Céu escrita por Liminne


Capítulo 13
Capítulo 13 – Desconquistas




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Quarta-feira. Mais um dia comum. Mais um dia que estudaria, pensaria em mil coisas que não devia, voltaria para casa, remexeria nas cartas em busca de mais um envelope estrelado, aturaria Keigo no seu pé, iria para o trabalho e voltaria para dormir. Ia pensando bagunçando os cabelos, ainda meio sonolento, escadas acima. Andou depressa pelo corredor, sentiu os olhares de sempre, a frieza de todos os dias e chegou até a sala. Havia apenas três alunos. Uma dupla que conferia alguma coisa em seus cadernos lá no fundo e a loira na frente. Seria normal se... Se ela não estivesse daquele jeito.
Observou que, mesmo cheia de maquiagem, tinha os olhos inchados. O caderno de poesias e romances não estava aberto em cima da mesa. Ela estava debruçada por cima da bolsa, fitando algum ponto invisível. Os olhos opacos eram quase impossíveis de decifrar. Mas dessa vez podia ver um brilhinho minúsculo neles... E esse brilho não era de alguma coisa boa. Muito pelo contrário.
Ficou ali parado. Sentiu ímpetos de perguntar-lhe o que aconteceu. Mas por que estava se preocupando com alguém como ela afinal? Se alguma coisa tinha acontecido, ela certamente tinha feito por merecer.
Ignorou o coração mole e foi andando até o canto da sala. Sentou-se lá e tentou distrair-se com qualquer outro pensamento.
Viu quando a garota de cabelos cor-de-rosa chegou. Talvez ela pudesse consolá-la...
- Mai-chan! – ela gritou com sua vozinha fina. – Olha meu cabelo! Mudei minha franjinha!
Mai mudou lentamente a cabeça de direção e olhou para a amiga.
- Ficou bonita. – e voltou para o ponto invisível.
- Mai-chan? – Fuu se assustou. – Meu Deus, você está com os olhos inchados! Quer que eu chame o Ashido?
- NÃO! – berrou. Mas logo em seguida arrependeu-se. – Não Fuu, está tudo bem, não se preocupe... Depois... Depois nós conversamos.
Mais alguém entrou na sala. E era ela. A baixinha de cabelos negros e olhos enormes azuis. Estava feliz, dava para perceber. E não estava atrasada dessa vez...

Não sorria feito boba, mas os olhos estavam mais brilhantes e o semblante mais leve. Tinha os cabelos presos e usava uma saia cor de uva estampada de coelhinhos brancos. Tinha cara de ser uma de suas peças favoritas.
Imediatamente, a escorpiana endireitou-se na cadeira e mexeu os cabelos, tentando parecer alegre e luminosa.
- Bom dia. – sorriu para as garotas e sentou-se ao lado delas como de costume. Não sem antes captar Ichigo perto da parede e menear a cabeça.
- Bom dia! – Fuu cumprimentou. – Olha Rukia-chan, minha franjinha nova!
- Nossa Fuu, ficou muito bem em você. – sorriu. - Bom dia Mai.
- Bom dia, Rukia-chan. – sorriu também. – Adorei sua saia. Combina muito com você.
Fuu estranhou um bocado a mudança.
- Obrigada. – a baixinha agradeceu.
E ficou agüentando um tempo infernal com o rosto levantado e os olhos lutando para se manterem vivos.

****

- Obrigada, Hitsugaya-kun, por vir comigo hoje... – Momo agradecia em voz e cabeça baixas, segurando firme a pasta e mirando os sapatinhos de estudante ginasial.
- Não tem problema. – respondeu com a cara fechada de sempre. – Não é bom que perca aulas.
Estava mais frio que o normal, percebeu. E era sua culpa.
Olhou para o céu azul nublado. O sol estava encoberto. Mas sabia que ele estava ali. Como aquela chance que estava tendo de consertar a besteira que fez por seu egoísmo.
Tinha ficado para trás na hora de ir para a aula de manhã. Por sorte a primeira aula de Hitsugaya era mais tarde e não iria sozinha.
- Hm... Sabe... – ela começou pulando os olhos para o chão novamente. – Eu queria me desculpar por aquele dia que gritei com você...
Os olhos de gelo observaram a garota de canto.
- Acho que... Só porque estou apaixonada não devia jogar minhas frustrações em cima de você, não é? Eu não estava chateada com você afinal...
Ele não disse nada, continuou andando. A calçada estava repleta de estudantes e vez ou outra algum deles esbarrava no pequeno gênio. E aquilo o estava irritando.

