Céu escrita por Liminne


Capítulo 12
Capítulo 12 – Um fim e alguns começos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/20957/chapter/12

- Vamos, Momo! Ou vamos chegar atrasadas – Rukia apressou a garotinha que terminava seu café-da-manhã. Tinha acordado um pouco tarde e acabara atrasando.
- Já vou! – respondeu de boca cheia, ponde-se de pé e pegando a pasta da escola.
- Eu vou com vocês também! – Rangiku gritou lá de dentro do quarto. Foi se aproximando correndo, ajeitando os brincos nas orelhas, com material em mãos, toda pronta e reluzente com seu vestido fininho rosa claro estampado. Até que este nem estava tão indecente, tirando o fato que seus peitos sempre estavam quase pulando por mínimo que fosse o decote...
- Uau! – Rukia sorriu. – É a primeira vez que vamos nós três juntas, estou até emocionada!
- Sabe que eu também? – a loira sorriu de volta.
Rukia virou o rosto para Momo que também sorriu.
As três agora estavam bem. Uma com a outra. Cada uma consigo mesma... Ou pelo menos era o que parecia.
Queria que todos os dias fossem como aquele iniciozinho de terça-feira...
Já estavam deixando o apartamento quando Rangiku parou e tirou do meio de seus livros um envelope.
- Ah, Rukia-chan! Esqueci de te mostrar! Eu vi ontem, chegou uma carta pra você! – estendeu a dita cuja para ela.
A pequena revirou os olhos. Mais uma do Celeste-sama?
Quase a tomou das mãos da peituda e atirou-a no chão. Não queria saber. No último encontro teve que presenciar o ruivo esquentado dar um soco num garoto. Teve que aturá-lo chamando os coelhos de malditos. Teve que passar vergonha dentro do cinema por causa do descontrole dele... E pior de tudo: teve que ficar à noite, enquanto as suas colegas quase roncavam, pensando nas coisas que estava sentindo... Tão... Diferentes... Tão...
Quando conseguia se livrar dessa confusão interna, vinha mais uma carta-bomba pra lhe atazanar!
Pegou a carta bufando e olhou o remetente. E foi aí que seu sangue parou de ferver. Foi aí que as rugas em sua testa desapareceram por completo. E sentiu uma pontada de pânico ao perceber como o coração estava batendo apertado.

- É uma carta... Dos meus pais... – sussurrou com medo de que a voz vacilasse.
- Rukia-chan! – os olhos azuis de Rangiku cintilaram. – Eu sabia que ia ficar contente!
- Quero ler também, quero ler! – Momo insistia também animada.
Com um sorrisinho bobo, Rukia guardou a carta entre seu material e virou-se para as duas.
- Mais tarde vocês podem ler. Agora estamos muito atrasadas.
E como sempre, resmungando ou não, as duas obedeceram à mamãe da casa.

****

Querida Rukia,

Ficamos tão felizes quando recebemos sua carta! Foi uma disputa para ler, imagine. Ah, sim. Aqui quem escreve é o papai. Mas acho que vou ter algumas interferências...
Enfim, ficamos felizes de saber que está bem... Espero que ainda esteja tudo nos conformes! E então? Se divertindo? Estudando? E como está o tio Shunsui? E o coração, filhinha? Tem algum cara que te despertou atenção? Essa última pergunta foi o Renji que fez questão que eu fizesse hehe. Acho que ele está com mais ciúmes que eu que sou seu pai!
Nós todos estamos sentindo muito a sua falta. Os meus alunos sempre perguntam de você... Sua mãe mal se acostumou com sua ausência... E eu ainda entro no seu quarto todas as noites para ver-lhe antes de ir dormir... Mas você não está lá... E fico imaginando, mandando minhas energias mais positivas para que esteja mais feliz aí. Porque só assim para valer à pena sua ausência.
A Orihime-chan de vez enquando aparece por aqui e toma um chá com a gente... E sabe que toda vez ela chora? Dá pra imaginar, né?
Bom... Não temos muitas novidades. Ao contrário de onde você está agora, nossa cidade continua a mesma de sempre. Tranqüila com o de todos os dias.
Esperamos que você apareça na Golden Week. Confirme sua vinda que faremos uma festinha, o que acha? Cheia de coelhinhos, meu amor... Estou com saudade de ver seus olhos brilhantes... Ou melhor, estamos!
Você sabe o quanto é especial pra todos nós...
A próxima carta eu deixo sua mãe escrever hehehe.

