Serpentes e Leões escrita por Gaia Syrdm


Capítulo 10
Um longo e difícil domingo (Parte II)


Notas iniciais do capítulo

Por ser a parte II, este capítulo não tem introdução, ok?



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Capítulo 9 – Um longo e difícil domingo (Parte II)

– Não acredito nisso, Potter – resmungou Draco ao entrar no banheiro que mais cedo ambos haviam dividido. Como haviam conseguido entrar na escola e chegar ao banheiro era outra pergunta sem resposta.

– Quem não acredita no que aconteceu sou eu. Por que você sempre age como se a culpa do mundo fosse minha?

– Simples, porque é. Quem mandou ser Harry Potter? A culpa é sempre sua – Draco respondeu com evidente mau-humor. Todo o seu corpo estava gelado e dolorido pela queda e sua mente estava uma bagunça (de sentimentos, perspectivas e medos)! Não sabia mais o que fazer ou falar e tudo o que queria era que aquele dia acabasse logo para que pudesse se enfiar na sua cama e não sair de lá pelo resto da semana. Depois de um dia com Harry, era o mínimo que merecia.

– Escuta aqui, Malfoy... – o moreno começou, furioso! Como se não bastasse ter que passar o dia inteiro junto do sonserino eles agora se encontravam numa situação muito pior do que qualquer uma que o moreno pudesse ter imaginado em seu pior pesadelo. E olha que ele era muito bom em ter pesadelos! Tudo bem que o dia não havia sido bem o fim do mundo e eles até tinham conseguido interagir em alguns momentos, com Harry fazendo o possível para esquecer quem estava ao seu lado. Mas isso não queria dizer que aceitaria que o sonserino poderia dizer o que quisesse! E ia dizer isso, quando o comportamento do loiro interrompeu seu discurso.

Aquela altura, Harry achava que não importava mais o que Draco fizesse, ele nunca o surpreenderia, mas pelo visto estava enganado. Decididamente havia algo muito errado com Malfoy!

Não que já não houvesse antes (como os sumiços no início do ano letivo, sua união com o japonês e o afastamento de seus próprios amigos e sua agressividade que parecia estar mais intensa), mas Harry sempre acreditara que isso acontecia devido ao retorno de Voldemort e a prisão de Lucius. E por mais que Harry não se preocupasse com Lucius Malfoy e o odiasse, não se arrependendo nem um pouquinho por ter ajudado a prendê-lo (afinal, ele merecia o que lhe acontecera, pois se tivesse se mantido em casa, longe de problemas e de magia negra não estaria agora em Askaban), ele também sabia (mesmo que odiasse pensar nisso) que Lucius era importante para sua família e que estes sentiam sua falta. Bastava olhar Draco para saber.

Não se sentia culpado, não era culpado pelas ações erradas de um homem adulto, mas se perguntava o quanto a prisão de Lucius estava influenciando o comportamento anormal do loiro.

Sempre pensara no rival como um menino esnobe e desejoso da atenção e da aprovação do papai, precisando que esse o olhasse por mais de dois segundos – na sua cabeça, Harry sempre pensara que Lucius não dava atenção ao filho, mesmo que só tivesse provas do contrário: o olhar raivoso que recebeu de Draco quando ofendia seu pai; as vassouras que Lucius comprara para todo o time da Sonserina; suas idas a Hogwarts apenas para ver o filho jogar; o modo como este falava com o pai na Borgin & Burkes, tantos anos antes; o fato de que pai e filho conversavam o suficiente para Lucius sempre saber o que acontecia com Draco. Mas, talvez Lucius amasse seu filho, assim como este amava o pai e sentia sua falta.

E isso tudo era motivo mais que suficiente para o loiro estar agindo estranho.

Mas não era motivo para estar agindo como estava no momento, pois logo depois de dizer que a culpa dos problemas do mundo eram de Harry, Draco acelerara o passo, forçando o moreno a acompanhá-lo. Passos rápidos e que em nada transmitiam a segurança do costumeiro andar do rival. A mochila arremessada sem nenhum cuidado nos bancos foi um indicativo, mas o que quebrou a frase do grifinório não foi o pouco caso do loiro para com as suas coisas, atirando-as como se nada valessem, foi o modo como este se jogou no banco, apoiou os cotovelos nos joelhos e as mãos no cabelos, fazendo a touca que os cobria deslizar para trás e cair. Os dedos cobertos pelas luvas pretas contrastando fortemente com o cabelo claro demais. O rosto abaixado e escondido deixando claro que algo estava muito, mas muito, errado ali.

Porque Malfoy não era do tipo que se deixaria ser visto assim e muito menos deixaria Harry Potter, seu maior rival e inimigo, vê-lo tão vulnerável.

Não era a primeira vez que Draco fazia Harry ficar sem saber como agir, entretanto era a primeira vez que o fazia por mostrar-se fragilizado. As coisas não podiam ser assim! Draco Malfoy era a pedra no seu sapato! Um cara que só sabia debochar dos outros e rir com sarcasmo, nunca deixando seu interior transparecer assim! Ele não podia agir como se estivesse esgotado! Não um Malfoy mirim que sempre fazia questão de manter sua imagem.

Esse não podia ser Malfoy.

Ou podia?

Fora há dois meses, quando os dois cumpriam detenção em uma masmorra suja, que Harry percebeu pela primeira vez que Draco não era mais um pivete de 11 anos. Que ele havia crescido e mudado, encorpado e amadurecido. No entanto, foi ali, naqueles poucos minutos no qual Draco parecia totalmente perdido, que o moreno percebeu que não era só o corpo do sonserino havia mudado. Draco Malfoy não era mais uma criança vivendo um conto de fadas, era um adolescente vivendo num mundo em guerra, que havia perdido o pai e que provavelmente estava sofrendo com isso. E Harry nunca havia se dado ao trabalho de pensar em como Malfoy se sentia ou o que pensava de verdade. Era como se o loiro se resumisse a alguém que implicava com ele por causa de uma rixa infantil que por puro reflexo, tudo por causa da inveja do loiro que sentia prazer em irritá-lo. Era um pensamento simples que excluía qualquer outra emoção por parte do rival.

Para ele Malfoy não tinha problemas e ficar perto dele era um prazer, uma vez que o atormentar lhe dava prazer. Poderia ser o contrário? Talvez, ter passado todo aquele dia junto não fosse difícil só para o moreno, no final.

Seria, no fim, que os sumiços do loiro fossem uma forma de manter distância uma vez que o próprio já havia se cansado das brigas infantis que iniciara? Era verdade que seus confrontos haviam diminuído significativamente no último ano.

Então o loiro estava se afastando? Isso era uma grande alivio!

Ou não?

Foram minutos que pareceram muito mais tempo.

