Long Live escrita por lizpfvr


Capítulo 4
Capítulo IV


Notas iniciais do capítulo

Contém trecho da música "Por Que Você Faz Assim Comigo?" da cantora Mallu Magalhães.



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Capitulo Quatro

.

“Talvez eu seja pequena,

Lhe cause tanto problema

Que já não lhe cabe me cuidar,

Talvez eu deva ser forte,

Pedir ao mar

Por mais sorte

E aprender a navegar.”

Mallu Magalhães

.



Atirei uma, duas, três flechas no centro do alvo mais próximo. Mais quatro em uma mais distante. E mais duas em um mais distante ainda. “Pense, pense, pense” eu implorava pra mim mesma. Sem sucesso. Atirei mais uma, mas esse foi na cabeça sem rosto do boneco.

Tateei a aljava presa as minhas costas atrás de mais uma flecha, mas percebi que estava vazia.

Comecei a ter um ataque infantil. Sei lá, eu precisava acho. Lágrimas quentes desceram pelo meu rosto eu quanto eu gritava, pulava e sapateava na grama.

– Victória? – uma voz chamou.

Paralisei e parei de espernear. A vergonha já tomava conta de mim e eu nem tinha me virada pra ver quem era. O que eu estava fazendo? O que eu estava fazendo?

Me virei.

O meu instrutor me deu um sorriso estranho.

– Tudo bem? – perguntou.

– Ah, sim, sim... Só estava... – Eu só estava o que?!

– Extravasando?

– Pode apostar que sim.

Ele sorriu de novo.

– O que achou do seu presente?

Presente? Mas que presente?

– O seu presente de “formatura”. – ele esclareceu, percebendo minha confusão.

É verdade ele comentara que havia deixado algo sobre a minha cama. Mas eu não vira nada.

Mas mesmo assim eu não queria ser indelicada.

– Ah, sim! Eu sei qual é! Muito obrigada, eu adorei! – menti. Dei um abraço sem jeito nele, e sem catar as flechas (elas não eram minhas mesmo, eram do material disponível pra treino) sai correndo para o meu quarto.

Eu já tentara de tudo para conseguir pensar e não era nem meio dia ainda. Chorar não deu certo. Observar não deu certo. Tomar sol não deu certo. Atirar flechas não deu certo. Quem saber ser agradada daria?

Por isso quando cheguei vasculhei em todos os cantos e... Não achei. Não achei.

Exausta emocional e fisicamente, me deixei cair no chão, ao lado da minha cama. A minha manta roçava na lateral do meu corpo e eu simplesmente a puxei de cima da cama. Tudo veio junto e diretamente na minha cara – a caixinha com a trompa, minha aljava vazia, meu arco, e todos os travesseiros.

Fiquei ali soterrada por alguns minutos, sufocando um pouco. Era assim que eu me sentia o tempo todo. Soterrada e sufocando. Soterrada e sufocando. Soterrada e sufocando, soterrada e sufocando, soterrada...

Livrei-me das cobertas. Pelo amor de tudo o que é sagrado, eu já estava enchendo a minha paciência. Sabe aquele buraco em que eu estava? Foi eu mesma que entrei dentro dele e arrastei todo mundo que eu amava junto.

Se alguém tinha que tira-los de dentro do buraco esse algo era e ia ser eu.

Nem que eu fiquei lá dento sozinha depois.

Mas agora, nesse momento em que eu estou sentindo pena de mim mesma, Luke deve estar acordando, dolorido e infeliz. E ainda vai ser informado que deve sair do lugar em que cresceu porque eu fiz besteira.

James, Lilith, Percy, Maggie, Julia… Talvez nem mesmo a influencia do pai de Filipe pudesse o salvar. E se não pudesse ele teria de abandonar a pobre e doente mãe.

Eu, alias, não estaria deixando nada nem ninguém para trás. Na verdade, eu estaria é me livrando de pessoas que não me faziam ser a pessoa mais feliz do mundo exatamente.

Então, porque, era eu quem estava me lamentado?

Comecei a catar tudo o que eu puxara por chão. Ajoelhei-me quando percebi que meu arco havia caído bem debaixo da cama.

Estiquei a mão e só encontrei poeira. Estiquei mais um pouquinho e em vez do meu arco meus dedos encontraram um envelope.

