Céu escrita por Liminne


Capítulo 29
Capítulo 29 – Mudanças em Plutão [fundo do poço]




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No ano anterior

- Eu não agüento mais. Estudar tanto não é pra mim. – Mai abaixou a cabeça em cima dos livros abertos.
- Mai, não desanime! – Chiharu tentou encorajá-la. – É só essa matéria. Você vai conseguir aumentar sua nota!
A loira, porém, não mudou nada em seu ânimo. Apenas virou a cabeça para a amiga e suspirou.
- E você? Como está indo? – perguntou.
- Bem. – ela sorriu. – Não sou uma das melhores da turma, mas certamente sou esforçada. E eu gosto. Mesmo que pareça tão sério e chato, fazer direito é emocionante! – seus olhos verdes brilhavam.
- É... – Mai deixou-se sorrir um pouco. – É bom ver a Chi crescer e fazer o que gosta. – riu. – Aquela menininha que dizia para todo mundo que quando crescesse ia fazer uma invenção para que ninguém mais precisasse trabalhar ou estudar.
- Ahh! – as bochechas da pisciana coraram. – Você ainda lembra disso... – fez uma careta. – Até as preguiçosas se animam quando fazem o que gostam. Eu sou a prova viva disso!
- É. Quando fazem o que gostam. – a escorpiana encarou os livros de novo e fechou os olhos bem apertados. – Mesmo que eu não seja preguiçosa... Minha cabeça vai explodir.
- Humm... – a outra ficou pensativa. – Ah, já sei! Por que não saímos hoje para espairecer um pouco?
- Sair? Tá maluca? Como diz meu pai, estudante de medicina não tem vida social. – apoiou o cotovelo na mesa e segurou a testa.
- Mas seu pai está em Londres... – Chiharu cantarolou. – E você está na casa da sua amiga... E hoje é sábado!
- Chi... – Mai choramingou.
- E um dos veteranos de Direito está dando uma festa numa boate. E eu fui convidada!
- Ahh! Você foi convidada! Eu nem faço Direito! – ela meneou a cabeça na desistência.
- Mas você é a Mai. E o Senhor Anfitrião está caidinho por você. – ela piscou.
- Sério? – Mai ficou boquiaberta. – E quem é?

- Maai! – Chiharu tomou uma postura ofendida. – Eu te falei dele na semana passada. Onde está sua cabeça? – franziu as sobrancelhas bem feitas. – Não vai dizer que tá pensando naquele ruivo esquisito, vai? – fez uma careta que denunciava a antipatia que tinha por ele.
- O Kurosaki? – corou imediatamente. Sorte sua ter olhos insondáveis. – N-não. Eu... – o coração começou a ficar fora de ritmo. O que estava fazendo? Mentindo para aquela que sempre tinha chamado de prima? Mas como ela ia reagir se soubesse que haviam marcado de sair depois da semana de provas? Bem... Ela não o conhecia... – Okay. Vamos para essa festa então. – num momento de desespero, acabou concordando com a primeira coisa que lhe veio à mente.
- Oba! – a morena de cabelos ondulados bateu palmas. – Eu já estava triste porque não ia!
- Você estava armando pra mim, é? – Mai diminuiu os olhos para ela.
- Que isso, Mai! – ela riu espalmando as mãos. – Vamos, vamos escolher uma roupa! – e saiu puxando sua amiga para o quarto.
Horas depois, a dupla estava pronta. Chiharu usava um vestido verde tomara-que-caia de bolinhas pretas. Combinava com sua sandália preta e o bracelete que usava. Os cabelos enormes e ondulados estavam soltos e esvoaçantes. Já Mai optou por um vestido cor de vinho, de alças, bem acinturado no estilo de um corpete, com fitas pretas e saia curta. A tiara preta fazia par com os scarpins novos de bicos redondos.
Quando chegaram à festa tiveram a sorte de encontrar o anfitrião na porta, recebendo convidados. Chiharu explicou rapidamente que tinha levado a amiga e perguntou ao jovem se ele não se importava, só por educação.
- Claro que não. – ele sorriu grandiosamente, descendo o olhar pela loira atraente de olhos tão negros quanto as fitas de sua roupa. – Mai-san é muito bem-vinda. Prazer sou Amano Shinichi. – fez uma pequena reverência para ela.
- O prazer é meu. – ela sorriu.

