Céu escrita por Liminne


Capítulo 11
Capítulo 11 – Tempero sabor dúvida




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Congelou mais ainda. A voz que gaguejava segundos atrás agora nem sequer existia. Segurou-se na mesinha onde o telefone pousava. Ela tinha sido direta demais!
- Ru-Rukia?! – sussurrou forte quase beijando o bocal do telefone de tanto que encostava a boca para manter segredo. – O que... Que merda é essa?
- Idiota! – ela berrou no seu ouvido fazendo com que desse um salto. – Não pense que estou dando em cima de você ou estou fazendo isso porque quero! É o Infernal-sama! É ele! – enfatizou bem, parecia histérica.
- Ichigooo ~ - para o total desespero do ruivo, o moreno cantarolava lá de cima. E para piorar, agora ouvia o zumbido da porta se abrindo. – Quem é no telefone? Nem sabia que te ligavam! – todos os pêlos do corpo do canceriano se arrepiaram quando Keigo começou a descer os degraus da escada.
- Ah-ah... É-é... – começou a metralhar as sílabas desconexas de novo. – Tem que ser hoje? – as palavras saíam atropelando as outras.
- Tem! – a baixinha insistiu do outro lado da linha, alheia ao verdadeiro nervosismo do espetadinho. – Eu quero usar o fim de semana para fazer meus trabalhos em paz!
- Que horas? – agora já retesava os dedos dos pés de tanta tensão. Keigo já espiava para baixo, chegando perto, com aquela cara irritante de bobo curioso.
- Às oito nos encontramos no cinema perto da universidade.
- Tá falando com uma mulher, Ichigo? Você está vermelho! – o mala falou bem alto, mas Ichigo protegia cada vez mais o telefone enquanto ele se aproximava.
- Cala a boca! – rosnou virando a cara constrangido. Ele não podia descobrir de jeito nenhum que estava saindo com Rukia. De jeito nenhum!
- O quê?! – a outra chiou no ouvido de Ichigo. – Cala a boca você seu grosso!
- N-não! Não estou falando com você! – atrapalhou-se. – Er... Então tá tudo certo.
- Me deixa falar com ela, deixa! – Keigo avançou para cima de Ichigo tentando agarrar o telefone. – Ooi, mulher que vai tirar o Ichigo da amarguraa ~ - berrou em cima do ruivo para que a pessoa do outro

lado pudesse ouvir.
- Ahn? – Rukia franziu as sobrancelhas perdida.
- SAI DAQUI PERTURBAÇÃO! – Ichigo gritou aplicando um soco no queixo de Keigo e o mandando para longe, com grande estrondo.
- Ahhh, Ichigooo! Cruel! Encapetado! – agora chorava como se fosse tão inocente, jogado no chão, encostado na parede. Ia sair dali com no mínimo um traumatismo craniano.
- Onii-chan!? O que é isso? – Yuzu berrou assustada lá de cima.
- Está tudo bem! – Ichigo respondeu à loirinha.
- Ichigo? – agora era Rukia a assustada. – O que está acontecendo? Está tudo bem?
- Ah! – corou violentamente. O que ela ia pensar que estava se passando na sua casa? Uma espécie de festa porque tinha arranjado uma namorada? Uma matança? – N-nada... Só um amigo sem noção... – agora se alegrava por ela estar apenas no telefone e não ter que olhar naqueles olhos que podiam ser tão maliciosos...
- Hmm... – ela tentava compreender. – Então, oito horas.
- É. Isso. – não queria expor informações demais ao moreno que, mesmo nocauteado, ainda podia ser bom ouvinte e fofoqueiro. – A gente se vê... Tchau. – despediu-se.
- Ahn... Ichigo! – ela chamou antes que ele pudesse desligar. Agora sua voz estava diferente. Não era nem assustada nem histérica. Tampouco era tão fria e direta como em sua primeira frase. Parecia hesitante de um modo... De um modo... Pode-se dizer pequenissimamente caloroso? – Está tudo bem? Quero dizer... Não foi à aula hoje e... Bem, o professor Shinichi passou um trabalho imenso sobre o tópico novo...
Por um instante esqueceu-se de Keigo ali e o que mais o chateava. E não compreendia bem o porquê.
Aquelas mudanças dela... Às vezes parecia seu próprio regente, a Lua.
- Eu estou bem. – respondeu agora com a voz tranqüila como a dela. Os dedos pararam de esmagar o pobre aparelho. – Fiquei só cuidando da minha irmã que torceu o pé na escada... Pode me passar o trabalho depois? – o rosto esquentava devagar e o coração corria cada vez mais depressa.

