Serpentes e Leões escrita por Gaia Syrdm


Capítulo 9
Um longo e difícil domingo (Parte I)


Notas iniciais do capítulo

Postarei no facebook as imagens deste capítulo só amanhã!
E FELIZ 2013!!!!!!!!!!!!!



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Nada a surpreendia, nem nunca o faria, porque ela era a Nick e era essa a sua sina.

"A cada milênio as gêmeas de Deus virão. Sempre nascidas em lados opostos, mas idênticas e incrivelmente poderosas, sempre em duas, as Nicks nascerão para manter o equilíbrio".

Essa era a profecia.

Essa era a lei.

Essa era ela.

Aquela que tinha os olhos de Deus.

Como se ser uma Princesa já não fosse um fardo a sustentar, como se não bastasse ser a Regente, como se ser filha de Era fosse fácil, Nihany ainda ostentava a marca da Nick Negra.

Era quase surtara de felicidade, afinal era aquela que parira a Nick. Mas, para sua infelicidade e raiva (e felicidade dela própria) apesar de tudo e de todas as profecias, ainda havia Andrey a sua frente. Assim como na de qualquer outro.

Capítulo 9 – Um longo e difícil domingo (Parte I)

– Nossa, o que aconteceu aqui?

– Hã! Ah, oi Brianc! Pensei que já tivesse ido a Hogsmeade. Do que você fala exatamente? – perguntou Chikage, no rosto a mais inocente das expressões. Brianc havia acabado de entrar no dormitório que ambos dividiam na Sonserina, mas o que vira o fizera ficar estático na porta.

– Dessa bagunça toda na qual você parece ser o autor – respondeu o colega mal-humorado. Era fato, Alan Brianc não gostava nem um pouco do japonês e suas esquisitices.

– Ah, isso! Estava procurando uma coisa. Mas não se preocupe, arrumo tudo antes mesmo de sair – Chikage respondeu, logo voltando novamente sua atenção para o malão que mantinha aberto. A sua volta todas as suas coisas pareciam estar espalhadas pelo chão, cama e escrivaninha.

Brianc chegou abrir a boca para falar mais alguma coisa, mas desistiu no meio do caminho. Desde a entrada daquele maluco ele e seus colegas de dormitório (Nott, Medina e Jolie) haviam feito um acordo não dito de ignorar o japonês (que de oriental só tinha o nome). Não havia um motivo em particular para isso, apenas não gostavam do seu jeito alegre, da forma como falava com todo e qualquer aluno sem se preocupar com a rivalidade das casas, do jeito como parecia não se importar com a guerra que ocorria no mundo bruxo, do modo como não se incomodava com o desprezo dos colegas e todo o resto. Tudo nele os irritavas, desde seu rosto andrógino a sua voz meio rouca. E o modo como vinha se aproximando de Malfoy, como conquistara quase todas as colegas de Casa e todo aquele mistério que parecia estar a sua volta... Mas, mais que tudo, Brianc odiava os olhos dele.

Respirou fundo, virou as costas e saiu, deixando a bagunça e o colega para trás, desistindo de se preocupar com ele. Tentando esquecer o arrepio que subiu por sua espinha enquanto se perguntava exatamente porque todos pareciam gostar tanto daquele cara. Ele era o sangue-ruim no ninho das cobras puras e todos pareciam simplesmente esquecer esse detalhe! Mas Brianc não esquecia e tudo o que mais queria era ver o oriental o mais longe deles, ficar livre do contato com seu sangue impuro.

Mas por que, diabos, sempre que pensava no assunto optava por simplesmente ignorar o outro? Por que todos pareciam fazer o mesmo? Por que ninguém estava fazendo algo para colocá-lo para fora? Onde estavam as ofensas que todos ali deveriam lhe dirigir? E como era possível que entre tantos alunos ele parecesse ser o único que ainda ligava para isso?

Brianc não entendia Chikage Kakinouchi. E com certeza não queria entender. Mas, estranhamente, também não conseguia manter seus pensamentos muito tempo neste assunto e, graças a Merlin, pelo menos isso era algo bom. Ou não?

Por estar de costas, Brianc não viu, enquanto fechava a porta e ia embora, que Chikage havia parado de procurar seja lá o que fosse e se mantinha parado, ajoelhado na mesma posição, sua busca interrompida enquanto ele parecia estar tentando ouvir algo, mesmo que nem um ruído tivesse sido feito.

"É, tem pessoas que tem uma intuição!" – pensou o sonserino voltando enfim a sua procura – Diabos, onde você foi parar, diário idiota? – resmungou, tirando do fundo do malão o que restava de suas roupas. Droga, tinha certeza que o tinha guardado! E não é como se Erick ou Chiaki pudessem ter entrado ali para sumir com ele (mania que pareciam nunca perder. Era uma sina, isso sim! Não havia uma única vez que achasse suas coisas depois de uma visita deles atrás de algo emprestado. Era até difícil saber quem era o pior! Talvez Erick, que apesar de ser um bagunceiro nato parecia realmente se divertir em ver Chikage revirando tudo atrás de suas próprias coisas.)

Suspirou, se jogando no chão e desistindo, temporariamente, da busca.

– Droga, onde é que você foi parar, caderno inútil? – resmungou, passando a mão na nuca e olhando a bagunça que tinha feito por nada. Aquilo lhe dava uma sensação de dejavu danada! Quantas vezes fizera a mesma bagunça atrás de algo que seu amigo de olhos bicolores perdera? Nem sabia! Retirar tudo do lugar era quase um ritual semanal! Pois Erick possuía um dom natural em perder tudo o que colocava as mãos, sempre pegando o que queria e nunca lembrando depois onde guardara suas devoluções. Mania que ele intensificara depois de saber que Chiaki vivia sempre bagunçando suas coisas, vivia fazendo-o perder um tempão para recolocar tudo no lugar apenas para ver tudo zoneado de novo em tempo recorde.

Mas ele não estava mais no Castelo Negro e não havia ninguém com quem tivesse tanta intimidade assim em Hogwarts. Também no era também como se um de seus colegas pudesse abrir seu malão. Então, quem? E por quê? Quando fora mesmo a última vez que o usara? Não lembrava... Pelo menos, dúvida que alguém pudesse lêlo, pois usara dois idiomas para escrever? Dois. Língua e fonética amarica, escrita em Katakana [1]. Com um bom feitiço repelente junto.

Se fosse uma brincadeira era do tipo proveniente do que ele chamava de humor distorcido!

Foi então que algo em seu malão atraiu seu olhar. Se houvesse alguém no quarto teria dito que foi muito estranho o modo como Chikage ficou imóvel, olhando algo dentro de seu malão por uns 20 segundos e então se levantou num rompente e olhou no relógio.

– Hein! Ah, Ni não acredito nisso! E você só me avisa agora?! Que maldade! Mesmo que não fizesse diferença alguma, preferiria que você tivesse me avisado mais cedo! Ok, ok, se nada foi dito antes é porque não precisava. Mas agora... Certo, o melhor é ir agora mesmo para Hogmeade – disse para o nada, puxando a varinha e, em um único gesto, tudo voltou para dentro de seu malão sem ordem nenhuma. Roupas, sapatos, balança, caldeirão, papeis, livros, objetos mágicos, tudo sendo guardado de qualquer jeito, num entulheichion típico de Chiaki. Mais tarde arrumaria tudo, o importante agora era se trocar o mais rápido possível e cair fora. Esquecendo o problema do diário sumido, sua mente totalmente focada em pensar num plano de ação.

Droga só esperava que ainda desse tempo?

Esquecendo-se de tudo Chikage deixou o dormitório poucos minutos antes de Draco e Harry chegarem a Hogsmeade.

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Quando Harry e Draco chegaram a Hogsmeade a grande maioria dos alunos já estava lá e o vilarejo, a despeito do frio, estava lotado. Foi fácil passarem despercebidos, parecendo apenas dois rapazes andando próximos e tentando conversar, eram dois alunos quaisquer, sem nada a destacá-los na multidão de adolescentes que iam e vinham.

Harry estava calado desde que saíra do Castelo (mesmo que desejasse muito tomar algo quente), esperando qualquer movimento do loiro ao seu lado, que também parecia quieto demais. Era estranho que aquele silêncio entre eles, normalmente tão bem vindo, fosse um incomodo ali. Malfoy estava estranhamente silencioso e obediente. Não reclamara dos caminhos tomados nem uma vez ainda! Parecia estar pensando em algo e Malfoy pensando definitivamente não podia ser coisa boa.