- Vamos, venha. – ele abraçou Mai pela cintura bem marcada e seus olhos pequenos e claros desceram pelo decote da jovem descaradamente. – Vou te apresentar o pessoal...
- Ahn... – Chiharu interveio e puxou o braço de Mai. – Desculpa Shinichi-kun... Mas eu e a Mai preferimos dar uma volta pelo recinto antes. Não é, Mai? – olhou desesperada para ela.
- É! – Mai arregalou os olhos. – A gente se encontra depois.
- Hum... – ele fez bico. – Certo. A gente se encontra depois por aí. – sorriu e acenou com dois dedos. – Divirtam-se! – e afastou-se.
- Você viu aquilo? Ele estava praticamente te agarrando! – Chiharu estava boquiaberta.
- Que horror! – Mai sentiu um calafrio. – Tenho medo de tipos como ele.
- Não esquenta não. – a pisciana balançou as mãos. – Tem muita gente por aí, dificilmente vamos esbarrar nele de novo... – fez uma pausa. – Mesmo ele sendo o dono da festa... – acrescentou baixinho. Mas quando olhou para a amiga viu que ela estava sorrindo e concordando. É. Era disso que ela precisava. De gente, de música, de dançar, de parar de pensar tanto. – Vamos dançar! – puxou-a e as duas foram para a pista de dança.

****

Já tinha bastante tempo que as duas estavam na festa. Estavam se divertindo muito. Conseguiram se distrair, não cansavam de dançar. E, claro, de ter tantos olhares voltados para elas. Mesmo que Mai não tivesse sido legitimamente convidada para a festa, estava fazendo muito sucesso. Como de costume.
- Mai-chan! – de repente, no meio de uma música bem animada, Chiharu cutucou a amiga com os olhos brilhantes. – Olha, é ele! – indicou-lhe o mais disfarçadamente que pôde, um cara alto de cabelos compridos e escuros. Mas estava quase pulando de excitação.
- Vai lá falar com ele, Chi! – Mai incentivou sorrindo para a alegria da amiga. Fazia meses que a pisciana só falava no tal cara.
- Eu não! – ela corou instantaneamente. – Eu tenho vergonha de chegar assim...
- Então parece que você tá com sorte... – apontou com o queixo. – Parece que o bonitão tá vindo na sua direção.

- Ai meu Deus! – arregalou os olhos verdes. – Ele tá vindo falar comigo! – arfou debilmente.
Mai riu.
- Tchauzinho! – acenou. – Vou dar uma voltinha por aí, parece que alguém está me chamando. – com uma piscadinha, abriu espaço entre a multidão para deixar a amiga mais à vontade.
- Mai! – Chiharu desesperou-se tentando acompanhar a amiga com os olhos. – Mai! – insistiu totalmente insegura, tentando impedir que a amiga a deixasse. - Droga, não me deixe sozinha... – murmurou para si mesma encolhendo os ombros.
- Oi Chiharu. – o homem de cabelos compridos, porém, já tinha se aproximado dela antes que a pobre pudesse se preparar. – Está perdida por aqui? – sorriu gentilmente. A moça tinha exatamente esse olhar de desnorteada. O que a fazia ser mais atraente a seus olhos. – Venha, vamos beber alguma coisa.
Enquanto isso, Mai observava a amiga se afastar de longe. Sorria feliz por ela. Esperava que tudo desse certo entre os dois. Se fosse por isso, não se importava de dançar sozinha. Bem... Não que fosse conseguir por muito tempo.
- Olha, te encontrei. – o dono da festa apareceu atrás da loira do nada.
De fato, tempo nenhum.
Ela virou-se surpresa.
- Shinichi-san! – sorriu num equilíbrio de simpatia e certa distância para ele. Seu olhar não era dos mais confiáveis.
- Está sozinha? – olhou ao redor. – Não seguiu a tradição de ir ao banheiro com a amiga?
- Não. – ela continuava sorrindo. – A Chiharu foi dar uma voltinha. – deu alguns passos atrás. – E, bem... Eu estou indo também. A gente se esbarra! – jogou um beijinho no ar e deu-lhe as costas. Mas o homem não ia desistir facilmente. Agarrou-lhe o braço sem muita força, mas o suficiente para que ela arregalasse os olhos negros para ele.
- Eu acho que eu disse... – agora ela estava bem séria e falando com os dentes trincados. – Que eu vou dar uma volta também. E eu não me lembro de ter te chamado. Então pode me soltar. – olhou-o friamente de cima a baixo.

