Long Live escrita por lizpfvr


Capítulo 3
Capítulo III


Notas iniciais do capítulo

Contém trechos da música "In My Place" da banda Coldplay.



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Capitulo Três

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“Em meu lugar, em meu lugar

Estavam linhas que eu não podia mudar

Eu estava perdido, sim

Eu estava perdido, estava perdido

Cruzei linhas que não deveria ter cruzado

Eu estava perdido, ah sim

(...)

Eu estava assustado, estava assustado

Cansado e despreparado

Mas eu esperei por isso.”

Coldplay

.

Dr. Cornelius fez uma cara confusa e examinou a imagem.

- Esta é certamente a Trompa de Susana, Victória. – Mas quando ele se virou pra mim, eu já havia levantado. - Victória?

Havia preocupação em sua voz, eu estava agindo estranho. Mas era mesmo muito estranho.

- Não, não é nada... Acho que não estou passando muito bem, só isso. É... com licença.

E então sai da sala.

Fui direto para o meu quarto e entrei dentro do armário. Procurei, procurei, procurei... Por Deus, eu não sabia que possuía tantas roupas. Mas então, encontrei. Uma caixinha, dourada, delicada. O ultimo presente que minha mãe me dera.

Abri cuidadosamente e então prendi a respiração quando a vi. A manuseei cuidadosamente, olhando cada detalhe, e então, com a caixinha na mão me joguei sem nenhuma delicadeza sobre a cama.

A Trompa mágica da Rainha Susana, A Gentil caiu sem barulho algum ao meu lado.

...

Abaixei-me rapidamente e fiquei respirando o mínimo possível para não fazer barulho. Antes eu pensava que é mais prudente não respirar nada, mas agora eu já sabia quanto barulho uma respiração que você prendeu até o maximo poderia fazer. E acredite quase ser pega espionando apenas com as roupas de baixo não era nada legal. 

Mas dessa vez, pelo menos eu estava bem vestida. Sem bem que minhas calças de couro não eram bem vistas, afinal, “garotas deviam usar saias”.

Uma novidade para vocês: eu era garota e não usava saias. Tente correr ou atirar flechas ou correr e atirar flechas com aquele tanto de tecido te incomodando antes de falar alguma coisa, por favor.

Coloquei o papel que eu tinha nas mãos (sim eu conseguira achar a ficha do Luke. Lorde Sopespian não era muito inteligente e o deixara livre para ser pego na primeira gaveta de sua escrivaninha) no bolso e entrei debaixo dela, bem a tempo de o Príncipe Miraz e o General das tropas telmarinas, Lorde Sopespian, entraram na sala como eu já sabia que fariam. “Por onde eu sairia agora?” me perguntei com um quê de desespero.

Eu poderia pular a janela, mas não estava esperando que essa situação fosse tão desesperadora também para eu começar a pensar nisso. Até porque eu não estava muito ansiosa por pular uma janela, já que da ultima vez que eu fizera isso eu ficara cheia de hematomas.

E a ultima vez fora semana passada, só para constar.

A segunda opção era ficar ali quieta e esperar que eles fossem embora. Depois de uma reflexão que durou, mais ou menos, duas piscadas dos olhos, eu decidi definitivamente ia ficar com a segunda opção.

- Prunaprismia está grávida! – Prunaprismia era mais conhecida como a minha madrasta, apesar de ela não saber do fato. Ou seja, eu terei um irmãozinho ou uma irmãzinha que nunca realmente irei poder conhecer.

Se algo podia ficar melhor na minha vida, isso acabara de acontecer.

- Grávida?  Meu senhor que ótima noticia!

- Prunaprismia consultou uma vidente sem a minha permissão, em segredo, e ela nos garantiu que seria um garoto! – A voz dele transbordava de felicidade.

Correndo o risco de ser pega, eu levantei um pouco a cabeça para ver a cara do falso Sopespian. O riso que ele deu foi com certeza um riso de deboche. E meu pai ainda tinha a pretensão de se julgar esperto. 

- Mas isso é fantástico! – Sopespian falou, o sarcasmo ali, impresso em cada palavra.