Harry passou a mãos nos cabelos sem saber o que fazer ou o que pensar. Sem ter para onde olhar, acabou por encarar os olhos cinza que agora estavam voltados para si. Pensando que era a primeira vez que ambos interagiam de verdade. Fazia 10h que estavam presos e haviam passado mais tempo juntos do que todos os anos anteriores somados.

Então veio a maldita questão do banho entre eles.

Que raiva ele sentia de Trancy! Bem que o professor poderia ter deixado que ambos se soltassem nesse tipo de ocasião. Mas ele era sádico demais para isso. Então o jeito era pensar numa alternativa.

– Da mesma forma que usamos para ir ao banheiro – disse, enquanto pensava. De forma alguma queria estar na situação presente, mas uma vez preso nela, o melhor era erguer a cabeça, não pensar muito e ser pragmático. Por sorte, a situação não era muito diferente de uma simples troca pós-treino no vestiário, nem era como se eles fossem ficar olhando um para o outro! Pior seria se fossem menino e menina! Sendo os dois homens, a situação estava longe de ser o fim do mundo.

Então porque Draco estava agindo como se fosse?

Harry entendeu, momentos depois.

Desconfortável era uma forma simpática de descrever o que sentira enquanto tomava banho sabendo que Malfoy estava bem atrás, próximo demais! Era difícil se lavar com uma mão só, era horrível ter que tomar cuidado com cada movimento seu.

Achou que Malfoy estava meio estranho quando saiu do banho, meio corado e distante, seus olhos pareciam fixos em algo que não podia ver, contudo Harry ignorou e procurou vestir logo suas roupas, pois estava muito frio. Depois de devidamente aquecido foi sua vez de esperar a boneca do seu lado conseguir se livrar de suas roupas e entrar de uma vez no chuveiro. Ôh rapaz para demorar! Mesmo assim, suportou a espera com classe, assim como o incomodo que sentiu ao saber que agora era Malfoy nu atrás de si. Mesmo que a porta do box não permitisse uma visão mais clara nem da silhueta, o moreno optou por permanecer de olhos fechados, concentrado na primeira música que conseguiu pensar.

Era uma situação muito estranha. Harry tentava pensar que estava no vestiário com mais algum dos seus colegas de quadribol, mas não conseguiu esquecer que nunca chegaria tão perto de um deles numa situação normal. E era Malfoy!

No fim, ficar ali, não fora tão fácil quanto quisera fazer crer, mas Harry estava cansado de agir como uma menina tímida perto do loiro e até que conseguira manter seu papel de total indiferença muito bem.

Malfoy ainda estava penteado os cabelos quando Harry sentiu sua barriga reclamar de fome fez uma careta sem nem se preocupar em olhar o relógio, com certeza todos naquele castelo já jantavam. Preocupara-se tanto em brigar o menos possível com Malfoy (ou seja, não dar mais espaço para ele arranjar pêlo em ovo e começar a discutir sem nenhum motivo real) que esquecera outro detalhe fundamental sobre a maldita convivência forçada de ambos: em que mesa jantariam?

Oh, sina, parecia que a cada problema resolvido surgia outro! Esse estava sendo com certeza o dia mais longo de sua vida. Mais longo do que qualquer outro.

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Hermione era inteligente e sabia disso, confiava em sua intuição e em seu raciocínio, por isso sabia que algo muito estranho tinha acontecido durante todo aquele dia. Não pensara na hora, mas agora, longe de Kakinouchi, era impossível não se perguntar porque ela não havia visto Harry em Hogsmeade em nenhum momento, na verdade, parecia que ninguém o havia visto! Neville, Luna, Dino, Simas, todos acreditaram que Harry não estava em Hogsmeade exatamente por não o terem visto em momento algum do passeio. E mesmo que os dois estivessem tentando não chamar a atenção, era muito estranho que não trombassem com nenhum colega em algum momento do dia! Hogsmeade era um vilarejo, por Merlin!

E ainda havia Kakinouchi. Sua companhia não fora tão ruim assim e ele não era tão ruim quanto achava (mesmo que fosse amigo do insuportável e egoísta do Malfoy) e parecia estar mesmo preocupado com os dois rapazes. E isso devia contar para alguma coisa. Kakinouchi, diferente do que pensara, podia ser quase agradável, o que a fazia pensar que talvez ele não fosse tão ruim, só muito esquisito.

Até entendia como ele havia se tornado tão popular, mesmo que não concordasse com as alunas que diziam que ele era um dos mais belos Sonserinos. Hermione não gostava de androginia, nunca fora fã de meninos com cara de menina e sua beleza delicada podia agradar mais da metade das alunas, mas com certeza não agradava a ela. Assim como os longos cabelos dele.

Estava divagando... isso sempre acontecia quando pensava demais no novo colega. E pensar que quando começara a vere Malfoy andando com o japonês, acreditara que ambos se mereciam: idiotas e convencidos, arrogantes e insuportáveis. Agora, não tinha mais tanta certeza.

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Pansy estava irritada e mal-humorada. Sempre acabava assim quando Draco a ignorava e ele vinha fazendo muito isso ultimamente. Não que um dia ele tivesse sido carinhoso ou mesmo atencioso, o loiro sempre preferira manter uma distância fria dela, pois dizia não querer magoá-la. O entendia, mas isso também a magoava, porque ela fazia tudo o que estava ao seu alcance para inverter a situação. No fundo tinha ciúmes de Vicent e Gregory que podiam ficar o tempo todo do lado do loiro, um ciúmes meio irracional uma vez que ela sabia que Draco era muito mais seu amigo do que dos dois rapazes, mas ela queria mais do que isso. Queria mais do que sua amizade e seu carinho, queria ficar mais tempo com ele e queria ser sua namorada.

Ainda sonhava com isso, mesmo já tendo levado mais de um fora do loiro.

Mas preferia acreditar que ele agira assim porque era tímido, porque estava insegura e que um dia iria ceder. O que mais a incentivava era o fato de que ela não era a única a acreditar nisso! Até seus pais, Blaise e Dafne acreditavam nessa possibilidade.

E enquanto isso, podia se contentar com o fato de ser aquela que mais conhecia o loiro.

Até que Chikage chegara e as coisas mudaram de uma forma assustadora! Pansy não negava que gostava do japonês e que era uma das que mostrara interesse nele, mas como agir diferente? Ele era bonito e muito simpático, antes dele a maioria das sonserinas sonhava com Draco, invejando-a por ser a única amiga do loiro, dizendo que ela era feia demais para o jovem Malfoy, esperando uma oportunidade para se aproximar (inútil, já que Draco não permitia que se aproximassem) e agora a maioria sonhava com o garoto oriental (mesmo que ele também não desse muita chance aproximação). Mas fora uma ilusão acreditar que paquerar o japonês poderia finalmente despertar em Draco algum interesse, pois nada acontecera.

Por que as coisas não podiam ser mais fáceis? Por que Draco não podia aceitar seus sentimentos? Sentia que poderia esperá-lo para sempre, contudo o desejava tanto!

