Céu escrita por Liminne


Capítulo 30
Capítulo 30 – Mudanças em Plutão [regeneração]




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- Chiharu! – Mai tomou uma postura diferente da que a amiga esperava. Ficou brava, na defensiva. – Qual é o seu problema? Você não entende que eu perdi tudo?
- É claro que entendo! – seu esforço para continuar firme era tanto, que se sentia meio tonta. Sua vontade não era de estar ali gritando e obrigando a amiga a levantar. Sabia que suas recuperações demoravam para acontecer. E normalmente, só se juntaria a ela e ouviria suas lamentações até que a loira se cansasse. Mas Rukia tinha razão... Aquilo não ia levar Mai para frente. Ser amiga é também ir contra para o bem. E ela já tinha perdido tanto tempo...
- Se me entende, então me deixa em paz e pára de me olhar como se eu estivesse cometendo um crime! – gritou de volta e escondeu-se sob o lençol.
- Mai, saia daí! – foi até ela e não fez cerimônias em arrancar-lhe o lençol do corpo. – Até quando você vai ficar deitada aí? Perdeu a entrega de vários trabalhos na faculdade! – afrouxou um pouco a expressão. Mas não a determinação.
Os olhos escuros de Mai caíram devagar e melancólicos para o chão. Só naquele momento a morena pisciana percebeu: havia um novo caderno.
- Você... – abaixou-se até ele e pegou-o. – Andou escrevendo?
Mai não respondeu. Encolheu os ombros na sua falta de lençol.
Chiharu continuou folheando o caderno. Era bem grosso e já estava bastante escrito. Sorriu.
- O sofrimento te ajuda a escrever, não é? – olhou docemente para a amiga.
- É... – ainda tentou ficar séria, mas não conseguiu por muito. Acabou sorrindo também. – Estou com calos nos dedos. – mostrou as mãos. As unhas não estavam feitas, reparou.
Ela esquecia de tudo quando estava entre a caneta e o papel.
- Fico feliz que a Sarah tenha voltado... – disse referindo-se à personagem da estória de Mai. – Estava com saudades dela...
Mai ficou sorrindo para si mesma, bem fracamente.
De repente, Chiharu devolveu o caderno ao chão e sentou-se na cama ao lado da amiga. Pegou suas mãos descuidadas.

- Faça isso, Mai. – disse olhando bem no fundo daqueles olhos que pareciam infinitos. – Faça o que você gosta. – olhou para os dedos dela. – Eu prometo que não vou ficar chateada se não fizer as unhas por um tempo.
A escorpiana não pôde deixar de rir um pouquinho.
- E se eu não fizer nunca mais? – provocou.
- Humm... – fez-se de pensativa. – Talvez eu fique com nervoso, mas... Eu entendo. – balançou a cabeça tentando parecer convincente.
- Ahh... Quem me dera fosse tudo assim tão simples. – continuava sorrindo para a amiga. Mas estava longe de estar feliz. – Você sabe que meus pais não aceitariam. E nem ninguém. Nem você, Chi. Já se acostumou com a Mai dos outros.
- Não. Não diga isso! – apertou as sobrancelhas. – Estou te dizendo do fundo do coração. O que mais quero é ver você feliz. Não me importo como seja. Você sabe que eu sempre estive do seu lado. Não vou te deixar nunca, Mai.
Sentiu seus olhos pretos umedecerem. Apertou os lábios. Não queria chorar. Só iria parecer mais patética. Mas era tão difícil... E ela parecia não entender que queria se segurar!
- Não quero que tenha medo de ser o que é. Pode ser que muita gente não goste, mas... E daí? Eu vou gostar. E tenho certeza que outras pessoas também. Mesmo que você não seja mais a Miss Popular. Mas quem gostar de você do jeito que é... Vai gostar da verdadeira Mai. Isso não vale muito mais?
- E quem vai gostar de uma escritora meio louca, que passa dias escrevendo quando tem uma idéia que não quer perder, que tem preguiça até mesmo de escolher roupas que não sejam pijamas...
-... Que é fissurada em estudar a personalidade das pessoas, que é supersticiosa, ciumenta ao extremo e insegura, que prefere muitas vezes a companhia de livros do que de pessoas, que tem prazer em chorar, que às vezes quer desesperadamente chamar atenção e precisa de tempos para ficar sozinha? – Chiharu completou. – Eu conheço você, Mai. E eu gosto de você de qualquer jeito.