Com muito amor e muita saudade, Jyuushiro, família e amigos.




Parou ante as escadas com o papel tremendo nas mãos. Segurava-se muito forte para não chorar. Os olhos já estavam úmidos e pinicantes. O coração batia tão apertado que chegava a doer... Fazia pouco tempo que estava fora de casa... Mas parecia uma eternidade!
Por mais independente que sua natureza fosse não podia deixar de sentir falta do cheiro de casa... Do carinho do pai... Do sorriso da mãe... Das excentricidades de Orihime... Das implicâncias de Renji... Das risadas das crianças...
Secou os olhos e fungou. Não ia abrir o berreiro ali. Não, de jeito nenhum.
Mas com certeza sua viagem na Golden Week estava marcada.
Subiu dois degraus e olhou de novo para a carta. A letra de seu pai... Lembrou-se dela no quadro da escola... Imaginou a cara de ciúmes de Renji... Imaginou Orihime chorando... Sentiu o calor da mãe... Aquele pequeno pedaço de papel tinha um pouquinho de cada um.
- Rukia? – de repente ouviu uma voz familiar. – O que aconteceu?
Levantou os olhos da carta. Era Ichigo.
- Não aconteceu nada. – respondeu guardando logo a carta e limpando as lágrimas que, sem perceber, estavam se acumulando de novo. – Só... Recebi uma carta dos meus pais...
Foram subindo as escadas juntos.
- Ah. – olhou para a pequena. Era realmente admirável que estivesse morando tão longe de casa... Até para ela parecia estar sendo difícil... Até ela parecia estar à beira das lágrimas...
- Vou vê-los na Golden Week. Mal posso esperar. – seus olhos azuis exibiam uma nostalgia líquida.
- Imagino. – o ruivo assentiu. Ficaram alguns segundos em silencio até ele abrir a boca de novo. – Rukia... Por que é que você saiu de Kofu?
Fora pega de surpresa com aquela! Encarou os joelhos deixados à mostra pela saia.
- Pra crescer um pouco... E aqui acho que terei mais oportunidades... – respondeu enfim. – E você? Por que chegou atrasado hoje, que milagre! – tratou de mudar de assunto.

Citando seus motivos, acabava lembrando-se da raiz de tudo. E aquela raiz ainda a fazia tropeçar.
- Fui dormir tarde ontem... E acabei perdendo a hora...
Foi o limite de uma rara conversa que tiveram fora dos encontros.

****

Depois da aula, Rukia não iria para casa. Ligou para Rangiku avisando de seu compromisso e pediu para que cuidasse de Momo.
Como estava tudo bem, nem se preocupou tanto.
Andava agora lado a lado com Mai, seguindo Ashido. A loira falava sobre qualquer acontecimento do dia. Estava falando mais do que costumava. Parecia nervosa. Não estava conseguindo disfarçar.
Chegaram até o carro de Ashido.
- Vamos. – ele abriu a porta do carona para Mai. – Vai na frente comigo, amor?
- Hmm... – ela olhou para Rukia que abria a porta de trás e pensou. – Acho que vou fazer companhia para a Rukia lá atrás. – sorriu.
- Certo. – ele sorriu de volta. Fechou a porta e entrou pelo outro lado.
- Não precisava vir atrás comigo, Mai... – Rukia disse sem jeito quando a escorpiana sentou-se ao seu lado.
- Que é isso, Rukia! – ela sustentava o sorriso. – Não vou deixar você sozinha aqui.
Ashido então deu partida no carro.
E o nervosismo de Mai foi aumentando.
Esticou o pescoço e checou sua imagem no retrovisor central.
- Estou bem? – perguntou a Rukia ajeitando os cabelos.
- Está. – ela respondeu naturalmente. – Você está sempre linda, Mai. – sorriu.
Sentiu-se um tanto vaidosa. Ajeitou-se melhor no banco do carro e respirou fundo. É. Não havia motivos para estar tão aflita assim... Ia ser tudo rápido e ia correr tudo bem. Sem preocupações.
- Rukia. – a voz de Ashido irrompeu no silêncio. – Preste atenção no caminho, certo?
- Certo. – ela assentiu. Sorria pequenamente, estava animada. – Obrigada, Ashido.
Ele fez um sinal simpático com a cabeça pelo espelho. E Mai ignorou com todas as suas forças.