Será que ele havia se cansado dela? Por isso estava ignorando-a? Por isso fugira dela em Hogsmeade? Eles sempre ficavam juntos no tão esperado fim de semana. Será que ele... não gostava mais dela?

"Ou será que ele está com alguma menina?" – perguntou-se.

Essa perspectiva sempre a irritava! Draco era o seu namorado (ou futuro namorado, detalhe que adoraria esquecer). Por isso, por mais infantil que fosse, conscientemente afastava toda menina que se aproximava dele, com exceção de Dafne. Não porque Dafne não fosse apaixonada pelo loiro, mas porque Dafne era a sua melhor amiga. Isso podia soar estranho para muitos, mas Pansy não ligava. Ela não era o tipo de garota que se afastaria de uma amiga por causa de um amor em comum. Amigas de verdade não se separariam por causa de um rapaz, fosse ele quem fosse, amizade verdadeira não desaparecia tão fácil. Por isso, quando descobriram que eram apaixonadas pelo loiro, haviam feito um acordo: nunca brigar por causa disso e aceitar a vencedora. E lutar de forma justa, pois apenas aceitavam perder seu amor se fosse para a outra.

"Mas ele faria isso? Fugiria de mim com outra garota?" – perguntou-se novamente – "Não, Draco me diria o que está acontecendo, Draco não me trairia dessa forma".

Sabia disso, porque ela era a pessoa que mais conhecia Draco Malfoy. Mesmo que estivesse perdendo este posto para Chikage.

E falando de Chikage. Já estava perto do Salão Principal quando o viu sentado nas escadas. Ele ainda estava com roupas de sair, tendo tirado só o sobretudo. Estava bonito como sempre mesmo estando muito mais discreto que o normal. O marrom lhe caia bem e o salto grosso de sua bota batia no chão ritmadamente. Parecia estar esperando alguém.

– Hello, Chikage – cumprimentou a garota, chamando-o pelo primeiro nome com naturalidade, coisa que a maioria dos sonserinos já fazia. Não que Chikage fosse íntimo de todos, mas todos preferiam o nome ao sobrenome esquisito do colega. A todos ele dera permissão e para todos deixara claro que não se importava com o tratamento recebido. Dissera ser normal de onde viera e todos simplesmente aceitaram, mas Pansy acreditava ter visto em algum lugar que o costume de não usar o primeiro nome era muito, mas muito forte no oriente. Teria ela se enganado?

– Olá, Parkinson. Curtiu o passeio? – ele perguntou sorrindo, mas não a convidou a sentar do seu lado.

– Tirando uma ou duas coisas, e o sumiço de Draco, sim. E você, o que achou de Hogsmeade? Gostou? Já havia visitado outros vilarejos bruxos?

– Gostei bastante, muito legal! Adorei a Zonk's, principalmente. Nunca tinha ido num lugar do tipo.

– Da próxima vez, vamos juntos? – perguntou e ante ao sorriso e aceno positivo do colega, perguntou – Quem está esperando?

– Ah! Isso... estou esperando a professora McGonnagal. Preciso falar com ela sobre meu dever de casa, aquele que é para amanhã! Estou com algumas dúvidas e ele tem um peso alto na nota. Como ela não está na sala dela hoje pensei em esperá-la aqui, assim não corro o risco de perdê-la. Todos tem de passar por aqui para jantar, né?

– Quer ajuda? Eu consegui fazer o ensaio, posso te ajudar.

– Sério? Muito obrigado! Eu adoraria dar uma lida nele, apesar de que... acho melhor só tirar uma base do seu e falar com ela, sabe como é, ela perceberia de cara se eu copiá-lo e você se daria mal também.

– Claro, é só me pedir depois.

– Pode contar com isso! – respondeu com um sorriso ainda mais bonito e Pansy não resistiu a sorrir de volta. Queria perguntar se ele não iria jantar e se não queria jantar com ela, mas estava com fome (estava?) e não queria esperar. Depois Dafne a esperava. Suspirou e se despediu, se afastando devagar, sem olhar para trás. Sem ver o suspiro que Chikage soltou ao vê-la se afastando. Mas mesmo que visse não acreditaria,Chikage era educado demais para ficar aliviado de se livrar de alguém. Como também não acreditaria se lhe falassem que a professora McGonnagal já estava a mesa dos professores, onde passara o jantar todo.

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Harry e Draco estavam quase no Salão Principal quando viram Chikage sentado nas escadas, como se esperasse alguém e o moreno teve um péssimo pressentimento sobre quem ele estaria esperando.

– O que faz aí? – perguntou o grifinório, sem esconder o mau-humor que vê-lo lhe despertava.

– Esperava vocês – respondeu o japonês com um sorriso – Estão bem? Parecem exaustos.

– Tente ficar grudado em alguém por um dia inteiro e depois me diga o que acha.

– Credo, que mal-humor! Mas não se preocupe, logo vou deixar vocês sozinhos de novo – disse Chikage enquanto abria a mochila e tirava algo de dentro – Só apareci por aqui porque estava pensando em como vocês fariam para jantar e pensei que mesmo que tirassem na sorte para ver em que mesa sentariam e contassem a todos da detenção, a situação ainda ficaria tensa. Já se imaginaram sentados na mesa um do outro? Não daria certo. E como sei que não dá para pegar comida na cozinha na hora do jantar e acho que vocês estão com bastante fome para esperar até depois dele... – nesse momento Chikage abriu sua mochila e retirou duas coisas que pareciam bolsas pequenas de pano, do tamanho de um livro, mas muito mais altas, uma com detalhes vermelhos, a outra verde – ... eu arranjei isso para vocês. Comprei o jantar e pedi para colocarem aqui. Não sei como os ingleses carregam suas marmitas, então trouxe para vocês a tradicional marmita japonesa, o bento [4]! Assim, podem comer em alguma sala de aula e não terão que explicar nada a ninguém. O que acham?

– Já disse que você não existe, Chikage? – perguntou o loiro com um sorriso. Um sorriso!

– Hoje ainda não. Mas pode me agradecer direito depois – disse o japonês com um sorriso no mínimo malicioso que indignou Harry. Draco, como da última vez, captou a brincadeira e sorriu de volta – Como eu só conheço os gostos de Draco, tive que improvisar quanto a você, Potter, assim, espero que goste. Talvez achem o gosto meio diferente, mas pensei que já que iam comer bentos japoneses, tinha que ser comida japonesa! Ou não. Espero que não se importem... Ah sim – e mais uma vez tirou algo da mochila que devia possuir o mesmo feitiço que a de Mione, pois seu interior era maior do que o que aparentava – Para você, Draco, suco de laranja e para você, Potter, eu peguei de pêssego porque não fazia ideia do que você gostava. Queria de abobora, mas não tinha. Ah, antes de irem, tem mais algumas coisinhas que eu trouxe. Vejamos, escovas de dentel, baralho, xadrez, snap explosivo, algumas revistas para passar o tempo – Chikage dizia enquanto colocava nos braços de Draco cada coisa que falava – dois joguinhos de tetris que eu adoro e pensei que se Draco não o conhecer, você com certeza conhece Potter e... duas almofadas confortáveis para sentar, porque se vocês ficarem em alguma sala de aula vão precisar. Ufa, era isso. Acho que agora estão devidamente preparados para passar o final do dia, não?