Mesmo que eu saiba que você é bem malvada e às vezes usa as pessoas mais fracas que você. – fez beicinho. – Eu sei de tudo.
- Ninguém é tolerante como você... – balançou a cabeça dura. – Eu não consigo conquistar as pessoas sendo eu mesma. Simplesmente não dá.
- E o Kurosaki, hein? – provocou. – Você o conquistou totalmente do seu jeito. Tudo bem que ele não é uma maravilha, mas... – acrescentou baixinho.
- Mas eu fiz o favor de estragar tudo.
- É sempre tempo de consertar. – segurou mais forte a mão dela. – Vamos, Mai! Eu quero ver o que a verdadeira você pode fazer. Você sabe que não vale à pena continuar colecionando mentiras. Não vale à pena viver querendo agradar as outras pessoas. Ninguém faz isso por você.
Chiharu seria uma boa advogada, pensava Mai olhando para a amiga. Seus argumentos eram muito bons. Mas seus motivos também eram.
- E meus pais... – suspirou. – Queimaram meus cadernos da última vez... – fez uma pequena pausa perdida em pensamentos. – Lembra quando estávamos na sétima série, e eu vinha lutando contra aquele nerdzinho para ganhar o primeiro lugar no concurso de redação?
- Lembro. – Chiharu disse. Queria entender onde ela queria chegar agora.
- Teve aquela semana que eu ganhei o concurso da garota mais bonita do ginásio... Como sempre. E meus pais fizeram a maior festa. Como sempre... – soltou o ar. – E na mesma semana, uns dias depois, eu finalmente fiquei com o primeiro lugar do concurso de redação. Pela primeira vez. – sorriu ao lembrar.
- Eu lembro! – dessa vez Chiharu se empolgou. – Lembro como a gente saiu correndo feito loucas pra sua casa, você dizendo que íamos comemorar até de noite...
- E lembra como foi o desfecho? – o sorriso não existia mais nos lábios de Mai.
Chiharu abaixou os olhos.
- Eu fiquei para dormir na sua casa...
- E acabou só me ouvindo chorar... Porque meus pais nem ligaram... – levantou os ombros triste. Eles sabiam que era o que eu mais queria desde que fiz minha primeira redação. Ou pelo menos eu achava que sabiam...

Ficaram um tempo em silêncio relembrando. Até que aquela história inspirou subitamente Chiharu.
- Mas você se lembra, não se lembra? – instigou. – Do momento em que viu seu nome em primeiro lugar e a professora lhe deu os parabéns. E de como você veio me encontrar gritando.
- Lembro, claro!
- E não foi uma das melhores sensações que já teve?
Sorriu de novo.
- Não tão boa quanto quando aquela menina pediu para ler minha redação... E se emocionou com ela...
- Então, Mai. É isso que você quer pra você. É esse o futuro que você deseja. Não desperdice seus talentos, amiga... Corra atrás dos seus sonhos. Viva por você. Por mais que todos te amem e queiram seu bem, ninguém vai poder fazer isso por você. Acredite no seu potencial. Tenha orgulho do que é. Não importa o que os outros pensem. Seja feliz!
A essa altura, os olhos da loira já estavam cheios. Mas numa força súbita, já tinha até esquecido da última vez que se sentira assim, levantou-se da cama e secou-as com força.
Encarou por alguns minutos o espelho. Olhou as mãos. Os calos. A mancha de caneta. Absorveu o vermelho das paredes. Finalmente voltou seus olhos para sua testemunha.
- Obrigada Chiharu. – disse com uma vitalidade incrível para quem estivera deitada na cama há dias. – E sinto muito... A verdadeira Mai não será mais exclusividade sua. – sorriu com brilho.
O que fez os olhos verdes de Chiharu tomarem as lágrimas que Mai havia jogado fora.
- É isso aí, amiga! – incentivou também sorrindo. – Eu acredito em você!

****

No dia seguinte, Rukia ficou apreensiva. Durante a aula não viu Mai. Tudo bem, normal. Mas na hora do almoço, apesar de ter visto Ashido e as outras colegas de Chiharu, não viu a própria.
E agora, na saída, perguntava para alguns conhecidos e ninguém sabia da pisciana. Droga. Estava preocupada demais com esse assunto...
- Rukia. – a voz de Ichigo apareceu atrás de si fazendo-a parar e girar pra ele. – O que está fazendo?