Percebendo o deboche, Miraz acrescentou:

- De qualquer modo, eu não me importo com o sexo da criança. Está será minha herdeira e eu já posso dar seguimento com tudo o que planejei.

- Quando anunciara a noticia aos seus súditos? O povo entrara em jubilo.

- Eu sei, eu sei... Farei isso em breve. Mas vamos tratar de algo mais sério agora, caro amigo. Eu vou ter um verdadeiro herdeiro agora e poderemos nos livrar da imprestável de Victoria assim como iremos nos livrar do Caspian.

- Você está querendo matar a sua primeira herdeira também? – a voz agora era cautelosa.

- Ela nunca foi minha herdeira! Eu apenas não fiz isso antes porque estava me esperando que minha esposa me desse a graça para poder matar a ela e o meu sobrinho.

Depois de uma tensa pausa, ele completou:

- Eu acho que não poderia matá-la, para lhe ser sincero. Sua mãe era... A criatura mais gentil que conheci. Veja bem, eu não sou um monstro. Mas vamos deixar de um jeito bem claro o que poderemos fazer se ela não baixar a bola a partir de agora.

Eu não estava entendendo. Ou melhor, esperava não estar entendendo.

Ele claramente havia dito o verbo “matar” várias vezes. Mas ele não podia estar sendo sério.

Então eu me lembrei do que ele fizera com Luke. Eu me lembrei de como ele era mesquinho. Eu me lembrei das inúmeras humilhações que eu passei.

 Ele exercia o papel do Rei, mas não por muito tempo. Caspian já tinha dezessete anos. Seria muito fácil, então, se livrar do garoto, ainda mais para um homem como ele.

E se era fácil se livrar do garoto – que era o Príncipe -, de mim seria nenhum esforço.

Arrependi-me subitamente de tudo que eu já fizera. Dos roubos, dos planejamentos, de tudo. Não por ele. Mas por eles, meus amigos. Eu estava lidando com algo muito maior.

Eles já podiam ter morrido. Oh, meu Deus. Luke podia até não ter saído com um olho roxo daquela sela – Luke podia até simplesmente não ter saído.

E o pior de tudo era ainda ter que lidar com o meu orgulho ferido, porque, vejamos: o cara por quem eu tinha nojo de ser filha estava dizendo que iria matar Caspian por ter um novo herdeiro, já que a que ele tinha, ou seja, eu, não era digna de ter um trono roubado?

Nem disso eu era digna, não é mesmo. Um trono banhado de sangue.

O horror, a revolta e o ódio tomaram conta de mim e eu tinha certeza de não poder ouvir mais nada.

Mordendo a língua e com um pouco de raiva, eu tive refazer minhas escolhas. Os dois estavam tão felizes, dançando até que eu agarrei aquela oportunidade de sair dali.  Sai de meu esconderijo, embaixo da escrivaninha que era de frente para a janela, então engatinhei até ela e pulei silenciosamente como um gato.

...

- O que aconteceu? – Luke perguntou.

- Pulei pela janela.

- De novo?

- De novo – concordei. Luke nem se deu ao trabalho de parecer muito preocupado. O negocio é que as janelas têm um espaço em que é muito favorável que uma pessoa humana ande se for cuidadosa. Eu simplesmente pulei, dei uns passos rápidos e esperei ser seguro descer sem fazer barulho, como um gato. Ou uma aranha. Enfim, o importante é que Lorde Sopespian não é tão importante assim para ter um escritório lá em cima...

Ele me observou por uns instantes. Eu era difícil de ler, mas o livro de Victória Black ele já lera e re-lera muitas vezes, a ponto de decorar passagens inteiras.

Desviei os olhos.

- Tem alguma outra coisa. – Ele falou.

- É? – eu perguntei já me afastando. Eu queria muito acertar minha flecha em algo e estava torcendo para que esse algo não fosse ele.

- É, é sim. – A voz dele ainda estava despreocupada. – Porque não começa me contando sobre o que ouve com você de tão desesperador que pulou a janela?

Tirei o papel do bolso com tanta má vontade que acabei o amassando. Eu ia me arrepender do modo que eu estava agindo depois, mas eu não me importava ainda.