- Claro. – respondeu como se estivesse sorrindo gentil. – Faltou por um motivo nobre.
Ficaram um tempinho
em silêncio. Talvez apenas uns dez segundos. Mas não deu para ser desagradável.
- Então, até logo. – ele disse.
- Até. – ela desligou.
Ele suspirou batendo o telefone no gancho.
- Então... Ela é de medicina também? – os olhinhos de Keigo brilhavam. Nem parecia mais que tinha apanhado feio.
- Não enche! – ele resmungou e pôs-se a subir as escadas novamente.
- Poxa Ichigo... Que é que custa você me contar? Somos amigos há tantos anos... Aposto que o Chado sabe! – fez beicinho como se fosse comover o ranzinza.
- Keigo... Já deu né? Pode voltar pra sua casa, não preciso mais de você. – fez um gesto com a mão despachando o amigo. – Aliás, não me lembro de ter precisado em nenhum momento... – fez-se de pensativo.
- Ahhh! – as lágrimas voltaram a irrigar o rosto dramático do jovem. – Impiedoso! Impiedoso! É tudo culpa da sua namorada! Está esquecendo os amigos! Mas você vai ver! Quando eu estiver saindo com a Ruky-chan, não vou mais precisar de você! E também não venha mais me procurar! – saiu fungando e choramingando até a porta da rua e bateu-a teatralmente.
- É RUKIA! – antes de subir, Ichigo teve que bater o pé no degrau da escada e bradar.

*****

Deu uma última olhada no espelho. O leve vestido preto acinturado na altura dos joelhos tinha rendinhas nas pontas, no decote quadrado e nas meias mangas arredondadas. Todas cor de pêssego, assim como a fitinha que marcava a cintura. Calçou suas sapatilhas pretas mais confortáveis para dar um tratamento merecido aos pés maltratados. Teve medo de sentir frio... Mas afinal, era primavera! E a noite estava agradável, podia sentir pela janela aberta.
-“Hoje não estou vestida como uma criança.” – pensou. Mas logo em seguida franziu as sobrancelhas para o próprio reflexo e balançou a cabeça. – Hunf! Vou procurar meu cordão de coelhinho.
Depois de colocar o último acessório, dirigiu-se ao corredor e alcançou logo a cozinha.

Rangiku ainda não havia voltado. Só esperava que não estivesse aprontando por aí. Encontrou Momo com a mão na porta, prontinha para sair.
- Aonde vai, mocinha? – perguntou assustando a moreninha.
- E-eu... – virou-se para ela. – Eu só vou visitar o Shiro-chan no apartamento ao lado.
A jovem de olhos azuis espiou sua protegida cuidadosamente com um ar desconfiado típico de uma capricorniana observadora. Ela estava de cabelos presos num coque e usava um vestidinho velho verde claro de alcinhas. Não parecia alguém que ia sair para longe.
- Certo.
Abriu a porta e saiu. Aquela frieza lhe doeu no peito. Mas suspirou torcendo consigo mesma para que aquilo passasse logo.

****

- Eu não tenho nada com a Rukia, Chiharu! Estou falando sério! Parece até que você quer que eu tenha. – reclamava o homem de cabelos castanhos avermelhados cuja franja caía pelo meio dos olhos afundado no sofá de sua aconchegante sala.
- É claro que eu não quero. – ela fechou os olhos empertigada. – Só não acho justo você continuar enganando minha amiga. Qual é a sua? Depois de fazerem as pazes convida o pivô para um emprego? E ainda se oferece a acompanhá-la em seu primeiro dia?
Ele suspirou pacientemente. Encarou a morena de cabelos ondulados seriamente.
- Chiharu... Eu pensei na Mai antes de pensar na Rukia. Ela não aceitou. Você estava lá de testemunha. Se eu ofereci esse emprego à Rukia foi porque sei que ela devia estar precisando. Ela veio de outro lugar, está se instalando. Fui apenas gentil e educado. E eu só vou acompanhá-la para que ela possa conversar melhor com a minha prima e tudo mais... E a Mai vai junto. Ainda teremos esse pretexto para ficar juntos. E eu quero que ela mude de idéia também. Não tem nada a ver com a Rukia. Esqueçam isso, vocês duas, por favor. Não distorça tudo.
Chiharu ajeitou-se no sofá de frente para Ashido. Ponderou um pouco. Absorveu bem suas palavras.

