu nervosismo e medo em cima de seu professor acolhedor.

- Obrigada Aizen-sensei... – ela sussurrou levantando-se do peito dele e esfregando o rosto molhado. – Me desculpe... Por ser sempre um incômodo...

Ele então tomou a mão dela e olhou-a nos olhos ainda aguados.

- Hinamori-kun. Não há porque pedir desculpas. Você só fez o que seu coração mandou. E você sabe que eu gosto disso em você... Sua espontaneidade... – afastou uma mecha de cabelo dela do rosto. Continuou fitando-a afavelmente. – Eu nunca rejeitei você. E não vou rejeitar... – sorriu pequenamente. – Você sabe... Você deve saber que compartilhamos o mesmo sentimento.

- Aizen-sensei... – agora as lágrimas que desceram eram emocionadas.

- Mas você também deve saber... – ele continuou, agora parecendo um pouco mais sério. – Que isso é proibido. De todos os lados. Nunca aceitariam isso, Hinamori-kun. E eu tentei lutar contra. E eu negaria a vida toda para nunca te fazer mal. Então, por favor... Pense em você. Não quero te cobrar nada. Só quero que seja feliz e não quero te fazer uma prisioneira de algo tão difícil quanto esse tipo de relacionamento.

- Aizen-sensei. – ela apertou as sobrancelhas grossas. – Eu não me importo com nada disso. Nem com deixar isso em segredo até não podermos mais. Eu sei os riscos que corremos, mas... – deixou um sorrisinho bobo denunciar seu coração. – Eu... Eu te amo. – retesou todo o corpo ao dizer. Mas não desviou os olhos dos dele.

A resposta dele foi um sorriso amável e doce, como de costume daquela personalidade. Ele então levou a mãozinha dela aos lábios.

- Eu também Momo. – disse olhando para o rosto rosado dela. – Mas lembre-se: não estou te cobrando nada. Você pode me deixar quando sentir que não agüenta mais. Só por favor, mantenha em segredo. Não quero problemas para você.

- Eu não vou te deixar sensei... Não vou.

 

****

 

- E aí, Rukia? Como foi na prova de hoje? – Ichigo perguntou enquanto os dois iam pelo corredor.

- Fui muito bem. – o sorriso dela não negava. – Eu gostei que caiu aquela questão sobre o que a gente estudou pra caramba, lembra?

- Lembrei disso também quando eu vi. – ele disse. – E... Sei que você não perguntou, mas eu também fui muito bem. – levantou o queixo.

- Ah, não melhor que eu, duvido. – ela fez uma careta pretensiosa.

- Isso é o que nós vamos ver.

O resto do caminho fizeram em silêncio até a saída da universidade.

- Bem... – foi ele que começou quando chegaram. – Então... O que vamos fazer agora?

Ela parou de andar e o encarou. Lembrou que estavam ‘amarrados’ de novo.

- Simples. – sorriu divertida. – Você vem pra minha casa, vamos estudar pra prova de amanhã.

- Ei, que sorrisinho é esse? – ele ficou com medo. – Não vai me fazer de empregada de novo, né? Dessa vez eu não sou obrigado a aceitar! – cruzou os braços e olhou para ela com aquela carranca que ele achava que assustava.

Ela riu.

- Você podia me ajudar a fazer compras pro jantar e cozinhar... Isso é fazer parte da minha rotina, não é?

Ele segurou o ar nos pulmões e soltou-o devagar.

- É. Acho que sim.

- Mas pode deixar, garoto. – ela cutucou o braço dele. – Não vou abusar de você dessa vez. – riu. – Mas... E como vamos fazer para que eu participe da sua rotina, hein?

Os dois ficaram se olhando pensativamente. E ao mesmo tempo sorriram. Parecia que a mesma idéia havia ocorrido aos dois.

- Tsuki-chan? – Rukia foi quem disse.

Ichigo só levantou as sobrancelhas com um esboço de sorriso nos lábios.

Não só parecia. Eles haviam tido a mesma idéia.

- E o que vai dizer aos seus pais sobre mim? – agora ela ficou séria. Não era por esse motivo que ele não queria apresentá-la?

- Tsuki-chan é minha amiga, parceira de estudos... – ele disse, coçando a nuca e olhando para o lado oposto ao dela. – Eu não quero nada com ela.