- Só estou... – ia dizer, mas preferiu deixar pra lá. Já tinha feito sua parte. Agora era só torcer para que as duas fizessem o que era melhor para elas. – Nada.
- Eu te conheço. Está preocupada. – ele disse plantando as mãos nos quadris.
- No máximo tem uns dois meses que você me conhece. – ela voltou a andar para a saída.
- É o suficiente pra saber. – ele não desistiu e continuava seguindo-a. – E você esquece que tem olhos gigantescos que gritam por você.
- Algum problema com meus olhos? – ela os diminuiu para ele.
- Não, nenhum. – ele colocou-se
em defensiva. Na verdade, se ela soubesse o que realmente pensava daqueles olhos...
Ela deu de ombros então e voltou a andar.
- Ahn... Vai fazer o que agora? – perguntou e arregalou os olhos
em seguida. Esse era seu objetivo inicial, mas estava tentando juntar coragem para dizer. E só porque quis mudar de assunto, saiu assim tão rápido... Era meio perigoso.
- Acho que... Nada. – parou de novo. É verdade. Não tinha motivos para apertar o passo daquele jeito. Não tinha mais emprego.
- Quer... Estudar comigo? – tentou não parecer tão tímido e levantou os livros que segurava diante do rosto dela.
Ela ponderou por um tempinho, olhando os livros. É... Estudar seria uma boa idéia. Estava precisando.
- Tá. – concordou enfim, com um sorrisinho agradável.
- Então vamos para a biblioteca... – foi andando na frente, feliz. Por ajudá-la e por estar perto dela.

****


- E então eu disse: “Não tenho culpa se você não tem peitos!”. Aí ela ficou me olhando de boca aberta e eu saí vitoriosa! – sorriu alegre.
Gin riu. Ela era uma figura mesmo.
- Não que eu tenha algo contra mulheres sem peitos. – explicou-se. – Quero dizer, eu tenho uma priminha despeitada, apesar de ter só treze anos, e tem a Rukia-chan que é superlinda... Mas gente invejosa é uma coisa irritante! – revirou os olhos.
- Como você é má, Rangiku! – ele provocou sorrindo. – Fica esfregando seus dotes na cara das pessoas... Isso deixa qualquer um deprimido.

- Humm... O que quer dizer com isso? – ela sorriu de canto, toda manhosa.
- Que eu tenho sorte em ser homem. E ser seu. – aproximou-se dela e beijou-a demoradamente, segurando em sua cintura. Foi o suficiente para que a loira peituda deixasse o balãozinho rosa em forma de coração voar para longe.
- Ahhh! – ela afastou-se do beijo com a reação de uma criança. – O balão foi embora! – esticou a mão para o céu
em vão.
- Isso
é castigo. – ele provocou-a.
- Hunn... – ela cruzou os braços bicuda.
Andaram um pouco mais e chegaram a uma floricultura.
- Não acha melhor uma flor? Você não vai deixá-la voar. – ele disse parando em frente à loja.
Os olhos azuis dela brilharam intensamente.
- Prometo não deixá-la voar! – sorriu feito boba.
- Hahaha! – ele riu e pegou algumas gérberas cor de rosa. - Na sua mão, não duvido nada. – pagou o homem baixinho parado na porta. – Aqui. – entregou-as para ela.
- Que lindas... – fitou as flores por um momento. Quase entrou
em transe. Pediu aos céus que parassem aquele momento... Não queria que acabasse. Era só o que desejava.
Mas... Infelizmente, a libriana não era tão boazinha para merecer aquele pedido...
O celular de Gin tocou.
- Alô. – atendeu prontamente.
- Gin. – aquela voz conhecida e profunda. – Esteja aqui em vinte minutos.
- ... – olhou para a namorada que ainda sorria para as flores. Percebeu o olhar dele e sorriu. Aquilo era forte demais... – Sim. – ouviu o barulho da ligação encerrada.
- Quem era? – ela quis saber, mas sem muita preocupação.
- Eu preciso ir. – disse. Deu-lhe um beijinho leve nos lábios. – Eu te ligo mais tarde.
- Gin... – o sorriso desapareceu como o balão, tão rapidamente. A expressão enrugou-se junto com o coração. – Mas já?
- Desculpe... – ele inclinou a cabeça. – Mas pode esperar que eu vou te ligar. – saiu andando. – Tchau! – acenou sorrindo.
- Tchau... – acenou fracamente e triste. De repente, aquelas flores nem pareciam tão vivas assim. Teve vontade de jogá-las no chão só de pirraça. Ou deixá-las voar, como era impossível.