Chutou um pouco de neve enquanto andava, pensando no longo dia que ainda teriam e disfarçadamente olhou para o loiro ao seu lado. Bonito? Sim, ele estava. Em nada parecia o aluno insuportável que Harry conhecia, não era a toa que não haviam sido reconhecidos ainda. Foi então que Harry fez uma coisa que nunca tinha feito antes, mesmo com os muitos anos de convivência forçada: ele olhou para Draco Malfoy. Não da mesma forma que havia olhado na antiga masmorra há semanas, ou da forma rápida como de vez em quando o espreitava, nem como o fizera no banheiro, olhando rápido, meio por cima, pela primeira vez seus olhares para o loiro não eram rápidos e furtivos. Detalhes foram reparados. E Harry se viu desejando saber o que se passava naquela cabeça loira tão problemática.

Talvez se Draco estivesse mais atento ao seu redor tivesse percebido os olhos verdes fixos em si, mas não notara, pois estava cansado. Mas isso não era novidade. Cansaço era o que sentia desde a hora que acordara. Cansaço e sentimentos antagônicos. Lidar com Potter era mais difícil do que sempre imaginara e ao mesmo tempo era... complicado de definir. Draco passara tantos anos de sua infância sonhando com momentos como aquele no qual estava (ok, não exatamente igual, mas, de certa forma, em sua essência, era a mesma coisa)... Não sabia quando ouvira o nome Harry Potter pela primeira vez nem quando desejou conhecê-lo e muito menos quando seu desejo pela amizade do moreno começou. Mas lembrava muito bem que aos seis anos já se imaginava amigo do famoso Harry Potter, o melhor amigo e confidente do garoto que sempre lhe contaria tudo. Draco ainda lembrava bem da enorme expectativa que sentira no seu primeiro dia de aula. E dos sonhos que tinha. E um deles era exatamente esse: ir aos passeios à Hogsmeade junto do menino de ouro. Mas sua amizade fora rejeitada e Draco nunca achou que um dia o antigo sonho de infância se realizaria, não quando via Harry sempre junto dos Weasley e de Granger, não quando Potter não tinha mais espaço em sua vida para ele. Era um sonho infantil e como tal nunca se realizaria. Mas agora ali estava Draco, andando lado a lado de seu herói de infância, caminhando pela vila coberta pela neve, só os dois. O fato de não ser por vontade própria um detalhe. Um detalhe crucial, mas que podia ser esquecido naqueles poucos minutos no quais ambos apenas caminhavam lado a lado. E se fechasse os olhos, mesmo que por poucos segundos, Draco podia imaginar que seus pulsos não estavam presos, que eles não estavam em detenção, que Harry não o odiava e podia viver por segundos o sonho infantil.

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Ao contrário do que qualquer um acreditaria, e mesmo os dois diretamente envolvidos, a manhã em Hogesmeade saíra muito melhor do que o imaginado no mais otimista dos sonhos. Como todos os outros estudantes, Harry e Draco decidiram passar o dia visitando as lojas, assim deixaram a Zonko's para a tarde e passaram a manhã toda na Desdosdemel, com um rápido passeio pelo Correio. Ambos estavam lotados como sempre, e por milagre, nenhum encontro desagradável ocorreu com nenhum colega de nenhum dos dois. Uma sorte, já que não faziam ideia de como reagiriam caso isso acontecesse ou mesmo como explicariam sua situação (apenas Chikage, Hermione, Rony e Gina sabiam da detenção). Para evitar esbarrões, ambos andavam de cabeça baixa, procurando não despertar a atenção e evitando qualquer colega.

Também haviam optado pelo silêncio entre eles, a fim de evitarem mais desentendimentos e estresse. Harry parecia decidido a não deixar Trancy acabar com seu passeio e Draco havia resolvido que faria seu melhor para não causar mais brigas. Seu orgulho era um problema, mas se duas horas brigando junto a Harry já haviam deixado seus nervos em frangalhos quem diria mais 12h! Não, era melhor danificar seu orgulho a sua saúde. Depois, se Potter se comportasse ele também poderia ser educado. No fundo, Draco sabia que era ele quem sempre provocava o outro. Harry não era do tipo que arranjava confusão sem motivo.

Milagrosamente, tudo parecia estar dando certo!

Estavam tendo muita sorte! Além de nenhum dos colegas de classe que passaram pelos dois os terem reconhecido (o que os intrigou um pouco, afinal não era como se os dois, por mais disfarçados que estivessem, não fossem amplamente conhecidos no colégio), eles também não haviam encontrado nenhum de seus amigos (fossem os dele, fossem os de Harry, ambos sabiam o quanto a situação sempre ficava no mínimo atritante diante da presença de terceiros) e o único momento de tensão foi quando Draco viu a Weasley fêmea na fila da Dedosdemel. Mas a ruiva ou não os reconheceu ou os ignorou. Felizmente, Potter também não pareceu vê-la.

E os milagres não paravam por aí!

Harry, tentando fazer do dia o melhor possível e considerando a paz obtida no banheiro e ainda reinante como um enorme avanço, relaxava aos poucos, ficando mais a vontade e visivelmente mais animado a medida que sua cesta de doces ficava cada vez mais cheia. E ainda estava fazendo alguns comentários sobre um ou outro! Nada que exigisse uma resposta por parte do loiro, na maioria das vezes era como se falasse consigo mesmo, pegando e devolvendo doces dos mais diversos. Era impossível não se perguntar, ao ver quanto coisa o moreno pegava, o quanto ele escolhia para si mesmo e o quanto escolhia para os amigos.

Já a cesta de Draco estava quase vazia, pois não era tão fã assim de doces. Quando criança adorava manjar turco e sua mãe sempre lhe comprava um monte quando visitavam Londres (apesar de Draco ainda achar que ela fazia isso apenas para mantê-lo quieto durante o passeio), hábito que ainda permanecia e mesmo que ainda hoje ele não tivesse o costume de se encher de açúcar, ela nunca deixava de lhe trazer vários deles. Fora isso o loiro também gostava de doces que contivessem alguma fruta, com preferência pelos de laranja, coco ou morango.

Tão absorto ficou em suas lembranças que quase perdeu a única chance que Potter deu de iniciarem uma conversa amigável – não que tivesse alguma culpa em não ter percebido, pois o moreno mais expressara outra opinião do que iniciara uma conversa propriamente dita ("chocolate e morango são uma combinação perfeita, não acha?"). Por um segundo achou que o moreno apenas estava fazendo mais um comentário, sem esperar, nem desejar, nenhuma resposta então percebeu os olhos verdes sobre si e decidiu que devia responder algo. E a partir daí pegou todos os doces que Harry lhe indicou (e isso não era pouca coisa!). Sabia que não precisava fazer isso, mas não queria que o moreno achasse que estava fazendo pouco caso de seu gosto no único momento/assunto no qual estavam conseguindo interagir de alguma forma. (E lembrava a si mesmo nesses momentos que tinha resolvido que faria qualquer coisa para evitar outra briga naquela dia. Não queria agradar ninguém, apenas não queria brigar. A quem ele queria enganar, mesmo?).

Só quando saíram da loja que o sonserino percebeu que aquela havia sido a primeira vez, desde sempre, que haviam conversado. Não brigado ou se insultado, mas sim conversado! Depois de tantas ofensas trocadas nesses cinco anos e meio eles haviam conseguido finalmente uma conversada civilizada, mesmo que tal conversa fosse sobre doces já era alguma coisa. Draco poderia ficar chateado pelo fato de não ter podido se expressar melhor (ou até mesmo irritado consigo mesmo por ter sido tão passivo com Harry), mas estava feliz demais em agora saber mais sobre o moreno que não ligou realmente para o fato. E daí que seu conhecimento se limitava aos tipos de doce que Harry gostava? Sempre temos que começar por algo, não? Não era a mais importante das informações, mas era legal saber que ele preferia chocolate preto ao branco, gostava de morango, caramelo e de coisas doces. Era a primeira coisa pessoal que sabia sobre o moreno e o loiro sentiu seu coração se aquecer. Não era uma informação dos livros ou jornais, não era algo ouvido aqui ou ali, era algo dito para ele. E isso era alguma coisa. Sem valor, talvez, mas para o loiro, que não sabia absolutamente nada sobre o moreno que preenchia sua mente por muito mais tempo do que o saudável, era algo de valor.

Valia a pena ter concordado com tudo apenas para obter esse pequeno conhecimento. E sempre poderia dizer, no futuro, que fizera isso apenas para tornar a convivência forçada dos dois mais fácil.

Uma mentira, uma farsa, mas Draco estava acostumado com elas.

E, quem sabe, na próxima Páscoa Harry não receberia uma coruja anônima? Que absurdo! Como se fosse fazer isso. Como se pudesse se atrever a algo assim! Depois, mesmo que agisse de modo tão ridículo, seu chocolate nem seria apreciado. Entre tantos, seria mais um. Mas o mais provavelmente é que fosse parar em alguma lata de lixo. Num mundo em guerra, quando se é o alvo principal, aceitar coisas anônimas é obter um atestado de burrice.

No fim, não era uma informação que fosse usar, realmente, mas era bom imaginar o contrário. A imaginação era muito melhor do que a realidade.