- Que é isso, loirinha! – ele riu soltando-lhe o braço. – Não seja tão dura! Vamos relaxar, isso aqui é uma festa! – pegou em seu pulso, dessa vez menos agressivo. – Vamos beber alguma coisa juntos. – escorregou a mão perigosamente para a cintura dela, como na hora que foram apresentados.
- Eu não bebo. – ela tirou os dedos dele devagar de sua cintura. Caprichando na cara de desprezo. – E não te dei intimidade pra tocar em mim desse jeito.
- Uau! Você é difícil mesmo, hein? – ele passou a mão pelos cabelos. Embora sorrisse, era perceptível sua pontada de irritação. – Ou será que não se sentiu atraída por mim? – voltou a por as mãos deliberadamente no corpo dela. – Aposto que é porque ainda não experimentou... – aproximou o rosto do dela. Os olhos claros e pequenos eram medonhamente descarados. Segurou-lhe a cintura com uma mão e com a outra, aprisionou seu braço que se levantou instintivamente em autodefesa.
- Experimentar o quê? – fez uma careta e desviou o rosto, tentando livrar-se das mãos dele com o corpo. O que estava sendo bastante difícil. – Não quero experimentar nada, me largue!
- Pode fazer charme. – ele subia as mãos devagar. Era uma sensação arrepiante. De um jeito pavoroso, óbvio. – Eu não vou te soltar. – aproximou-se do pescoço dela.
- Me solta, estou falando sério! – ela gritou bastante brava e categórica. Ninguém que ouvisse aquele tom poderia continuar afirmando que seus ‘nãos’ eram parte de um joguinho de charme. Mesmo assim. Ele sabia e não desistia. – Me solta agora! – ela empurrou os ombros dele com a maior força que conseguiu juntar. E conseguiu afastá-lo de cima dela. Pelo menos por um minuto.
- Já chega! – ele irou-se. O sorriso sumiu. Era claramente um daqueles tipos que não aceitam perder de jeito nenhum. Agarrou bruscamente os braços dela e encostou-a a uma parede num canto. – Nenhuma patricinha vai me esnobar desse jeito! – colou seus lábios nos dela antes que ela pudesse se mover e aproximou seu corpo.
Mas Mai não deixou barato. Mordeu com força seu lábio inferior.

- Aaai! – ele afastou-se dela e levou a mão à mordida. – Sua... – dessa vez ela teve medo do que fosse lhe acontecer. O olhar de Shinichi era transparente o bastante para ver tudo que estava passando em sua cabeça. Aproximou-se furioso com fogo no rosto.
Para ela era um daqueles momentos de desespero onde não se sabe mais o que fazer e só resta fechar os olhos. Para abri-los quando tudo estivesse terminado. Ou, numa vaga esperança, como nos filmes, para ver seu salvador chegando.
- Solta ela agora! – a vaga esperança não decepcionou. Por isso não se pode perdê-la. Os olhos negros fitaram arregalados aquele homem que surgiu do nada. – Deixe-a em paz! – a voz era grave e firme. Condizia com os olhos azuis nublados e aquelas sobrancelhas castanhas avermelhadas apertadas em cima deles.
- Não se mete não, cara! – Shinichi fez um gesto para o homem alto de cabelos castanhos e franja. – Esse negócio é entre essa vadiazinha e eu.
Nem precisou se ofender pelo “vadiazinha”. O punho forte do salvador naquele nariz em pé, foi o bastante para compensar. Levou-o a cambalear e tudo!
- Seu... – o anfitrião bufava furioso. O sangue escorria para sua boca. – Seu filho da... – partiu para cima do homem, mas só conseguiu ser atingido de novo. Dessa vez no estômago. – Cof! Cof! – caiu de joelhos tossindo. Estava na cara o quanto era covarde. Só tinha cacife para atacar quem era obviamente mais frágil que ele. Como uma mulher, por exemplo.
- Filho da puta é você! – o homem de olhos frios puxou Mai suavemente pelo pulso. – Não tem moral nenhuma, nenhum valor! Não aprendeu a tratar as mulheres? Acha que ainda está no tempo das cavernas? Se ela disse não, é não! – desviou os olhos do atingido para Mai dessa vez. Afrouxou as sobrancelhas e abrandou a voz que soou mais doce impossível aos ouvidos da loirinha assustada. – Você está bem? – soltou seu pulso com educação. Olhava no fundo daqueles olhos negros.
- E-eu... – nunca tinha gaguejado antes. – E-estou sim. – disse ainda atordoada.