Desisti do arco momentaneamente e vi que meu nome estava escrito na parte posterior do envelope. Não tinha muitos floreios, portanto fora enviado pelo príncipe.

Despejei o conteúdo do envelope no meu colo, morrendo de curiosidade. Havia três papeis quase idênticos, só os mais antigos estavam atrás do papel que era mais recente.

Resolvi que o leria na hora.

Victória,

Então é isso. Concluiu o curso. Bem... eu não sou muito bom com palavras. Eu aprecio bastante o silencio e a paz, como você já deve ter percebido.

Mas achei que a ocasião exigia.

Parabéns! De longe a minha melhor aluna, que não só soube aproveitar tudo o que ensinei como me ensinou bastante coisa.

Você sabe conversar sem palavras e é persistente quando se propõe a algo.

Esta outra carta que te mando são de duas pessoas que foram muito especiais pra você. Elas foram escritas há muito tempo atrás, mas o combinado era entrega-las apenas quando você terminasse o curso.

Eu pensei e pensei, talvez eu devesse tê-las entregue antes, mas... Algo me dizia que era melhor entregar no tempo certo, no tempo planejado.

Espero que não fique muito furiosa comigo.

Parabéns. De novo.

Um abraço,

Daniel, Instrutor Oficial de Arco e Flecha da Coroa.

Franzindo o cenho, descartei a carta de Daniel, e desdobrei a segunda carta.

Minha respiração cessou quando reconheci a caligrafia.


Olá,

Era a primeira palavra. Obriguei-me a respirar para poder continuar lendo.

Querida, mal posso conter meu orgulho. Você acaba de sair de braços dados com Caspian para a sua primeira aula de arco e flecha. Imagine! A primeira garota a tentar.

Eu tentei te fazer ir de saia e cabelos soltos, mas quem disse que você escuta?

De qualquer, estava linda. Sempre está.

Bem, você deve estar se perguntando, o que afinal é essa carta. Eu também não tenho certeza. É mais como um... Premio? Não essa não é a palavra. Mas tal palavra certa também não aparece na minha cabeça.

Basicamente, a ideia é pra você lê-la daqui algum tempo quando já tiver terminado de aprender tudo o que deve aprender sobre como matar um esquilo. Ou algo parecido.

Enfim, nessa carta eu teria que dizer o quanto eu me sinto orgulhosa. Mas meu bem, eu ainda te dizendo isso faz mais de uma semana e vou continuar dizendo isso até morrer. Você vai se cansar de ouvir e eu vou me cansar de falar (mas vou continuar o fazendo só para constar).

Então eu vou falar um coisa que engloba, que apesar de eu viver dizendo também, nunca é demais, nunca cansa e vai ficar eternizado aqui pra sempre nesse papel:

Eu te amo.

Eu te amo.

Eu te amo.

Eu te amo, minha filha.

Beijos,

Sua mãe.

Terminei de ler a carta, tremendo. Milagrosamente, eu não estava chorando, mas eu tremia mais que tudo. Apertei a carta contra meu peito, e ali, eu soube que era a coisa de mais valor que eu tinha.

Eu não sabia de quem era outra carta, mas ela não era nada perto dessa que eu tinha acabado de ler.

Eu podia ficar brava com Daniel por ele não te-la me dado antes, mas eu nunca ficaria. A carta era tudo o que eu precisava nesse momento.

Ignorando a outra carta, me levantei e resolvi tomar um banho. Colocar tudo no lugar. Arrumar o quarto. Arrumar minha cabeça.

E foi que fiz.

Arrumei minha cama, estiquei lençóis e mantas, coloquei os travesseiros e almofadas no devido lugar, penteei os cabelos (e quando eu digo penteei, eu quero dizer que os deixei soltos e enrolados descendo pelas minhas costas e não os prendi na habitual e comprida trança), e até mesmo coloquei saia.

Saia. Acredite.

É lógico que eu estava com minhas calças por baixo, porque a qualquer momento eu podia me estressar e arrancar aquele pano excessivo e irritante do meu corpo.

E depois, só depois, peguei a terceira e ultima carta nas mãos e a li.