- Certo... Pode ser que não tenha nada a ver então. – admitiu a derrota desviando os olhos para a mesinha de centro de vidro que sustentava dois livros sobre Direito. Estavam mesmo por toda a parte. Tinham até substituído algum objeto que decorava a mesa da última vez que esteve ali... O que era mesmo? – Então Ashido... Por que ameaçou terminar com ela?
A expressão daqueles pacientes olhos azuis não mudou. Ele apenas inclinou-se para a visitante, sua quase cunhada, olhando-a mais de perto.
- Eu só não quero que ela sofra. Só isso. – soltou um curtíssimo suspiro. – A Mai tem estado muito insegura e carente... Sei que por minha causa... Mas isso não é saudável para o relacionamento, nem para mim, nem para ela. Se ela quer que eu me dedique a ela, lógico que me dedicarei. Sou o namorado dela e a amo. Mas agora eu preciso de um tempo pra mim... Só um pouco... E talvez fosse melhor ela esperar sem ter que me esperar tanto, entende? Eu achei que ela não estava tendo tantos problemas em me compreender...
Puxou um meio sorriso. Afastou uma mecha dos compridos cabelos para trás da orelha e o encarou de volta.
- Você é um cara decente. – disse. – Talvez... Talvez a Mai que esteja sendo muito birrenta mesmo. Como sempre. – soltou o ar. – Ela é assim desde criancinha...
- Mas ela está certa dessa vez. – afirmou. – Eu tenho estado ausente... Mas é tanta coisa na minha cabeça... – cobriu os olhos com a mão e sua respiração ficou mais pesada.
- Se você realmente não tem nada com outra mulher... Então as coisas vão voltar a ser como eram... Acho que vão. – ela tentou encorajá-lo.
- Ela ainda está chateada comigo? – ele perguntou com o rosto receoso.
- Só enciumada. – ela respondeu. – E incomodada.
- A Mai é tão difícil... Tem horas que não consigo entendê-la... Ela guarda tanto as coisas para explodir do nada... Às vezes parece tão doce e às vezes tão deprimida e agressiva... Parece confusa também... Queria que ela conversasse mais comigo.

Que ela também me contasse os problemas que às vezes a afastam de mim como eu fiz. Me preocupo com ela.
Ficou quieta, mordeu o lábio inferior e desviou novamente os olhos. Sabia que a amiga ainda não tinha conseguido ser totalmente ela com o próprio namorado... Ele merecia que fosse, certo? Ele realmente estava agindo de boa fé. Que bloqueio gigantesco!
- Quando estamos juntos ela fica bem... É inteligente, criativa, inspirada... Mas tem momentos que ela não diz nada... Parece estar sofrendo... E também me preocupo com as notas baixas dela... Sei que ela é inteligente. Mas me preocupo de ela nunca alcançar os objetivos dela desse jeito... E estive pensando seriamente que isso tudo pode ser culpa minha... Ela só reclama de tudo, só explode no último momento! Como vou saber o que estou fazendo de errado? – encarava os próprios pés, estava perdido.
Chiharu levantou-se. Agora entendia.
- A Mai que você ama é a temperamental... A doce, inteligente e criativa com suas crises...
- Mas não entendo. Ela não era assim! No começo ela era tão dominadora e segura... E tão carinhosa e esforçada... E espirituosa, brilhante, inovadora, sedutora... Agora parece mais medrosa, relaxada, carente, infantil... A culpa é toda minha?
- Não. – Chiharu olhou para a janela que exibia o céu escuro suavemente iluminado pela lua lá fora. – A culpa é dela. – voltou a olhar agora para um Ashido levemente confuso. – Cuidado Ashido. Cuidado com você, cuidado com ela. Podem estar existindo nessa história duas Mais.
Caminhou então para a porta e saiu por conta própria, deixando o homem sem respostas.
Duas Mais. O que ela queria dizer? E por que ela seria a culpada?
Olhou para a lua tão serena e confiante no céu. Alheia a todas as correntezas que aconteciam dentro de sua alma pisciana. Soberana e segura, como ela. No fundo... Dependente daquele sol lá atrás...