- Isso não vai ficar assim! – Shinichi praguejou ainda ajoelhado no chão e segurando o nariz sangrento. – Saiam da boate agora mesmo! Os dois!
Ashido ignorou os gritos do homem ao chão. Só tinha olhos para Mai naquele momento.
E como se fosse mesmo continuar naquela festa imunda!
- Vamos sair daqui. – pegou no braço dela de novo. Mas de um jeito tão protetor que era incapaz de pensar em rejeitar. – Isso não é ambiente pra você. Você tá precisando tomar um ar.
Mai estava muda. Como ele podia ser tão... Gentil?
Respirou fundo sentindo o coração relaxar depois daquela confusão horrorosa. O perfume dele entrou pelas suas narinas massageando seu corpo por dentro.
- V-vamos. – disse seguindo-o. Os passos dele ainda eram furiosos, mas sua mão continuava tão calorosa. – Obrigada... – olhou para o rosto dele reticente.
- Ashido. – ele amansou a expressão e permitiu-se mostrar um sorriso para ela. – Não tem de quê, Mai. – continuou indo em frente conduzindo-a.
E ela também sorriu depois do caos. Relaxada. Ele até sabia seu nome!
Algo a dizia que aquela noite ainda valeria à pena.

****

- Então você é amiga da Chiharu. – Ashido ia dizendo enquanto passeava lado a lado com a loira escorpiana.
A noite estava tão linda e agradável... A brisa refrescante e o céu com algumas estrelas brilhantes.
Mas quem se importa com o céu e suas estrelas? Certamente, naquele momento, não era o que nenhum dos dois estava parando para notar.
- Sim. – sorriu. – Viemos juntas, mas acho que ela está se divertindo por aí... Foi ela que falou sobre mim a você?
- Bem... Não. – ele confessou e pareceu ficar meio sem graça. O que Mai achou ainda mais encantador. – A gente conversou algumas vezes na biblioteca. Ela pediu ajuda pra mim uma vez, por causa de uma prova que ia ter...
- Então como sabia meu nome? – sorria para ele curiosa. Seus olhos opacos o fitavam ainda mais intensos. Talvez estivessem prestes a deixar transparecer o brilho.

- Eu te conheço de vista. – ele continuava daquele jeito meio tímido. Pareceria frio se ela não soubesse bem interpretar expressões. – As pessoas falam bastante de você. – olhou para ela tentando ficar o mais sério possível, mas não antipático. – Você é modelo, não é?
- É... – ela continuava sorrindo pequena e graciosamente. – Mais ou menos.
A brisa soprou com mais força. Estava esfriando.
Percebeu que Mai arrepiou-se e encolheu os ombros.
- Use isso. – ele disse a ela estendendo sua jaqueta.
- Não eu... Estou bem... – ela hesitou olhando no rosto dele.
- Sério, pegue! – ele insistiu. – Você está com o corpo muito exposto.
Ela acabou aceitando. Já estava começando a se incomodar mesmo com a brisa que esfriava.
- Obrigada Ashido... – sorriu serenamente para ele. Tão do fundo do coração, que os olhos brilharam de leve.
Ele retribuiu o sorriso. Como não fazê-lo? Ela era misteriosamente magnética. Aqueles olhos... Como queria poder decifrá-los! Mesmo que parecessem não ter mais volta, uma vez que mergulhasse neles.
- Não tem de quê. – enfiou uma mão no bolso da calça.
- E não é só pelo casaco. – ela continuou dizendo. Já era. Estava mergulhando naquele negro. – Obrigada por tudo. Por me defender sem nem me conhecer... Por comprar briga por mim... – fez uma pausa na fala e no andar. Aproximou-se sutilmente dele. – Obrigada por salvar minha noite.
Se ele já estava afogado naquele negro, ela também começava a penetrar naquele azul frio. Ele era tão lindo... Tão misterioso... Como não o tinha percebido antes?
- Ahn... – ela quebrou aquele silêncio de transe dos dois. – Acho que... Eu já tomei o ar necessário... Não quero mais te incomodar. Se quiser, pode voltar pra festa. Eu vou pra casa.
- Não há nada que eu queira menos do que voltar para aquela festa... – ele riu curtamente. – Eu prefiro ficar aqui com você... – olhou para ela. Não parecia ter rejeitado essa idéia. Mas mesmo assim, achou que talvez estivesse indo rápido demais. – Bem... Mas se quiser mesmo ir pra casa, eu posso te levar até lá.