Chocadíssima, percebi que a letra era de Caspian. Mas essa era de outro Caspian. Era daquele Caspian que era uma pessoa não apenas tolerável como querida.

Alguém que já fora especial pra mim.

Alguém que agora eu duvido que ainda existia.

Agora o Príncipe Caspian é só alguém que eu costumava conhecer.

A carta começava assim:


Como é que se começa uma carta para a pessoa com quem mais me importo?

Juro.

Olá parece informal demais.

Na verdade é informal demais.

Até porque eu estou passando pra te pegar em seu quarto daqui a pouco e nos provavelmente nem diremos oi um para o outro. Aposto que vamos apenas começar da onde paramos ontem à noite.

Não ontem à noite quando nos despedimos formalmente na frente dos meus pais. Não, eu digo ontem à noite quando nos encontramos na cozinha e a Delly começou a trazer sobremesas atrás de sobremesas pra nos.

Você dormiu me dizendo o quanto estava ansiosa pra começar as aulas hoje e você tinha que ver, sua mãe fingiu direitinho estar surpresa comigo te levando pro quarto.

Estou te dizendo, sua mãe é bonita e atua bem demais pra ser apenas uma serviçal.

Bem, essa carta lhe vai ser entregue daqui alguns anos, e eu deveria estar lhe contando o quanto estou orgulhoso e etc.

Mas eu não estou. Não por isso.

Isso é tão você, e é meio difícil estar orgulhoso de alguém quando ela esta apenas sendo ela mesma.

Você é incrível, Victoria.

Apenas é.

Eu provavelmente não deveria escrever o que vou escrever agora, mas esta carta lhe vai ser entregue apenas daqui dois ou três anos, e tantas coisas podem acontecer com esse papel até lá. Se perder, se queimar, se molhar, ser comido por traças, ser roubado...

Eu nunca ousaria dizer isso em voz alta, muito menos pra você, mas como eu não vou dizer que estou orgulhoso, eu tenho de dizer outra coisa e essa coisa é que eu...

Eu te amo.

Você é a minha companheira de aventuras, parceira de crimes, e é minha pequena corajosa. É obvio que eu te amo nada seria divertido para um príncipe nesse castelo sem você.

Quando meu pai me conta sobre a infância dele... Dá até dó. Ele não tinha alguém como você por perto.

Você é a minha melhor amiga.

Obrigado por isso.

Até daqui pouco,

Caspian X


Terminei de ler e meus pensamentos estavam um pouco confusos. A única coisa que me pareceu clara é que eu não podia deixar Caspian para trás.

Eu sabia que ele ia morrer.

E não podia deixar. Só não podia.

Eu não podia deixar esse Caspian morrer e levar junto aquele Caspian do passado.

Aquele me disse por carta que me amava. Aquele que me levava no colo para o quarto tarde da noite correndo risco de ser pego e castigado. Aquele que era meu companheiro de aventura, parceiro de crime e melhor amigo. Aquele que eu teria dito por carta que o amava também se tivesse tido a chance.

E nem mesmo esse Caspian mal amado de agora, eu não podia deixar morrer. Porque eu ele ainda era especial pra mim, eu sabia que sim, senão eu não teria esperanças dele voltar a ser o que era.

E porque eu era teimosa.

Miraz estava tornando a minha vida um inferno para matar Caspian. Então livrar Caspian da morte era o que eu faria. Nem que fosse a ultima coisa.

Olhei para o lado e então vi. Não sei por que quando eu a vi tudo fez sentido. Era quase como se o plano estivesse pronto na minha cabeça e vê-la simplesmente foi o gatilho.

Levantei-me e a peguei nas mãos.

Parte de uma monarquia ou não, ela me ajudaria a botar outra monarquia abaixo.

O brilho da trompa da Rainha Susana estava mais exaltado aquele dia, observei. Quase como se piscasse pra mim.




– Oi. – Ele falou primeiro. A voz dele estava rouca, mas ele tinha um sorrisinho no lábio ressecado e cortado como se tudo tivesse sido divertido.

– Oi – respondi. Eu não sorria porque eu simplesmente não podia. Nem mesmo para deixá-lo feliz. Nem mesmo a razão de tudo ter estourado na minha cara ter sido exatamente isso, ele querendo ver o meu sorriso.