Rukia sentiu o peito afetado por aquelas palavras. O que ele estava querendo dizer? Não pôde evitar ficar olhando perdida para o rosto dele, como se o tempo tivesse parado.

- Então vamos alternar. – a voz dele de repente tirou-a de seus devaneios. – Um dia eu vou para sua casa e no outro você vai para a minha.

- Humm... Certo. – ela disse, agora tentando pensar melhor no assunto. – Mas isso vai significar ser loira e mudar de personalidade quase todo dia. – suspirou despencando os ombros. – Estou me sentindo a Hannah Montana.

Ichigo arqueou uma sobrancelha.

- Quem é essa?

- Ninguém que você precise saber... – ela fez um gesto com a mão para que ele esquecesse. – Bem... Vai ser meio cansativo, né?

- Vai nada. – ele fez uma cara azeda. – Você adora interpretar e ficar tirando com a minha cara. Nem vem com essa de coitadinha não. A vítima sempre acaba sendo eu.

Ela não agüentou e riu com vontade.

- Ai, Ichigo... – foi andando em direção ao carro dele. – Você é mais fácil do que se imagina.

Ele seguiu-a não entendendo muito bem o que ela queria dizer. Mas não se importava. Estava tão feliz... Tão feliz... Ninguém conseguiria medir o quanto.

 

****

 

E assim as semanas passaram. O calor do verão que só aumentava e a cantoria das cigarras embalaram o estresse das provas, as horas de estudo e as comemorações no fim dos dias e das semanas.

Alternadamente Ichigo ia para a república. Aprendia com Rukia a cozinhar e ajudava com a louça e os legumes. De vez em quando sobrava para ele ensinar o dever de casa à Momo ou ouvir alguma história interminável de Rangiku com uma cara muito mal fingida de interessado. Tomava o maior cuidado para que Keigo não o visse, mas havia dias em que o encontro era inevitável e ele tinha que arrumar desculpas para não ter que contar sobre o ‘namoro’ com Rukia. Nos dias de muito calor, a dupla estudava para as provas no terraço. E ficavam observando as estrelas até lembrarem que precisavam dormir para o outro dia. A presença incômoda de Mai no apartamento passou a nem chatear tanto assim o ruivo com o passar do tempo.

Por outro lado, Rukia ia para a casa de Ichigo no final dos dias alternados. Estudavam e ouviam os gritos e festas jubilosas que Isshin fazia questão de mostrar toda vez que ela aparecia de peruca loira. Teve que interpretar bastante, inclusive na voz. Mas não se importava, porque sua recompensa eram as caretas mais mal humoradas e cômicas de Ichigo. Teve que lidar com a irmã desconfiada do ruivo, mas logo acabou fazendo amizade com ela, tanto quanto com a loirinha dócil e curiosa. De alguma forma, sentia-se em casa ali. Eles eram uma família muito calorosa.

Nos sábados, como não havia mais missões, os dois acordavam cedo, se encontravam na biblioteca da universidade para estudar, depois almoçavam juntos e faziam algum programa. Ichigo mostrava a Rukia coisas pela cidade que ela ainda não conhecia. Rukia insistia para que fossem patinar ou a algum parque de diversões.

No domingo, alternavam novamente as casas. Como tinham que fazer parte da rotina um do outro, ou passavam o domingo na república vendo filme, ou na casa de Ichigo jogando videogame. Mas claro, não desgrudavam dos livros e dos planos que vinham fazendo com mais freqüência, sobre o futuro que sabiam que tinham em comum. Aquele que nunca tiveram medo de admitir que sabiam.

E então, finalmente chegou o último domingo de julho. Os corações estavam apertadíssimos. O céu não parava de mudar acima deles.

- Estou pronta. – Rukia disse assim que viu Ichigo na porta da república.

O ruivo olhou para ela com um sentimento estranho. Parecia saudade antecipada. Mas não era só isso. Era algo mais esmagador. Era algo que o estava impedindo de respirar direito.

Por que Celeste-sama não ordenou que ele fosse com ela para Kofu de qualquer maneira?

Continuou fitando-a. Ela também parecia sem ar. Poderia ser verdade?