- Hinamori. – ele disse baixinho. – Não me importa que fique com raiva de mim. – não a encarava, mas sentia os olhos dela nele. – Eu apoio o que a Rukia disse. É perigoso que se envolva assim com um professor...
- Mas antes de ser um professor ele é um homem como outro qualquer! – agora a voz dela elevara-se, aquele tom gentil e desculposo evaporara.
- Um homem de trinta e cinco anos! – a voz do garoto também saiu com mais força. – Por que não esquece isso? É bobagem! É infantilidade!
- Há! – agora estava empertigada. – Você acha infantilidade. Tudo você acha infantilidade! Você é mais novo que eu e só porque já está na faculdade já se acha um adulto! – estava irritada de novo, agora parara no meio da calçada.
- Eu não me acho um adulto! Só não sou uma criança estúpida! E sei que você está se arriscando! – gritou de volta.
Ela o encarava furiosa, com as sobrancelhas apertadas. E a expressão dele de volta não era tão diferente.
- Por que é que ninguém nunca leva a sério o meu sentimento? – de repente ela abrandou o rosto e a voz saiu até um pouco tremida.
- Hi-Hinamori! – ele espantou-se com a mudança.
- Estou cansada disso! – desabafou com os olhos pinicando. – Eu não o amo por ser um professor, por ser mais velho ou porque sou uma boba infantil. Eu o admiro, me sinto bem perto dele como não me sinto com mais ninguém, será que alguém poderia acreditar nisso?
Não tinha como rebater. Ela estava com lágrimas nos olhos.
- Vamos logo, Hinamori. – ele voltou a andar e ao seu tom sério. – Você já está bastante atrasada.
Ela seguiu-o enxugando as lágrimas. Então era isso. Não adiantava falar com ninguém. Ninguém a entenderia. Ninguém levaria a sério. E se levassem a sério a proibiriam.
Aprendeu naquele minuto, quando o sol saiu detrás da nuvem, que tinha certas coisas que deveriam ser feitas sem que precisasse compartilhar com ninguém. Coisas que somente quem sente pode entender.

****

Na hora do intervalo, Rukia foi acompanhando Mai e Fuu como de costume.

Desciam as escadas, a loira e a cor-de-rosa na frente e a menorzinha atrás. Finalmente chegaram ao andar debaixo e a dupla seguiu para a direita. Rukia ia atrás delas, mas antes algo a deteve. Ashido. Ele desceu apressado os degraus e, ao chegar perto delas, lançou um olhar estranho para Mai e seguiu para a esquerda sem nem mesmo cumprimentá-la. Não entendeu. Teriam brigado de novo? Será que tinha feito alguma coisa de novo?
Foi guardando essas perguntas na cabeça até sentarem-se para almoçar. Chiharu apareceu alguns minutos depois e a pequena viu Ashido novamente, algumas mesas adiante, cheio de livros. Mas o olhar não parecia tão concentrado. Estaria só ocupado?
Até que Fuu também reparou no pisciano.
- Ashido! – ela acenou alegre. – Não vem almoçar com a gente?
Ele arregalou os olhos confuso. E um tapa estalou no braço de Fuu, vindo da mão de Mai para abaixá-lo.
- Não chame o Ashido. – ela sussurrou.
Chiharu parou a comida no meio do caminho.
- Por quê? Vocês brigaram? – a jovem fez um muxoxo.
- Na verdade... – com os olhares em si e o coração quase a despedaçando por dentro, conseguiu dizer firmemente. – Nós terminamos. – não olhou para nenhuma delas, apenas empinou o queixo e continuou o almoço.
- O quêêêê?! – Fuu berrou espantadíssima, o queixo quase no prato.
Chiharu largou a comida e ficou muda, atônita.
E Rukia estática. Não acreditava no que estava ouvindo.
- O que foi? – Mai olhou agora para as três com a máscara forte. – Não precisa ficar assim. – forçou um risinho leve. – Eu estou bem. Fui eu quem terminou tudo.
- Mas... Por quê? – os olhos de Fuu estavam perdidos.
Chiharu não perguntaria nem diria nada. Sabia que tudo ali era uma grande mentira.
E Rukia não tinha coragem de perguntar... Só ouvia apreensiva. E se a culpa fosse sua? Não... Não queria ter sido responsável por isso!
- A gente não dava certo, só isso... – bebeu um gole de suco. – Já que ele não podia me dar o que eu queria, eu não precisava dele. Posso conseguir algo muito melhor. – sorriu.