- Humm... Já que é assim... – ela fez-se de pensativa. – Eu vou aceitar que me leve até a casa da Chiharu. – saiu andando na frente. – Mas só se estiver disposto a esperar ela chegar comigo. – olhou para trás com um sorrisinho malicioso e divertido. Continuou andando.
Ficou esperando ansiosamente que ele aparecesse do seu lado. E isso não demorou muito.
- Certo. – ele disse acompanhando-a. – Vou ficar responsável por você essa noite.
Assentiu para ele. Ficaram se olhando naquele clima leve de sorriso. A noite tinha apenas começado, mesmo que já passasse das onze.
Envoltos numa mística atração seguiram até a casa de Chiharu, onde Mai estava passando uns dias. Ela com a noite salva. E ele, não muito diferente disso...

****

- Mai! – Chiharu chegou
em casa. Ainda estava bem arrumada, mesmo que fosse fim de festa. Tinha uma ruguinha de preocupação na testa. – O que aconteceu? – de repente percebeu que, ao lado dela na varanda, estava Ashido. – Oh! Ashido! O que faz aqui?
Os dois entreolharam-se sorrindo.
- Ele ficou responsável por mim essa noite. Dei um bocado de trabalho pra ele. – a loira disse de um jeito tão bem humorado que era de se duvidar o que tinha acontecido horas antes na festa.
- Oh... – Chiharu parecia totalmente confusa, olhando de um para outro.
- Bem... – Ashido apoiou-se nos joelhos e levantou-se. – Acho que meu trabalho chegou ao fim. – sorriu para Mai.
- Como posso te pagar? – ela inclinou a cabeça para ele.
- Humm... – ficou pensativo. – Posso pensar melhor sobre isso?
Um raio de felicidade atravessou os olhos pequenos da escorpiana.
- É claro. – não conseguia tirar o sorriso alegre do rosto. – Então... A gente se vê por aí? – sim, era isso que aquilo queria dizer, não era?
- É. A gente se vê por aí. – ele acenou. – Até mais, Chiharu. Boa noite, Mai. – saiu andando devagar.
- Boa noite Ashido... – ela murmurou docemente.
Esperaram em silêncio que ele desaparecesse pela madrugada.

- Ai. Meu. Deus! – Chiharu pronunciou devagar e dramaticamente cada palavra enquando girava os calcanhares em direção a Mai. – O que foi isso??
O sorrisinho que Mai lançou para os próprios scarpins pretos era totalmente denunciador.
- Maaai! – ela gritou bem empolgada. – Vocês estão juntos?!
- Não! – ela respondeu com a sobrancelha apertada, mas o sorriso teimava em continuar tatuado nos lábios. – Nós só... Passamos a noite em companhia um para o outro. – levantou levemente os ombros. O perfume dele não sairia tão cedo de seu corpo.
- Mas por quê? Como? Não entendo! – a cabeça de Chiharu só faltava dar voltas, de tão perdida que estava.
- Aconteceu uma pequena confusão com o Sr. Anfitrião da festa. – ela disse fazendo o sorriso desaparecer por uns três segundos. Por míseros três segundos. – Ele tentou forçar a barra comigo, mas, como num filme, o Ashido apareceu e me livrou dele. – os olhos estavam gentilmente cintilantes. O que era tão raro. – E então passeamos... E nos conhecemos... E viemos pra cá esperar que você voltasse... Ele não me deixou sozinha. – suspirou.
- Mai... – agora a morena pisciana entendia tudo. – Foi amor à primeira vista!
- Não! – ela protestou. – Não foi não... Ele me disse que a vida dele está uma loucura, terminando a faculdade, não tem tempo pra isso! – o olhar tomou uma expressão sonhadora. - Mas em compensação disse que esse foi o melhor dia dos últimos tempos conturbados dele... – iluminava-se gradativamente. - E ele é de peixes igual a você, Chi! E ele gosta de ler e de poesia! E disse que gostaria de viajar para a Inglaterra...
- Ohh! – estava toda derretida, a amiga. Sentou-se ao lado de Mai na varanda. – E você disse a ele que você escreve?
- Não... – ficou mais séria. Mas continuava com os olhos cintilantes. – Mas contei a ele que sou inglesa. Ele fez muitas perguntas sobre a Inglaterra. Foi divertido relembrar. – voltou a sorrir devagar.