– Como vai? –Franzi o cenho diante da pergunta sarcástica e desnecessária. Ele estava de mau humor, esticado na poltrona velha, porém bem preservada que pertencera ao seu pai. Pelo que me disseram ele não havia gostado nada de saber que eu lhe dera um anestésico que o fizera dormir possibilitando que nos meio que o carregássemos pra fora do castelo pela manha e então querendo provar que poderia muito bem ter andando sobre as próprias pernas, se levantou rapidamente só para cair quase que instantaneamente sobre a poltrona. Fechara a cara depois disso, mas ficou por ali mesmo. – Estava imaginando quando viria me ver já que estou tão enfermo.

– Você foi espancado. Não tenho certeza se é possível você estar ai resmungando nessa poltrona. Pelo que sei você deveria estar é gemendo naquela cama. – Cruzei as mãos sobre o colo e baixei o olhar. – Mas de qualquer jeito eu estava resolvendo algumas coisas mais importantes.

Todos no recinto continuaram a fazer o que estava fazendo, - as meninas tentavam improvisar alguma comida e os meninos atrapalhando mais do que as ajudando -, mas eu senti a tensão aumentar.

– O que é mais importante que eu respirando?

– Bem, você continuar respirando talvez. – Respondi e suspirei. Eu não queria ser rude. Eu não devia ser rude.

Mas se algo o abalou, nada o denunciou.

– Escute – falei, mudando de estratégia. Talvez se eu falasse baixo e de uma vez os estragos fossem menores, não é? - eu estraguei tudo dessa vez. E não só pra mim, pra vocês também. A gente vai ter partir. Todos nós. E dessa vez eu estou falando sério.

E então eu falei e falei. Não poderia dizer quanto tempo levou, mas não foi pouco.

Depois que terminei, percebi que minha Trupe havia parado e se sentado próximos a mim, e me olhavam atentamente.

O primeiro a quebrar o silêncio foi James, como se isso fosse alguma novidade.

– Viver na floresta? – ele perguntou cauteloso. Era isso então. Eu pegara uma brincadeira que vivíamos fazendo e sugeri como uma alternativa verdadeira. Mentira. Eu a impus como única alternativa.

Assenti vagarosamente com a cabeça.

– Essa é só a ideia mais... – começou Filipe.

– Legal que você teve, Victória – completou Maggie e Filipe não negou. Então o casebre de três cômodos de Luke se encheu de risadas e exclamações empolgadas.

O dono da casa, não esboçou nenhuma expressão, não proferiu nenhuma palavra e nem soltou seus olhos dos meus.

Ajoelhei-me ao seu lado e peguei em sua mão.

– Você vai, não vai? – perguntei hesitante. Se Luke não fosse... Bem, havia uma grande possibilitada de eu não ir também.

Luke continuou me fitando. Desconfiei que ele me olhava sem realmente me ver.

Comecei a ficar nervosa. Onde diabos ele estaria? O corpo estava ali, mas a mente estava longe...

– Um beijo pelos seus pensamentos – falei, dando um risinho histérico e apertando as mãos dele um pouco mais forte.

Isso pareceu o despertar, ele piscou os olhos e então disse com estranheza:

– O que está fazendo ajoelhada aí? – perguntou. – Pare com isso, não estou morrendo.

Apesar de as palavras parecerem rudes, ele disse em um tom gentil. Como se estive levemente aborrecido por eu estar ralando os joelhos.

Ele suspirou depois de eu me sentar no braço da poltrona e me puxou até eu estar parcialmente sentada em seu colo, nossos pés sobre a mesinha de madeira que a mãe costumava passar um pano úmido com tanto esmero. Com as cabeças no mesmo nível e coladas uma a outra e com o corpo em uma posição desconfortável e ligeiramente imprópria, nós ficamos apenas olhando pra frente, e contando a respiração um do outro.

– Você sabe que eu vou com você a qualquer lugar não sabe? Contanto que este lugar não dê motivos pra você chorar em demasia como anda fazendo, eu vou a qualquer parte do mundo.

Ruborizei um pouco. Eu tinha esperanças de que ele não tivesse percebi o quão chorona eu estava durante essas semanas.

– E outra coisa: diga uma coisa pra me fazer feliz está bem? Admita em voz alta que a culpa é minha e passe esse o peso dos seus ombros para o meu.