****

Ficou parado ali pensando... Pensando... O que ela estava fazendo com eles? O que estava acontecendo?
Pelo visto ela era bem considerada por Mai...

Pelo visto Rukia estava caminhando para a popularidade mesmo sendo do interior, baixinha, cabeçuda e chata.
Ela era atraente mesmo, não era? Bonita, talentosa e atraente... De alguma forma...
- Ichigooo! – Keigo pulou nas costas do amigo quase o matando do coração de susto. – Que bom te encontrar aqui!
- KEIGO! – berrou e derrubou o jovem no chão. – Quer largar do meu pé, porra?!
- Hm... Você viu? – ignorou o tombo e a bronca, levantou-se e envolveu o queixo com os dedos. – A Mai e a Ruky saindo juntas... – diminuiu os olhos para o horizonte, com cara de pensativo. – Ainda está de olho na loirinha, né? – cutucou as costelas do ruivo com o cotovelo.
- Cala a boca! – ele resmungou, mas a voz não estava exaltada. Parecia mais desanimado que qualquer coisa. – E você tava aqui de olho naquela baixinha? – foi andando.
- Sim. – ele sorria abobalhado seguindo o amigo. – Na verdade, vi você aqui parado igual um babaca e resolvi ver o que estava se passando. Aí acabei vendo os três partindo juntos...
Ficou
em silêncio. Continuou andando.
Se continuasse daquele jeito, Rukia o ignoraria cada vez mais... A esperança de conseguir fazer aquele coração congelado derreter estava murchando como uma flor.
- Ei, Ichigo! – o perturbado continuou com seu tom alegre totalmente alheio ao que se passava na mente do espetadinho. – O que é que você acha da gente dar uma lição nesse exibido do Ashido e tirar as mulheres dele, hein? Eu fico com a Ruky e você fica com a Mai! Não vamos deixá-lo desfilando com duas gatas no seu carrão! Vamos, vamos! – agarrou a manga da blusa de Ichigo e começou a sacudir como uma criança.
- Pára! – o canceriano afastou bruscamente o braço e apertou o passo. – Não estou nem aí pra Mai, ta? Acabou desde aquele dia. E o tal do Ashido pode desfilar com quem ele quiser, o problema é dele! – encarava os tênis enquanto andava.
- Ahh! – resmungou fazendo bico. – Você é tão sem graça Ichigo... Tô começando a achar que você é gay...

- QUEM É GAY AQUI? – berrou agora irritado. – Perturbação! – com quase uma tromba, voltou a andar, agora pisando duro. – Vê se pára de sonhar e arruma uma garota do seu nível, ta? Ou então faça por merecer. Que é isso que eu vou fazer. – dobrou uma esquina e saiu andando mais rápido.
- Ei, Ichigo, que papo é esse?!
O ruivo ignorou, continuou andando mais rápido.
- Ichigoooo!!!! – o moreno ficou se esgoelando à toa.
****

Desceram do carro em frente a não muito grande construção que cumpria a função de abrigar crianças, enfermeiros e professores.
Corações aos saltos.
Mai agarrou o braço de Ashido. Sentiu seu perfume amadeirado e relaxou um pouco. Só um pouco. Segundos depois, quando caminhavam para dentro da escola, aquele cheiro parecia surtir o efeito contrário. Estava deixando-a mais tensa.
Entraram. Passaram pela portaria, cumprimentaram os responsáveis e continuaram andando. Chegaram a um pátio suficientemente espaçoso. Algumas crianças brincavam e comiam. Rukia começou a sorrir. Gostava desse tipo de ambiente.
Caminharam mais um pouco até uma porta onde lia-se ser a sala da diretora da instituição. Mas antes que pudessem entrar, a tal foi saindo com um sorriso. Era alta e magra e tinha o rosto ossudo. Aparência de pouco mais de quarenta anos. Seus cabelos cor de chocolate eram lisos na altura dos ombros e seus olhos claros puxados estavam por trás de óculos delicados. Vestia um elegante vestido preto até os joelhos de botões e alças grossas. Não usava salto.
- Olá! – cumprimentou os três alegremente com sua voz firme e gentil ao mesmo tempo. – Ashido! – dirigiu-se ao homem. – Sua prima disse que você viria!
- É. – ele assentiu. – Vim trazer uma pessoa. – sorriu pequenamente educado. – Por acaso ela está por aí? Minha prima.
- Agora ela está dando aula... – a mulher torceu levemente o nariz. – Se importaria se eu fizesse todas as apresentações? – sorriu para Mai que ainda estava agarrada ao braço do amado.
- Claro que não. – ele disse. – Se não for um incômodo, seria um prazer.