- E vocês meio que marcaram de se ver de novo, não é? – os olhos verdes de Chiharu faiscavam. – Ah, que coisa mais linda! Vocês dois pareciam tão bonitinhos juntos sentados aqui...
Mai riu de leve.
- Quer saber? Vou te confessar que não vejo a hora de vê-lo de novo. E de saber o que vou ter que pagar a ele.
- Ah, Mai! – as maçãs do rosto da pisciana estavam cor-de-rosa, assim como a visão da amiga. – Quero ajudar no que puder!
- Obrigada, Chi. – sorria. – Obrigada por ter me arrastado pra essa festa... – fez uma pausa para mais um suspiro. – Ah... Falando nisso... E o bonitão de cabelos compridos?
- Descobri que ele tem namorada... – aquele brilho altruísta desmanchou-se e foi-se junto com a brisa fria. – Mas tudo bem... – forçou um sorrisinho. – Eu supero.
- Que canalha! – Mai revoltou-se. – Sério, ele deu em cima da garota errada, ele vai se ferrar!
- Não Mai... Não faça nada! – ela suplicou com a voz e com os olhos. – Concentre-se no Ashido. Eu logo vou achar alguém que salve minha noite também. – voltou a sorrir com verdade. – Eu juro, eu estou bem.
- Hun... – continuou encarando-a desconfiada. – Olha lá, hein! Se você derramar uma lágrima, ele tá no inferno!
Ela riu. Adorava aquele jeito protetor dela.
- Vamos entrar! – falou enfim. – Está ficando muito frio...

****

A semana passou tão, mas tão rápido! Podia ser eleita a mais rápida do ano! Foram tantas provas, tanta correria... Mas mesmo assim, um sorriso e uma ou duas estrelinhas estavam sempre iluminando o rosto e os olhos de Mai. Isso porque, mais cedo do que ela esperava, viu seu salvador de novo. E de novo e de novo. A verdade é que acabaram se vendo durante toda a semana sorrateiramente. Não se sabia de quem estavam se escondendo, mas estavam. Provavelmente estavam se escondendo de si mesmos. Dando desculpas para aquele sentimento com gosto de sonho, tão repentino, que lutava contra tantos compromissos, com a dura realidade. Os encontros eram rápidos e os deixavam com mais vontade de se ver de novo.

Não cansavam de compartilhar idéias, interesses... Qualquer assunto banal do dia-a-dia acabava rendendo e fazia neles uma massagem que aliviava toda as tensões pelas quais estavam passando. E olha que não eram poucas. O nível de amizade e entrosamento dos dois cresceu impressionantemente em uma semana.
Mas na quinta-feira, algo marcante aconteceu. Estavam na biblioteca, ele terminando um trabalho e ela estudando para a prova que teria no dia seguinte.
- E então, Ashido... – ela sussurrou para ele sorrindo. Adorava aquele clima de silêncio que dava mais vontade de falar. – Eu não agüento mais aquela dívida pesando nos meus ombros... Como vou pagá-la? – piscava para ele com olhos vivos.
- Certo. – ele sussurrou de volta, também curtindo o clima. – Eu vou parar de te enrolar. – alguns estudantes olharam para eles meio irritados por cima de pilhas de livros. Ele então se inclinou um pouco sobre a mesa para que ela ouvisse seu sussurro mais baixo ainda. – Que horas acaba sua aula amanhã?
- Pouco antes do almoço. – ela respondeu com o coração fazendo mais barulho no peito que sua voz no ambiente.
- Ótimo. – ele sorriu. – Então almoce comigo.
Agora o barulho do seu coração invadiu também a biblioteca. Estava esperando que alguém o mandasse se calar.
- Eu... – ficou algum tempinho estática. Mesmo que estivesse esperando esse tipo de resposta dele, ouvir aquilo de sua própria boca foi como ver um pensamento se materializar. E foi a melhor sensação em tempos. – Claro. – sorriu de canto e soltou o ar num desânimo fingido. – Não tem jeito mesmo. Odeio ficar endividada.
Ele deixou que o sorriso se espalhasse no rosto e fizesse brilhar os olhos frios.
- É bom mesmo. – disse incapaz de fazer-se sério.
Ela riu bem baixinho. Ele também. E voltaram a olhar para suas tarefas, quase cegos.