Mas logo voltou a sorrir, quando a brisa agitou seu vestido amarelo. Estavam juntos. Era só esperar que estariam perto de novo... Era só esperar...

****
- Onde estava? – perguntou secamente assim que ele chegou. Tinha em mãos fotos grandes.
- Estava na rua. – respondeu sem dar detalhes. Ele não ia querer saber que estava com Rangiku, dando-lhe balões e flores... Talvez até quisesse saber sim. Mas não gostaria. – Oh! – tratou de mudar de assunto enquanto se aproximava. – São as fotos da menina? – perguntou sorrindo.
- É. – Gin chegou até ele e pôde ver o rosto da tal menina. – São as fotos fachadas. O caminho precisa ser bem preparado.
Levou um choque. Congelou. O coração parou por alguns segundos. Mais ou menos assim pode ser descrita a reação de Gin ao ver aquele rosto nas fotos. Aquela menina de cabelos castanhos e franja, pequena e sorrindo, usando aquele vestido de verão... A conhecia. Conhecia demais para seu gosto.
Não. Tinha de ser frio. Não podia deixar transparecer uma gota de seu suor. Por isso, sorriu o máximo que pôde, daquele jeito provocador de arrepios.
- Hinamori Momo. – o homem alto de cabelos castanhos, sem usar seus costumeiros óculos, foi dizendo ainda passando as fotos na mão. – Você sabe, não é? – olhou agora para ele, sem demonstrar um pingo de compaixão. Óbvio. – Ela é prima da Rangiku.
Até seu engolir em seco teve de esperar.
- Claro que sei. – continuou sorrindo como se nada houvesse.
Ainda ficou encarando-o por um tempo, como se pudesse assim saber o que estava pensando.
- Espero que esse detalhe seja totalmente ignorado. – disse com força e calma ao mesmo tempo e logo voltou a passar as fotos nas mãos.
Gin não respondeu. Apenas meneou a cabeça e continuou sorrindo, não tão verdadeiramente quanto a menina da foto.

****

Já estava tarde. Tinham passado horas estudando e nem perceberam. A cabeça começava a latejar e os olhos a pesar com o sono... Os sinais de que já tinham ficado tempo demais naquilo.

- Ah! – ele foi o primeiro a desistir, fechando o caderno e segurando a cabeça. – Chega. Estou exausto.
- É. – ela concordou, mas continuou a ler as últimas anotações. Não demorou muito para fechar o caderno também e se apoiar nele. – Uau. – olhou para Ichigo sorrindo. – Fazia tempo que eu não estudava assim. Estou me sentindo até bem.
Ele sorriu também e cruzou os braços em cima da mesa.
- É... Que bom. Acho que se fizermos uma rotina assim, iremos bem nas provas.
- Com certeza. Eu quero ser a primeira da classe de novo. Não aceito ser a segunda. Quero ser a primeira! – levantou o queixo decidida.
- E se eu for o primeiro? – ele provocou com um sorrisinho.
- Você não vai. – ela tinha segurança no que dizia. Tanto na fala quanto no olhar.
Ficou feliz por ela. Tinha recuperado aquela vontade capricorniana de estar no topo.
- Se cuida então. – mesmo assim ele ameaçou. – Porque eu não vou baixar minha guarda.
Ela ficou olhando para ele em tom de desafio, com um sorrisinho nos lábios. Se fosse um mês atrás, talvez estivesse com vontade de parti-lo em dois naquele momento... Mas agora... Não. Estranhamente, apesar de ser sentir impelida a vencer o desafio, ainda sentia um gostinho de parceria na situação.
- E então? Vai me deixar em casa?
Ele voltou a si e mexeu nas chaves do carro no bolso.
- É claro.

****
- Eles já devem estar chegando, Chi. – Mai disse. Estava na porta de casa com a amiga. Finalmente tinha trocado os pijamas por uma roupa decente. Usava uma blusa branca soltinha e sem alças e calça jeans. O cordão de escorpião era vermelho, assim como o bracelete de plástico. Para lhe dar forças.