- Mas Mai... Você o amava muito, não amava? Como acaba assim? – era a única que continuava perguntando e perguntando.
- Eu o amava... – suspirou. – Mas não queria continuar como estávamos... Não dava para continuar... Então acredito que iremos encontrar caminhos melhores para nós.
Rukia olhou para Ashido. Ele segurava a cabeça com força, parecia forçar-se a se concentrar nos livros. Viu quando soltou o ar e esfregou os olhos.
Lembrou-se subitamente de Ichigo... Será que tinha acontecido a mesma coisa?
Será que Mai era exigente demais e fria para terminar o que não lhe agradava? Será que era uma de suas características, deixar os homens tão arrasados?
Olhou novamente para ela. Parecia bem. Encerrou o assunto e começou a falar sobre a adaptação de um livro para o cinema. Um filme que queria ver.
Olhou para Ashido. Juntava os livros com a cara mais arrasada que se pudesse imaginar. Parecia estar desistindo de estudar.
Sentiu medo de Mai. Há poucos dias ela estava chorando implorando atenção... Ontem mesmo andava agarrada ao braço de Ashido.
E agora... Sorria depois de dizer que ele não correspondera suas expectativas e por isso haviam terminado. Havia se revoltado tanto contra a atitude dele? Ou era apenas orgulhosa demais para demonstrar que estava destruída por dentro? Assim mesmo, tinha sido orgulhosa demais para terminar mesmo que o amasse. Certamente ela ainda o amava. Então certamente era orgulhosa demais.
Tentou não lembrar-se de alguém que detestava lembrar...
Comeu em silêncio, ouvindo a conversa das garotas.

****

Terminadas as aulas do dia, a pequena capricorniana foi seguindo para o portão. Mas quando viu os cabelos castanho-avermelhados, alguma força misteriosa a empurrou até ele.
- Olá, Ashido. – cumprimentou andando ao lado dele.

- Ah. Olá, Rukia. – cumprimentou de volta, como puxado de um transe. De perto dava para ver que seus olhos tinham manchas escuras por baixo. – Hm... Está precisando de informações para o primeiro dia de trabalho? Quer uma carona ou algo assim? – ofereceu sempre gentil.
- Ah não! – ela balançou as mãos. – Não se preocupe comigo, estou bem. – meneou a cabeça. – Eu só... Hm... Vi que esteve estudando durante o almoço e... – olhou para o rosto dele. Não estava nem um pouco bem. Não sabia por que estava se metendo, mas queria ajudar... Ele já a tinha ajudado tantas vezes... – Ashido. – parou de enrolar e firmou a voz. – Você está bem?
Ele parou de andar. Olhou para ela como se fosse a primeira vez naquele dia. Viu o brilho naqueles enormes olhos azuis debaixo de sobrancelhas curvadas. Ela estava preocupada. Seu rosto devia estar mesmo péssimo.
- Eu... Não. – admitiu desviando o olhar, enfiando as mãos nos bolsos das calças. – Me desculpe. Não se preocupe comigo.
- Ashido... – ela insistiu. – Você me ajudou a me situar aqui. E o emprego e tudo o mais... Devo isso a você... Não posso deixar em branco que você esteja tão mal.
Ele não disse nada. Ficou olhando para o chão.
- Ashido. Não deixe o que te machuca interferir nos seus planos, no seu objetivo. Só de te conhecer superficialmente sei que quer mais que tudo se formar nessa faculdade. E tem um grande objetivo para isso. E põe seu sangue, suor e alma em cada livro que lê. E sacrifica tanto por isso... Então não desanime, por favor. Não importa o que tenha acontecido. Não desanime do que você mais quer na vida. Olhe para frente e veja o destino brilhando. É lá que você quer chegar. Então se cuide e não se deixe desanimar. Vá
em frente. Assim como estou fazendo!
Olhou para ela. Sentiu pontadas no peito. Ela estava certa.
Aquela determinação contagiante... Fora atingido por ela desde que a conhecera perdida no corredor. E agora ela estava queimando de novo... Era isso. Não deixaria aquela chama apagar. Buscou força naquele azul.