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Chikage estava no Três Vassouras, sentado numa mesa ao fundo, o mais escondido que conseguia, invisível pela primeira vez em muito tempo. Ter se tornado tão popular em Hogwarts havia feito com o que o japonês se desacostumasse a inviabilidade causada pela solidão. Quem diria, ele, um garoto popular! Ele que sempre fora o esquisito e o rapaz que ninguém queria por perto. Quando fora transferido, tivera medo de não se enturmar, de voltar a ficar sozinho num canto; escola nova, país novo, língua nova. E no fim fora tão fácil! O estranho agora seria voltar para o Castelo Maldito. Mesmo com Nihany, Erick e Maxxcy lá, era muito melhor estar num lugar onde as pessoas gostavam umas das outras e não te olhavam como se fosse uma praga ambulante, uma barata nojenta na qual todos querem pisar e exterminar o mais cedo possível. Mas de que adiantava pensar nisso? O futuro não era bom, o futuro era negro, sem luz e trazia angustia. Depois, não era como se tivesse escolha. Não a tivera no passado e não a teria agora. O melhor era viver cada dia por vez, pensando o menos possível.

"Por que complicar as coisas desnecessariamente, não Chiaki?" pensou o japonês, lembrando-se das últimas palavras do moreno que tanto amava.

Suspirou e tomou mais um gole de chocolate quente. Em todas as mesas os alunos bebiam cerveja amanteigada, mas apesar do teor alcoólico delas ser mínimo, Chikage sabia muito bem como sua tolerância para álcool era zero. E tudo o que não queria era ficar bêbado ali e acabar falando mais do que devia. E ele definitivamente ficava falante quando bebia. Depois, adorava chocolate, mesmo que este não caísse muito bem com o almoço, que provavelmente nem pediria, pois estava nervoso demais para comer, fato claro pelo modo como batia o salto da bota de leve no chão, em um movimento ritmado que sempre se manifestava quando ficava ansioso demais.

Respirou fundo, tentando relaxar, não havia motivos para estar nervoso (e isso era uma mentira!). Tudo estava indo muito melhor do que o esperado, a manhã estava calma e ele ainda não tinha tido que interferir nem mesmo uma vez (um ponto positivo!). E se queria manter as coisas assim o melhor era ir na frente e reservar uma mesa num canto sossegado e privado (até podia induzir os ocupantes da mesa escolhida a irem embora mais cedo, mas isso era uma maldade desnecessária).

Estava tudo seguro. Por hora.

Ah, que correria! Tanta tensão emocional assim ainda ia fazer mal a seu coração.

Levou a caneca de chocolate aos lábios novamente, mas dessa vez não bebeu, pois dessa vez a usava para esconder os lábios e ocultar, até mesmo do mais atento observador, o movimento desses, assim como as palavras que eram murmuradas enquanto fingia beber, dando forma ao feitiço que faria a mesa a pouco metros da sua (e agora desocupada) continuar vazia por mais algum tempo. Talvez não precisasse disso, mas não se arriscaria, sempre podia aparecer um idiota na última hora decidido a estragar seus planos.

Pensando bem, chegava até a ser engraçado como algumas palavras de Nihany haviam mudado completamente seus planos do dia e o deixado atento e nervoso a qualquer coisa. Principalmente porque ela não especificara qual o problema que ele tão repentinamente deveria evitar, só lhe restando, então, manter-se atento e torcer para fazer (fosse o que fosse) direito e assim, no fim do dia, não dizer que a Nick perdera tempo o avisando para nada. Um aviso vago, é verdade, mas que se fosse claro significaria "não adianta, já deu errado" ou, como dizia Erick, "fodeu".

E lá estava seu pé batendo no chão de novo. Tinha que perder essa mania. Olhou no relógio mais uma vez, eles já deviam estar chegando.

Dito e feito. Neste momento dois rapazes entraram no pub, eles andavam muito próximos e usando toucas e sobretudos. Um sobretudo preto que ele mesmo pegara no malão de Draco. Sorriu, graças aos Céus os dois ainda pareciam estar numa boa! E escolhiam a mesa que deixara vaga para eles.

Não sabia ainda o que havia acontecido nas duas horas que haviam ficado sozinhos de manhã, mas devia ter sido algo significativo para que os dois conseguissem estar andando juntos assim, sem brigar ou tentarem matar. Mas quanto tempo essa paz duraria? Nihany havia dito para não perder os dois de vista e quando Nihany dizia algo não era prudente se fazer de surdo. Certeira como ela, só no inferno! Se bem que, pensando assim, havia toda uma lógica, uma vez que o Castelo Maldito podia muito bem ser apelidado de Inferno sem nenhum exagero.

Levou uma das mãos ao bolso do casaco, procurando uma das orelhas extensivas que comprara na Gemialidades Weasley, queria saber o que Draco e Portter conversavam. Contudo, assim que ergueu o olhar novamente, viu o resto do trio de ouro entrando.

Droga, devia ter previsto essa chegando!

E o pior? Ambos se dirigiam diretamente a mesa do amigo! Droga, droga, droga, isso ia dar merda! Draco podia até aguentar Potter, mas com certeza não daria conta de almoçar com o Trio Dourado! E isso poderia estragar por completo a paz que a dupla havia conseguido. Será que ainda havia tempo...?

O que fazer?

Num rompente, Chikage se levantou, cortando a distância que o separava da dupla Weasley-Granger, parando bruscamente na frente deles. Tão rápido que Rony chegou a se perguntar de onde ele surgira.

– Wow! Olá! Quanto tempo, não? Vão almoçar aqui também? – perguntou com seu melhor e mais aberto sorriso. E ninguém diria que segundos antes o rapaz tinha achado a chegada do casal algo ruim.

– Acho que isso é bem óbvio, não? – respondeu Hermione altamente mal-humorada – Por que mais viríamos aqui?

– Ah, nunca se sabe, às vezes procuram alguém, outras apenas estão com sede. Ou talvez queiram um banheiro e esse era o mais próximo, também pode ser...

– Hauhuahua, cara, você é uma piada. Já te disseram isso? – perguntou Rony sem perceber o olhar sério da amiga. Chikage riu, encarando os olhos achocolatados dela. Percebeu o quanto o jeito desligado do amigo a irritava, mas claro que não disse nada. Não era como se ela fosse lhe ouvir.

Chikage queria impedir brigas, impedir encontros, mas agora também agia por impulso. Sua ação impedira os recém-chegados de ver Harry e Draco, mas também impossibilitara a chance de que estes não vissem os amigos. Só restava esperar que ambos mantivessem o acordo de "sem amigos".

O que Harry quase não fez e quase os chamou, mudando de ideia ao perceber Kakinouchi ali e não disfarçando sua expressão de desagrado. Como que sentindo esse olhar, Chikage moveu-se disfarçadamente, fixando seus olhou verde azulados nos olhos verde esmeralda. Poucos segundos, nos quais Harry soube que Chikage os tinha visto desde o início e agora agia de modo a afastar seus amigos deles. Draco também percebeu o que acontecia e sorriu rapidamente para o amigo, agradecendo. O rápido sorriso que Chikage deu em retribuição, junto com o piscar de olhos, fez Harry revirar os olhos irritado, a cena que presenciara de manhã ente os dois voltando a sua mente. Realmente aqueles dois mais pareciam um casal se comunicando sem palavras. Que irritante!

– Sem amigos, Potter. Se fosse Pansy ou Blaise, você não iria querer que eles se sentassem com a gente, iria? Se sim, chame os seus amigos para o almoço e nós jantamos com os meus amigos. Uma troca justa, não? Ou a "justiça" só lhe convém quando é útil para você? – Draco disse num tom falsamente suave e doce quando percebeu a indignação de Harry frente a atitude do outro sonserino. E o moreno quis mandá-lo para o inferno, mas se conteve, sabendo que o outro estava com a razão. Haviam feito um acordo e seu senso de justiça somado a seu heroísmo não lhe permitia quebrá-lo (também não podia forçar seus amigos a dividirem com ele aquele péssimo dia). Depois, não era preciso muito para imaginar que uma mesa composta pelos cinco não daria muito certo.

Contudo, no fundo, achava que o plano de Kakinouchi (para ajudar a Malfoy) não funcionaria. Mesmo depois de praticamente brotar na frente de seus amigos para assim bloquear a visão de ambos, ele era baixo e Rony alto. Era óbvio de que seriam vistos!

No entanto, supreendentemente, o plano improvisado do oriental deu certo! Algumas palavras e um autoconvite para almoçarem juntos (sorte Rony aceitar tão fácil o convite!) e o encontro fora evitado com sucesso! Isso irritou Harry, aceitar a ajuda do oriental tantas vezes no mesmo dia acabava com seu estômago.

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Já era quase duas horas quando Harry e Draco entraram na Zonk's. Essa era a loja favorita do moreno, mas diferente do que ocorrera na Dedosdemel, o moreno não parecia agora estar tão disposto a falar. O clima ameno de antes substituído pela insatisfação e tensão passadas no almoço. Draco preferia que continuassem a conversar sobre qualquer idiotice do que manter-se naquele silêncio irritante.