O calor fez com que ela prendesse os cabelos graciosa e despojadamente ao mesmo tempo. Caíam algumas mechas de cada lado do seu rosto e aquela marcante no meio. Os olhos dela pareciam maiores do que nunca, transbordando tantos sentimentos naquele azul, que não foi capaz de identificar nenhum deles. A saia azul clara caía lindamente até metade de suas coxas bem torneadas. A blusa branca de mangas curtas caídas nos braços, estampada de mini bolinhas coloridas, parecia estar sufocando-a. Não porque estivesse tão apertada. Ela nem tinha seios grandes para parecer tão espremida ali. Mas alguma coisa naquele colo alvo... A respiração. O peito não parava de subir e descer com força.

Os pezinhos calçando sapatilhas brancas combinando com a blusa começaram a dar passos em frente. As mãos pequenas e finas seguravam as malas. E Ichigo desejou congelar aquela imagem ali, daquele jeito.

Ela era tão linda... Sabia que era impossível esquecê-la mesmo que esquecesse rostos com facilidade. Mas não queria que ela se fosse. Não queria passar um mês sem olhar aquele rosto perfeito, contrastante. Não queria passar tempo nenhum longe daqueles olhos azuis como o céu. Não queria ficar sem aquele riso sarcástico, aquela voz firme e o sorriso mais puro e iluminado do mundo. Era só um mês. Mas seu coração reportava-lhe que pareceria uma eternidade sem ela, por mais brega que parecesse.

- Vamos. – ele aproximou-se, contendo-se ao máximo. Pegou as malas das mãos dela desejando poder prolongar aquele toque. Não. Ele queria mesmo era abraçá-la forte e dizer que sentiria sua falta como nunca achou que fosse sentir.

- Obrigada. – ela agradeceu a gentileza dele, olhando com atenção para seu rosto. Os olhos castanhos pareciam mais claros. Podia ser a luz do sol. Não sabia... Mas pareciam além de mais claros, mais líquidos e doces. Melancolia. Mas ele era um emo mesmo! Não podia acreditar que estava triste por causa de uma despedida! Era só um mês pelo amor de Deus! Um mês!

Levou a mão ao peito quase que instintivamente. Por que de repente o coração começou a bater mais rápido e dolorosamente? Por que é que estava respirando como se tivesse uma nuvem em seu pulmão? E por que raios essa sensação estava aumentando agora que ele estava correspondendo seu olhar tão de perto?

Ela sabia. Claro que sabia.

- Rukia-chan... – Momo chorando em cima de um lencinho verde-água chamou-lhe a atenção. – Podemos ir à estação com você? – apontou para a prima do lado, que não conseguia nem falar.

Rukia riu deliciada com aquele sentimento doce.

- É claro. – olhou para Ichigo para uma confirmação. Afinal o carro era dele e ela já ia decidindo.

Mas ele fez que sim com a cabeça, como o esperado.

- Rukia-chan! Mande lembranças ao seu papai por mim! – Shunsui gritava todo eufórico jogando beijos no ar.

- Mandarei com certeza. – ela sorriu para ele agradecida.

Entraram então no carro do ruivo e Rukia inspirou com a maior força que conseguiu, para que o cheiro dele entrasse em seu corpo, em sua memória, e não saísse mais.

 

****

 

Estavam todos na estação. Até Mai apareceu com Ashido e Chiharu. Parecia até uma despedida definitiva.

- Eu vou voltar gente! – a baixinha brincou. – Não precisava vir todo mundo assim... Eu fico até sem jeito...

- Ah, Rukia... – Mai a olhava com amor. – Você sabe o quanto é importante pra gente. Quantas coisas em pouco tempo você fez por nós. Então qual o problema de nos sentirmos desamparados sem você?

- Isso! – Chiharu bateu uma mão fechada na outra aberta. – Desamparado. Era exatamente essa palavra que eu queria dizer.

Ela falou tão séria que todos riram.

- Bem... Está na minha hora. – Rukia olhou para o trem se aproximando. E depois voltou a olhar para seus amigos. De um por um. – Obrigada por tudo gente.

Rangiku apressou-se e deu um abraço nela. E logo foi seguida por todos os outros, formando um abraço coletivo apertado, sufocado e com gosto de agradecimento e nostalgia.