– Cale a boca, Luke.

– Você sabe que é.

– Sei é?

– Sabe. Eu pulei o maldito muro. Eu joguei pedras em sua janela. Eu fui pego.

– E o que isso tem a ver? Eu abri a minha boca. Ele tomou medidas drásticas pelo o que saiu da minha boca. E sabe do que mais? Cada vez que eu repasso tudo o que aconteceu ontem à noite, eu percebo que não fora de impulso. Eu inconscientemente planejara aquilo. Eu queria aquilo. E eu tenho de admitir que por mais que eu tenha todos esses problemas prestes a cair sobre minha cabeça, eu fico muito mais aliviada de estar saindo daqui com vocês. Com você. E isso nem é o final: a certeza de que a culpa é minha é por causa da ausência dela em meu coração. Eu sinto que era aquilo que eu devia ter dito. De que não havia outro jeito afinal.

Ficamos mais alguns minutos em silencio. Eu não havia planejado dizer aquelas palavras, mas agora eu percebia o quanto elas desejavam ser ditas.

– Tudo bem, tudo bem. Você ganhou. E finalmente vou poder te-la só pra mim. Já pensou nisso? Não vou dividi-la com o principezinho, pois sei muito bem o que tem por detrás de cada palavra rude que ele dirige a você e...

– Luke.

– Hm?

– Me responda se seu cérebro está tão afiado quanto a sua língua ou tão debilitado quanto seu corpo.

– Os três estão bem, obrigado.

– Ótimo – respondi sorrindo o que parecia ser uma promessa de um riso genuíno e feliz. – Temos um ultimo grande roubo á orquestrar antes de partir.




O meu cabelo teimava em cair sobre meu rosto enquanto eu segurava a saia para descer as escadas sem grandes acidentes. Isso mesmo. Meu cabelo estava solto e eu vestia saias. E não aquelas saias simples que eu ocasionalmente usava. Uma saia de um vestido.

Eu sabia muito bem que eu já não precisava fazer isso, as pessoas apesar de não aprovarem já esperavam me ver de calças e tranças.

Mas estava aí: eu não gostava de fazer o esperado.

Eu só tinha poucas horas para “chocar” este castelo. E como se estivesse querendo colaborar, assim que tirei os pés do ultimo degrau, pude vislumbrar Miraz e alguns conselheiros vindo pelo corredor.

Sorrindo mentalmente, coloquei a minha melhor expressão de inocência no rosto e curvei levemente a cabeça demonstrando respeito.

– Senhor Miraz – falei em um tom acanhado e ligeiramente dócil. Eu estava me divertindo por dentro.

Ele me olhou com o mesmo desprezo de sempre, mas eu pude notar quase como podia sentir uma nota de medo em sua expressão.

Ele hesitou, mas respondeu me perguntou o que eu desejava.

– Eu gostaria de discutir alguns assuntos com o senhor. Isto é, se o Senhor tiver alguns breves momentos para dedicar a mim.

Miraz abriu a boca para negar, mas Sopespian ergueu a mãe e a levou ao ombro dele. Tive certeza que ele deu uma apertada antes de dizer:

– Vá, Miraz. – falou em tom amigável. - Ainda faltam alguns instantes para o jantar ser servido.

– Claro. Vamos, vamos então porque não quero chegar atrasado.

Dando um olhar ferino para o amigo, o príncipe regente fez uma tentativa de sorriso, e com um gesto deu a entender que queria que eu o seguisse.

Ele escolheu um cômodo aleatoriamente, abriu a porta e esperou que eu passasse. Certificou-se de que a porta estava bem fechada antes de dizer:

– O que você quer? – disse no tom que reservava a mim: misturava nojo, raiva, exasperação, desespero e um tantinho de medo.

– Vou precisar de seis cavalos – eu disse casualmente, enquanto espiava o que havia na bandeja que havia em todas as mesas que o castelo possuía. Fiz uma careta, pois só havia o que eu costumava chamar de bebida de velho.

– Seis cavalos? – havia humor em sua voz como se ele não acreditasse na minha cara pau.

– Sete, contando com o meu Fueco

– E porque eu haveria de lhe dar esses cavalos?