Depois dessa, havia o que falar? O amigo perfeito de Malfoy parecia sempre pensar em tudo e mais um pouco e Harry odiava isso. Assim como odiava os sorrisos que esse recebia de Malfoy e o modo como sua presença parecia fazer bem ao loiro que até segundos atrás estava com um ar cansado e uma expressão meio abatida.

– Nossa, Chikage, valeu mesmo – agradeceu Draco sem perceber o olhar de incredulidade do moreno ao seu lado, ele nunca tinha visto Draco Malfoy agradecer a alguém antes.

– Que é isso, não foi nada. Se eu tiver ajudado, já basta – dizendo isso Chikage se levantou e esticou os braços para cima, se espreguiçando – Acho que é melhor eu ir agora. E, Potter, desculpe ter quebrado o acordo de "sem amigos por hoje", mas achei que você preferia isso a jantar lá dentro.

– Hn, obrigado – resmungou o moreno, fazendo o colega sonserino rir mais um pouco antes de pegar a mochila na escada e jogar por sobre um ombro, saindo e acenando, de costas, para os dois.

– Vejo você no dormitório, Draco!

– Vocês dividem o mesmo dormitório? – perguntou Harry. Nunca antes tinha pensado em quais seriam as pessoas que dividiam dormitório com Malfoy ou mesmo Kakinouchi, mas a súbita ideia com certeza o desagravada, e muito!

– Sim, por quê? – mentiu Draco.

Harry não respondeu, preferindo apenas seguir em frente, afastando-se do Salão Principal e da chance de esbarrar com algum colega, puxando o loiro que estava próximo demais por estar com os braços cheio das coisas que Kakinouchi trouxera

– Ei, mais devagar! – o loiro reclamou.

– Vamos sair logo daqui antes que encontremos mais alguém – respondeu o moreno irritado e Draco sorriu de lado. Não sabia porque, mas Potter realmente parecia desgostar de Chikage e isso era interessante de se ver porque de fora parecia (e Draco tinha certeza que não era) ciúmes. Percebera também como o moreno lhe olhava e ser observado por Harry nesses momentos era desconcertante.

Só quando já estavam no 1º andar, indo para alguma das muitas salas vazias, que Draco olhou para baixo e percebeu o fluxo incrível de alunos indo e vindo do Salão Principal, muitos passando frente as escadas nas quais minutos antes Chikage estava sentado. Peraí, tanta gente e ninguém havia percebido ele e Potter juntos ali? Ninguém havia sido atraído pela risada de Chikage? Teriam eles tanta sorte assim que nenhum conhecido dos dois passara por eles naqueles muitos minutos que ali ficaram? Isso era estranho. Principalmente pelo modo como Finnigan batia o pé no chão e olhava para o relógio, indicativo mais do que claro que esperava alguém há muito tempo.

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– Essa comida é estranha – resmungou Harry logo após provar o bento que Kakinouchi havia lhe dado. Não que a comida fosse estranha apenas por que havia ganhado do outro, até agradecia o fato de não ter tido que entrar no Salão Principal junto de Malfoy. Mas a comida era mesmo diferente. Parecia um pouco sem tempero e havia mais arroz do que tudo (mas tinha que admitir que a carne e os rolinhos estavam muito bons). Talvez o gosto ruim viesse da companhia e não da comida, no fim.

– Não estranha exatamente – disse Draco, de forma lenta, como se estivesse mais ocupado com o que pensava do que com o que falava. Ambos estavam sentados num armário baixo duma sala depósito vazia do 4º andar. Harry o havia levado lá e ele não perguntara como o moreno sabia de sua existência, que apenas mencionara algo sobre conhecer um lugar deserto. As mãos acorrentadas seguravam os bentos e seus pés mal tocavam o chão – Parece mais... comida oriental mesmo. Já foi a um restaurante japonês, Potter?

– Não – respondeu o moreno. Os dois comiam olhando para frente, evitando ao máximo o olhar um do outro.

– É muito parecida com comida japonesa, de fato. Harry não respondeu. Não havia o que dizer. Mas se Malfoy gostava de comida japonesa já até conseguia vê-lo comendo junto com Kakinouchi em algum restaurante japonês, curtindo as férias e rindo como dois idiotas. Odiava as imagens que tal pensamento lhe despertava.

– Você consegue se virar muito bem com a mão esquerda, Malfoy – disse, de repente e para a própria surpresa, a lembrança de um Draco Malfoy sujo de terra, rindo e lutando com uma planta estranha junto de um japonês nada japonês que dizia que ele era canhoto voltou a sua mente. Harry não acreditara no que ouvira, mas não conseguira não reparar no quanto o outro havia conseguido se virar bem naquele dia, mesmo tendo a mão direita presa.

– O que quer dizer? – perguntou o loiro de forma vaga, sem olhá-lo, sem parecer ter sequer ouvido o moreno.

– Você está comendo com a mão esquerda – disse o grifinório com naturalidade, completando assim que os olhos cinza ficaram a sua frente – Também escolheu suas compras com a mão esquerda hoje, segurou a varinha e penteou o cabelo depois do banho. Não pareceu estar tendo alguma dificuldade com isso.

– Sou ambidestro – respondeu o sonserino com um dar de ombros. Não era algo importante, realmente. Só um detalhe a seu respeito que ninguém além de Chikage notara antes. Mas Potter notara. Sabia que não devia, mesmo assim foi difícil controlar o calor que surgiu em seu corpo. Potter notara algo nele, afinal – Sabe o que é isso? – perguntou, tomando cuidado para não soar arrogante nem nada que pudesse ser mau-interpretado. Para conversar com Potter, era preciso tomar algum cuidado com as palavras.

– Não, nunca ouvi falar – respondeu o moreno na defensiva e Draco fez o possível para não sorrir. Sabia que seus sorrisos eram sempre sarcásticos e não estava nem um pouco a fim de começar uma outra briga.

– Uso tanto a mão direita como a esquerda. Para mim, dá na mesma.

– Hum... legal – murmurou o outro e o silêncio voltou a imperar.

Por que era tão difícil até mesmo conversar com Harry?

Silêncio.

Draco forçava a mente, tentando a todo custo achar um outro assunto, algo banal sobre o qual pudessem falar. Foi então que as palavras de Chikage ("dois joguinhos de tetris que eu adoro") vieram a sua mente.