- Obrigada gente. Obrigada! – Rukia murmurava repetidas vezes enquanto, ainda grudados, todos lhe desejam boa viagem e lembranças aos seus pais e amigos.

Só uma peça ficou de fora daquela bagunça. Sim. Como esperado.

Já era hora de subir no trem, então todos se afastaram da capricorniana de olhos azuis.

E o olhar dela caiu para a peça destacada do quebra-cabeça. E seus lábios formaram um sorriso rápido.

- Tchau Ichigo. – ela foi andando e chegou bem perto dele. – Até logo.

Ele olhava-a como se estivesse fixado em seu rosto. Apertou as mãos para não agarrar o braço dela.

- Humm... Você vai levar o resumo para o Infernal-sama por mim, né? – disse na falta do que dizer, no silêncio perturbador daquele olhar.

- Claro. – ele respondeu. Seus olhos abaixaram-se e voltaram a erguer-se. Dessa vez não pareciam mais tão fixados. Estavam líquidos e doces de novo. E talvez mais ainda. – Rukia... – sua voz estava cheia de hesitação.

A jovem sabia que já devia ter entrado no trem.

- Sim? – encorajou-o com pressa e tranqüilidade ao mesmo tempo.

- Boa viagem. – disse debilmente e sorriu para sua própria idiotice. – E você sabe, não adianta tentar fugir. – mas quando deu por si, algo o havia encorajado. - O céu é grande, mas ainda é o mesmo.

Ela sorriu para aquela afirmação que a tinha atormentado por tantos dias e tantas noites.

- Seu emo carente. – insultou-o, mas ainda sorrindo.

Ele sorriu de volta.

E ela foi embora sem olhar pra trás.

 

****

 

[i] Resumo de Kurosaki Ichigo sobre a Missão de Férias

 

Bem... Essas foram as primeiras férias em semanas de provas que já tive. E confesso que não levei muita fé na missão. Eu achei que só íamos estudar e que não teríamos tempo para gostar, amar ou odiar alguma coisa pra escrever nesse relatório aqui. Mas eu estava enganado. Apesar de não ser tão bonzinho quanto seu codinome sugere, Celeste-sama, devo admitir que admiro sua sabedoria.

Tá, sem baboseiras. O negócio é que foi duro freqüentar a república com o maluco do Keigo me enchendo o saco e me fazendo perguntas do meu ‘namoro’ com a Rukia. Perguntas que até eu queria a resposta. Então fica meio difícil. Outra coisa ruim foi ter que dar de cara com a Mai todos os dias e não falar com ela. Me sentia mais sem educação do que já sou. Mas enfim... Sobre a Rukia... Não vou dizer que foi tudo um mar de rosas. Porque aquela baixinha é chata pra caramba. Irritante. Autoritária. Faz meus ouvidos doerem e ecoarem sua voz durante a noite de tanto que ela grita e fala alto. Fora quando ela faz minha cara ir no chão de vergonha. Não sei o que ela tem, mas ela sabe exatamente como irritar alguém. Como pegar no ponto fraco. Como fazer você ter vontade de esganá-la. E ela só fica rindo. O que é ainda mais irritante. Ela consegue o que quer sempre. Mas a culpa é minha... Porque eu não consigo ficar bravo com ela tão seriamente. E também não consigo não esquecer tudo quando olho nos olhos dela.

Conseguimos bons resultados nas provas. Os dela foram melhores, como esperado. Mas eu fiquei muito feliz por ela, de verdade. E por causa disso acabamos fazendo mais e mais planos pro futuro. O que eu gosto bastante, mas ao mesmo tempo me dá um medo, uma insegurança...

Nós assistimos filmes, jogamos vários jogos, no videogame e eu experimentei a sensação maravilhosa de derrotá-la em alguns deles, mas também tive que ser derrotado por ela e zoado pra caramba pelo meu pai... Vi minhas irmãs ficarem encantadas com ela, mesmo que ela estivesse loira e disfarçada. Ouvi meu pai gritar várias vezes para eu agarrar logo ela... E isso devo dizer que foi bem difícil. Eu não sabia nem pra onde olhar. Ele toda hora vinha me dizer que minha garota era muito linda e não merecia alguém como eu. Tinha vontade de espancar aquele barbudo do inferno, mas a verdade é que ele tem razão. A Rukia é muito chata, mas também é muito bonita. Muito mesmo. E é sempre que eu a olho. Talvez ela fique até mais bonita a cada dia, não sei.