- Estava conseguindo isso pra você. – E joguei por sobre os ombros. Assim mesmo.

- O que é... – houve uma demora até que ele pegasse o papel no chão e passasse os olhos sobre ele. – Mas... Mas Victória, isso é... Isso é fantástico!

- Eu também acho – eu disse tirando minha flecha da aljava presa nas costas e atirando uma flecha em um galho fino... que antes tinha um esquilo em cima. Eu nunca caçara bem com raiva. – Valeu a pena, não é mesmo.

- É... Valeu. - E agora Luke usava sua voz de caça. Era suave e rápida.

- Eu entrei...

Você se distraia e então caia na armadilha.

Como eu acabara de cair.

Antes de eu mesmo perceber o que ele estava fazendo, Luke já tinha me virado e me prendido em seus braços.

- Me larga! – Eu tentei da um pontapé na canela dele, mas ele agüentou firmemente.

- Shhh, shhh, quietinha... Eu só quero agradecer. – E então ele desceu os lábios sob os meus de novo.

E eu o beijei de volta.

Eu queria muito sentir algo que não fosse aquilo que eu estava sentindo, e que eu não tinha palavras para descrever, mas era algo grande e algo ruim.

Então o beijei de volta mesmo, furiosamente.

Luke se assustou inicialmente com a minha empolgação, mas não ousou parar. Ele apenas prendeu seus braços nas laterais do meu corpo e segurou meu rosto como se fosse quebrar ou fugir. Como se por acaso ele me soltasse, eu podia cair ao chão sem apoio, como uma boneca pesada ou vazia demais.

Enquanto isso, eu passava meus dedos pela sua camisa, pelo pescoço e pelo cabelos. Estou sendo gentilíssima ao dizer “passar”. Eu estava sendo um pouquinho mais violenta que isso. Sinceramente, eu arranhava, puxava, mordia e descabelava Luke.

Parecia que eu queria que ele me soltasse, mas esse não era o caso. Eu estava desabafando sem palavras. E ele merecia um premio – ele não se rebelou ao meu estanho jeito de “dar carinho”. Ele continuou me segurando, como se soubesse como eu precisava daquilo.

Ele era experiente, parecia nem precisar tomar ar enquanto eu ofegava. Ele devia beijar muitas garotas - a vida dele não se resumia a mim é claro -, mas nunca beijara uma tão histérica quanto eu. Ao contrario de mim que vivia “presa” dentro do castelo, Luke tinha uma vida lá fora. Eu já percebera o modo como as garotas nos olhavam quando eu estava com ele (ele com paixão; eu com um desprezo invejoso).  

É lógico que ele beijava outras garotas, decidi. Garotas que não usavam a mesma trança nos cabelos todos os dias, garotas que usavam orgulhosamente suas saias, garotas que tinham medo de flechas, garotas perfumadas e que passavam as mãos pelo cabelo louro e brilhante dele delicadamente. Não garotas que arranhavam, mas garotas que passavam as mãos com unhas bem feitas fazendo carinho. Não garotas que ofegavam e gritavam com ele, mas garotas que gemiam baixinho e coravam fácil.

E principalmente garotas que nunca ousariam morde-lo como eu o havia feito.

Incrivelmente, não fora um dos inúmeros sentimentos que eu já sentia que fizeram eu me afastar dele. Foi o ciúme - a receita ridícula entre raiva, desejo, inveja e até mesmo um pouco de egoísmo – que me fez cambalear pra longe dele.

Algumas lágrimas começaram a descer pelo meu rosto, eu tratei de virar de costas e secá-las rapidamente e Luke não as notou.

Na verdade ele parecia estar bem satisfeito para notar qualquer coisa.

- Isso tudo foi muito... – Ele se distraiu. - Uau. Victória, definitivamente tem algo errado com você. Você nunca me beijaria assim. Da ultima vez... – ele se virou pra mim e apontou um dedo – da ultima vez você me empurrou e fugiu.

E então ele percebeu que eu chorava.

- Ei, está tudo bem, está tudo bem – ele me abraçou.

- Não tá não, não tá nada bem – eu respondi limpando minhas lágrimas de novo, olhando para qualquer lugar que não fosse pra ele.