"Será que Harry estava bravo com o que dissera no almoço?" – pensava, sem saber que a causa do mau-humor do moreno era apenas com a situação na qual estavam. Era muita coisa de uma só vez! Detenção, passar o dia algemado a Malfoy, não poder ficar com seus amigos e ainda precisar da ajuda de Kakinouchi para evitar mais desentendimentos mútuos.

Não entendia como Malfoy podia estar tão bonzinho sendo que havia sido particularmente insuportável de manhã. Seria possível que eles tivesse tramando algo? Ou estivesse, finalmente, amadurecendo? Seria por isso que o loiro tinha se afastado de seus amigos, preferindo ficar com Kakinouchi? Isso seria entendível. Como o loiro conseguia se relacionar com seus colegas, sempre fora um mistério para Harry. Com Crabbe e Goyle até entendia (mesmo que não muito bem), os dois eram dois grandes descerebrados e sua ganguezinha muito lembrava a de Duda: um monte de idiotas e burros onde o mais idiota e mais burro comanda. Entretanto, pensando racionalmente, ao andar com dois gorilas burros demais para contestar qualquer coisa ao seu lado Malfoy se protegia. Os dois eram os guarda-costas perfeitos, uma vez que não tinham inteligência nem vontade de questionar o loiro sobre nada e cumpriam sua missão de impor distância – ninguém poderia dizer que eles não eram grandes e fortes. Era uma lógica bizarra, mas tinha sentido, até porque Malfoy não os chamava pelo primeiro nome, o que mantinha entre eles uma distância calculada, como se estes fossem seus empregados e o loiro não quisesse intimidade demais.

E Blaise? Este era um aluno inteligente, pelo que sabia.

Mas o que explicava a amizade com Parkinson?

Ela era feia, irritantemente aguda, metida, maldosa, muito preconceituosa e não tinha nenhuma qualidade. Harry já tinha visto muitas outras sonserinas melhores do que ela (a amiga loira dela, inclusive). Sempre achara besteira todos falarem que ela namorava Malfoy, afinal o fato de ela ser a única garota do grupo dele não indicava um possível relacionamento deste com ela. Era o mesmo que dizer que Hermione era sua namorada. E o fato de ela ir com Malfoy no baile de inverno do 4º ano também não dizia muito, ele fora ao baile com Parvati, sem que isso nada significasse. E se Hermione já não tivesse sido convidada por Krum, provavelmente teria ido com Rony.

Mesmo assim, com certeza havia sonserinas melhores que namorariam o loiro (sim, sonserina, porque o fato dele ser considerado um dos mais bonitos alunos de Hogwarts (?) não dizia muito. Por mais que as meninas gostassem do o jeito menino bonito malvado, o fato de olharem para ele não significava que elas ficariam com ele). Não havia porque ser Parkinson. Não havia nada que justificasse isso a ideia de que Malfoy estava interessado na menina.

Mas estaria interessado em Kakinouchi? Seria isso possível?

"Mas para isso, ele teria que ser gay, o que não deve ser" – pensou, olhando pelo canto do olho o loiro ao seu lado – "E nem Kakichi parece ser. Mesmo que eles tenham agido como se isso fosse possível. Não. Eles deviam só estar tirando uma com a minha cara".

Sim, só podia ser isso. Por que Malfoy era assim e nunca perderia uma oportunidade (por mais estranha que esta fosse) de irritá-lo. E pensar que por um instante (devia ter sido enfeitiçado para pensar isso) pensara que esse passeio não estava sendo tão ruim quanto achara que seria... Que passar tanto tempo junto do loiro ao seu lado sem querer socá-lo poderia ser possível, por mais irreal que isso pudesse soar. Que havia chegado ao cúmulo de pensar que Malfoy, apesar de ser um riquinho metido, preconceituoso e sem conteúdo, podia não ser insuportável o tempo todo.

Mas não um dia inteiro porque isso já era pedir demais, não?

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Se tinha uma coisa que Hermione nunca ia entender era por que meninos gostavam tanto de quadribol e eram tão viciados por ele (meninos, no caso, podia ser lido como Ronald Weasley). Não que quadribol não fosse legal e que ela não curtisse assistir os jogos, não que ela não achasse um esporte uma coisa saudável, mas Rony definitivamente exagerava na sua paixão pelo esporte. E pensar que seu amor pelo jogo era tão grande a ponto de conversar a respeito até com um sonserino! E como se isso já não fosse demais, ainda o havia convidado para ir com eles comprar artigos esportivos!

Como isso era possível?

Tudo bem que Kakinouchi não se encaixava muito no padrão sonserino, mas ver Rony deixando-a de lado para conversar com ele a indignava!

Por que Rony tinha que ser tão desligado?! Isso era com certeza a coisa que ela menos gostava no ruivo: seu jeito desligado somado a uma teimosia que o impedia de ver certas coisas. Ele sempre fora cabeça-dura, mas às vezes se superava! Ele era tão diferente de Harry! Harry estava sempre pensando nos outros. Pensando dessa forma, poderia até acreditar que estava dizendo que Rony era egoísta. Mas não era? Não, exatamente. Rony apenas queria chamar a atenção, queria ser diferente, queria que as pessoas reparassem nele e gostassem dele, no entanto, não podia culpá-lo por tais desejos. Era o sexto filho, era natural que se desejasse atenção, principalmente tendo irmãos como os seus: Gui e Ginaeram inteligentes, bonitos e muito populares, Percy era inteligente, bom aluno, bem visto e talentoso, Fred e Jorge, eram inteligentes, talentosos, alegres e muito divertidos, Carlinhos era inteligente e ótimo jogador. E Rony? Rony não era bonito, alegre, engraçado, divertido, bom aluno, responsável ou nem bom jogador de quadribol. Mas era um excelente estrategista, honesto e tinha medo de aranhas. E Hermione o amava exatamente por ser assim. Por ter conseguido se tornar um bom amigo, um amigo leal, por ser sincero em seus sentimentos para com Harry, mesmo que o moreno fosse tudo o que ele sempre quis ser: famoso, especial, único, inteligente, corajoso, bom aluno e ótimo jogador. Poderia se pensar que com o tempo Rony se afastaria, não aguentando viver sob mais uma sombra, mas não. O ruivo era leal demais para se afastar e Hermione tinha muito orgulho dessa característica dele. Rony tinha muitos defeitos, ela sabia, sabia que ele era invejoso, teimoso, bobo, desligado e um pouco grosseiro. E definitivamente não entendia os sentimentos dos outros. Mas era leal, amigo e corajoso. E suas qualidades em muito compensavam seus defeitos.

E daí que, lá no fundo, ele tivesse um pouco de inveja do amigo? O que importava era que ele gostava demais de Harry para se deixar levar por esse sentimento. Rony queria ser como Harry, mas não queria que Harry se desse mal em algo para se sentir melhor. Queria ser igual sem para isso rebaixar o melhor amigo. Hermione admirava tal qualidade. Nem todos conseguem agir assim.

E o fato de se sentir inferior ao moreno e até mesmo a ela não o afastava dos dois. Rony preferia continuar sendo o "amigo de Potter" a ser "Rony Weasley", preferia continuar vivendo na sombra a perder o amigo.

Foi por isso que se apaixonou por ele? Não sabia. Já se dera conta do que sentia em relação ao amigo ruivo há tempos, mas não era como se houvesse um motivo. Rony era Rony e por si só era especial.

Pena que era desligado demais para reparar nos sinais que ela lhe mandava. Pena que estava mais encantado com uma vassoura do que com ela. Era a primeira vez desde o 3º ano que visitavam Hogsmeade apenas os dois e Rony preferia passar seu tempo vendo vassouras com um sonserino a ficar com ela. Aquilo machucava. Mostrava bem o quanto ela era importante para o garoto que há tanto tempo observava.

Respirou fundo e saiu da loja sem olhar para trás, pedindo internamente que o ruivo ao menos notasse sua saída, mas foi com grande decepção que a garota chegou ao lado de fora e viu através do vidro que ele ainda não se dera conta de sua partida.

"Ronald, seu idiota" – pensou, seguindo por um caminho qualquer, perguntando-se se se tinha alguma chance ou devia desistir de vez do amigo. Odiando-se por sentir ciúmes de Kakinouchi que surgira do nada na frente deles e ainda tinha toda a atenção do ruivo mesmo sendo um sonserino, que o arrastara com ele do Três Vassouras sem levar em conta a opinião do oriental.

Ainda esperou que o amigo viesse atrás dela, mas depois de 10 minutos desistiu e decidiu aproveitar seu passeio sozinha. Visitou as outras lojas, comprou alguns livros, comeu uma varinha de açúcar e passou um bom tempo com Nevile, Luna e Gina (que perguntaram se vira Harry, mas ela dissera que ele não fora a Hogsmeade – sabia que seo moreno quisesse ser reconhecido não estaria fazendo o possível para passar despercebido).