****

 

No meio de uma pequena multidão, na maioria composta de casais de namorados de braços dados e vozinhas melosas pra lá e pra cá, Rukia tentava localizar os cabelos laranjas que não eram difíceis de se destacar.
Encontrou. Encostado num canto da parede, todo anti-social com os braços cruzados e o rosto virado.
Foi até ele.
- Oi Ichigo. – cumprimentou diretamente, parando na frente dele.
Olhou para ela. Finalmente tinha chegado. Desceu os olhos por toda aquela linda figura. As bochechas começaram a queimação. Pensou
em Keigo... Então aquela baixinha era... Era mesmo bonita, não era? Pensou em Mai. O que será que pensaria se descobrisse que estavam saindo juntos?
- Hei! – ela acenou na frente dos olhos dele. – Está dormindo?
No que estava pensando, afinal? Apertou costumeiramente as sobrancelhas. Eles não “estavam saindo juntos”. Não daquele jeito que todos bem sabem o significado. Eles eram obrigados a fazer isso. E afinal, por que estava se diminuindo? Ela era bonita. Mas também não era seu maior orgulho. Não precisava exagerar!
- Eu ia dizer que hoje não tinha vindo fantasiada de criancinha. Até eu me deparar com isso! – apontou para o pingente de coelhinho pendurado pela correntinha prateada.
- Como se eu me importasse com sua opinião. – ela cruzou os braços e empinou o queixo. No fundo estava feliz. Não tinha sido exatamente por isso que colocara aquele colar? – Prefiro ignorar seu preconceito com os animais.
- Eu não tenho preconceito com animais! – retrucou berrando.
- Certo, certo. – ela saiu andando na frente. – Vamos escolher o filme logo!
- Irritante... – rosnou entre dentes, mas acompanhou-a.
Acabou que só encontraram um filme para o horário. O filme que toda aquela gente parecia estar interessada
em ver. Era uma comédia romântica sobre um casal composto por um homem sensível e paternal e uma mulher policial e autoritária tentando provar a qualquer custo que seu casamento iria para frente mesmo sendo tão diferentes e fora do padrão.
- Parece interessante. – Rukia examinava o cartaz.

- Essas irritantes mulheres autoritárias... – Ichigo murmurava com sua maior cara de tédio enquanto comprava as pipocas. – Estão por toda a parte...
- Hmm... Com licença vocês dois... – um jovenzinho franzino de cabelos lisos e escuros e um olhar caído dirigiu-se timidamente à dupla. – Vocês vão assistir a esse filme? – apontou para o cartaz.
- Vamos sim. – Rukia respondeu. – Por quê?
- O-obrigado. Eu só... Queria saber... Hehehe. – ficou vermelho e pôs uma mão atrás da cabeça enquanto soltava uma risadinha sem jeito e ao mesmo tempo fofa.
Rukia achou estranho, mas sorriu educada. Ichigo só arqueou uma sobrancelha...

****

- E é isso, Shiro-chan! – a menina terminou a história com a voz manhosa e as sobrancelhas indignadas. – Eu estou inconformada!
- É Hitsugaya... – o menino retrucou sério, de braços cruzados. Levantou-se da cadeira em que estava sentado com a mesma expressão e foi andando para dentro do apartamento.
- Ei, ei! – ela chamou quase chorosa. – Eu vim aqui te contar meu drama e você vai sair assim, me deixar sozinha?
- Hunf. – ele só virou o rosto crispado para trás com os olhos azuis indiferentes. – A culpa é sua por vir me contar um absurdo desses.
- Ah! – ela quase deixou o queixo cair. Levantou-se em seguida segurando com força a beirada da mesa. – E é assim que se diz meu amigo?! – lutava contra as tremedeiras da voz.
- É. – ele devolveu. – Concordo totalmente com a tal da Rukia.
- Argh! – ela bateu o pé no chão. – Então... Então... - foi cerrando os punhos e contraindo o rosto em busca de uma ameaça qualquer. – Então eu nunca mais vou contar nada pra você! Nada! Não somos mais amigos! – e saiu batendo pé, toda pirracenta até a porta por onde saiu.
- É um favor que você me faz... – o pobre menino prodígio amansou o rosto e ventou a frase num suspiro gelado e num olhar derretido de dar dó.