- Eu não sei o que aconteceu entre você e a Mai... – a voz suavizou mais, um tom cauteloso. – Eu sei que se amavam muito, talvez ainda se amem... Se errou, não tenha medo de pedir desculpas e consertar seu erro. Eu quero muito que sejam felizes... Mas não deixe que o orgulho de outra pessoa te pare ou te faça mal.– sorriu confortante.
- Obrigado Rukia... – ele disse baixinho, os cantinhos dos lábios se repuxando pequenamente. – Muito obrigado por essa luz. Tenha ela sempre com você. – os olhos frios e especialmente opacos, estavam voltando a brilhar devagar.
- Pode contar comigo quando precisar. – assentiu. – Quero ver você melhor amanhã. – acenou e saiu andando.
- Eu vou estar... – cerrou os punhos. – Eu vou estar...

****

Saiu do elevador e foi andando pelo corredor mal iluminado da república. Estava pensando. Pensando no passado, no amor... O que aquele sentimento tinha de tão belo? Por que era tão enfeitado e bendito pelas pessoas?
Ele estava sempre ali atrapalhando. Sempre interrompendo grandes planos, grandes objetivos... Deixando as pessoas com a cabeça longe... Fazendo com que perdessem momentos importantes, por causa do sofrimento que cegava, entorpecia, arrancava sempre todos os sentidos.
Fora assim com ela. Estava sendo assim com Ashido.
Entrou em casa pensando em Ichigo e
em Celeste-sama. Alma gêmea... Por alguns minutos acreditava. Minutos antes de dormir, naquela confusão. Questionava o coração, as reações e os sentimentos... Mas na maioria do tempo, achava aquilo uma grande bobagem. Era perda de tempo. O amor sempre só atrapalhava e fazia as pessoas sofrerem. Sempre. E não tinha nada de belo e especial. Talvez fosse uma ilusão a qual todos estivessem condenados a acreditar.
- Bem vinda, Rukia-chan! – Hinamori cumprimentou sorridente.
- Oi. – a pequena sorriu de volta. E foi andando até seu quarto.
- Humm... – a geminiana foi atrás dela. – Vai para o trabalho agora?
- Sim. – respondeu sentindo-se agora mais animada de pensar nas crianças. – Vou só tomar um banho.

Ficou fazendo o que em casa hoje?
- Ah, na verdade eu acabei indo para a escola. O Hitsugaya-kun foi comigo...
- Que bom!
Entraram no quarto cheio de coelhinhos e Rukia começou a mexer nas roupas para escolher a que usaria.
- Eu tenho uma novidade, Rukia-chan! – a morena disse sentando-se na cama e balançando as pernas.
- Ah é? – perguntou olhando os vestidos. – Então me conta!
- Sabe... Eu entrei para um clube na escola. Clube de leitura.
- Oh, é mesmo? – virou a cabeça para ela. – Nem sabia que gostava de ler...
- Haha, pois é... – coçou a cabeça. – Mas conversei esses dias com minha prima e ela acabou me incentivando... E eu quero começar a ler mais.
- Ah, isso é ótimo. – sorriu. – Ler é muito bom.
- Então talvez eu chegue em casa um pouco depois da hora alguns dias, tudo bem? Por causa das reuniões e tudo mais...
- Ah, sim. – voltou a atenção para as roupas. Segurou um vestido verde-água. – Tudo bem.
Comemorou sozinha. Seu coração estava disparado e as bochechas rosadas de felicidade. Tinha conseguido tão facilmente...
- O que acha desse vestido? – perguntou a baixinha de olhos azuis.
- Hmm... Eu acho que ficaria melhor aquele outro. – Momo apontou para um branco com fitinha azul na cintura.
- É. – Rukia sorriu. – Obrigada.