Mas o que eu to falando? Que merda de única folha que você deu, Celeste ¬¬. E a regra de não poder apagar. Enfim. Nos nossos dias livres acabamos saindo como... Bem. Parecia até que já éramos namorados. Sei que não. Mas às vezes não tenho tanta certeza que não. Mas pelo menos era o que parecia. Aquela pentelha me apurrinhou para levá-la pra patinar de novo. Viciou. E ela está ficando cada vez melhor nisso. Gosto de ver o quanto ela é obstinada com tudo. Mesmo que isso me deixe louco de raiva às vezes. É porque ela parece tão perfeita que eu não sei o que fazer com minha personalidade desajustada.

Ah, perfeita nada! Ela parece uma velha às vezes. Dando broncas... Parece que já viveu todas as experiências do mundo. E ela sempre tem razão. Mas mesmo assim, tem vezes que ela parece uma criança. Fomos ao parque em um dos sábados. E ela insistiu para que fôssemos à roda gigante. Ela ficou tão feliz, que valeu à pena. Seus olhos brilhavam mais que o céu de verão, sem brincadeira. Mas bem... Ela me fez querer nunca mais ver uma roda gigante na vida! Porque toda hora ela queria ir. Toda hora. E se eu dissesse que não ia mais, ela ia na frente e falava que ia sozinha ¬¬. Parece até que nunca tinha andado em uma. Acabou que nós andamos umas seis vezes naquele treco em uma única noite. Ela é teimosa demais. Putz, a folha está acabando. E eu tenho que dizer que esses dias foram surpreendentemente maravilhosos. Eu aprendi com tudo isso que... Mesmo que eu sinta meu sangue ferver, vontade de arrancar os cabelos ou de sacudir aquela garota até passar a raiva, eu gosto até dos defeitos dela. É, isso aí. A velhice dela me ajuda a crescer. A voz dura dela no meu ouvido me acorda pra vida. A obstinação dela me inspira a ser uma pessoa melhor. As provocações dela me divertem como mais nada nesse mundo. E aquele risinho desgraçado é imprescindível. E a perfeição dela só consegue me encantar mesmo... Não tem jeito.

Resumindo o resumo, o que eu gostei mais nessa missão foi ver a Rukia em todas as suas faces. E as pessoas ao redor dela. A magia que é quando ela encanta os outros. Gostei de presenciar a beleza dela de recém-acordada, com o avental na cozinha, com uma roupa de passeio, com cara de tédio, cantarolando alguma música distraidamente, estressada com as provas a ponto de mastigar a ponta da caneta... Eu gostei de estar com ela nos momentos legais e nos irritantes. Eu gostei de ficar horas ao lado dela observando as estrelas. Mais do que tudo. Não há algo que eu realmente tenha odiado que não seja aquela ponta insistente de insegurança. Porque eu sou grato. Parece que finalmente... Finalmente, com todas as nossas brigas, discussões e deboches... Parece que agora estamos em sintonia e isso... Acabou a folha. [/i]

 

*****

 

[i] Resumo de Ukitake Rukia sobre a Missão de Férias

 

 

Escrever sem borracha, hein? Bela estratégia, Infernal-sama.

Começar pelos pontos positivos ou negativos? Eis a questão... Bom. Acho que eu posso confidenciar que me diverti mais com essa missão do que acreditei que fosse. Eu fiquei um pouco irritada e um pouco feliz quando recebi essa tarefa. Irritada porque era a semana de provas e eu queria paz pra me estressar e me concentrar sozinha. E eu fiquei feliz porque a minha viagem de férias se aproximava e eu... Eu acostumei a conviver com o Ichigo. Isso. É como se ele fizesse parte da minha rotina. E eu sei o quanto vou estranhar sem ele lá em Kofu. Ter que conviver com ele mais do que o normal foi melhor do que eu pensei. Eu tinha em mente aquela missão das correntes... E foi meio difícil a gente se acertar daquela vez. Eu tinha raiva de acordar e olhar pra cara dele. Eu tinha calafrios de escovar os dentes no mesmo banheiro que ele. Eu tinha horror a ter ele na minha cola o dia inteiro. Mas dessa vez foi muito diferente. Parecia que a gente discordava menos. Não. Errado. A gente continua discordando de tudo e brigando a cada cinco minutos por coisas totalmente sem necessidade e que na hora irritam imensamente. Mas agora é diferente. De alguma forma... Mesmo que a gente brigue, eu não tenho mais vontade de mandá-lo embora para não vê-lo nunca mais. É como se eu brigasse sabendo que nos próximos minutos ia estar tudo bem. É como se eu nem me importasse mais com isso. Pior: é como se eu gostasse disso.