****

Escolheram o lugar em silêncio.

Foram andando até o meio das fileiras de poltronas e sentaram-se lado a lado, olhando ao redor ou para a grande tela que ainda estava branca, mas que logo começou a brilhar com os trailers.
Nenhum dos dois falava nada. Às vezes o olhar dele caía sobre ela, mas logo desviava. Às vezes o olhar dela caía sobre ele, mas acabava levando-o a outro ponto.
Até que ele pensou em algo:
- Hmm... E então Rukia... – conseguiu captar o olhar dela e sem saber o motivo, começou a enrubescer levemente. – Sobre a aula de hoje...
- Com licença... C-com licença... Ahhh! – o garoto de antes, que perguntou do filme, apareceu de novo passando pelas pessoas e tropeçando com seu copo de refrigerante e o sacão de pipocas.
- Cuidado! – Rukia tentou bloquear o possível banho que tomaria com as mãos, mas felizmente o garoto não havia derrubado nada.
- Me desculpe senhorita. – ele pediu com o rosto rosado quando se reequilibrou. – Eu sou mesmo muito desajeitado...
- Não tem problema. – ela disse com um olhar compreensivo. – Só tome mais cuidado.
- C-certo. – ele assentiu com a cabeça e ficou ali parado, sorrindo feito bobo.
O que irritou o ruivo de cabelos espetados, claro, que foi interrompido tão violentamente.
- Ei! – foi logo com seu mau humor pra cima do jovem de cabelos lisos. – Não vai sentar não? Vai ficar olhando com essa cara de pastel a vida toda?
- Ahh! Me desculpe! – ele desculpou-se novamente e sentou-se ao lado de Rukia, fazendo com que ela ficasse no meio dele e de Ichigo.
- “Aff, e ainda sentou do nosso lado” – o canceriano revirava os olhos. – “Era só o que faltava”.
O filme então começou. Os créditos começaram a surgir nos cantos de uma cena de casamento, com a musiquinha clássica e tudo o mais.
- Hmm... Rukia, você não quer pipoca? – Ichigo ofereceu, agora tinha se dado conta de que ela não tinha comprado.
- Ah. – ela olhou para ele. – Só agora que você me pergunta? Achei que fosse comprar pra mim. – falava baixinho para não atrapalhar o filme.

- Sua ridícula! – ele murmurou de volta. – Por que eu faria isso? – enfiou um punhado na boca e mastigou nervosamente.
- Por que eu sou sua graciosa alma gêmea... – piscou os olhos repetidas vezes para ele numa imitação irônica de menininha apaixonada. – Mas parece que você esqueceu-se disso. – afundou na cadeira macia e virou o rosto para o casamento que acontecia no filme.
- Como você é nojenta. – resmungou para ela com a boca cheia de pipoca. – Também não vou te dar nenhuma!
- Não precisa. Não quero nada que você tenha tocado com suas mãos de quem odeia animais. – um sorrisinho venenoso despontou no cantinho dos lábios dela.
- Lá vem você com essa história de novo! Petulante. – desistiu. Como podia levar tudo no sarcasmo? Não tinha outra linha de humor? Não enxergava nada mesmo.
- S-senhorita... – o garoto do lado chamou com sua vozinha hesitante. – Se não se importa... Pode comer pipocas comigo. – sorriu vermelho e sem jeito.
- Oh, que gracinha. – ela fez mais pra provocar. – Como se chama menino gentil?
- Hanatarou. E a senhorita?
- Rukia. – ela sorriu para ele. – Muito obrigada por me oferecer. Mas eu não gosto muito de pipoca.
Como assim?! Fez tudo aquilo só pra irritar?
- O Ichigo devia aprender a ser mais gentil como você. – ela continuava implicando, conversando com o tal do Hanatarou.
- Hmm... E o que é que ele é seu, Rukia-san? – o jovem piscou os olhos curioso.
- Ele é... – nesse momento nem ela sabia o que dizer. O que ele era afinal?! – Ahn... Ele é só um encosto. – sorriu enfim provocando uma veia latejante na testa do ruivo.
- Ah, sim. Achei bem estranho uma garota como você saindo com alguém como ele... Sabia que não podiam ser namorados. Hehehehe! – ele riu daquele jeitinho de novo, tão despretensioso e casual e capaz de quase matar o coração de um certo espetadinho.
- Hahaha! – Rukia riu junto. – É claro que não somos namorados, sem chance!