- E então, querida? Diga-me, gostou do clima da escola? – sorria simpática mesmo tendo aquela postura tão séria. Ainda se dirigia a Mai.
- Na verdade... – Ashido interveio. – Eu trouxe essa daqui para o emprego. – apontou para Rukia que sorria sem jeito em seu canto.
- Ohh! – a diretora pareceu bem surpresa. – Mas parece uma menininha! Tomoe Kasuga. – apresentou-se. – Como se chama?
- Ukitake Rukia. – a baixinha fez uma pequena reverência. – Muito prazer em conhecê-la. – sorriu.
- Pode parecer absurdo, mas ela está fazendo medicina e tem dezenove anos. – Ashido informou. – Mas acho que vocês duas vão ter muito que conversar, não é?
- É. – a mulher voltou-se para Ashido. – Mas sua namorada também faz medicina, não é?
- Sim. – Mai afirmou receosa, porém não deixando que isso transparecesse.
- Então gostaria que também me acompanhasse.
Olhou para Ashido. O azul de seus olhos a encorajava. Ela resignou-se a aceitar, mas não pôde deixar de sentir-se decepcionada. Eles podiam muito bem cair fora dali e pronto! Aquela loucura dentro do seu peito acabaria num instante.
De qualquer modo, os quatro continuaram a andar pela escola.
- Como você já deve saber, Rukia-san. – a mulher foi dizendo enquanto seguia por um caminho que dava para um corredor de salinhas. – Essa instituição funciona como escola pré-primária em período normal ou integral. É uma ótima opção para os pais de hoje em dia que trabalham até tarde e não têm com quem deixar as crianças...
Rukia ia ouvindo atentamente o que Kasuga dizia. A trilha sonora de suas palavras eram as vozinhas infantis vindas das salas em coro, ou em risadas e os saltos altos de Mai sempre estalando. Sentia-se cada vez mais tranqüila e confortável ali.
- Você deve imaginar que essas crianças acabam sendo bastante carentes, não é? – virou a cabeça para trás espiando Rukia com seus olhos inteligentes. – Então eu procuro contratar profissionais que já tenham tido experiência com crianças ou mesmo que tenha jeito para a coisa.

E devo dizer que estão faltando pessoas com essa habilidade... Você já teve experiência com crianças antes?
Ashido e Mai voltaram os olhos para a pequena.
- Ah sim. – disse em tom firme, porém doce. – Meu pai trabalha em uma escola primária. E ele sofre de uma doença crônica... Então eu ajudava. Quando ele não podia dar aula, ele me passava o plano de aula e eu o substituía. Gosto muito de crianças... Os alunos do meu pai me consideram quase tanto quanto ele. – sorriu minusculamente pela lembrança.
- Hum... – a diretora observou Rukia dos pés à cabeça. Gostara de seu tom de voz. Gostara de seu jeito firme e imediato de falar. Gostara de sua roupa simples, porém charmosa. – Isso é ótimo. – assentiu.
O par de olhos negros voltou-se para Ashido. Buscava uma reação. Imediatamente correspondeu o olhar.
- Acho que a Rukia vai se dar bem hoje. – ele cochichou para a namorada.
- É. – ela forçou um sorriso. – Vai sim. – e concentrou os olhos agora na baixinha que, irritantemente parecia não saber o que era tremer.

****

Depois de andarem um pouco mais e de Kasuga deixar que Rukia espiasse para dentro de algumas salas de aula, chegaram até os fundos da escola. Havia uma sala mais ampla, toda clara e fria, porém enfeitada com alguns quadros infantis desenhados pelas próprias crianças. Havia algumas camas e armários. Os lençóis em verde água só ressaltavam a frieza do ambiente.
- Aqui é a enfermaria. – disse Kasuga ao entrarem. – Aonde veio se candidatar para trabalhar, certo? – sorriu para Rukia encostando-se a uma das camas.
- Certo.
Duas enfermeiras cumprimentaram os três simpáticas.
- Então você é filha de uma enfermeira e fez um curso de enfermagem. – cruzou os braços e apertou uma sobrancelha ficando agora mais séria. – E se dá bem com crianças... E quer trabalhar na parte final da tarde até a noite.
- Isso mesmo. – ela assentiu no mesmo tom firme.