****

A sexta-feira chegou. Foi o dia da semana que mais se arrastou. Pelo menos até a prova terminar. Sem querer saber de mais nada, Mai apressou-se em sair da sala e procurar Ashido.

- Mai! – ele sorriu quando a viu descer as escadas. Estava linda com uma tomara-que-caia preta e a saia rosa que combinava com sua jaqueta. Isso sem contar com o sorriso e os olhos quase brilhantes. – Está pronta?
- Estou. – ela sorriu e chegou até ele. Para sua surpresa, ele passou o braço pelos seus ombros. Naquele momento, quase deixou o coração sair pela boca. Sentia pequenas explosões de felicidade no peito. Só com aquele calor e aquele perfume tão de perto, já tinha deixado todas as preocupações e o cansaço da semana voar para um lugar bem longe dali.
- Como foi na prova? – ele perguntou gentilmente.
- Bem, acho. – mentiu. Mas estava mais ocupada tentando não deixar transparecer a palpitação do coração do que tentando não se preocupar com aquela nota. Era um forte poder que ele tinha para fazê-la estar tão leve mesmo naquela situação.
Foram caminhando até os portões conversando casualmente, como se andassem abraçados o tempo todo, passando pelas pessoas sem nem vê-las direito. Ia pensando se o coração dele também estava reagindo como o dela por trás daquele rosto pacífico...
- E então, onde vamos almoçar? – perguntou alegre para ele.
- Que bom que perguntou! – ele pareceu satisfeito e orgulhoso. – Eu fiz uma reserva no...
- Maaai! – ouviram um grito masculino bem escandaloso. Pararam na hora e viraram-se para trás.
Ashido levantou uma sobrancelha intrigado. Mai só deixou a boca abrir até que o queixo quase desabasse.
Não... Ichigo.
- Ei, cara! – o ruivo aproximou-se do casal com as sobrancelhas mais apertadas que te costume. – Solta ela agora!
- Ei, ei! Como assim? – Ashido estava mais perdido que peixe fora d’água. – Qual é o seu problema, garoto?
- Eu estou saindo com ela! – puxou Mai pelo braço. – Pode soltá-la!
A essa altura do campeonato, tamanho eram os berros, os curiosos vieram como formigas atrás de doce.
- Kurosaki, me solta! – Mai soltou seu braço bruscamente da mão do canceriano.

- É! Quem tem que soltá-la é você! Eu sou o namorado dela, ouviu? – olhou bem dentro do rosto dele, furioso. – Pode dando o fora daqui!
Mai chegou a por a mão no peito. Parecia que o coração queria por que queria forçar passagem para fora. Que confusão... Que confusão!
Mas ele tinha dito que era namorado dela... A estava defendendo de novo...
Não! A culpa daquela confusão era toda sua! Não era hora para pensamentos egoístas!
- Você não é o namorado dela! – o ruivo, porém, cometeu o erro de insistir e voltou a puxar o braço de Mai. – Ela está saindo comigo!
A platéia indesejada estava boquiaberta. Os burburinhos eram a trilha sonora do barraco.
- Kurosaki, pára! – ela soltou o braço com força de novo. E agora parecia irada também. Todos aqueles olhares voltados para ele... E a culpa fervendo sua cabeça... E um Ashido já começando a ficar desconfiado... Ia surtar! – O Ashido está certo, que droga! Eu estou saindo com ele!
Os comentários aumentaram. Assim como os olhos e a boca de Ichigo. Ficou arrasado. Claramente despedaçado.
- Ma-mas... – deu um passo atrás, meio cambaleante. Parecia que tinha levado uma pancada na cabeça e começava então a ver tudo girar. O que não era muito diferente do que estava sentindo, realmente. – Você... Nós... A gente tinha combinado há um tempão... Que íamos sair hoje...
A loira engoliu
em seco. Sentiu os olhares todos queimando sobre ela. Cerrou os punhos e obrigou-se a manter o queixo erguido e os olhos calmos. Ia dizer a verdade. Não tinha como escapar.
- Kurosaki, eu...
- Mai... – de repente a voz de Ashido irrompeu na duramente forçada tranqüilidade de Mai espatifando-a sem dó. – Você prometeu sair com esse cara hoje? – ele parecia com raiva. Sentia-se envergonhado e enganado. Era óbvio estar furioso numa situação constrangedora daquelas.
- N-não! – Mai desesperou-se. Ia dizer só a verdade, mas... O que as pessoas iam pensar a seu respeito? E a verdade mesmo, é que não ia sair com Ichigo. Não mais. Tudo que lhe interessava agora era Ashido.