- Mas vai ficar se você me contar o que está acontecendo.

- Eu não tenho ninguém, Luke. – Choraminguei.

- É lógico que você tem alguém. Você tem a mim e eu pensei que você já tivesse entendido isso – seu tom era ligeiramente aborrecido.

Meu choro não se intensificou, mas tampouco cessou.

Quando ele voltou a falar também havia algo de um cômico desespero em sua voz. Ele nunca me havia visto chorar.

- Victória, por favor.

Mal eu abri, já fui interrompida:

- Aqui estão vocês!  

Maggie segurava um facão quase do tamanho de seu próprio braço e sorria.

- Porque diabos você tinham que entrar tão dentro da floresta para se abraçar? – ela perguntou num tom irritado, tão falso quanto as pedras de sua pulseira.

Logo ela foi empurrada para frente, e a cabeleira negra e cacheada de Percy apareceu. 

- Perseu! Eu tenho uma faca tamanho família na mão se ainda não percebeu! – Maggie reclamou.

- Perdão, mas sinceramente, a culpa não foi minha desta vez.

- Nunca é sua culpa... Ai, James, se você não percebeu, isso que você está puxando é meu cabelo! – Lilith apareceu por detrás de Percy massageando a cabeça loura. Os olhos cinzentos olhavam assassinos para o garoto James que apareceu do lado dela sorrindo.

Os cabelos castanhos claros dele estavam organizados numa desordem que fazia todas as garotas suspirarem. Ele piscou um dos olhos castanhos claros pra mim e disse:

- Como você pode me trocar por ele?

- Simples, James, ela sabe que ele tem algum senso de direção – Julia falou. Seu cabelo vermelho tinha estranhos pontos verdes no meio.  Ela tinha o braço estendido e balançava um graveto feito uma cega. – “Por este lado, eu tenho certeza, é mais claro. Só mais alguns passos e o sol vai começar a aparecer por entre as arvores.” – Ela fez uma péssima imitação do amigo, mas me arrancou algumas risadas.

Luke, que era o único que sabia que eu estivera chorando, sorriu pra mim aliviado e seu rosto pareceu se iluminar um pouco.

- Vocês vão abrir espaço para eu passar ou eu nunca mais vou ver a luz do dia?

- Dramático...

James deu um passo para o lado e Filipe se espremeu para passar.

Passou a mão pelos cabelos louro-avermelhados despreocupadamente e virou os olhos verde musgo pra mim como se tudo já tivesse normal entre a gente. Ele realmente confiava em mim para guardar seu segredo. Aquilo me emocionou mais ainda.

- E aí? Porque a reunião no bosque? O lobo pode chegar a qualquer minuto.  

Soltei-me de Luke e abri a boca para mentir, mas Luke foi mais rápido.

- Victória quer compartilhar algo com vocês.

Todo mundo se calou com expectativa. Estavam pensando em confusão. Dava até para sentir suas auras felizes.

- Pessoal, podem ir abaixando as orelhinhas. – Eu disse mandando um olhar irritado para Luke. Eu não queria compartilhar nada. Só que... se eu não me abrisse com eles eu não poderia me abrir com ninguém.– O que eu vou dizer é sério. Eu acho que... – a ideia saiu pela minha boca antes mesmo de saber que era uma. - Acho que tenho que ir embora. 

- Ir embora? Ir embora para onde? Calormania? – debochou James.

- Eu acho, James, que a Victória está tentando nos dizer algo sério – Filipe declarou e na hora todos fecharam a boca que haviam acabado de abrir para se manifestarem. 

Hesitei antes de voltar a falar, mas Luke esticou o braço e acariciou minha mão me encorajando.

- Eu ouvi uma conversa... E eu ainda não tenho certeza se foi bom ou não ter ouvido. Mas a verdade é... A verdade é que eu não sei de muita coisa e que não tenho certeza de quase nada.  Mas tenho sérios motivos pra acreditar que minha vida está em perigo.

...