- Calem a boca vocês dois! – o ruivo sussurrou forte, entre dentes, ameaçador. – Eu quero escutar o filme! – e recostou-se novamente na poltrona com os olhos fixos na tela. Fixos na tela, mas soltos em pensamentos... Voando no vasto ar de sua insegurança. De novo aquele papo!
Os dois então se calaram. Ficaram assistindo ao filme quietos por algum tempo.
Rukia concentrou-se, em seus grandes olhos azuis as cenas se refletiam e seu rosto demonstrava bastante interesse no que se passava na telona.
Ichigo era complexo dizer. Apesar de querer prestar atenção no filme, se sentia incomodado com aquela situação. Não conseguia se aproximar de Rukia... E não podia ignorar aquele pivete com olhar de peixe morto secando a baixinha o tempo inteiro.
- Ei! – cutucou o moleque por trás da poltrona de Rukia, sem que ela percebesse. – Qual é a sua? O filme é lá na frente! – sussurrou caprichando na sua cara de mau que sempre espantava os medrosos.
- Ah-ah... É mesmo... – ele coçou a cabeça sem jeito. – Vou me lembrar disso, hehehe! – virou-se para frente com aquele vermelho nas bochechas que já estavam enlouquecendo Ichigo.
- “Vou me lembrar disso?! O que ele quer dizer? Com certeza está de sacanagem com minha cara. Pirralho idiota, não vou deixar barato...”- lutava contra si mesmo e seu sangue fervente.
- Oh! – de repente, o rosto da pequena se iluminou completamente. – Coelhinhos! – parecia mais do que nunca uma criança com a boca aberta e toda aquela admiração só por causa dos bichinhos que apareceram no filme.
- Você gosta mesmo de coelhos, hein? – Ichigo comentou alternando o fim das pipocas com goles de refrigerante. – Por quê?
- Eu não sei... – o rosto dela chegava a estar mais corado. – Mas eles são tão... – parou. Olhou para ele agora envergonhada. O que estava dizendo? Parecendo com uma criancinha de novo?
Mas ele não tinha uma expressão recriminadora. Na verdade parecia interessado
em saber. Com cara de rabugento como sempre, mas não recriminador.

- Ahn... Sabe... Eu tenho uma criação de coelhos... – Hanatarou disse intrometendo-se novamente na conversa do casal.
O que fez Ichigo quase arrancar um braço da cadeira.
- Jura? – o rosto de Rukia virou para o franzino mais reluzente que nunca. – Meu sonho sempre foi ter um! Será que poderia arrumar um pra mim? – até a voz dela estava diferente, o ruivo reparou cerrando os dentes tão forte que estavam até fazendo barulho.
- C-claro, Rukia-san. – ele sorria tímido. – É só me dar seu telefone.
Ela remexeu-se toda feliz na cadeira.
- ELA NÃO VAI DAR TELEFONE NENHUM! – de repente Ichigo ouviu-se berrando.
E não só ele, mas todos no cinema. O que fez com que seu rosto adquirisse a plena cor do seu sangue que parecia querer entrar em erupção por todos os seus poros.
- Ou! Cala a boca aí, cara, a gente quer ver o filme! – alguém reclamou lá atrás.
- É, idiota, vai gritar no ouvido da sua avó!
E de repente começou a chover pipocas e resmungos em cima do pobre canceriano.
Rukia estaria morrendo de rir se ainda não estivesse se sentindo chocada com aquele berro tão... Tão repentino.
- Ichigo... – ela murmurou quando o povo decidiu parar e voltar ao filme que, era o motivo de eles estarem brigando afinal. – Que idiotice foi essa? – as sobrancelhas pequenas estavam franzidas e os lábios comprimidos.
- N-não foi nada. – ele queria esconder-se na sua casca a qualquer custo. Era tudo que ele mais queria. – Eu só perdi a paciência. – falava pra dentro, como uma criança repreendida e sem graça.
- Era só um telefone... E você não tinha nada a ver com isso! – continuava sussurrando meio acusadora. Mas se pudesse olhar nos olhos dela, veria que ali também morava um quê de espanto e preocupação.
- Claro que tenho, sua idiota! – ele devolveu ainda em tom baixo, agora olhando para ela, ainda vermelho. – Como você pode sair dando seu telefone pra qualquer um só por causa de um maldito coelho?
Agora foi a vez dela se sentir a criança repreendida. Encolheu os ombros e pôs a cabeça no lugar. Era verdade...