Nós estudamos bastante para as provas da universidade e até que foi melhor em dupla. Um ajudava o outro e dava dicas para o outro. Um torcia pelo outro. E eu me senti estimulada porque estávamos sempre falando do nosso futuro como médicos. Visualizar aquilo enquanto conversávamos sempre me dava mais gás para ir em frente. E eu não posso reclamar do meu espaço. Eu tive meu espaço para me estressar, gritar com ele e me desesperar sem que ele ficasse irado comigo. Aconteceu o que não acontecia no começo. Eu comecei a ficar culpada de descontar algumas coisas nele. Tanto que... Não sei. Comecei a ser mais tolerante e paciente com ele também. Fala sério. O Ichigo é um mala! Ele se faz de durão o tempo todo com aquelas sobrancelhas espremendo os olhos, mas é a pessoa mais emo do mundo. Em tudo que ele faz dá pra sentir aquele tom de choro, de criancinha desprotegida que quer proteger ainda por cima. Isso é uma das coisas que sempre me irritou nas pessoas. A dependência. Dá vontade de bater, de sacudir, de jogar no chão e mandar levantar e andar sozinho. Mas de repente, não consigo mais achar tão insuportável o fato de o Ichigo ser assim. Não sei... Não que eu tenha começado a gostar de pessoas imaturas e dependentes, mas é como se agora eu o compreendesse. E aos poucos estivesse conseguindo ensiná-lo a ser mais forte. Me sinto muito em dívida com ele. Então alguma coisa no meu peito não me deixa repudiá-lo.

Estou pensando aqui em todas as coisas que fizemos juntos nesses últimos dias. A dedicação dele em me ajudar na cozinha. O modo como aqueles olhos são profundos, quentes e misteriosos. Ele comemorando como uma criança a vitória sobre mim num simples jogo de videogame que eu nem estava levando tão a sério. O jeito como o rosto dele fica vermelho toda vez que o pai o alfineta. O bico incomparável que ele faz quando eu o provoco. O modo como ele revira os olhos e resmunga, mas sempre me leva para fazer o que eu quero de coração. Tipo na roda gigante. Eu sabia que ele não agüentava mais. Mas mesmo assim, mesmo reclamando, quando ele estava lá ele sorria. O mesmo na pista de gelo e todas as vezes que ele me ajudou a levantar e dar o próximo passo. O modo como ele me contagiou com sua sensibilidade e sua fé. O modo como ele é tão simples, tão fácil e previsível. O modo como ele me fez acreditar em coisas que eu me recusava a enxergar. Mesmo com aquela cara azeda... Eu sei que tudo por trás daquela máscara é esperança e paciência. O tempo que ficamos observando as estrelas por horas esquecendo de qualquer diferença, entrando numa sintonia estranhamente mágica... Não dá para negar que todas essas coisas mexem comigo de tal forma a esquecer que ele é uma criança. Não. A quem eu quero enganar? Tudo isso mexeu comigo de tal forma a querer acolhê-lo exatamente desse jeito carente, imaturo, dependente e metido a durão. E ainda conseguir tirar dessa inocência infantil, muitas lições de vida. Enxergar nos olhos dele, uma visão totalmente diferente do mundo.

Não tenho mais do que reclamar. O que me incomodava no passado, continua me incomodando. Mas com a diferença que eu sei que com essas pequenas e grandes diferenças, nós conseguimos nos encaixar. Eu já sei o nome desse sentimento. Mas ainda tenho medo. Não mais por mim. Mas por uma certa criança frágil e facilmente magoável. [/i]

 

 

Continua...


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