Mais tarde naquele dia, entrei no castelo pela cozinha. Eu estava cansada e com um pouco de fome. Como tudo o que eu não iria fazer era comparecer ao jantar, pensei em ficar por ali, comer alguma coisa e ir direto para o meu quarto lidar com algumas coisas não tão apavorantes como o que eu estava fazendo em posse da Trompa da Rainha Susana. Isto é, se fosse ela mesma, fato do qual eu duvidava.

A cozinha era provavelmente, o lugar mais animado do palácio há esta hora.

Havia garçons e ajudantes entrando e saindo, panelas e talheres caindo no chão, chiados da comida sendo refogada, o cheiro de frangos sendo assados, a visão magnífica das sobremesas de chocolate e as vozes das cozinheiras.

Eu estava muito familiarizada com tudo aquilo, afinal, quando eu deixava as pessoas um pouquinho aborrecidas eu fazia um favor para todo mundo e não comparecia aos jantares (e aos cômodos de uso comum em geral) e comia ali.

Até me orgulho de dizer que eu fazia aquilo bastante.

- Dilly? – fui passando perguntando pela chefe das cozinheiras.

- Estou aqui!

Caminhei até ela, desviando de garçons apressados e de cozinheiras gorduchas, tentando não fazer nenhum estrago como fazer um garçom deixar cair dúzias de pratos ou fazer uma das garotas despejar um saco inteiro de pimenta moída em um dos pratos.

Consegui chegar a salvo, finalmente, até Dilly Bronx.

A pele dela era tão branca que ela ficava vermelhinha como um tomate quando ruborizava e esta era constantemente lustrosa de suor por que ela quase nunca saia da cozinha, de perto do calor dos fornos e das fumaças que saiam das frigideiras. Seu cabelo era louro, crespo e volumoso, mas ficava sempre preso debaixo de uma toquinha. E ela também era, possivelmente, a mulher mais gorda que eu já vira em toda a vida. (Alguns guardas adoravam compará-la com um leitão. Eu sempre os fazia pagar pela suas línguas é claro, com um bom chute na canela.)

- Dilly, eu posso comer aqui hoje?

- É claro que pode. A senhorita come tanto aqui que seria mais sensato você perguntar “Dilly, eu posso não comer aqui hoje? Por favor!”. – ela fez uma imitação patética da minha voz. Eu não fala desse jeito manhoso. Pelo menos eu esperava fervorosamente que não. – Pode se sentar que eu já levo seu prato.

Sai da área quente da cozinha (que era onde ficavam os fornos e etc) que ficava perto da porta dos fundos e fui indo mais para perto da porta que dava para a sala de jantar.  Lá havia uma mesa muito grande, porem muito simples, de madeira e era onde os empregados comiam.

Já havia alguém sentado lá. E eu quase vomitei quando percebi que esse alguém era nada mais nada menos que o Príncipe Caspian.

Deixe-me contar uma história: eu e Caspian, naqueles tempos em que éramos criança e tudo era colorido, tínhamos nossos pais e tudo era feliz, nos gostávamos bastante de passar um bom tempo na cozinha roubando sobremesas. Dilly Bronx sabia é claro, mas fingia não ver. Já havíamos nos metido dentro de uma pia cheia de sabão. E incontáveis vezes dormimos sob aquela mesa.

E claro que aquelas lembranças trouxeram mais material melancólico pro meu ser já em frangalhos.

Mas eu me sentei – desabei seria a palavra correta – em uma cadeira do mesmo jeito.

- Oi – ele falou, parecia quase tímido.

- Olá – eu respondi com os olhos fechados, a cabeça deitada de frente sobre a mesa.

- Há quanto tempo.

- Podia ser mais. – respondi.

Ele hesitou a abrir a boca, e quando o fez a única coisa que saiu foi um resmungo:

- Hm.

Eu não falei mais nada, nem ele. Ele não perguntou por que eu estava comendo ali, e apesar de eu estar um pouco curiosa, sim eu admito, eu não perguntei também.

Dilly trouxe dois pratos, tão cheios quanto os dos rapazes que trabalhavam nos estábulos. Mesmo achando não estar com toda aquela fome, eu esvaziei o prato.

Caspian também.

Tudo no mais perfeito silêncio.