– Potter? – chamou, esperando pelo "hn" que indicava que estava sendo ouvido e então continuou – O que é um jogo de Tetris?

– O quê? Ah, é, Kakichi disse que tinha arranjado dois para nós, não foi? – lembrou o moreno e, largando a comida quase acabada, pegou os dois games boys [5] – É um jogo trouxa bastante popular, você liga e as peças começam a descer, é preciso formar linhas horizontais que então somem. Se as peças chegarem ao topo da tela, você perde – explicou iniciando o jogo que sempre quisera jogar, mas nunca pudera, e perdendo rapidamente. Foi sorte estar tão concentrado no game boy ou poderia ter notado a careta de Draco a palavra trouxa. Não, Draco não estava nem um pouco interessado em jogar um jogo trouxa. Ou era isso que queria dizer. Porém, quase duas horas depois, os dois rapazes ainda disputavam quem fazia mais pontos.

– Não é justo, você conhece esse jogo há muito mais tempo. Eu tenho direito a uma vantagem! – reclamou o loiro.

– Está enganado. Eu nunca tinha jogado isso antes – disse o moreno, de forma falsamente convencida, um sorriso bonito nos lábios.

– Como não? Você conhece o jogo! Você mesmo disse que viveu como trouxa até os 11 anos.

– Mas nunca antes pude jogá-lo. Eram do meu primo, eu não tinha permissão – defendeu-se o grifinório e antes que Malfoy pudesse perguntar algo sobre sua infância (e ia fazê-lo, ao que tudo indicava) – Por isso, nada de vantagens para você. Eu estou ganhando.

"Ok, ok, Potter, você pode estar ganhando, mas queria ver você estar tão concentrado num jogo tendo ao seu lado aquele que... aquele que o quê?" – pensou o sonserino, mudando rapidamente o rumo de seus pensamentos. Já bastava seu louco coração estar querendo acabar com ele, tudo o que não precisava era da colaboração de sua mente. Não mesmo.

Respirou fundo, e reiniciou o jogo, tentando a todo custo se concentrar nas pecinhas que desciam rápido e não no moreno ao seu lado, no braço do outro esbarrando no seu, no cheiro de seu cabelo ou mesmo na expressão de seu rosto. Potter estava tão concentrado no que fazia que podia ser observado a vontade sem que percebesse. O problema disso era enfrentar outra derrota rápida por não estar olhando para onde devia.

E seu orgulho não estava aceitando nada bem o fato de estar perdendo para o outro até mesmo num brinquedo trouxa.

Quando, enfim, cansaram, a diferença de pontos não era grande, pois Draco tinha conseguido não ficar tão abaixo. Respirou fundo largando o brinquedo e agradecendo Chikage mentalmente. Era impressionante como o amigo tinha boas ideias! Se não fosse por ele não saberia o que fazer nessa situação. Se não fosse por ele, duvidava que os dois um dia pudessem estar interagindo tão bem assim! (mas tinha que ser um brinquedo trouxa?)

– Quer jogar outra coisa? – perguntou Potter, sem olhá-lo. A ideia não era ruim, mas...

– Preciso ir ao banheiro. Podemos jogar depois? – dizer isso era meio humilhante. Não importava que ao longo do dia havia sido tão inevitável que quase se acostumara. Que mentira. Nunca se acostumaria a dividir o banheiro com Potter. Apenas já não reagia mais como se fosse o fim do mundo. Nem o moreno fazia o mesmo. Era melhor fingir que não havia nada demais, tornava as coisas mais fáceis (mesmo que seu corpo teimasse em não acreditar nesse fingimento). E nisso Harry parecia concordar. Ah, que vontade de matar Trancy! Um domingo com Harry em Hogsmeade até que era um sonho comum na sua lista de sonhos malucos, mas com certeza ter que dividir o banheiro com o moreno só aparecia em sonhos muito mais... Era melhor não pensar nisso.

Levantaram-se, depois que Potter apenas acenou em concordância, e deixando suas coisas no chão próximo caminharam em silêncio para fora da sala. O corredor estava vazio, como era para estar aquela hora, e foi bom para Harry poder caminhar o mais longe que a corrente permitia do loiro. Passara o dia tão próximo a ele!

É, fora com certeza um dia diferente. Era tudo tão estranho! Principalmente esse lado desconhecido de Malfoy, estava acostumado a vê-lo sempre irritando os outros, que essa face quase amigável do rival mexia com ele. Não estava preparado para lidar com ela.

Era tão mais fácil conviver com ele quando os dois não paravam de se provocar e brigar. Era tão mais fácil sentir raiva a não saber o que sentir.

Caminhando silenciosamente pelo castelo sem luzes Harry não conseguia não pensar em como o Draco Malfoy que estava ao seu lado era diferente daquele que conhecia. Evitara pensar nisso o dia inteiro, mas tantos momentos o faziam retornar esses pensamentos... Draco Malfoy parecia, no momento, a outra face de uma moeda. E Harry estava achando que preferia a face conhecida a essa nova que desconhecia.

Pensando bem, era muito mais do que estranho! Tinha passado um dia inteiro com Draco Malfoy, seu pior inimigo de escola, e eles ainda não tinham se matado! Pior do que isso, estavam há horas sem nenhum desentendimento sério e tinham até jogado juntos. E se divertira com isso! Como, pelas barbas de Merlin, isso era possível? Daqui a pouco só faltava que ele e Duda começassem a se dar bem!

Era porque estava tão encanado com o fato deles não estarem brigando que Harry começou aquela discussão? Nunca antes eles precisaram de um motivo para brigar, então não se preocupou em arranjar um. Acabou com a paz entre eles em busca da sua própria paz.

Mas precisava disso, afinal eles voltavam do banheiro e o sonserino dizia algo sobre o que jogariam depois e isso era tão bizarro! Então, Harry fez o que fazia melhor quando o assunto era o loiro, disse qualquer coisa ofensiva, a primeira na qual pensou e antes que percebesse, ele já discutia com Malfoy. Brigar era tão fácil para os dois, eles sempre brigariam por tudo e qualquer coisa.. Não exigia nenhum esforço maior, era só se deixar levar. Um modo automático que era acionado cada vez que se viam frente a frente. Tão fácil como lidar com um elfo doméstico.

E tão difícil de parar quanto fugir de um dementador.

Draco sabia disso tão bem quanto Harry. O mesmo acontecia com ele.

Mas aquele dia não era como todos os outros porque normalmente Draco nunca tivera que passar um dia junto de Harry, só com Harry, ele nunca antes precisara tanto fingir algo por tanto tempo! Tendo seu autocontrole testado a cada minuto.