Ele tinha sido a melhor coisa que lhe aconteceu desde que entrara na faculdade, mesmo que o conhecesse há tão pouco. Não queria perder aquela magia... Não queria deixar ir aquele sentimento tão único. – Não dê atenção a ele, Ashido! – de repente, sem explicações, foi tomada por uma raiva momentânea. Por que também aquele ruivo tinha que chegar fazendo escândalo daquele jeito? Por que tinha que ter atraído tantas pessoas? Por que estava tratando-a como se fosse propriedade dele? Estava arruinando tudo! – Ele é maluco! Não está falando sério!
Ashido continuava sério, irritado. Se não estivesse preso ao magnetismo dela... Se não tivesse ansiado tanto por esse fim de semana... Já tinha saído dali a muito tempo. Não sabia o que estava esperando para ir embora. Só não queria ter que acreditar...
- Do que está falando, Mai? – mas Ichigo, ainda com o rosto paralisado, continuava debilmente. – É claro que eu estou falando sério. Falamos sério quando combinamos!
Os fofoqueiros estavam se divertindo. Riam, apostavam e faziam comentários maldosos sem a mínima compaixão. O alvo principal, claro, era a loira inglesa.
- Pare com isso agora! – ela perdeu as estribeiras e gritou com o ruivo. – Ashido, me escuta! – ele já começava a forçar o desencanto e a sair dali. – Ele é só mais um daqueles doidos que acham que podem me obrigar a sair com ele! Ele está mentindo! Eu estou com você agora! Eu não sairia com ele! É só olhar pra mim pra ver isso!
Ashido parou. Olhou para o rosto dela. Aqueles olhos indecifráveis... Pareciam agora úmidos. E suas bochechas estavam avermelhadas. O desespero era bem marcado pela testa franzida e o jeito como fixava os olhos negros nos seus azuis, pedindo por socorro.
Não conseguiu resistir.
- É sério, Ashido! – continuava até que aquela frieza voltasse ao calor que ela já conhecia. – Você viu naquela festa! Tem gente que realmente não tem senso!
Mais um pouco de silêncio e suspense.

- Certo. – pegou no braço dela enfim. O calor voltava aos poucos. – Vamos embora daqui. – ele voltou. Em forma de sorrisinho. – Parece que os caras não te deixam em paz mesmo, hein? Vai ter que almoçar comigo mais vezes para me pagar. – disse bem baixinho, o que fez com que aquela tontura atordoante saísse do corpo dela.
- Eu não me importo... – disse no mesmo tom, segurando o braço dele também. – Mas vamos sair logo daqui!
Os dois então saíram sem olhar pra trás. E um ruivo canceriano que atendia pelo nome Ichigo, teve que acostumar a partir daquele momento, a atender também por lunático, esquisito, sem escrúpulos e derivados...

****

Batidas na porta.
- Pode entrar... – a voz de Mai arrastou-se preguiçosamente.
- Oi! – Chiharu entrou no quarto. Estava tão séria que Mai sentou-se na cama espantada.
- Chi... – olhou-a receosa. – Aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu! – a pisciana levantou o queixo e forçou-se a ser firme. – E eu já estou cansada.
Mai arregalou os olhos. Raríssimas vezes Chiharu tinha usado aquele tom. E se conheciam desde pequenas!
- Vamos, chega dessa fossa. É hora de fazer o que você devia ter feito há muito tempo, Mai! – disse orgulhosa de sua determinação.
Ia ajudar a amiga. Custasse o que custasse.

Continua...


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