- Hm... Acho que vamos precisar fazer um teste... Megumi-san! – chamou uma das enfermeiras, a mais baixinha de cabelos bem curtos. – Acompanhe essa jovem no...
De repente ouviram sons. Uma criança chorando. Burburinhos. Gritinhos desesperados. Passos... Até que um grupo de crianças invadiu a sala. Uma menininha com o rosto todo ralado, com sangue escorrendo-lhe pelas bochechas e a boca escancarada a chorar. Era pequenininha e gorducha, tinha cabelos claros presos em duas longas marias-chiquinhas. E umas cinco outras crianças a seguiam com olhos esbugalhados.
- Tia Megumi! – um menininho foi chamando. – Tia Megumi! Ajude a Rin! Ela caiu do balanço!
O garotinho teve que praticamente gritar por causa do choro da menina e da conversa amedrontada das outras crianças.
Megumi fez menção de ir até a garotinha. Mas foi bloqueada por Kasuga.
- Está aí, Ukitake Rukia. Esse é o seu teste. – sorriu um sorriso que alguns poderiam descrever como interessado. Outros como frio. De qualquer forma, parecia estar apreciando aquela coincidência com fervor.
Se ela soubesse sobre o céu...
O queixo de Mai quase foi parar no chão. Tremeu só de pensar. Aquela garotinha gritava cada vez mais alto, não sabia se era pirraça ou se doía tanto assim. Imagina se ia tocar em alguém tão frágil desse jeito! Via o sangue escorrendo pelo seu rosto, boca e mãos e sentia calafrios.
Olhou para Rukia. O que ela ia fazer?
- Fiquem calmas, crianças, venham pra cá. – Megumi chamou as testemunhas do acidente para perto dela e longe de Rin. Elas a obedeceram assustadas.
A escorpiana reparou que enquanto a enfermeira afastava as crianças, Rukia se preparava com as luvas e os instrumentos. Eram apenas pronto-socorros, curativos simples, mas que para ela, eram ferramentas difíceis.
- Venha cá. – uma vez pronta, aproximou-se da pequena loirinha, suspendeu-a nos braços e colocou-a na cama. – Vamos cuidar disso aqui.
Todos a olhavam. Mas como ela parecia nem se importar?
- Sangue... – a menininha fungava e continuava o berreiro. – Sangue!

- É... – com um algodão Rukia foi limpando suavemente o rostinho dela. – O que foi que aconteceu? Para grandes machucados temos grandes feitos, não é? – sua voz era confortável como uma cama num dia frio... Como uma mãe.
- Eu... – fungava, fungava. – Tava brincando no balanço... O Yuiichi-kun tava me empurrando... Aí pedi pra ele ir mais forte, mais forte... Aí eu voei tão alto que caí... – aquela vozinha manhosa que só uma criança sabe fazer.
- Meu Deus! – Rukia continuava limpando o machucado, agora tinha passado alguma coisa no algodão. – Então você voou! Não foi incrível?
- Mas eu me machuquei toda... – fez beicinho e as lágrimas continuaram descendo junto com os soluços.
- Isso acontece quando a gente entra numa aventura! – continuava espalhando o remédio pelo rosto dela. – Aí a gente aprende a tomar cuidado da próxima vez! – sorriu. – Mas sabe de uma coisa? – abaixou o tom de voz, como num segredo. – Você deveria dar o exemplo de uma boa aventureira para seus colegas... E devia mostrar pra eles que foi só um acidente e que você já vai ficar bem... Afinal, eles ficaram preocupados! E você tem que ser forte para não deixá-los com medo!
- Mas... – contraiu o rosto. – Muito sangue... - fez uma careta medrosa e continuou a choradeira.
Rukia então pegou um espelhinho e mostrou o rosto dela.
- Onde está o sangue? – sorriu.
A garotinha parou o choro na hora e arregalou os olhos.
- O sangue sumiu! – exclamou estupefata. – Mas ainda ta ardendo...
- Ah, o que que é isso! – Rukia pôs as mãos na cintura. – É uma dorzinha de nada, já vai passar! Cadê a menina forte que voou no balanço? Cadê a menina bonita e valente que vai dizer pros colegas não ficarem com medo?
Passou a mão no machucado. Ainda estava um pouco áspero por ter ralado.
- É... – ela deu um meio sorriso. – Nem está doendo tanto assim.
- Viu? – Rukia sorriu de volta. – Me deixa limpar suas mãozinhas e ver sua boca também.
A menininha abriu as mãos e ficou quietinha enquanto Rukia cuidava dos outros machucados.