Minha boca se retorceu em um quase sorriso.

– Eu preciso sair daqui de alguma forma – falei, como se fosse obvio. Eu sabia que estava abusando, mas se eu não demonstrasse confiança eu não conseguiria nada.

Ele se aproximou de mim e se serviu de uma das bebidas.

– Sabe – ele começou lentamente – eu poderia mudar de ideia e te matar de uma vez.

– Então é bom que essa ameaça seja verdadeira e você o faça antes de eu sair dessa sala. Porque se por um minuto eu passar por aquela porta pensando que seu blefe possa ser real, eu vou destruir a sua vida antes mesmo de você achar algum de seus homens pra fazer o serviço sujo.

Depois revendo aquela cena em minha mente, eu fiquei bastante orgulhosa de mim. As palavras saíram da minha boca sem hesitação, meu semblante estava calmo e eu exalava segurança.

Muito diferente do que eu sentia porque eu ainda tremia por dentro por causa da ameaça de voltar atrás.

Mas se eu fosse Miraz eu me dava os cavalos.

E foi isso o que ele fez quando me disse:

Ótimo. – Ele concordou em tom de desistência. – Vou deixar as coisas mais fáceis pra você, mas o trabalho é todo seu. Vou dar uma noite de folga para a maior parte dos guardas. Crie algum tipo de confusão – sua especialidade – e se livre dos que restarem.

– Era isso mesmo o que eu queria. – E lhe dei o meu sorriso mais brilhante. – Agora eu acho que estamos atrasados... O que será que foi servido essa noite? – Comecei a me encaminhar pra fora. – Termine seu drink – eu disse por cima do ombro. – Eu vou na frente.




– O que você está fazendo?

O sussurro quase não foi percebido em meio às vozes que conversavam animadamente e o meu imenso deleite com aquele pudim de chocolate.

Mas eu tinha um par de ouvidos muito bem treinados.

– Estou terminando de comer minha sobremesa?

Caspian estreitou os olhos.

– Você está usando vestido. Um vestido vinho. E penteou os cabelos. Eles estão soltos.

– Bravo! Excelente observação, Majestade.

– Victória, você está com os cabelos soltos e usando um vestido de espartilho vermelho, ou você me diz o que está tramando ou eu vou lhe chamar um doutor.

– Eu devo ficar ofendida ou...

– Pare de bobagens.

– Acontece, Majestade, que eu estou querendo agradar ao senhor. O que você achou do vestido? Meu cabelo está ao seu gosto?

– Não quer me dizer, então? Ótimo.

– Eu sinceramente não entendo você. – Essa foi à primeira frase que eu lhe dirigi aquela noite que estava encharcada de sarcasmo. – Me trata pior que uma meia mal-cheirosa e então espera que eu lhe confidencie todos os meu motivos.

– Eu só fico curioso.

– Mas curioso? Você perdeu o direito de se sentir curioso sobre mim há muito tempo. De fato, você já nem deveria se sentir assim.

– Porque não?

Franzi o cenho e fiquei observando seu rosto.

O nariz perfeito, reto e aristocrático. As sobrancelhas e os lábios finos. Os olhos castanhos e abismáticos. O cabelo comprido, liso e cheiroso. A tez morena da sua pele.

Olhando assim, era o mesmo Caspian. Mais velho, mais bonito, porem o mesmo.

Mas se antes ele era como um jogo de domino – sério, porém divertido – agora era como um quebra cabeças com falta de peças em demasia.

Interessante, mas eu não tinha peças o suficiente pra ter certeza sobre a imagem que formava.

– Porque não? Você que tem a resposta dessa pergunta.

Então eu senti. Era estranho e não tinha lógica, mas eu senti. Entrelacei meus dedos pra impedi-los de irem até meu peito. Havia mais uma rachadura no meu coração. Cada palavra que eu trocava com Caspian me magoava e eu sabia disso.

– Me diga algo gentil – pedi repentinamente. Eu não iria abordar o “porque você me odeia” essa noite. Eu iria do nada para o lugar nenhum. – Uma mentira só hoje, só em caso de...

... De eu nunca mais ver você.

... De o meu plano não der certo.