Quando se separou dos três já havia passado das 17h e muitos estudantes já faziam o caminho de volta ao Castelo. Estava frio, mas a neve não deveria voltar a cair até o fim da tarde, e a garota andava chutando a neve de leve, admirando o modo como os flocos de gelo dançavam no ar. Tão distraída estava que quase esbarrou em Kakinouchi. Ele estava de costas e Hermione considerou seriamente se deveria fugir do colega que sempre a abordava mesmo sabendo o quanto a desagradava, mas seu estranho comportamento rapidamente chamou sua atenção.

Não importava onde andava, Chikage era do tipo que se destacava, não só por ser naturalmente bonito ou andrógino, mas porque sempre se vestia de modo chamativo. Não tinha reparado no almoço, mas por algum estranho motivo, Kakinouchi estava estranhamento discreto. Vestido com roupas em diferentes tons de castanho (sobretudo, touca, botas, cachecol e luvas), as correntes escondidas pelo grosso cachecol, assim como boa parte de seus cabelos, cujas pontas, somente, escorriam pelas costas, o japonês estava estranhamente comum.

E como se não bastasse, estava decididamente se escondendo, e não parecia ser dos colegas, mas sim de alguém especial. Ou como explicaria o fato dele estar claramente escondido atrás de uma árvore, o corpo encostado no tronco marrom, uma mão enluvada encostada na madeira, na altura de cabeça, olhando algo com muita atenção.

Hermione se perguntou se alguma vez vira o sonserino tão distraído com o que acontecia ao seu redor.

– O que está fazendo, Kakinochi? – perguntou a garota rudemente. Sua intenção era parecer inquisidora, mas o susto genuíno que o rapaz levou também a assustou e ele encostou-se na árvore como se tivesse acabado de ser pego por um professor numa travessura.

– Deus meu! Granger! Que susto me deu, menina! – disse o japonês com a mão no peito, os olhos verdes arregalados – Ai, meu coração!

– Não estava com Rony?

– Oh, bem, isso já faz tempo e aqui não há tanta coisa assim de quadribol para ser vista. Mas combinamos de ir a loja do Beco Diagonal quando possível, apesar de eu achar que Weasley vai acabar se decepcionando, eu não entendi muito a diferença das vassouras ou os diversos artigos que parecem existir e muito menos decorei o nome dos times, mas consegui pegar um básico a partir do que já assisti dos jogos no Castelo. Ele sabe muito! Mas Weasley ficou de me arranjar um livro que explica tudo. Aliás, você saiu quando estávamos vendo uma vassoura, não é? Não sei o nome e, sinceramente, para mim é tudo vassoura, mas. Até ia te perguntar o que houve, mas pensei que como eu você não é muito fã do esporte, sua cara estava de total desagrado! Ele ficou preocupado com a sua ausência, até foi atrás de você. De início, pensamos que você fosse voltar, mas como não voltou, nos separamos e desde então eu não o vi mais. Mas acho que é porque fui na Zonk's e vocês foram lá de manhã.

– O que tanto olha? – perguntou Hermione, mudando rapidamente para o assunto que queria, a cabeça girando depois do enorme relato do outro.

– Se eu disser que nada, você acredita?

– Não.

– Nossa, que frieza! E neste tempo gelado nós não... – mas Hermione não o deixou terminar e esticou o pescoço tentando ver o que tanto prendera a atenção do rival, sem perceber a careta que este fez diante do seu gesto. E qual não foi sua surpresa ao ver a distância dois rapazes andando muito juntos e completamente ocultos por suas roupas de frio.

– Está seguindo os dois?

– Eu?! Claro que não! – disse, ativando seu modo mais dramático. Rapaz irritante ele! Mas antes que Hermione dissesse algo, Chikage suspirou e retornou a sua expressão "feliz a qualquer hora", dizendo – Ok, eu estou. Não que alguém tenha me contato que esses dois quase se matam o tempo inteiro, eu meio que percebi, sabe? Então fiquei com medo de eles realmente se matarem hoje, depois de tantas horas presos. Que cara é essa? É bem possível sabia? Eu os deixei sozinhos na sala de Trancy às 8h e às 9h quando peguei as roupas de Draco eles já estavam quase se azarando! Então fiquei imaginando o que não fariam até às 22h! Mas eles fizeram um acordo que exclui amigos por companhia então pensei "ok, não preciso estar junto, posso apenas ficar longe e se eles derem a entender que vão tentar duelar mesmo estando grudados um no outro, então eu posso aparecer e tentar botar algum juízo em suas cabeças".

– Desde quando os está seguindo?

– Desde que chegamos aqui. Isso era umas 10h, acho.

– Perdeu seu primeiro passeio em Hogsmeade para ficar cuidando deles? – interrompeu a garota antes que ele desembestasse a falar de novo. Começava a se perguntar se ele não fazia isso exatamente para impedir os outros de falarem.

– O que mais eu poderia fazer? Draco é meu amigo! E eu sei o quanto esses dois nunca antes conseguiram ter uma conversa civilizada! Eu não conseguiria aproveitar o passeio sabendo que eles podem se meter em confusão.

Ok, depois dessa, Hermione tinha que admitir que o oriental ganhara alguns pontos. Nem ela, nem Rony, tinham tido a ideia de vigiar o amigo e tentar impedir algo pior de acontecer, mesmo sabendo muito bem o quanto a relação dos dois era difícil e o quanto a chance deles se machucarem durante a detenção era alta, mas por mais que uma briga pudesse causar problemas ao amigo, não acreditava realmente que Malfoy pudesse ferir Harry. De repente, se sentiu uma péssima amiga.

– Está tão preocupado assim? – perguntou, sem tentar esconder a surpresa.

– Bem, isso é normal, não?

– Espera aí, se os está seguindo desde cedo, quer dizer que eles também estavam no Três Vassouras? – e ante a um aceno positivo de cabeça do japonês – mas você saiu de lá comigo e com Rony!

– Não consegui dizer não. Weasley me fez o convite com tanta boa vontade, achei que negar o convite seria uma tremenda falta de educação. Então apenas torci para que não demorássemos, quer dizer, não podem existir tantas vassouras diferentes assim para serem vistas! Por sorte, foi fácil reencontrá-los – disse o japonês com um sorriso, lembrando da tensão que sentiu quando recebeu o convite do ruivo. Estava quase negando quando decidiu que arriscar-se poderia não ser um desastre, desde que tomasse algumas precauções, afinal já vi o estrago que aqueles dois conseguiam causar com apenas 5 minutos de briga. Por sorte, nem Hermione, nem Rony, nem Harry ou Draco tinham percebido algo.

– Poderia ter nos contado.

– Hum... é que... – disse o oriental, passando a mão na nuca, como se tentasse colocar fosse o que fosse em palavras – Para isso, também teria que contar que eles estavam no Três Vassouras. E... fiquei com um certo receio, sabe? Draco e Weasley parecem se dar pior do que Potter e Draco e... fiquei com medo. Sabe como aqueles dois brigam por qualquer besteira – era estranho ver Kakinouchi sem jeito, com medo de ofender alguém e tentando medir as palavras.

– Então, tirando o tempo que ficou com Rony está fazendo isso o dia todo?

– Sim. Mas você foi a primeira pessoa que me pegou no flagra! Você realmente é muito atenciosa, menina!

E se tinha uma coisa que deixava Hermione sem saber se estava feliz ou zangada era quando era elogiada pelo japonês!

– Ei, já que você me descobriu, quer me fazer companhia? – Chikage perguntou – Ainda faltam pouco mais de 5 horas para os dois saírem do castigo e se algo der errado eu poderia contar com sua ajuda para acalmar os ânimos. Potter escutaria você. O que acha?

Mais 5 horas. Só por um milagre esse dia acabaria bem. Conhecia Harry bem demais para saber como ele odiava o loiro e ainda sabia como ultimamente esse mesmo loiro o estava afetando. Talvez o melhor fosse mesmo manter um olho nos dois.

Mas passar mais tempo com Kakinouchi estava completamente fora de seus planos.

– Prometo que se eu falar te incomoda tanto, eu fico caladinho. Você nem perceberá que está comigo. Vamos, é chato bancar o detetive sozinho.

E se alguém perguntasse a Hermione por que foi que ela disse "sim" ela não saberia dizer.

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Só quando retornavam ao Castelo, mais de uma hora depois, que Chikage percebeu que convidar a garota podia ter sido uma péssima ideia. Com ela ali, não poderia agir tão livremente e teria que tomar muito mais cuidado. Sim, péssima ideia. Assim como ter confessado que vinha observando Harry e Draco o dia todo. Devia ter mentido e dito que apenas os vira e ficara preocupado. Sim, isso seria o melhor a fazer. Fora impulsivo e agira sem pensar.