Terminou e desceu a loirinha da cama.
- Tudo certo? Nenhuma outra dor? – perguntou com o azul dos olhos caloroso e preocupado.
- Tudo certo. – a menina confirmou. – Viu gente? Já estou boa. – sorriu para os amiguinhos.
Eles ficaram aliviados.
- Não vai agradecer a tia nova? – a enfermeira Megumi perguntou em voz baixa para a menininha.
- Ah é. – virou-se para a baixinha capricorniana. – Qual é o seu nome, tia?
- Rukia. – sorriu. – Muito prazer.
- Obrigada tia Rukia. Você fez mágica no sangue!
Rukia só conseguia sorrir. Era aquele seu lugar. Estava feliz por ter feito o sangue e as lágrimas daquela criança desaparecerem. Ganhara o dia.
- Só tome cuidado da próxima vez! Mas lembre-se que se machucar faz parte da aventura. E que você é muito forte! – piscou para ela.
A menininha fez que sim com a cabeça e saiu da sala renovada e serelepe, instruída pela outra enfermeira.
Quando deu por si, Rukia lembrou-se de que estava num teste e sendo vigiada pelos amigos e pela diretora. Seu coração então acelerou um pouco mais o ritmo. Encarou os olhos puxados de Kasuga.
- Muito bem. – ela meneava a cabeça. – Você se saiu muito bem, Rukia-san.
- Eu... Me saí? – ficou feliz.
- Uau. – Ashido intrometeu-se na conversa. – Eu achei que aquela garotinha não fosse parar de chorar nunca!
Olhou instintivamente para Mai. Não conseguiu disfarçar a tempo. Tinha o queixo erguido daquele seu jeito de encobrir a inferioridade que sentia. Não olhava e muito menos admirava a baixinha de cabelos negros. Filmava o namorado com os olhos misteriosos e as sobrancelhas claras quase imperceptivelmente apertadas.
Sentiu um aperto no peito... Mas seus sentimentos e pensamentos foram interrompidos pela voz firme da diretora.
- O que mais posso dizer, não é? Acho que você pode ficar.
Os olhos azuis cintilaram.
- Não que tenha sido tanta coisa assim o que fez... Você sabe que terão coisas muito mais sérias para tratar do que apenas machucadinhos superficiais. E também terá que se entrosar com as crianças depois de suas aulas.

Terá que ter tato e paciência. Sensibilidade e calma. As mães não estão pagando pouco para ter seus filhos aqui o dia inteiro.
- Estou ciente disso. – ela disse em seu tom mais profissional. – E tenho certeza que não vou decepcionar nenhuma dessas mães.
- Ótimo... É seu período de experiência, portanto, estamos de olho. – voltou o rosto para a dupla Ashido e Mai. – Podemos ir agora, certo? – sorriu. – A mocinha começa amanhã mesmo se não houver objeções.
- Com certeza não. – Rukia foi acompanhando-os saindo da sala. Sorrindo. Mal podia esperar para que seus pais soubessem. Estava tudo dando muito certo. Estava conseguindo se encaixar.
Foram andando de volta pelo mesmo caminho. Rukia ouvindo mais algumas instruções de Kasuga. Mai e Ashido atrás
em silêncio.
- Hm... Incrível
como a Rukia-chan se deu bem, não é? Nem ficou nervosa! – Mai puxou assunto. Ou melhor, instigou o assunto. Queria saber o que aquele brilho nos olhos significou de qualquer maneira.
- Sim. – ele sorriu distraído. – Aquela menina parecia estar sofrendo mesmo! Mesmo que não fosse de dor, de ver o sangue, não sei... Ela era muito pequenininha, coitada. Mas só de Rukia tocar nela e dizer-lhe meia dúzia de palavras ela pareceu se transformar. Nem reclamou do remédio nas feridas!
Engoliu um nó gigante e amargo.
- É. – olhou disfarçadamente para o rosto do namorado. Aquele mesmo sorriso. Aquela mesma luz repugnante. – Ela certamente tem o dom... – cerrou um punho tentando não se descontrolar.
- Queria que você fizesse esse tipo de coisa também... – olhou para ela. – Ficaria muito orgulhoso. Eu sempre tive admiração por profissionais de saúde. Queria ver se ia se sair tão bem quanto a Rukia. – brincou com ela com um ar zombeteiro no rosto.
Mas ela nem sequer conseguiu fingir. Virou o rosto para que ele não visse o que aquele comentário causara em si de dentro para fora.
Passaram pelo pátio e as crianças estavam ali com a professora. Brincavam de alguma coisa, sentados numa roda. Riam e conversavam. Rin também era parte do grupo.