Ele mordeu os lábios, provavelmente considerando se eu estava louca. Se eu fosse ele, seriam exatamente esse os meus pensamentos. Quero dizer, lá estava eu vestida feito uma garota – vamos dizer a verdade -, com os cabelos soltos e lhe pedindo por palavras gentis.

Ele não precisava nem ser medico pra me dar um diagnostico.

Eu estava mesmo meio louca.

– Você está linda hoje – ele disse por fim. - E não é mentira.

– Não é mentira? – Sorri, enfiando mais uma colher cheia de pudim na boca. – Então me diga por que estou bonita.

Ele sorriu e fez uma careta ao mesmo tempo. Demorou tanto pra recomeçar a falar que eu pensei que ele tinha desistido:

– Você está bonita porque a sua pele exótica faz uma combinação mais bonita com o vermelho vinho do que com o verde esmeralda. Está bonita porque seu cabelo cacheado e escuro é mais bonito solto e revolto do que muitos cabelos dourados que já vi. Está bonita porque esses seus olhos verdes, mesmo misteriosos e desconfiados, não tem aptidão para serem desagradáveis de olhar. Na verdade você não está bonita - considerando que a palavra que usei primeiramente foi linda – é que você é bonita.

Bebi todo o vinho da minha taça intocada.

– Acho melhor eu ir indo – falei. – E Caspian, eu sei que você só estava sendo um mentiroso convincente...

– Eu não estava...

– Estava. Não vejo porque não estaria. Mas deixe-me terminar de falar, falta pouco. Eu gostaria de dizer obrigada. Eu sei também estou surpresa, faz tempo que não usamos essa palavra. – Sorri. Obrigada de verdade. Boa noite.

– Quer que eu te acompanhe até o seu quarto?

– Não. - Não estou indo para o meu quarto.

– Então boa noite.




Cinco minutos depois eu batia furtivamente na porta do escritório do Dr. Cornelius. Ele abriu a porta e sorriu a me ver.

Vinte minutos e meu relato reduzido do que acontecera nas ultimas semanas depois, sua expressão não era a mesma.

– Você tem um canivete?

– Mas o... Canivete?!

– É, doutor, eu tenho uma coisa pra você, mas está costurado em uma bolsa na barra da minha saia.

Ele me deu um olhar estranho.

– É que os moradores deste castelo não me inspiram o sentimento de confiança, sabe.

– Você é estranha, criança. E muito, muito esperta.

Não me ocorreu o que responder, então me limitei a virar a barra do vestido para cima, achar o ponto correto e passar a lamina pelo tecido.

Peguei a trompa nas mãos e a coloquei sobre a mesa. Lado a lado, observamos o brilho dela que parecia apenas ficar mais encantador a luz de velas.

– Então... é de verdade mesmo?

Suspirei antes de responder.

– Duvido. Mas é essencial. – Virei-me pra ele e tomei suas mãos nas minhas. – Eu vou precisar de um favor, doutor. Espero que entenda porque preciso ir embora, mas ainda assim há certas coisas que não posso deixar para trás. Eu preciso salvar Caspian, doutor, eu preciso. Eu tenho um plano. É falho, mas é um plano.

– Só me diga o que eu devo fazer.

– Eu quero que você entregue essa trompa para Caspian.




Estava mais frio do que eu imaginava, mas a pele que eu colocara sobre os ombros, debaixo da capa, estava preparada para muito mais frio que aquilo.

Fui andando com cuidado e silenciosamente, com o capuz da capa sobre meu rosto.

Havia menos de cinco guardas dentro do casebre que ficava ao lado do estábulo. Três ou quatro, contei. Todos eles estavam bêbados e resmungões por não terem sido dispensados.

Sentei-me encolhida no chão lamacento, abaixo da janela, e esperei, observando o meu trabalho – da onde eu estava, tinha uma boa visão das cortinas em que deixara cair uma vela acesa.

Uma vela acesa e um pouquinho de álcool.

Era só uma questão de tempo para que eles vissem e saíssem cambaleando, tentando fazer algum ato heroico.

E foi como eu pensei: cinco minutos depois eles passavam por mim sem perceber, empurrando uns aos outros e gritando com suas línguas enrolas “sem pânico, estamos chegando”.

Assim que a porta se fechou atrás do ultimo bebum, levantei e bati minhas vestes.