Fora bem estúpida... Mas ainda assim não era motivo para ele gritar daquele jeito! E muito menos pra chamar os coelhos de malditos.
- Não diga “maldito” coelho. – ela resmungou bicuda, claramente na defensiva depois de estar totalmente errada e sem saídas. – Eles nunca fizeram nada pra você!
- Hunf! – ele virou o rosto ainda sentindo-se mal, com aquelas pontadas agressivas no peito. – Vê se pensa melhor antes de sair se deslumbrando com as coisas.
Ela calou-se. Bufou. Não tinha mais o que dizer a seu próprio favor.
E ele lançou mais um olhar fulminante àquele retardado que continuava sorrindo como se tudo fosse um grande show de comédia.
Parecia até o... O... Ah! Melhor deixar pra lá!

****

O resto do filme foi passado normalmente. Ainda que o tal do Hanatarou olhasse para Rukia feito bobo e tentasse pegar a mão dela – os olhos castanhos e atentos do ruivo não desperceberam de jeito nenhum! -, não tivera coragem de fazer nada. Ichigo o ameaçava constantemente em silêncio.
E ele continuava a sorrir como se fosse inocente. Sonso.
Até desistira de puxar qualquer assunto com a branquinha dos cabelos negros. Sabia que ele interromperia e estragaria tudo novamente e que pior, tudo acabaria em mais uma confusão.
As raras vezes que ela fazia algum comentário, ele já havia desanimado de dar continuidade. Apenas respondia rapidamente, o que não adiantou nada para nenhum dos lados.
Finalmente os créditos finais começaram a subir na tela escurecida. As luzes foram se acendendo e todos se levantando e tomando seus rumos para fora da sala.
- E então, o que achou do filme? – Rukia perguntou quando eles andavam para fora, lado a lado.
- Eu gostei. – respondeu depois de hesitar um pouco. Só conseguiu mesmo prestar atenção no finalzinho da estória, então não podia dizer muito.
- Eu também! – mas ela parecia um pouquinho mais empolgada. – Até que me identifiquei um pouco com a personagem principal.
Agora já estavam lá fora, no meio de uma pequena nova multidão que chegava para as próximas sessões.

Ficaram calados sem saber como proceder. Então o encontro já tinha acabado ali?
- Ahn... Acho que devemos ir embora agora, né? – ela disse meio sem jeito.
- Hum... É. – ele assentiu meio entristecido. Que inferno, tinha que ser sempre assim?
Ela já se preparava para dar um passo a frente, para se destacar dele e ir embora, quando ele impediu:
- Rukia! – chamou fazendo-a parar e olhar para ele. – Er... – coçou a nuca e inclinou a cabeça. – Me desculpe pelo escândalo...
- Não, tudo bem! – ela balançou a cabeça compreensiva. – Eu... Eu não agi certo, obrigada por ter me acordado.
- Aquele moleque... – Ichigo cerrou os punhos de novo. – Aquele idiota estava dando em cima de você, não percebeu? – ficou vermelho de novo, agora mais visível por causa da luz. Mas o rosto estava tão fechado em sua fúria, que dessa vez deu para perceber que a cor não era por causa da vergonha.
- Eu... Não percebi. – ela admitiu sentindo-se idiota de novo. Ingênua demais. – Mas... Por que é que isso te deixou com tanta raiva a ponto de gritar daquele jeito e agora estar fazendo essa careta?
Tapou instintivamente a boca com a mão. Por que foi que perguntou aquilo? Sabia que ele era esquentado por natureza. Não tinha motivo algum para tentar entender as ações daquele ouriço maluco!
- Eu... – corava mais. – Eu não... Eu só... – desviou o olhar. – Só não posso deixar isso acontecer na minha frente! Quero dizer, você estava comigo! Quero dizer... Nunca se sabe as intenções dele. E... Ah! Fala sério, Rukia! – cruzou os braços agora bufando.
E ela teve que se segurar firme para não rir daquela visão.
Até perceber onde aquilo tudo estava dando... Ele estava... Com ciúmes?
Não! Não podia ser...
E ela... Estava se sentindo bem com isso?
Não! Que idiotice!
- Não acredito que está com ciúmes, Ichigo. – ela espetou. – Você sabe que... Que não temos nada, não é? – não sabia o que eram aquelas palavras escapando de sua boca.
Mas se pareciam muito com um escudo.