****

Estava saindo para o trabalho, ajeitando os cabelos. Como se fosse possível. Mas antes que saísse de casa foi dar sua costumeira olhada na caixinha do correio. Sem muitas esperanças. O dia estava tão morno...
Mas lá estava ela cheia de estrelas. Pegou o envelope e rasgou-o ansioso. O que será que viria agora? Rezava mentalmente para que fosse uma missão proveitosa. Só tinha feito besteiras até então. Queria mudar o destino dos encontros. Não agüentava mais só brigas, alfinetadas e o final de sempre: um indo para cada lado como se nada tivesse acontecido. Sem arrancar nenhum brilho naqueles olhos. Sem conquistar nenhum sorriso.
Mas também, o que estava querendo? A culpa não era só sua! Aquela mulher era mesmo fria como gelo. E dura como tal.

Era quase impossível conseguir atingi-la, alcançá-la, tocá-la. Estava sempre tão distante, sempre na defensiva... Mas ainda era quase impossível. Tinha esperanças. Tinha que tê-las.
Compreendia o quanto era difícil seu caso. Compreendia o quanto ela era difícil... Mas com eles tinha sido exatamente assim, não tinha? E ela era de fato sua alma gêmea. E tinha olhos grandes demais para não brilharem. E tinha um rosto lindo demais para não ostentar um sorriso...
Finalmente chegou ao papelzinho que recheava o envelope e abriu-o impaciente. Leu-o.
- Como é que é?! Só isso? – perguntou-se ao terminar.
Bufou, meteu a carta no bolso irritado e saiu andando em passos fortes para o trabalho.
Esse Celeste-sama... Quando estava disposto a fazer melhor, mandava uma missão babaca dessas...

****

- Há! – no trem, Rukia lia sua carta de Celeste-sama. – Hunf! Que palhaçada... – enfiou a carta na bolsa. – Esse Celeste-sama acha que ninguém tem mais o quê fazer...

****

De camisola, estava afundada no sofá da sala. Lia seu romance preferido pela nona vez. Mesmo conhecendo de cor e salteado a estória do livro, mal conseguia se concentrar... Estava fazendo de tudo para seguir em frente, esquecer o ocorrido, convencer-se de que seria mais feliz assim... Mas o coração não ouvia suas ações e seus comandos, apenas continuava a bater dolorido, jorrando recordações inoportunas em todas as partes de seu corpo.
Vez ou outra secava lágrimas recém-nascidas.
Chiharu havia ligado duas horas antes, mas dissera que estava bem e que não queria conversar a respeito. A morena então a entendeu e deixou-a
em paz. Sabia que às vezes era só disso que ela precisava.
A campainha tocou de repente. Assustou-se. Não fazia idéia de quem poderia ser e nem queria saber... Mas estava sozinha em casa, o pai no trabalho e a mãe no salão de beleza. Tratou de vestir um roupão e ir atender quem quer que fosse.
- Oi. – veio a voz daquela boca, daquele rosto que estava tão sombrio.
Seu coração quase parou.