E apesar dele sempre ter se orgulhado de seu autocontrole este não era nem de longe tão bom assim. Principalmente quando sua mente estava em frangalhos. E lá estava Potter brigando com ele de novo por algo que ainda nem entendera direito o que era. O que tinha feito dessa vez? Não tinha se comportado direito? Não tinha tentado ser amigável? Por que o moreno estava tão irritado? O que esperava, afinal? Respondeu as provocações sem pensar ou entender o porquê lhe eram dirigidas. Não precisava pensar para brigar. Mesmo que não entendesse porque brigavam dessa vez.

Harry estava nervoso e sem entender a si mesmo, buscava numa ação cotidiana seu próprio equilíbrio.

Draco estava mentalmente esgotado, sem entender como o outro podia mexer tanto consigo. Como podia fazer seu coração sambar no seu peito daquele jeito? E por que este gritava com ele depois dele ter se esforçado tanto para se comportar?

Ambos estavam, enfim, esgotados e confusos.

Cansados do castigo, da situação, de não entender a si mesmos.

E ainda tinham uma hora pela frente.

E lá estava a boca de Potter abrindo e fechando sem parar, os lábios tão perto dos seus.

Palavras sem sentindo jorrando dos dois lados. Uma briga sem sentido ou motivo.

E Draco já não estava cansado de tentar agradar ao outro. Durante a maior parte do dia fizera o seu melhor e nem assim conseguira evitara outra briga (e por que brigavam agora?!). Já que era assim, então podia agir por si mesmo, sem pensar em mais nada, certo? Não era como se seus esforços estivessem tendo algum valor mesmo.

– Cale a boca – ele sussurrou.

Mas quando Potter lhe ouvia?

– Cale a boca.

Potter era surdo afinal?

– Cale a boca, Harry! – exasperou-se o loiro. Mas não foi isso que calou Harry, foram os lábios do outro sobre os seus próprios.

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Tudo estava escuro. Mas não tinha problemas, nunca temera o escuro, afinal.

Seus passos eram silenciosos e imperceptíveis e nem o mais atento dos bruxos os notaria. A brisa fria também não incomodava. Foi então que os olhos claros se prendaram numa visão que não esperava. E por um minuto não soube como agir.

Desapareceu como se nunca tivesse estado ali, sem que ninguém visse ou ouvisse nada. Em sua mente os dois rapazes que se beijavam continuava como se gravada a fogo. E sabia muito bem que os olhos verdes arregalados não eram um bom sinal.

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– O que, diabos, pensa estar fazendo, Malfoy? – berrou Harry assim que soltou seus lábios dos do outro, tentando sair da parede a qual tinha sido empurrado, tão agitado e nervoso que não notou os olhos cinza azulados fitando-o em choque.

O que acontecera ali?

Não tinham bem certeza.

Harry não entendia o que Malfoy estava pensando ou suas ações, irritado ao extremo só conseguia se perguntar se aquilo era uma ideia nova de como irritá-lo. Se fosse, prensá-lo na parede e beijá-lo, era um plano bastante engenhoso se o objetivo fosse um estupefaça no peito. E era exatamente isso que Harry queria fazer no momento e com certeza teria feito se sua mão direita não estivesse tão firme sobre a do outro e longe de sua varinha.

– Me solta, Malfoy! – ordenou começando a se debater e empurrando o sonserino. Uma ideia não muito inteligente visto que os dois estavam acorrentados um no outro e empurrar o loiro significava uma queda para si também. Mais irritado do que um dia lembrava estar na vida, as palavras saiam sem que pensasse nelas, xingamentos e palavrões que Harry nem sabia que conhecia. Queria socar Malfoy e azará-lo, mas sua varinha estava no bolso de trás e seus pulsos estavam presos pelas mãos pálidas do loiro abaixo de si. Não adiantava se debater, eles só se enroscavam mais, não adiantava tentar lutar, a corrente maldita movendo-se de acordo com seus movimentos bruscos e apenas contribuindo para dificultar mais as coisas e estressar ainda mais o grifinório que estava cansado daquela situação e de ser feito de idiota pelo loiro. Maldita sina! Por que sua vida tinha que ser recheada de sinas malditas que se repetiam a todo momento? O quefizera, afinal, para merecer o sonserino na sua cola por mais de cinco anos? Rejeitara sua amizade? Quem não rejeitaria uma amizade que era oferecida da mesma forma que um negócio, com prós e contras? Quem aceitaria um menino mimado e arrogante que já começava humilhando a primeira pessoa que fora gentil com ele? E que de raiva fizera o possível para fazer sua vida um inferno? Mas eles não tinham mais 11 anos e toda aquela rivalidade infantil não podia ser mais idiota! Mesmo assim, Malfoy não parecia pensar o mesmo e continuava a agir como um pivete. Claro que ele responderia a altura os insultos! Claro que ele não suportava o loiro. Mas tinha feito o possível para passarem o dia o melhor possível. Ok, podia não ter feito seu melhor o dia todo, mas estava irritado de manhã e não por sua culpa. Mesmo assim, nada, nada, justificava a maluquice que Malfoy tinha feito agora.

Azará-lo era pouco perto do que deveria fazer.

Tão revoltado e descontrolado estava que nem percebeu quando exatamente acertou a face pálida do loiro com um soco, mas ela estava vermelha e os olhos cinzas estavam arregalados em choque. Minutos que pareceram horas inteiras se passaram até que os dois garotos se acalmassem e Harry voltasse a pensar. Isso não significava queestava menos nervoso, apenas que estava mais controlado para que ambos pudessem se desenrolar da corrente e sair do chão gelado, as respirações ofegantes, a raiva transbordando dos olhos verdes.

– Não sei o que tentava fazer, Malfoy, mas se fizer isso de novo juro que vai se arrepender – disse o moreno, limpando a boca, com as costas da mão, agindo como se sentisse nojo do que acontecera.

E Draco poderia culpá-lo?

Ao menos poderia lhe dar uma resposta? Não podia. Não sabia o que o movera a agir daquele modo, nem o que pensava, mas seu cérebro registrara bem demais a fúria grifinória do outro assim como o asco demonstrado em seu olhar e o modo como ele esfregava os lábios. Uma imagem que gostaria de esquecer. Não estava tão feliz como em seus sonhos sempre ficava, mas em seus sonhos Harry não agia de modo tão agressivo a seu beijo. Em seus sonhos o moreno sempre correspondia e o deixava quente e perdido, querendo mais e mais. Só que a realidade era outra. Outra bem diferente. Harry não correspondia na realidade, nem permitia que sua mão se enterrasse nos cabelos negros, ele o socava e quebrava um por um os malditos sonhos que há tempos povoavam suas noites.

E daí que Potter ainda estivesse xingando-o? Não importava de fato. Nada importava. Encostou-se na parede gelada, a cabeça abaixada, a franja cobrindo os olhos fechados, desejosos de não ver mais daquela cena que fazia seu coração se apertar no peito, como se estivesse sendo esmagado. Sem defesa algum. Por que sonhos não se tornam realidade e Harry o odiava, como sempre demonstrara. Harry sempre o odiaria. Se tinha alguma ideia equivocada era tudo culpa dele e só dele.