E aquela espetadela foi como uma cravada de espada no peito do ruivo.
- C-claro que sei! – apertou mais as mãos em volta dos braços cruzados. – Eu não estou com ciúmes, babaca! Eu só não vou deixar que aconteça nada com uma mulher que está comigo. Só isso. – virou o rosto o mais que conseguiu. Sabia que podia estar denunciando qualquer coisa que estava sentindo com qualquer expressão de seu rosto ou olhos.
Mergulharam novamente em um silêncio incômodo. Por que ela não ia embora? Por que ele não parava de tentar esconder o rosto na parede e tomava alguma atitude?
- Rukia-saaan! – de repente, aquele garoto de olhos caídos apareceu correndo e acenando para a capricorniana.
- Ha-Hanatarou. – ela espantou-se.
- Que bom que te encontrei. – ele arfava segurando os joelhos, recobrando o fôlego. – Não queria que fosse embora antes de... Antes de... – só continuou respirando forte.
Os olhos do ruivo já estavam ligados de novo debaixo das sobrancelhas cerradas.
- Antes de quê? – Rukia inclinou a cabeça para ele curiosa.
- Antes disso. – ele olhou diretamente no rosto dela e foi se aproximando numa velocidade considerável.
Ela ficou paralisada por um segundo. Mas quando deu por si e ia reagir, um certo caranguejo possessivo o fez antes. Só viu o punho dele cortando o ar e aterrissando na bochecha do garoto que cambaleou e quase caiu no chão.
- Hanatarou! – os olhos azuis arregalaram-se, achou que ele fosse cair com tudo. – Ichigo! – virou-se para ele. – O que você...
- Vamos embora. – segurou o braço dela. – Eu te levo em casa. – lançou um olhar vitorioso e ao mesmo tempo irado para o garoto lá atrás que ainda estava desnorteado.
- I-Ichigo... – ela também estava um tanto desnorteada, olhando a mão dele agarrando seu braço com força e tentando acompanhar os passos seus passos rápidos.
- Vamos logo, não reclama! – ele resmungou. – Querendo ou não você está comigo agora. E quer saber? Deveria me agradecer.
Andaram até o carro do jovem e ela entrou sem mais.

Antes que ele desse partida ainda pôde ver o rosto inchado de Hanatarou, porém sorridente acenando.
O que ele era afinal?! Estava chocada.
Afundou-se no banco e olhou para o ruivo que dirigia compenetrado, mas ainda com o semblante enfurecido.
Preferiu amassar todos aqueles pensamentos que rodavam em sua mente junto com toda aquela pulsação estranha no seu peito e jogá-las num canto. Não conseguia decifrá-las. E muito menos queria.
Muito menos queria.

****

- Bom trabalho, Hanatarou... – o loiro de chapéu listrado, sentado em sua poltrona azul escura novinha sorria mirando a tela, comendo biscoitinhos caseiros preparados pela menininha de marias-chiquinhas.
- Pobrezinho... Acho que vai ficar um tempo com o rosto inchado, não? – a mulher negra e misteriosa roubou um biscoito que o homem quase levava a boca e comeu-o.
- Não tem problema, acho. Ele ganhou bastante pra comprar um bom remédio. – pegou outro biscoito.
- Celeste-sama... Você é realmente celestial... – ela ironizou estalando a língua.
- Obrigado. – ele conteve um risinho. – Eu sei disso.


Continua...



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