- A-Ashido... – balbuciou confusa segurando o roupão. – O que está fazendo aqui? – o coração a esmagava por dentro.
- Mai eu... – ele rodou os olhos até chegar nela de novo, quase apagados. – Precisamos conversar decentemente.
Relutou. Chegou a firmar o pé no chão. Queria gritar para que ele fizesse o favor de desaparecer, mas não conseguiu. Tinha que ser sensata. Ele estava certo. Precisavam conversar.
- É... – abaixou os olhos sentindo aquele nó na garganta. – Entra... – e foi andando até a sala seguida pelo ex.
Sentaram-se os dois no sofá e ficaram
em silêncio. Ela fitando os joelhos. Ele o tapete.
Até que os olhos pretos escorregaram para o lado cheios de expectativas mórbidas. O que será que ele iria dizer? Queria mesmo saber?
- Mai, eu... – continuou olhando o tapete, entrelaçando os dedos de uma mão na outra. – Eu estou me sentindo péssimo. Estou me sentindo culpado pelo que aconteceu. Pela sua tristeza... Pela sua insatisfação no nosso ex-namoro... Mas... – respirou bem fundo. – Mas estou me sentindo mal. Estou me sentindo ferido... Mai, por que é que você disse tudo aquilo ontem? Você me enganou mesmo? O que é que você é que me escondeu? – olhou finalmente para ela, melancólico.
Engoliu o nó com dificuldades. Os olhos enchiam-se e não tinha como controlar. Abriu a boca, mas demorou para que as palavras finalmente saíssem.
- Ashido... – soprou praticamente... Tão baixinho, tão suavemente. – Você não devia estar aqui... – virou o rosto mordendo momentaneamente o lábio inferior impedindo o choro. – Você não... – a voz tremeu. – Você devia ter um pingo de orgulho! Eu te chutei, eu te enganei!
- Pára! – ele gritou. – Olha para mim! O que foi que você mentiu? No que foi que você me enganou? Me diz! Não precisamos ser tão radicais assim!
- Eu te enganei em tudo, você não percebe?! – ela gritou de volta, agora o encarando cheia de lágrimas. – Eu não sou essa que você acha que eu sou. Poucas pessoas sabem quem eu realmente sou. Eu escolho a dedo, reescolho e escolho de novo essas pessoas.

E você não é uma delas. Você vê a Mai falsa que todos vêem. E é dela que você gosta não de mim! Não da verdadeira Mai!
- Não Mai... Eu... Eu te amo...
- Não diga isso, por favor! – segurou os cabelos e apertou os olhos fechados, apoiando os cotovelos nas pernas. – Você nem sabe quem sou... – molhou as pernas. – Eu não fui verdadeira com você...
Ficou quieto. Engoliu as palavras. Cerrou os punhos e contraiu a face.
Agora não sabia o que sentia... Aquela era a mulher que amava... E com quem tivera sendo tão injusto por algum tempo... Mas a amava... E agora ela estava dizendo que não era ela. Nunca tinha sido. Que foi enganado como um idiota... Iludido.
- Então por que... Não mostra o que você é de verdade? – perguntou fraquinho, com aquela mistura de sentimentos fervendo no peito.
- Não! – ela gritou voltando o rosto para ele. – Ashido... Tenha um pouco de orgulho, pelo amor de Deus! Não faça isso! Eu te enganei, tenha raiva de mim! Essa sou eu. Manipuladora e falsa! Por favor, me esqueça! Você nunca vai me amar do jeito que eu sou... Nunca ninguém vai me amar do jeito que eu sou... – fungou. Engoliu um soluço.
- Por que me enganou? Por quê? – agora a voz dele já parecia mais indignada. Um pouquinho mais. – Por que dizia que me amava, mas não me deixava saber a verdade sobre você?
- Por que essa sou eu! Insegura, idiota. Indigna de você... Eu sabia que não me amaria pelo que sou... – as lágrimas continuavam escorrendo.
Ficou mudo de novo. Encarou o tapete de novo. Ela tinha razão. Estava se humilhando ali... Tinha o direito de estar bravo, não tinha? Ela não fora honesta. Como podia continuar dizendo que amava alguém que... Que não conhecia porque não fora escolhido para conhecer?
Levantou-se.
- Eu não entendo o que você ganha com toda essa mentira então... – foi andando até a porta que continuava aberta. – Não engane o próximo. Não há nada que machuque mais que a mentira... – e saiu por ela, frio. Despedaçado por dentro.
E deixou naquela sala uma loira escorpiana quase afogada em lágrimas amargas.

É. Ela sabia mais do que ninguém como a mentira machucava...

****

Chegou em casa cansado e tomou um banho. Mesmo que estivesse tarde e o corpo pedisse cama, não estava com sono.
Com a toalha ainda no pescoço sentou-se então na mesinha de seu quarto e pôs a carta de Celeste-sama sobre a mesma.
- Então eu preciso fazer críticas sobre a Rukia, ahn? – espreguiçou-se com a caneta pendendo num canto da boca. – Hmm... – ficou pensativo por um tempo. – Essa carta será entregue ao Celeste-sama... E a partir dela ele irá tomar providências para melhorar nossos encontros. Hum. Certo.
Firmou a caneta na mão e num papel em branco começou a escrever.