Droga, aquele era definitivamente o dia das ideias ruins!

Pelo menos as coisas ainda pareciam estar bem.

Céus, quase tivera um treco ao deixar os dois sozinhos depois do almoço, mesmo tendo tomado todas as precauções possíveis estava mesmo com medo, por isso arriscara feitiços perigosos. Por sorte, Harry e Draco tinham mantido a palavra e não tentaram falar com ninguém (aleluia!) e Rony e Hermione não perceberam nada. Assim, com um Confundus bem aplicado, ele conseguira passar apenas 10 minutos com Rony e fazê-los pensar que tinham conversado por quase 40 minutos! Os dez minutos mais tensos das últimas semanas!

Por sorte o dia já estava acabando, m as não podia relaxar ainda. As coisas sempre podiam dar errado no último minuto! E tinha péssimas experiências que comprovavam isso.

E ele ainda tinha um problema pela frente: o que fazer quando todos voltassem ao castelo? Mesmo que fosse mais fácil para os dois passarem despercebidos dentro do Castelo, era muito mais difícil para ele manter um olho neles!

O que fazer? E pensar que de manhã, quando deixara os dois sozinhos, achara que a convivência forçada seria boa, pois acalmaria os ânimos exaltados...

Olhou para o lado, observando Hermione, que andava calada e pensativa, sem ter muita certeza do porque estava andando com Kakinouchi, mesmo que a ideia dele parecia tão lógica!

E para alguém preocupado, Chikage parecia muito relaxado.

Ou isso ou ele era um bom ator. Assim como Luna dissera, quando todos comentavam o quando Kakinouchi era dramático, como se estivesse atuando numa peça cômica, tornando suas expressões e movimentos exagerados. Lembrava bem das palavras que na hora ignorara: "ele age como se a Terra fosse um grande palco no qual atuamos. E mais, transforma a vida numa peça cômica, numa coisa alegre, como se a tristeza não pudesse atingi-lo. Ele só mostra o que quer que vejamos. É difícil confiar em alguém que passa o tempo todo atuando. Ou num mundo próprio, ignorando o mundo real". Hermione não acreditara nessas palavras, afinal por que alguém agiria assim?

Agora, começava a pensar se a corvinal não tinha razão.

– Ah... Kakinoichi, você não...

– Ei, é a primeira vez que você quase acerta o meu nome! Ah, desculpe, prometi ficar calado.

– Hn. Seu nome é difícil. E já é pronunciado de tantas formas que nem sei qual é a certa.

– Sei bem com é isso. Nomes estrangeiros são um ó! Mas uma forma fácil de lembrar, pelo menos para mim, é contando as sílabas.

– Contando as sílabas?

– Sim. Veja, em inglês, meu nome tem cinco sílabas. Então, na hora de falar, é só ir contando – explicou, fazendo a contagem de sílabas com os dedos enquanto falava – Ka-ki-no-u-chi. A maioria das pessoas esquece o U, mesmo que eu tenha ouvido algumas variações bizarras. Até de Kaiki já fui chamado!

– É que seu nome é muito complicado.

– É, pode ser. Sempre tive um pouquinho de problema com ele – disse, olhando para cima e colocando o indicador sobre lábios, como se lembrasse de algo.

– Mesmo no Japão? – perguntou, curiosa.

– Oh, sim! Nomes japoneses costumam ser longos, mas normalmente são formados com apenas dois kanjis. O meu tem três, isso complica um pouco.

– Kanjis? Oque é isso?

– Em japonês, provavelmente você sabe, a escrita não é fonética e sim ideográfica, ou seja, utiliza-se de ideogramas. Você já os viu, não? Aqueles conjuntos de símbolos que significam uma palavra inteira – e ante a um aceno positivo, continuou – No Japão esses ideogramas são conhecidos por kanjis e quando os pais escolhem um nome para seu filho escolhem os kanjis que serão usados para escrevê-lo, muitas vezes sendo a escrita propositalmente escolhida para dar algum significado específico. Isso pode soar meio confuso porque um mesmo nome pode ser escrito de várias formas, e como a leitura dos kanjis se altera de acordo com os kanjis do lado, é comum não sabermos escrever ou ler o nome de alguém. Para ter uma ideia "kaze" junto de "yo" lê-se "fuuko" e "shuichi" pode ser escrito tanto a significar "estudioso" como "primeiro filho". Por isso muitos se apresentam já dizendo como seu nome é escrito – explicou o sonserino e, ajoelhando no chão, Chikage começou a escrever na neve com o dedo [2] – Por exemplo, meu nome, Kakinouchi Chikage – disse, escrevendo 5 símbolos na neve – Chikage é escrito com a junção de dois kanjis, ou, se preferir, duas palavras distintas, mas não há uma única forma de escrevê-lo. Só o "chi" pode ser escrito como "sangue", "terra", "conhecimento", "paz" ou – explicava o garoto, escrevendo os diferentes kanjis na neve – "mil", como é o caso do meu nome. Já "kage" pode ser escrito como "fantasma", "sombra" ou "segredo". No meu caso se escreve como "sombra". Assim, meu nome pode ser lido como "mil sombras". Então, se eu estivesse no Japão, ao me apresentar eu diria: meu nome é Chikage, com o kanji de mil (chi) e de sombra (kage). Às vezes acontece do seu nome inteiro já possuir um único kanji próprio, como "Satoshi" ou "Megumi", mas ser escrito com a junção de outros kanjis, ficando com o mesmo som, mas outra escrita. São muitas as variações! Ah, o primeiro kanji do meu nome, o "chi" ou mil, se estiver sozinho lê-se "sen".

– Os nomes de vocês são escritos com palavras do dia a dia? Quer dizer, você chama alguém de Estudioso? Como se isso fosse um nome próprio?

– Sim, isso mesmo. Até mesmo verbos podem ser nomes, como "mamoru", que é o verbo proteger no infinitivo. Ou "iku" que é ir e "sen" pode ser escrito como mergulhar. Com os sobrenomes acontece o mesmo.

– Como é seu sobrenome? – perguntou Hermione, curiosa.

– Kakinouchi é escrito com o kanji de cerca, (kaki), de campo (no) e de dentro (uchi). Só no dicionário existem 10 formas de se escrever "kaki"! – e ao dizer isso voltou a escrever na neve, mostrando alguns dos estranhos símbolos que, mesmo com significados diferentes, tinham o mesmo som (ou podiam ter).

– Como ficaria o meu nome em japonês?

– Assim – e ele voltou a escrever na neve – Ele fica mais simples porque seu nome é estrangeiro e palavras estrangeiras são escritas por meio de um alfabeto fonético, apenas. São três os alfabetos japoneses, um fonético para o japonês, o Hiragana, um para línguas estrangeiras, o Katakana, e os kanjis, com seus significados específicos. Quando o kanji é menos conhecido, ou está escrito em um livro, revista, manga ou qualquer coisa direcionada a pessoas mais jovens, que podem não conhecer seu significado e leitura, é costume usar o Hiragana para escrever a pronuncia do lado do kanji.

Hermione assentiu, sem nem perceber quando tinha abaixado para acompanhar a explicação, fascinada pela explicação. E quando ergueu os olhos notou que ele a olhava. Ele sempre fazia isso, encarava as pessoas de frente, profundamente. Muitos diriam que isso demonstrava confiança e era um bom sinal, mas aquilo definitivamente a desagradava, sem que ela soubesse o motivo.

Ficaram abaixados mais um tempo, olhos verdes fixos nos castanhos, sem palavras ou ações. Até que ele ergueu uma sobrancelha, num gesto muito parecido com o de Malfoy, e sorriu.

– Que frio, não? – comentou, ao levantar. A grifinória apenas concordou, movendo a cabeça num gesto afirmativo, os olhos fixos no último kanji do nome japonês, tentando lembrar porque toda aquela aula de japonês tinha começado. Se não se enganava ela ia dizer algo a ele, mas não se lembrava o que era.

Seus pensamentos foram novamente interrompidos quando viu a mão enluvada dele estendida, num oferecimento mudo de ajuda para que ela levantasse. A garota ainda hesitou por um momento, mas aceitou a gentileza dele.

E foi então que aconteceu.

Mesmo com a chegado da neve (que viera mais cedo que o normal), que se amontoava em diversos lugares, o frio ainda não estava forte o suficiente para congelar a água do enorme lago e suas margens mais pareciam estar cobertas de lama, pois ao derreter os pequenos cristais de gelo misturavam-se com a terra quase sem vegetação. Por causa disso, poucos estudantes se aventuravam a chegar tão perto dos limites do lago e foi exatamente pro este motivo que Harry e Draco haviam optado por voltar ao castelo pelo caminho próximo as águas escuras [3].

Para não correrem o risco de serem flagrados espiando-os, Hermione e Chikage tinham preferido andar há uma distância segura dos dois, o que lhes permitiu assistir toda a cena que se desenvolveu poucos metros à frente.