- Tem certeza que não quer que eu fique com você? – a moreninha mordeu o lábio inferior preocupada. – Tem certeza que não está se precipitando?
- Tenho. – sorriu para dar-lhe confiança. – Eu preciso tirar esse peso de cima de mim... Você mesma me incentivou a fazer isso!
- Eu sei, mas... – ponderou. – Certo. Mas se tudo der errado, você sabe onde vou estar.

- É claro que eu sei. Eu sempre soube e nunca vou esquecer. – sorriu com ternura. Deus abençoasse aquela garota. Ela era de ouro em sua vida.
- Ahh, Mai! – Chiharu abraçou-a. – Boa sorte! – saiu da casa dela. – Me liga assim que terminar a conversa, hein?
Mai continuou sorrindo calmamente.
- Pode deixar.
Esperou a amiga sumir na noite e soltou um suspiro tão pesado quanto seu coração parecia. Estava tão disparado que lhe doía a cabeça. Mas não hesitou. Virou-se nos calcanhares e voltou para dentro de casa, onde ficou esperando impacientemente a volta dos pais.

****

- Pronto. – Ichigo parou o carro. – Chegamos.
- Obrigada. – ela sorriu e já ia se preparando para sair do carro, quando ele impediu-a.
- Rukia, espera.
Ela parou e ficou olhando para ele.
- Er... – sentiu o rosto esquentar. – Sobre a missão do Infernal-sama... – desviou os olhos. Droga! Como era fraco contra as encaradas dela!
- Ah! – ela lembrou-se de súbito. Era verdade... O que ele tinha mandado fazer mesmo? Sim! A comida e a surpresa! – O que é que tem?
- Bem... Precisamos marcar, né? – coçou a nuca sem graça. Gestos totalmente previsíveis.
- Acho que pode ser esse fim de semana. – ela disse. – Tudo bem para você?
- Tudo. – ele respondeu rapidamente, aliviado. Estava ficando mais fácil...
- Eu estou ansiosa! – ela deixou escapar um risinho ilustrativo. – Fico imaginando o que suas mãos mágicas vão fazer... E, claro, tentando não dar ouvidos ao meu pessimismo. – ficou séria enfaticamente.
- Idiota! – ele rosnou e fechou a cara. O que a fez voltar a sorrir, claro. – Pois pode mandar seu pessimismo passear. Porque você vai se surpreender. – olhou para ela como se estivesse quase alcançando uma vitória. – Eu quero ver é o que você vai fazer. Vamos ver se a capricorniana sabe surpreender alguém.
- Mas é claro que eu sei! – ela cruzou os braços ofendida. – Você está sendo preconceituoso, sabia?
- Talvez. – ele deu de ombros.
- Minha surpresa vai ser melhor que sua comida. – declarou.
- Só acredito vendo. – ele alfinetou.

- Ei! Essa é a minha fala de capricorniana!
- Quem está sendo preconceituoso agora?
Pela primeira vez ele tinha ganhado. A saída foi fazer uma careta e abrir a porta do carro.
- Até amanhã, Ichigo. – ela bateu a porta e olhou-o pela janela.
- Até.
Era como se... Fosse tudo tão normal...
Rukia entrou então no prédio e o carro do ruivo foi-se embora cheio de esperança e bons pressentimentos.

****

- Mai, você está me assustando. – a mulher loira, sentada agora no sofá, encarava a expressão determinada e forte da filha. E o cordão de escorpião que só usava nos momentos mais difíceis.
- Deixe que ela diga o que tem que dizer. – o pai disse paciente.
Mai respirou fundo e encarou os dois. Era a reprise de uma conversa que já haviam tido antes. Mas dessa vez não importava o rumo ou o final que tomasse. Ia até o fim de cabeça erguida.
- Papai, mamãe... – ela olhou de um para o outro seriamente. – Eu quero parar a faculdade de medicina. – Pronto. Bem objetiva. Mas ainda tinha mais por vir.
- Mai! – a mãe balançou a cabeça cansada. – Nós já não conversamos sobre isso?
- Não me diga que está com aquela história estúpida de ser artista de novo? – o pai interveio com a paciência da voz evaporando. Agora já parecia bem irritado.
- Sim. – mas ela não se encolheu. Pelo contrário, aumentou o tom de voz. – Eu quero ser artista sim. Quero ser escritora. – levantou levemente o queixo. – E estou determinada.
A mãe apenas balançava a cabeça segurando a testa. Seus incessantes suspiros falavam por ela.
O pai foi quem teve que dizer algo. Apoiou a mão na perna e inclinou-se para a filha, com as sobrancelhas espremendo a testa.
- Você sabe quanto custa seu futuro!? – gritou. – Você se lembra quanto tempo teve que se matar de estudar? E vai jogar isso tudo fora assim?!
- Eu não vou jogar nada fora! – gritou de volta. – Eu só vou começar a construir o que EU quero para a minha vida! O que EU sempre desejei e que vocês nunca se importaram!
- Acalmem-se! – a mulher loira pediu.