Sentiu a mão do moreno em seu ombro, apertando enquanto perguntava algo que não ouvia. Raiva. Ele estava com muita raiva. Estava gritando com ele. Mas não queria ouvir. Não queria ouvir aquelas perguntas que lhe exigiam uma explicação que não tinha, portanto, não podia dar. Seu rosto queimava por causa do golpe recebido sem quede fato o sentisse, pois seus lábios queimavam mais ainda. Passou a língua de leve por eles, sentindo o gosto que tanto ansiava. E então suas pernas perderam a força e ele foi ao chão, levando o moreno exaltando a se abaixar também, demonstrando toda a fraqueza que por anos ocultara e naquele dia pareciam vir a tona. Tinha que inventar uma desculpa, algo que justificasse aquilo tudo, algo que fizesse Potter querer lhe amaldiçoar. Qualquer coisa que o tirasse da conclusão óbvia de que o loiro estava quebrado por dentro.

– Você não calava a boca, Potter – disse, erguendo o queixo, forçando sua voz a sair o mais arrastada possível, o mais sarcástica e distorcida, a respiração presa para que ela não quebrasse. Mas seus lábios se recusam a sorrir, a encenar aquele sorriso de lado arrogante que tanto irritava os grifinórios – E eu não aguentava mais ouvir a sua voz. E nem sei por que você estava tão irritado. Então, lhe dei um motivo. Que de agora em diante, pense duas vezes antes de arranjar confusão por qualquer coisa Potter. Espero que funcione... foi... nojento.

O soco que se seguiu nem chegou a doer, de fato.

Nem o pulso que foi puxado com tudo quando Potter se levantou e foi em direção as escadas. Suas pernas, graças a Merlin, estavam mais firmes que seu coração e ele o seguiu calado. Qualquer esperança de conversa morta, a frente apenas a escuridão.

Se lhe perguntassem como conseguiram passar o resto do tempo Draco não saberia responder. Tinham pouco mais de uma hora pela frente, hora na qual nenhum dos dois falou. Num certo momento ele passou a folhear as revistas que Chikage lhe dera sem conseguir ler e sem dirigir um único olhar ao moreno do seu lado. Ambas as respirações estavam travadas, a do grifinório pela raiva e a da sonserino para não demonstrar o quanto tremia. Separados pela máxima distância que a corrente permitia ambos se ignoraram até estarem diante de Alois Trancy.

Tudo arruinado por um descontrole que não era característica sua.

Suas pernas fizeram o resto do caminho até seu dormitório sozinhas.

Já Harry disparou para a Torre da Grifinória, odiando tudo e todos. Nunca mais falaria com Malfoy, nunca mais lhe dirigiria uma única palavra, fosse qual fosse.

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Alois estava na sua sala. A sua frente uma caixa abrigava as correntes que prenderam Potter e Malfoy por mais de meio dia, havia retirado-a há menos de 5 minutos e agora jogava tudo dentro de uma gaveta qualquer, ansioso para voltar a seus aposentos e relaxar. Fora uma boa ideia, a sua. Chegara um pouco atrasado de propósito a sua sala para retirá-las e, como imaginara, seus dois alunos problemáticos já estavam a sua espera na porta. Potter parecia furioso e Malfoy vestia sua máscara de indiferença diária, mas essa não estava tão convincente assim. Propositalmente perguntara como fora o domingo de ambos e ainda não tinha entendido bem o que Malfoy quisera dizer com "Hogsmeade sempre é legal de visitar, ou não achou?". Por acaso teriam os dois enfrentando o vilarejo mesmo estando acorrentados? Engraçado, ninguém parecia tê-los visto em parte alguma.

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Já era noite, mas Erick ainda estava do lado de fora do Castelo, nos jardins. Não que a noite ou o dia fizessem uma grande diferença ali, mas gostava daquele vazio, do momento no qual todos se refugiam dentro de seus quartos e ele ficava ali sozinho, oculto pela escuridão que sempre fora sua aliada, longe do Castelo Negro que reinava absoluto na sua escuridão por onde quer que se olhasse, longe de todos que o habitavam. Erick era um homem da noite, dos grandes castelos e catedrais, das sombras e do anonimato e não gostava da escuridão preenchida. Preferia a falsa luz do lado de fora do Castelo a real escuridão do lado de dentro, preferia a solidão e o frio que não era capaz de sentir. Se antes já apreciava a falta de companhia, nos últimos anos ela se tornara essencial para sua saúde mental. E assim ele podia ter um momento no dia no qual não encarasse olhares tortos o dia todo, olhares que claramente o desprezavam.

Até por que Erick era diferente de Maxxcy, Chikage e Lédi.

Diferente dos três, que conseguiam viver lá dentro, ele precisava de ar fresco para se manter vivo. Tanto quanto precisava dos amigos.

Amigos que eram tão diferentes dele próprio e não só por sua condição natural, que o tornava único ali, sabia. Diferentes porque todos com exceção dele estavam ali por mérito próprio, mesmo sendo mestiços de sangue-ruim. Mestiços como ele, mas com força suficiente para desafiar até mesmo a rígida hierarquia de Era. Três mestiços que haviam lutado, e muito, para conquistar seu espaço.

Infelizmente o mesmo não podia ser dito do rapaz de olhos bicolores.

Erick tinha consciência plena que apenas chegara ali por causa de Lucien. Porque ninguém seria louco de negar a entrada do amante de Lucien. Da mesma forma que ninguém seria louco de negar a ascensão do filho de Andrey.

A diferença era que Maxxcy já havia provado seu próprio valor muitas vezes.

Assim como Chikage e Lédi. Coisa que Erick nunca tinha feito.

Talvez por isso admirasse tanto aqueles dois (e até mesmo Lédi, coisa que não admitiria para ninguém), admirava suas capacidades de se manterem lá dentro mesmo quando podiam fugir e respirar ar puro de verdade, sair e ver um céu estrelado e infinito e não aquele céu escuro sob sua cabeça, aquela noite finita e sem brilho. Gostaria de poder fazer o mesmo. Mas não podia, mesmo que tivesse a magia necessária, não podia. Erick nunca mais sairia do Castelo Maldito de Era e sabia disso desde a primeira vez que pisara naquela terra sem vida própria. Era diferente de Maxxcy, Chikei e Lédi. Era diferente de todos, mesmo que poucos soubessem.

Tão perdido estava em pensamento que não percebeu a chegada do amigo oriental que se jogava no chão a seu lado, as botas do uniforme escorregando pela grama brilhante, as costas deslizando pelo tronco da árvore na qual encostara, os olhos fechados numa expressão de cansaço que não era típica dele.

– Chegou tarde. Achei que viria mais cedo.