Eu me levantei assim que terminei, os entreguei a Ronnie, uma das garotas que lavavam a louça e subi com um vago “b’noite”.

Ele ainda ficou lá para comer a sobremesa, aposto.

Subi para o meu quarto e tive uma noite limpa de sono. Sem sonhos, sem ficar meia hora virando de lado na cama feito um pastel, sem pensar em coisas perturbadoras. Foi uma noite incrível. Isto é, até a meia-noite.

...

Eu já estava segura no mundo da inconsciência quando algo alcançou a minha janela – bateu violentamente, mas não a quebrou.

Abri um olho. Parecia ser uma pedra, mas eu só tive certeza quando veio mais outra. Contrariada, me arrastei até a janela e espiei lá fora.

Se não fosse a luz da lua, o cabelo louro de Luke não poderia ser visto. Abri uma fresta da janela.

- O que você quer? – perguntei mal-humorada.

- Ver o seu sorriso – ele disse sorrindo despreocupadamente.

- Volta outro dia – falei e já ia fechando a janela, quando outra pedra veio e quase me acertou. – Você está louco, é? Eu não estou tendo um bom dia, então, a não ser que você não tenha algo melhor para fazer do que levar uma flechada no traseiro fica bem aí, sua besta.

- Besta, hum? – ele falou. Outra pedra veio.

- Luke, deixa disso!

- Então me dá um sorriso.

- Sem chance!

- Então vamos ficar aqui a noite toda.

- Vamos ver se vamos... – eu já ia fechando a janela de novo quando outra pedra veio e dessa vez me acertou. – Ai! – reclamei.

- Eu te acertei? – a voz dele tinha subido uma oitava e sua expressão beirava o pânico. Não deu outra. Comecei a rir.

- Como você é patético. Não era pra isso que você estava jogando pedrinhas?

- Não – ele respondeu. A expressão marota já tinha voltado para seu rosto. – Era pra isso.

Ele estava falando do meu sorriso. E como eu no fundo era uma garota como qualquer outra, meu sorriso se alargou sozinho.

- Agora que você conseguiu o que queria, você poderia me responder como vai sair daqui? Pra começar, como entrou na propriedade?

- Pulei o muro – ele falou como se fosse muito simples.

- Você pulou o muro há meia noite pra me ver sorrir? Do castelo do Caspian? Você me ama, Payne.

- É, eu... – então um barulho de... cascos e vozes se aproximaram.

- Luke! – falei ao mesmo tempo em que ele resmungava “hora de ir” e então ele correu.

Mas não por muito tempo. Assisti chocada enquanto soldados da cavalaria Real pegavam ele.

Virei-me correndo atrás de qualquer coisa, o choque e a surpresa não me deixaram pensar direito, eu não sabia decidir se pegava meu arco ou se colocava calças, embora ambos fossem inúteis.

Quando coloquei as mãos no arco, o príncipe Miraz e dois soldados entraram no meu quarto.

- Levem-na lá pra cima – foi à única coisa que ele disse, e então os dois homens que tinham a massa corporal de um gorila agarram-me pelos braços e me tiraram do meu quarto.

...

A água gelada acertou meu rosto de novo antes de eu ter tempo de respirar o bastante.

- O que é que ele estava fazendo aqui?

- Tortura? Muito original. – Mais água. E este não era o pior. Luke gritava meu nome ao fundo. Parecia egoísmo, mas eu não queria saber o que estavam fazendo com ele.

- Irei perguntar de novo, o que ele estava fazendo aqui?

Mais água. Mais Luke gritando meu nome. Mais água. Mais Luke... Mais água... Mais Luke...

- Ele estava aqui para me ver, tá legal? – respondi desesperada. Estava ficando insuportável.

- Para te ver. Hm. Estamos chegando a algum lugar. O que vocês estavam planejando?

- Nós não...

Mais água. Dessa vez eu engasguei.

- Nós não estávamos...

Mais água.

- LUKE E EU NÃO ESTAVAMOS PLANEJANDO NADA.

Luke passou a gritar meu nome mais alto.