- Tia Rukia! – a menina acenou quando os quatro passaram mais perto. – Vem brincar com a gente!
Logo as outras crianças que estiveram presente na enfermaria começaram a chamar Rukia para a brincadeira também. A jovem então olhou sem jeito para Kasuga, como quem pergunta se deve ou não participar. E a mulher fez um sinal incentivador.
- Se importa, Ashido? – perguntou inclinando a cabeça e apertando os olhos.
- Claro que não. Seria uma pena desperdiçar isso. – sorriu também incentivador.
A pequena então foi até a roda e juntou-se às crianças. Logo estava entrosada, no meio dos alunos e alunas, participando do que quer que estivessem fazendo. Conversando e rindo. Dando mais uma olhada nos machucados de Rin.
Ashido envolveu Mai com um de seus braços. Mas não tirava os olhos daquela cena. Não piscava. E sorria. E até riu.
O que tornou aquele abraço fervente de tão frio. O que provocou na loira escorpiana uma vontade terrível de poder ser criança novamente, para que pudesse gritar, desvencilhar-se dele e sair batendo os pés no chão com a maior força que pudesse. E assim fizesse com que ele não a olhasse mais. E assim fizesse com que ele fosse atrás de si e mudasse de uma vez o seu foco.
Ele a admirava profundamente. Desde sempre.
Ele mal sabia o que ela própria era. Imagina se soubesse...
Porém, agüentou. Ficaram ali até a brincadeira terminar e Rukia voltar brilhante de felicidade. E contagiante. Cheia de vozes infantis atrás, dando tchau, gritando seu nome.
Despediram-se de Kasuga, agradeceram e voltaram ao carro.
Mai não se lembraria do que estava respondendo à baixinha. Parecia que estava no piloto automático da dissimulação. Mas nada apagava a alegria dela. Nada.
Seguiram então até a república daquele jeito e deixaram a vitoriosa cheia de luz em casa, toda cheia de agradecimentos e cores... Alheia, numa bolha, isolada de qualquer sentimento ruim. Puramente satisfeita.
Ficaram na escuridão.

****

- Chegamos. – Ashido anunciou quando pararam na frente da casa de Mai. Não houve resposta. – Mai? – olhou para o banco de trás assustado. Encontrou a jovem de cabeça baixa. – Mai! – alarmou-se e ajeitou-se no banco para que pudesse vê-la melhor. – Está se sentindo mal?
- Não... – disse entre os dentes, numa voz contida.
- Então... O que aconteceu? – esticou o braço até ela, inclinou o corpo e tocou o seu queixo delicado com os dedos para erguê-lo. – Por que seus olhos estão úmidos? – constatou ao captar-lhe o rosto.
- Ashido... – de repente sua voz ficou embargada e as sobrancelhas começaram a tremer. – Eu não agüento mais...
Ele arregalou os olhos. Mas do que é que estava falando agora??
- O que houve Mai? O que não agüenta mais?
- Eu tento... Eu tento não te incomodar com minhas infantilidades... Eu sei que prometi ser compreensiva... Mas acontece que não agüento mais. Eu não posso! – jorrou as palavras junto com duas lágrimas. – Você não me ama!
- Meu Deus! – ele exclamou. – Não fale isso! Chega dessa história! A gente já conversou... Por que você insiste nessa idéia absurda?
- Não é absurda! – ela lutava para estabilizar a voz. – É a verdade, Ashido. É a verdade!
- Eu não entendo! O que foi que eu fiz? – realmente, em seu rosto estava estampada toda e qualquer confusão que podia existir.
A loira meneou a cabeça com um sorriso amargo e sarcástico consigo mesma.
- Você a admira... Ela é linda e delicada. Ela é perfeita e segura. É inteligente e esforçada. É gentil e cheia de dons... É uma profissional e trata melhor crianças que nem ao menos conhece do que a ela mesma... É altruísta e doce... É criativa e surpreendente... E eu não agüento ver tudo isso estampado nos seus olhos! – afundou o rosto nas mãos e continuou o choro. Não queria mais saber de nada! Parecia que se não colocasse tudo aquilo para fora, iria explodir. E tinha que sair tudo agora. Não dava para esperar.
Quando seu vulcão entrava em erupção, era devastador.