– Achei que nem viria mais! Estou morto – reclamou Chikage, no rosto um sorriso fraco, aquele sorriso que sabia bem o que significava: que as coisas não tinham ido bem, mas estava feliz por estar ali. Ali, naquele lugar maldito em toda a sua essência, mas que aquele menino, aquela criança grande, que não importava para onde fugisse sempre sorria ao voltar. Não era a toa que o odiavam.

– Nem vou perguntar como foi o seu dia – disse o moreno fazendo o sorriso de Chikage se alargar, mesmo que minimamente. Erick quis que ele abrisse os olhos. Há tão pouco tempo o amigo havia partido e já parecia uma eternidade. Ninguém ali ria como o japonês, ninguém ali tinha aquela alegria pura de viver, nem mesmo Maxxcy. Por isso mesmo ninguém ali corria mais riscos com aquela transferência do que o amigo. Se pudesse ter ido no lugar dele, se Maxxcy pudesse, se tivessem enviado Lédi Crow. Mas ele não podia sair dali e Maxxcy não conseguiria aguentar mais essa farsa. Já bastava a farsa diária que encenava todos os dias em sua própria casa, perante seus próprios parentes. E Lédi? Ela possuía as qualificações solicitadas e a frieza necessária. Mas era arrogante demais e mesmo que nunca desobedecesse Era todos sabiam que a morena não suportaria a humilhação. Tamanha humilhação tinha que ser do último mestiço que chegara, tal trabalho sem valor devia ser feito pelo mais sujo e pelo mais humano deles. O rapaz de cabelos castanhos e olhos verdes que apesar de ser um lixo tivera a audácia de andar junto da Nick, um rapaz normal que se sentira superior o suficiente para participar das brincadeiras de Maxxcy e Erick. E mesmo que ninguém nunca se atrevesse a expulsar ou acabar com um dos dois (o filho de Andrey e o amante de Lucien), absolutamente todos adorariam acabar com o sorriso do novato de sangue sujo. E que nem ao menos ligava!

– Como tem sido os seus dias? – perguntou Chikage interrompendo a linha de raciocínio de Erick – Muitas coisas interessantes?

– O de sempre. E você, como tem passado?

– Não sei bem como definir. Gosto de verdade de Hogwarts. Mas sabe, definitivamente, não sirvo para espionar. Tentei e tentei hoje e não deu certo – não gostava daquele tom triste na voz do amigo.

– Não aprendeu mesmo depois de tudo o que já lhe contei? Que incompetência, Chikei!

– O que posso fazer?! – daquele tom desolado.

– Estava espionando quem?

– Lembra do Draco? – e ante a um acesso afirmativo, Chikage continuou – Ele pegou uma detenção e teve que cumpri-la hoje. Uma detenção bem original, devo acrescentar. Teve que passar 14 horas algemado a Harry Potter. Eu achei que como teriam que ficar presos um ao outro eles ao menos tentariam não brigar, mas o quê? Em menos de uma hora já estavam querendo se matar, o que me deixou bastante preocupado. Então, uma hora depois recebi uma mensagem da Ni que dizia "cuidado hoje. Mantenha um olho no seu amigo se não quiser que as coisas deem muito errado. E evite que briguem". Evitar que briguem é quase uma missão impossível, quase são piores que Maxxcy e Era! É quase impossível mantê-los juntos sem que queiram se azarar! E para piorar, eu nem fazia ideia do que precisava vigiá-los! No fim, não deu certo. É duro ter falhado com alguém que queria ajudar.

– Não deve se culpar tanto. Você fez tudo o que estava ao seu alcance – ambos ouviram e Chikage abriu os olhos ao ver a bela loira que Nihany era se aproximar.

– Mesmo assim... – e então sua expressão ficou mais pesada – Não sabe quantas vezes quase pedi que me dissesse o que eu tinha que impedir de acontecer. Mas sabia que se você me dissesse, não havia mais nada a ser feito. E por pouco não trombei com os dois quando iam para Hogsmeade. O lado bom é que almocei com a sangue-ruim Granger, mesmo que depois tenha ficado preso com o amigo dela – um suspiro resignado – Tudo para nada... – e tirando do bolso um pequeno frasco cheio de pedrinhas coloridas – Ah, comprei para você. Achei que fosse gostar. Não tem nenhum truque. Valeu mesmo, Ni. Muito obrigado. Para você, Erick, comprei isso – e entregou um saquinho de balas – Mas já aviso que não sei se são boas, não provei.

– Você está se apegando demais a eles, Chikei – disse a loira enquanto aceitava o presente do amigo – Principalmente a Draco.

– Eu sei.

Erick sorriu, abraçando os ombro do amigo ao seu lado. Chikage sempre tivera a mania de gostar rápido demais dos outros. O que podia ser uma vantagem, fora no caso de Erick, ou uma desvantagem pesada, como era agora. Aquela transferência era uma punição para Chikage, todos sabiam inclusive ele próprio. Mas na sua ingenuidade não percebera que a dor estava mais embaixo, mais oculta e que caía na armadilha como uma criança. Uma verdade que fazia seu inútil coração apertar-se no peito.

– Não se preocupe – disse o moreno, segurando a mão enluvada do amigo – Estaremos aqui. Sempre aqui. Basta um chamado e faremos qualquer coisa que precise. Sabe que pode contar conosco sempre.

– E eu estou de olho em tudo, Chikei – disse a loira, um sorriso raro no rosto bonito – Sempre que possível te avisarei. E... não se preocupe com hoje, seu amigo ainda vai sofrer um pouco, é verdade, mas você estará lá para impedir que ele caia.

– Se você diz...

Não era preciso que palavras mais fossem ditas. Nihany sabia que ninguém ali, exceto Maxxcy, confiava mais nela do que o pequeno a seu lado. Nela, a filha caçula da bruxa que o aprisionara e destruíra sua vida.

Continua...


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Notas finais do capítulo

N/A: Eu sei que disse sábado, mas tive alguns probleminhas ontem que me impediram de postar. Sinto muito por isso! Mas, finalmente aqui está a parte dois e o primeiro (e dasastroso) beijo dos dois! Espero que gostem ^^ e cap 10 deve vir até o final do mês!
Ah, quanto a aparência da Pansy eu me baseei na descrita no livro. Não que eu não prefira a Pansy do filme, mas como estou tentando escrever de forma fiel ao livro e a minha própria interpretação dos personagens, acabei com a Pansy loira e feia (mas que esse Harry está me enchendo, isso está. Eu gosto do Harry alegre, um pouco ingênuo (coisa que ele é muito), mas como ele está numa péssima fase essa faceta dele anda meio escondida... Espero que ele saia logo dessa fase.)
*
- Agradecimentos: Muito obrigada a todos os que continuam acompanhando essa fic! Só gostaria de saber o que estão achando. Às vezes, sinto que estou escrevendo para ninguém...



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