Pontos negativos em Rukia:

1- Se veste como criança


Parou e pensou. Sempre reclamava disso... Mas ela ficava bonita com as roupas que usava... A verdade é que umas das coisas que mais chamavam a atenção na beleza dela eram a pureza e a delicadeza... Descartou a folha e pegou outra.

Pontos negativos em Rukia:

1- Reclama muito e de tudo
2- Está sempre me xingando
3- Me desvaloriza
4- Não tenta se aproximar de mim
5- É uma interesseira
6- É uma materialista
7- É a pessoa mais cética que existe
8- É muito certinha, daquelas que chegam a irritar
9- É autoritária como um general
10- Fala muito alto
11- É muito séria
12- Parece uma velha amargurada
13- Raramente demonstra os sentimentos
14- Raramente faz demonstrações de gentileza
15- Esconde a delicadeza
16- É rude com as palavras e atitudes
17- Está sempre na defensiva
18- É mais fria que o Alaska.
19- É mais dura que um pedaço de ferro
20- É irritante


- Humm... – coçou a cabeça com a caneta ao terminar. – Acho que me empolguei... – olhou a lista de cima a baixo inclinando a cabeça. – Será que eu exagerei? – examinou-a de novo. – Ah! Quer saber? Não falei nenhuma mentira. Se o Celeste-sama der um jeito nessas coisinhas, posso até parar de chamá-lo de Infernal-sama...
Dobrou a carta e separou-a para enviar no dia seguinte. Apagou a luz e deitou na cama pensativo.

Olhou para a janela aberta... O céu estava estrelado e piscante... Quem sabe aquilo não era uma chance para aquele relacionamento conturbado melhorar?
Fechou os olhos e ficou esperando pelo jantar que a irmãzinha estava fazendo mesmo já sendo tarde.

****

Voltava para casa de trem novamente. Estava feliz, nem sentia o cansaço. Trabalhar com aquelas crianças era maravilhoso! Tinha se divertido bastante brincando de desenhar com uma menininha que ficou em repouso na enfermaria por causa de uma gripe. E logo acabou desenhando pras outras crianças também. E elas amaram seus desenhos, ao contrário de tanta gente por aí que não sabia apreciá-los...
Olhou pela janela e viu o céu estrelado. Sorriu agradecendo pela oportunidade maravilhosa que ganhara. Fora a melhor coisa que acontecera desde sua chegada.
Olhando para o céu e pensando nessas coisas, acabou se lembrando de uma certa carta que havia enfiado na bolsa.
Puxou-a de lá. Não custava nada preenchê-la logo, não é? Ia demorar um pouquinho para chegar em casa, e se não fizesse aquilo logo ia acabar esquecendo.
Tirou da bolsa então uma caneta e um caderninho e preparou-se.
Infernal-sama só queria que citasse as coisas boas em Ichigo, não era? Ia ser um pouco difícil, mas sabia que ele tinha coisas boas. Quase riu de imaginar a cara dele se ela lhe dissesse isso. Mas não gostava nem de pensar em sua própria cara citando as qualidades dele! Ele era um idiota, não merecia essa humilhação.
Se bem que... Talvez ele estivesse tendo que fazer o mesmo...
Enfim, sem mais delongas ou pensamentos inúteis, resolveu começar logo:

Coisas boas em Ichigo

1- É engraçado
2- O perfume
3- A cara que ele faz quando o irrito
4- A determinação em seu objetivo
5- O jeito que se veste
6- O calor que ele tenta esconder
7- O seu jeito protetor

 

- Hmm... – encostou a caneta nos lábios pensativa. – Não sei por que Celeste-sama quer saber isso, mas pelo menos é uma missão fácil. – analisou a lista. – É. Acho que sete coisas estão de bom tamanho. – enfiou a carta com o envelope de volta à bolsa.


Continua...


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