- Não venha com essa história de sempre desejou! – o homem ignorou a mulher e continuou despejando na filha a frustração. – Você não sabe o que quer, menina! Você só tem vinte anos, está cheia de sonhos e ilusões! Quando você perceber que jogou um futuro próspero que poucos têm o privilégio de ter por uma aventura, por um capricho, aí vai ser tarde demais!
- Que seja! – levantou-se. Sabia que não devia estar gritando, mas o calor era demais. – Eu não quero um futuro próspero! – lutava para os olhos não encherem. – Eu não sei nada sobre o futuro! Eu só quero ser feliz, pai! Fazer o que eu gosto! Será que dá pra entender?
- Mai, filha querida... – a mãe interveio. – Escute o que seu pai está dizendo... Você está mergulhando num mundo muito incerto, minha filha... Você sabe o que aconteceu comigo. É quase a mesma coisa. – tentava ser dócil. Estava vendo como os dois estavam nervosos.
- Pode até ser, mãe... – seu coração batia dolorosamente. – Mas eu estou cansada de ser aquilo que eu não sou. Estou cansada de me forçar a sorrir e a estudar um monte de coisas que não me interessam. Eu não quero mais mentiras! – começou a sentir a familiar pinicação nos cílios. - Eu não sei do amanhã, talvez vocês estejam certos... Mas uma coisa eu sei: se eu continuar como estou, minha vida será toda uma mentira. E eu quero pelo menos a certeza da verdade! – cerrava os punhos.
A mulher loira olhou para o homem. Estava com pena da filha. No fundo, a entendia. Mas também entendia o ponto de vista do marido. E sabia que Mai teria que escolher entre ser feliz e a certeza de um futuro estável. As pessoas tendem a escolher o caminho da felicidade. Mas os pais... Os pais só querem imaginar o melhor futuro para os filhos. E isso os faz ignorar que, apesar de esses filhos serem parte deles, possuem seus próprios sentimentos e têm de trilhar os próprios caminhos.

- Se eu queimar todos os seus cadernos você vai voltar com eles para me atormentar. – o homem disse enfim quebrando o silêncio que as palavras de Mai causaram. – E eu não quero mais ver isso. – não a encarava.
- Papai... – dava tudo de si para impedir que as lágrimas escorressem. – Você não confia que eu posso conseguir ter sucesso na vida com a minha escolha?
- Eu só acho que é loucura, Mai... – agora estava mais seco do que bravo. – Jogar fora tudo que fizemos pelo seu futuro. Eu não aceito isso!
Olhou para os pés. Não queria mais levantar o olhar. Não queria mais encará-los. Era isso que era então. Uma decepção...
Nasceu bonita e inteligente numa família rica. Quantas pessoas não considerariam isso sorte?
Mas ser bonita, inteligente e rica sem poder ser você mesma... Será que vale à pena?
- Eu vou embora. – disse enfim, passando a mão nos olhos.
- O quê?! – a mãe deu um grito assustado.
- É isso mesmo! – tomou coragem e olhou no rosto da mãe. – Eu vou embora. Eu esperava que vocês me mandassem. E tinha esperança que não o fizessem. Mas agora quem quer ir sou eu. – ignorando o que a mãe gritava indignada, foi andando até o pai. Olhou-o nos olhos pretos. Eram iguais aos seus. Sentiu o coração diminuir até quase nada. E o choro se alojando na garganta, pronto para explodir. Mas não desistiu. – Muito obrigada papai. Obrigada por tudo. – beijou-o no rosto. – Sem ressentimentos, eu vou provar para você que eu posso seguir meu caminho, ser feliz e construir meu futuro.
O homem continuou mudo e pensativo. Não acreditava muito que sua criança ia mesmo fazer aquilo.
- Mai! Não faça isso, filha! Por favor! – a mãe chorava.
- Fique tranqüila, mamãe. Eu serei forte. – beijou a mãe também e sumiu dentro de casa.
Voltou com suas malas, que já estavam prontas, esperando o pior. Olhou-os novamente e ouviu mais um pouco o choro da mãe. Saiu pela porta da frente sem olhar para trás, pingando lágrimas.