Um diabinho vindo sabe-se lá de onde parecia ter feito da região sua casa, ao ver os dois se aproximando, pareceu achar engraçado pregar uma peça nos bruxos e pulou de seu esconderijo direto para a cabeça deles, usando-as de trampolim, num movimento tão ágil que não permitiu que os dois reagissem a tempo, nem que Chikage o impedisse.

O susto fez com que os dois perdessem o equilíbrio e escorregassem devido a fina camada de gelo que revestia o chão [4]. E estavam perto demais da água para não caírem nela, o não estava gelada o suficiente para matá-los, mas estava fria o suficiente para congelá-los.

Foi tudo tão rápido que Chikage agiu por puro impulso, sem tempo para pensar em nada. E Hermione nem percebeu exatamente o que aconteceu. Tudo o que a garota viu foi Harry e Malfoy conversando, o diabinho e os dois caindo no chão.

Sua mente até registrou outros fatos, como o modo como Chikage estralou os dedos enquanto movia rapidamente o braço, o fato impossível de que Harry e Malfoy escorregassem e caíssem exatamente no mesmo lugar (ainda mais levando em conta que escorregar no gelo era quase sempre o mesmo que patinar sem freios!), a incoerência existente no modo como ambos ficaram mais sujos do seria possível pela quantidade de neve suja (parecia até mesmo lama!) que havia no chão, o absurdo que era o fato de um único diabinho ter conseguido jogar dois rapazes no chão com tanta facilidade (mesmo com o chão escorregadio) e que absolutamente ninguém pareceu perceber o que acontecera, mesmo que Gina e Parkinson estivessem a poucos metros deles. Detalhes percebidos, mas jogados no fundo de sua mente, sem que ela conseguisse se prender a eles, mesmo que sua mente gritasse que algo muito estranho ocorrera ali. Era como se ela não conseguisse pensar a respeito.

SL&SL&SL&SL&SL&SL

Tudo aconteceu tão rápido que nem Harry, nem Draco, tiveram muito tempo de registrar o que houve.

Primeiro, andavam de volta para o castelo e depois estavam estirados no chão, sujos até a alma de neve suja. Isso tudo sem que ninguém percebesse! Tudo bem que já havia anoitecido e estava escuro, mas seria mesmo possível que ninguém os tivesse visto?

Isso era... tão surreal. Surreal e catastrófico.

Porque se antes já estava difícil para os dois, agora o mundo ia desabar de vez.

– Não acredito nisso, Potter – resmungou Draco ao entrar no banheiro que mais cedo ambos haviam dividido. Como haviam conseguido entrar na escola e chegar ao banheiro era outra pergunta sem resposta.

– Quem não acredita no que aconteceu sou eu. Por que você sempre age como se a culpa do mundo fosse minha?

– Simples, porque é. Quem mandou ser Harry Potter? A culpa é sempre sua – Draco respondeu com evidente mau-humor. Todo o seu corpo estava gelado e dolorido pela queda e sua mente estava uma bagunça (de sentimentos, perspectivas e medos)! Não sabia mais o que fazer ou falar e tudo o que queria era que aquele dia acabasse logo para que pudesse se enfiar na sua cama e não sair de lá pelo resto da semana. Depois de um dia com Harry, era o mínimo que merecia.

– Escuta aqui, Malfoy... – o moreno começou, furioso, mas Draco não o ouviu, simplesmente acelerou o passo, forçando o moreno a acompanhá-lo. Ao chegar aos bancos, arremessou a mochila para qualquer lado, sem nem se preocupar em olhar e se jogou no banco, apoiando os cotovelos nos joelhos e as mãos no cabelos, fazendo a touca que os cobria deslizar para trás e cair.

Tanta coisa passou por sua cabeça naqueles poucos minutos!

Felizmente, Harry parecia ter esquecido o que ia falar e o loiro aproveitou aqueles poucos minutos de silêncio para tentar se refazer. Sabia que o moreno o olhava, mas não conseguia se preocupar com isso, não conseguia arranjar forças para se importar, mesmo sabendo que estava agindo de forma ridícula e fazendo um papel patético.

Não era assim que queria agir. Queria se erguer e mandar tudo para o espaço, colocar sua máscara, aquela que usava todo dia e há tanto tempo, e agir com naturalidade, queria irritar Potter e brigar com ele, queria mandá-lo para o inferno e fazer com o que o odiasse. Queria se afastar e não o encarar mais, salvo quando brigassem, pois estes eram os únicos momentos nos quais conseguia despertar no outro algum sentimento, ver nos olhos verdes algo despertado por ele, nem que esse algo fosse o ódio, era bom saber que Potter não era imune a sua presença e suas palavras. Porque o ódio era melhor que a indiferença. E Harry era sempre tão indiferente com ele, nunca nem o percebendo, só o vendo quando era irritado, provocado. Talvez Draco fosse masoquista. Talvez... Mas preferia significar qualquer coisa na vida do moreno a não significar nada.

Ou melhor, quase qualquer coisa.

Draco não suportava ver pena nos olhos dos outros e morreria se a visse nos olhos de Potter. Foi por isso que ergueu o olhar, vendo Harry parado do seu lado, quase encostado nele, olhos verdes fixos nos cinza, olhos que nada transmitiam do que se passava em suas mentes cansadas. Cansadas de brigar, se digladiar, se enfrentar e ofender. Cansadas da convivência forçada.

Quantos minutos passaram assim? Olhando um para o outro como nunca antes haviam olhado? Ou mesmo quem foi que desviou primeiro o olhar? Quem rolou os olhos para a direção oposta, no rosto uma expressão de cansaço? Quem sabe foram os dois, ao mesmo tempo.

Um suspiro que escapou dos lábios pálidos de Draco, impossível de ser contido, surpreso como estava com aquela interação inusitada e no momento menos esperado. O clima ainda estava pesado e desconfortável, mas algo entre eles havia mudado. Para melhor ou para pior, não sabiam. Lembrava o tombo na masmorra, com a diferença que dessa vez não havia corações disparados, nem hormônios adolescentes.

Seria ideal se pudessem apenas permanecer naquele silêncio, pensou Draco. Não que apreciasse o clima estranho que se instalara, apenas preferia a tensão ao desejo homicida de Harry.

– Malfoy, estou com frio – Harry disse, claramente desconfortável. E a fala do moreno trouxe uma horrível lembrança a ambos. Eles estavam imundos, molhados e gelados e precisavam urgentemente de um banho quente.

Mas Draco preferia correr o risco de pegar uma pneumonia a entrar na banheira com o grifinório. Não podia nem pensar nisso! Não quando seu corpo já reagira de forma altamente exagerada ao simples ato de Harry urinar como, por Merlin!, poderia sobreviver a um banho juntos?

Droga, droga, droga! Tinha que ter uma saída! Qualquer uma!

– Potter, se está achando que eu vou usar o mesmo banheiro que você, está muito enganado – e, por Morgana, que o moreno não reparasse no quanto sua voz estava fraca e tremida. De medo e de algo mais que Draco não queria admitir nem a si mesmo.

– Eu estou tão ansioso por isso quanto você, Malfoy – Harry respondeu sarcasticamente, voltando a se irritar – Mas além de congelar, não vou aguentar ficar sujo dessa maneira por mais 4 horas.

– Então vamos simplesmente fazer de conta que nem conseguimos ir direito ao banheiro por causa dessa corrente e vamos tomar banho juntos?

– Lógico que não, seu imbecil! Cada ideia! Eu nunca faria isso com você! – exclamou um Harry indignado. Indignado e irritado. Era impressionante o quanto o moreno conseguia se alterar e passar da calma para a raiva em tempo recorde.

– E como imagina que faremos para nos livrarmos de toda essa lama? – questionou o loiro cheio de sarcasmo. Estava sendo idiota de novo, sabia. Mas era melhor do que soar frágil novamente. Tinha que voltar a ser idiota e sarcástico porquenão aguentava mais ser frágil.

Draco quase podia ouvir a cabeça de Harry funcionando, trabalhando ao máximo, tentando sair da bizarra situação na qual se encontravam. Ficou quieto, esperando, pensando também, mas nenhuma ideia lhe surgiu. Ficou quieto até não aguentar mais o silêncio e se arriscou a perguntar – Então, como?

– Da mesma forma que usamos para ir ao banheiro – respondeu o moreno de repente, parecendo formular a solução ao mesmo tempo em que falava – Pensa um pouco! Um espera o outro do lado de fora, no fim não vai ser muito diferente de dividir o mesmo vestiário após um treino. Por sorte nós dois somos homens, não é como se o mundo fosse acabar por causa disso.

Nossa, Harry quase fazia tudo parecer fácil. Dois homens, né? Claro, isso eles eram, mas isso também não tornava a situação mais fácil para Draco, não mesmo, não porque Harry o fazia reagir muito mais do que qualquer garota que o loiro conhecesse. Queria ver se Harry estaria tão calmo assim se estivesse perante a ideia de dividir o banheiro com Chang ou a Weasley fêmea.