- Não estavam? – Miraz se inclinou pra frente. – Ele pulou os muros a meia noite e vocês NÃO ESTAVAM PLANEJANDO UM ROUBO DEBAIXO DO MEU NARIZ?

Mais água. Mais gritos. Meus joelhos doíam por estar em contato com o chão duro. Meus braços doíam por estarem dobrados nas minhas costas por mãos nada gentis. Eu estava sendo torturada. Eu não podia acreditar.

- Eu não estou planejando nada contra você. Mas o mesmo não se pode dizer sobre você contra Caspian.

Miraz empalideceu.

- É, eu sei. Eu sei de tudo.

Ele demorou muito pra responder, mas quando abriu os lábios disse:

- Soltem os dois.

Os gorilas que me prendiam demoraram um segundo para compreender, mas me soltaram sem soltar um pio.

- Saiam daqui e mandem Sopespian pra mim agora.

Então eles saíram, incluindo os outros que seguravam Luke. Ele já não fazia barulho.

- Você... andou ouvindo minhas conversas? – Havia medo e raiva mesclados em sua voz.

- Não importa. Eu sei. Parabéns pela criança, á propósito.

- Não seja cínica.

- Eu não estou. Ele, ou ela, será meu irmão, afinal. Não merece o futuro que vai ter. Não merece um pai como você.

Eu pensei que um tapa viria agora. Mas não veio.

- E o que você pretende fazer sobre isso? – ele perguntou como se eu tivesse dito nada sobre seu filho.

Abri a boca, mas percebi que não havia uma resposta. Eu sabia, verdade, mas o que eu pretendia fazer sobre isso?

- Quem mais sabe sobre isso?

Eu também não respondi.

Ele apontou para o ponto atrás de mim, bem no fim da comprida sala, onde Luke provavelmente estava.

- Ele sabe?

Então percebi onde ele estava tentando chegar.

- Não! – menti. – Ele não sabe de nada!

Miraz riu sem humor algum.

- E você simplesmente acabou de deixar mais obvio que ele sabe e sabe de tudo...

- E o que você pretende fazer? – perguntei. Tentei fazer a voz parecer forte, mas ela falhou.

Ele se encostou à cadeira e pareceu refletir.

- Eu podia me livrar de todos vocês assim como vou me livrar de seu primo. – Foi a primeira vez que eu ouvi ele reconhecer nosso parentesco. Se ele era meu pai, logo Caspian era meu primo. 

- Não, por favor, não... E-eu, eu... – as lágrimas rolavam pelo meu rosto e eu não conseguia pensar. – Eu vou embora!

- Pra onde?

- Eu me viro, você sabe que eu me viro.

- Eu não sei...

Cheguei mais perto e me ajoelhei a sua frente.

- Pode me procurar e se me achar faça o que quiser comigo. Mas deixe-me fugir primeiro. Me dê uma chance.

- Você tem 3 dias pra sumir. E leve seus amigos com você.

Engoli o orgulho e respondi:

- Muito obrigada.

Levantei-me e peguei Luke, cujo corpo já devia estar colorido com tantos hematomas em formação.

Lorde Sopespian que ouvira o final da conversa em silencio, sem ser notado perguntou enquanto eu arrastava Luke pra fora:

- Você vai mesmo deixá-la ir?

- Vou. Ela vai acabar morrendo, sabe. De um jeito ou de outro. – Ele falou como se tivesse certeza de que era mais fácil eu morrer se eu fosse embora para onde quer que fosse do que se eu ficasse ali, e foi como se ele tivesse pena disso.

Mordi meus lábios para não voltar atrás e dizer tudo o que eu queria dizer. Não era só a minha vida que estava em jogo e para ilustrar Luke suspirou meu nome durante seu estado entre a consciência dolorosa demais e a inconsciência torturante por não poder me proteger do que sei lá fosse.

Prometi a mim mesma que não iria perder a única que se importava comigo a esse ponto.


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Notas finais do capítulo

Sinceramente, eu não gosto desse capítulo. Drama demais, novela mexicana demais. Tentei reescreve-lo, mas apenas para descobrir que essa história já tem personalidade própria é assim que ela quer ficar. Espero que vocês não tenham a mesma opinião que a minha, xx.