****

Saiu do banho e sentiu o cheiro do jantar que a irmã estava fazendo.

Comida... Aquilo só conseguia lembrar-lhe de uma coisa: a missão do Celeste-sama, claro.
Como é que ia se arranjar? Tinha dito que não ia decepcionar Rukia, mas não tinha muita certeza disso na verdade...
- Ahn... Yuzu... – entrou na cozinha. Foi rápido. Quando deu por si, já estava lá dentro e as palavras já pulavam. – Será que... Você poderia me fazer um favor?
- Que favor, onii-chan? – a menina não tirava os olhos da comida.
- Será que... – corou e coçou a bochecha. – Será que poderia me ajudar a escolher um prato especial e... E a prepará-lo para o fim de semana?
A loirinha parou tudo. Os olhos cresceram. Do que ele estava falando?!
- Onii-chan... – encarou-o. – Você tem uma namorada?
Ficou quase roxo. Começou a tremer e a língua a travar.
- N-não! Não é isso! – agitava as mãos loucamente. – É só... Uma reunião da faculdade! – inventou na hora.
- Hun... – ela espiou-o mais de perto. – Sei não, hein...
Ele desviou os olhos suando.
- Vai me ajudar ou não?
Ela suspirou. Olhou para a expressão do irmão e resolveu dar uma mãozinha. Para a namorada ou não, ele parecia estar precisando mesmo daquilo.
- Claro! – sorriu docemente. – Vamos treinar essa semana.
Ia ser boazinha. Depois daria um jeito de descobrir tudo.

****

Desde que a menina voltou da escola, estavam juntos. Passaram o fim de tarde e a noite ouvindo o CD que ele lhe dera, ela não enjoava. Conversaram muito e passaram um tempo que tinha uma eternidade que não passavam juntos. Apesar das eventuais briguinhas e discussões, eles se davam bem. O jeito alegre e comunicativo de Momo acabava quebrando aquela frieza dele. E bem... Os sentimentos dele por ela acabavam deixando-o mais vulnerável.
- Ah! Olha a hora! – de repente ela se deu conta. – A Rukia-chan deve estar fazendo o jantar! – levantou-se do tapete onde estava deitada de bruços com ele.
- É... Já está tarde... – ele conferiu. Mas o que não daria para que ela ficasse mais...

- Ahh, mas eu não quero ir embora... – choramingou. – Vem jantar comigo! – agarrou o braço dele quando ele levantou. – Veeem!
Ele corou e emburrou.
- N-não... O Keigo foi comprar comida na rua...
- Não acredito que você vai negar a comidinha caseira da Rukia-chan... Ela cozinha tão beeeem! – provocou rindo e sacudindo seu braço.
- Eu não quero dar trabalho!
- E não vai! Por favor, Shiro... Hitsugaya-kun! Você vai ficar doente de tanto comer porcaria!
- Tá bom, tá bom! Pára de choramingar! – ele cedeu. – Vamos lá!
- Eba! – ela ficou contente.
Os dois foram andando até a porta do outro lado do corredor e entraram.
- Rukia-chan! Temos visita! – Momo foi dizendo ao entrar.
- Com licença... – Hitsugaya entrou meio tímido.
- Que bom! – Rukia sorriu. – Rangiku está terminando de pôr a mesa. É bom que venha comer aqui de vez
em quando.
- Viu
? – Momo sorriu para ele.
- Mais um pratooo! – Matsumoto cantarolou alegre.
Quando arrumaram tudo e sentaram-se para comer, a campainha tocou.
- Ahh, que saco! – Rukia reclamou. – Quem será a essa hora? – levantou-se meio mal humorada e foi até a porta.
Assim que abriu-a, arregalou os olhos. Não podia acreditar.
- M-Mai? – estava chocada, as poucas letras saíram duramente.
Parada ali na porta, a loira modelo equilibrada nos seus saltos altos, segurava duas malas e tinha o rosto levemente avermelhado, mas um sorrisinho humilde nos lábios.
- Olá! – inclinou a cabeça. – Será que... Tem espaço para mais uma?

Continua...


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