Draco não respondeu, simplesmente se deu ao luxo de novamente abaixar a cabeça, desviando o olhar, não sabendo bem como conseguiu camuflar o próprio esgotamento e nervosismo. Céus, não queria nem imaginar como tal situação ia se fixar em seus sonhos!

Perguntou-se se Harry estava realmente lidando com aquela sensação melhor do que ele ou se estava apenas sendo prático.

– Qual o seu problema? – Harry perguntou e Draco se questionou que tipo de emoções sua face estava transparecendo naquele momento.

– Se fizermos isso – o loiro respondeu devagar, pausadamente, a mente pouco atenta ao que dizia – Não poderemos fazer mais nada. Já ativamos a magia de Chikage uma vez, temos mais quatro vezes que serão perdidas, uma para você ou eu tirar a roupa, outra para se vestir e então de novo, para o que ficou em segundo lugar. Se não estivesse tão frio até poderíamos tirar a camisa juntos e economizar uma vez, mas com o frio de hoje isso seria pouco sensato. Pensou nisso?

– Melhor do que tomarmos banho juntos. Não vou usar a banheira com você nem se essa fosse a única alternativa.

Ah, esse era o Potter que conhecia, sempre arrasando-o mesmo quando não tinha a intenção.

– Essa com certeza é a alternativa mais lógica levando em conta que economizaríamos mais uma vez do feitiço que Chikage fez. Mas antes disso acontecer eu prefiro arriscar com o que quer que venha a acontecer nas próximas horas – respondeu o loiro, tentando fazer sua confiança voltar. Pelo menos, nos chuveiros, Harry não notaria o efeito que tinha sobre ele, o que seria impossível esconder se ambos fingissem que a banheira era uma grande piscina.

– Ah, que situação bizarra essa... – Harry gemeu e Draco sentiu vontade de rir baixo, mas estava tão tenso que não conseguiu. Tenso e duro como uma tabua.

– Só agora percebeu, Potter? – perguntou o loiro, mas sua voz não seguiu sua vontade e nem metade do sarcasmo que queria demonstrar estava presente. E a risada que Draco quis dar e não conseguiu Harry conseguiu.

Suspirando fundo, Draco levantou-se, decidido a não postergar mais aquele momento, a acabar com tudo de uma vez, ansioso demais para sair daquele banheiro. Banheiros com enormes banheiras costumam permear seus sonhos de outra forma (e ele não queria nem pensar nelas no momento!).

Para saber quem seria o primeiro, ambos optaram por um rápido jogo de par ou impar que Harry ganhou. Eles ainda trocaram um olhar tenso antes que Harry pegasse uma toalha e sua mochila, rumando para um dos boxes fechados do banheiro, abrindo o registro e esperando a água esquentar.

Sem que Harry precisasse dizer algo, Draco virou de costas assim que o feitiço de Chikage desativou, após Harry estar completamente nu da cintura para cima. Isso não só daria mais privacidade ao outro como também o impediria de perceber seus olhos fortemente fechados. Por Merlin, eles eram homens! Não havia nada de mais em ver um outro rapaz sem camisa, nem havia o menor motivo para seu coração disparar daquela forma! Harry nem tinha um peitoral tão lindo assim! Era magro demais, magro e definido como qualquer garoto de 16 anos. Mamilos escuros e ainda nenhum pêlo. E ele definitivamente não tinha reparado em nenhum desses detalhes!

Encostou-se na parede que servia de divisória dos boxes e passou a mão esquerda no cabelo, respirando fundo e tentando pensar em qualquer coisa, qualquer coisa que não fosse Harry nu no chuveiro bem atrás de si ou em sua mão registrando bem até demais os movimentos da corrente presa em seu pulso.

Pelas barbas de Merlin, ele ainda teria um ataque cardíaco!

"Pense em outra coisa, seu idiota. Pense em... sei lá, nas aulas, nos livros que tem que devolver, no Lord! Ninguém em sã consciência vai sentir alguma coisa pensando no Lord e seus olhos vermelhos" – ordenou-se Draco, respirando fundo, tentando ao máximo controlar a si mesmo.

"Pense em como a cara dele é assustadora".

A água caia quente por sobre o corpo do moreno atrás de si.

"Naqueles olhos vermelhos que parecem uma amostra do inferno".

A corrente que balançava de um modo ritmado demais.

"Em como ele todo parece um esqueleto".

O barulho da água cessando.

"Na sua voz que mais parece um silvo".

Podia ouvir o farfalhar da toalha que agora passava pelo corpo menor.

"No medo que sentia de suas ameaças".

Seu braço estava sendo levemente puxado para trás de novo.

"No quanto aquela tatuagem que ele inventara era asquerosa".

Um evanesço e a água do chão havia desaparecido.

"O quanto ele era sádico e parecia gostar de torturar os outros".

Os pés saiam do chão, um, depois o outro. Harry estava se vestindo.

"E aquela maldita cobra que nunca saia de perto".

Um barulho de zíper fechando.

"O quanto nada disso estava dando certo!"

Draco desistiu de tentar não pensar no exato momento em que Harry abriu a porta mal fechada do box e o encarou. Seus cabelos molhados caiam por seus olhos e o loiro ainda percebeu pequenas gotas de água traçando caminhos pelo peito do moreno. Não que estivesse olhando porque não estava! Estava era pirado e numa péssima situação. E Potter o olhava com curiosidade e interesse. Estaria percebendo algo?

Inclinou a cabeça para trás, tentando soar arrogante e indiferente, rezando para o outro não perceber o quanto o sangue que corria em suas veias estava quente e concentrado num único ponto de seu corpo. Sorte ainda usar o sobretudo ou não saberia como se explicar. Não que fosse se explicar, preferiria morrer a passar por essa situação.

– Só um minuto, já termino de me vestir – disse o moreno e Draco engoliu seco enquanto andava atrás dele, seus olhos notando demais o movimento de suas costas nuas. Nos músculos que se mexiam enquanto este secava os cabelos com a toalha. Havia algo de muito sexy em um homem de cabelos molhados usando apenas calças.

Queria tocá-lo, queria senti-lo, queria... tanta coisa.

Virou o rosto para o lado contrário (já que seu corpo não podia se afastar de sentir aquele calor e aquele aroma de sabonete e xampu emanando da pele do outro), procurando qualquer coisa para se distrair e não olhar para Harry.

Mas era tão terrivelmente difícil! E ele estava tão hiper-consciente de tudo o que se passava. Do modo como o moreno se inclinava para pegar as coisas na mochila, na contração de seus músculos enquanto se vestia, nos cabelos ainda úmidos. E como era possível que continuasse reparando em tantos detalhes quando nem sequer estava olhando?!

Respirou fundo pela enésima vez naquele dia e pegou a mochila, era sua vez de se livrar das roupas sujas e molhadas e seria muito bom também ter uns minutos só para si, se não estivesse tão frio, precisaria de um banho gelado! Também estava nervoso, tenso, tremendo e mal conseguiu se livrar das próprias roupas. A água quente foi uma benção, mas sua mente parecia estar consciente demais de que Potter estava de costas bem atrás, ouvindo tudo e percebendo cada um de seus movimentos. Como poderia relaxar assim?!

Respirou fundo, lembrando-se de usar ao máximo apenas sua mão esquerda (nunca gostou tanto de ser ambidestro), agradecendo mentalmente ao pai que sempre lhe ensinara a ser sangue frio (pena que nunca aprendera a lição por completo) e tentando ser o mais rápido possível, querendo urgentemente sair dali! Vestiu-se o máximo possível dentro do box, e quando finalmente saiu daquele maldito banheiro sentia-se tão tenso quanto uma corda esticada demais, pronto a arrebentar, perdendo o controle. Só rezava para sobreviver às próximas horas.

Continua...


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Notas finais do capítulo

- N/A: Nossa, o capítulo ficou tão grande que fui obrigada a cortá-lo em dois porque um só não postava!! O.o
Bom, sendo assim, a parte II vem no sábado, ok?
E nossa, esse capítulo foi bem difícil de escrever (mesmo assim gostei dele). Foram 49 páginas (mas apenas 28 postadas hoje), uma extensa pesquisa de imagens e uma aula de japonês muito dá difícil! Acreditam que passei uma tarde inteira pesquisando japonês (dicionários e mais dicionários, devo ter usado todos os livros aqui de casa) para escrever a cena do Chikage e da Mione? Fora o tempo pesquisando imagens e editando-as.
Enfim, espero que gostem ^^
*
- Agradecimentos: Muito obrigada a todos os que continuam acompanhando essa fic sempre atrasada e um obrigada especial aqueles que se dispuseram de alguns minutos para me mandar uma review! Depois de tanto tempo investido nada como receber um comentário de vcs ^^



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