- Meu amor! – ele tentava nervoso. – Você está enganada... Eu posso admirar a Rukia, mas é você que eu amo... E eu admiro você também! Você é linda, delicada, perfeita, segura, inteligente, esforçada, cheia de dons... E tenho certeza que também vai tratar seus pacientes melhor do que a si mesma. E eu estava só brincando... Sei que vai dar de dez a zero na Rukia. Você é boa em tudo que faz...
- Não! – ela gritou levantando o rosto. – Não, Ashido! Você é que está enganado! Eu não sou boa. Eu não sou nada do que você pensa que eu sou! Eu sou uma mentira! Eu sou uma invenção! Eu sou um poço de egoísmo. Eu sou uma mina de inseguranças. Eu sou vingativa e rancorosa. Eu sou possessiva. Eu não quero ser médica nem nunca quis. Eu tenho pavor de saber que estarei responsável pela vida de outras pessoas... Eu não quero cuidar de ninguém, só de mim mesma! Eu tenho um sonho que não admito para ninguém. Eu sou estranha, eu sou confusa. Eu só fiquei amiga da Rukia para vigiá-la. Eu sou orgulhosa demais... Sabe a Mai que você conhece? Ela não existe!
Estava atônito. Tentava absorver aquelas palavras... Mas como era difícil! Não conseguia entender... Como... Como aquela Mai respeitada por todos, tão linda e sedutora podia ser na verdade um poço de inseguranças? Como aquela Mai que com certeza se esforçou tanto para entrar para um curso de medicina dizia que nunca quis nada daquilo? E todos aqueles sonhos que mentiu? E todos os planos...? E... Quem era ela afinal? Aonde estava querendo chegar? Lembrou-se subitamente das palavras de Chiharu... As duas Mais... Por que a sua Mai tinha que ser a falsa?
- Por que, Mai? – ele sussurrou. Seu coração batia tão forte quanto o dela agora, sentia-se perdido num mundo novo, não sabia por onde ir, que caminho tomar... Sua cabeça girava... Como pôde ser tão idiota? Como pôde ser enganado daquele jeito? – Por que mentiu pra mim? Por que não foi honesta com o homem que você diz que ama?
- Por que você não me amaria do jeito que eu sou! – respondeu num soluço. – Somente por isso!

Não tinha mais palavras... Fechou os olhos apertados. Forçou o cérebro. Tinha que saber como encarar essa! Tinha que fazer parar aquela correnteza que o puxava, que o queria afogar. Ele era um peixe, não podia morrer na água. Mas ela a estava puxando... E ele estava se afogando.
- É o fim, Ashido. – ela secou uma lágrima que parecia queimar sua pele. – É o fim. – ao pronunciar tais palavras, o coração parecia parar de existir... O frio aumentava... E o escuro a cegava mais e mais. - Eu nunca fui a mulher que você amou. – e saiu do carro sem olhar pra trás.
- Não Mai! Mai! – ainda tentou impedi-la, mas não foi ouvido.
Ela entrou em casa correndo... Manchando o caminho com suas lágrimas quentes com sabor de cinzas.
E os olhos frios azuis ficaram paralisados. Como se rebobinasse para sempre a mulher loira correndo na sua frente. Os ouvidos repassavam as palavras confusas e o bater da porta do carro... O coração lutava contra o cérebro. Não queria acreditar no que lhe dizia. Não queria aceitar que aquele sentimento não fora verdadeiro... Que tudo acabou daquele jeito.
Encostou a cabeça no volante do carro. Fechou os olhos e comprimiu os lábios. Soltou um suspiro trêmulo.
- Mai... – murmurou como última palavra daquele dia terrível. Mergulhou naquele pesadelo confuso, onde teria que aprender a nadar... Onde teria que conhecer e viver.
A ilusão é a magia mais bela para os piscianos. Sua quebra é seu maior perigo.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Céu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.