Fueco e os cavalos que eu escolhera para minha trupe eram os últimos da fileira de éguas e garanhões. Fui abrindo todas as portinholas e libertando os cavalos, um por um.

Eu iria dificultar o trabalho deles, caso viessem atrás de mim.

Sai dos estábulos e pude ver que os idiotas agora brigavam jogando a água restante de seus baldes uns nos outros.

Calculei que ainda tinha no maximo dez minutos. Eu estava começando a ficar impaciente. Onde havia se metido Luke e os palhaços?

– Ei! – A voz de James chegou aos meus ouvidos e era mais bonita que qualquer canção.

– Vocês estão atrasados! – ralhei, olhando para Luke, que estava um pouco mais atrás de todo mundo.

– Victória, calma, nós estamos aqui agora.

– É, Vi, seu James já esta aqui para dizer que tudo vai ficar bem.

– James, cale a boca! – alguém mandou.

– Não comecem vocês dois. – Este foi Filipe.

– Não, por favor. - pedi. – Comecem, discutem, briguem... É tão bom ver vocês! – Abracei James.

– Suas mudanças de humor são perturbadoras – Percy declarou.

– Nunca pensei que ouviria isso. – James falou, me abraçando de volta desajeitadamente. – Devíamos ter planejado fugir antes.

– Com certeza. Mas seria uma boa ideia fugir agora, não seria? – A voz de Luke me trouxe de volta a razão.

– Sim. Ótima ideia. James e Lilith, os cavalos cor de areia são seus. A fêmea malhada marrom é de Maggie e o macho malhado preto é de Julia. Percy, o corcel cinza é seu. Filipe, seu garanhão onde está?

– Eu paguei para o levarem para os arredores da cidade para não criar problemas.

– Tudo bem, você vai com a Maggie. – Ignorei a expressão descontente dos dois.

– E o meu? – perguntou Luke.

– O seu é a branco.

Ele levantou ligeiramente as sobrancelhas, mas não disse nada.

Esperei que todos entrassem na cavalariça e achassem seus cavalos, depois me dirigi ao ultimo cavalo livre do estábulo, o poderoso garanhão marrom-avermelhado, meu Fueco.

– Prontos? – Lilith, perguntou.

– Vocês já sabem o caminho – respondi.

E então, um por um, fomos saindo devagar – primeiro quase que desfilando, trotando, mas um certo ponto de distancia dos estábulos, a confiança tomou conta de nós e dos cavalos. Eu não perdi tempo tentando botar Fueco a meio galope.

Fueco queria correr e eu também. E pela primeira vez, nós podíamos.




Quando passamos galopando pela ponte levadiça, assustando os guardas que dormiam em serviço (eles não moveram um dedo para nos parar, desconfio que eles acham que fomos um pesadelo), eu soube que seria minha ultima chance de olhar para trás, para aquele castelo.

Eu tentei, juro que tentei, mas não consegui não olhar.

Mas foi bom – quando eu olhei e vi aquela construção secular se erguendo contra o céu, o medo passou. Eu não estava deixando muito para trás, nem metade do que eu temia. Lembranças e Caspian basicamente.

A primeira delas, nunca se separaria de mim.

E a segunda eu voltaria para buscar, eu prometo.

Por isso quando nós saímos dos limites da cidade, da população, nos vimos envoltos de árvores e de nossas próprias risadas de alivio, quando Luke me perguntou se estava tudo bem, eu respondi que sim.

Sim, esta tudo bem. E o que não está, vai ficar.





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Notas finais do capítulo

Oi! Olha quem eu resolvi aparecer, lol. Demorou, mas aí está o quarto capitulo de LoLi. Espero que gostem porque deu trabalho, rs. E não, gente, a Susana não é mãe da Vic. No filme quem dá a trompa a Caspian é Dr. Cornelius (não me recordo como ela chegou as mãos dele) - na minha fanfic também vai ser assim, mas quem a dá ao Dr. Cornelius é a Vic. A trompa chegou nas mãos dela como "herança de família". Sabemos que sua mãe descende de anões negros, que por sorte, acharam a trompa e foram passando de mão em mão, de pai para filho, em segredo até a nossa protagonista. Está resolvido o mistério. Até a próxima att, xx.